dezembro 30, 2022

Máquinas de contar histórias

"Story Machines: How Computers Have Become Creative Writers" foi publicado em julho 2022, mas os seus autores, Mike Sharples e Rafael Perez, académicos na área da aprendizagem e criatividade IA, dizem-nos que o livro começou a ser preparado em 2001, por isso não se espere aqui um tratado sobre o enorme potencial aberto pelos sistemas GPT, que apesar de serem abordados representam apenas uma pequena parte da discussão.

dezembro 26, 2022

A Mente e a Lua

Daniel Bergner realiza serviço público com este livro, “The Mind and the Moon” (2022), ao dar conta do modo como a medicina lida com a doença mental no século XXI. Bergner começa por relatar o horror de um passado não muito distante, dos primeiros hospícios às lobotomias de Egas Moniz, evidenciando que se muito mudou, mudou mais ainda com a secundarização de Freud e a atribuição total de primazia ao poder da química para alterar a biologia. Podemos pensar que tudo foi sendo feito em nome da evidência científica, os problemas começam quando essa não é tão evidente como a indústria farmaceutica quer fazer crer. Os problemas acontecem quando a evidência funciona apenas para uma parte da população, enquanto na outra não vai além de placebo. Os problemas acontecem quando parecendo que funciona acaba por ditar uma qualidade de vida pior do que aquela que existia na sua ausência. Senti por vezes algum receio em continuar a leitura por, em partes, o discurso roçar a teoria da conspiração. Mas, o facto de Bergner ter vários livros publicados, escrever para algumas revistas de referência internacional, e acima de tudo estar a dar conta, em parte, de memórias vividas ao lado de um irmão que passou os últimos 40 anos a lutar com a doença, faz com que nos disponhamos a continuar a ler. Bergner questiona tudo e todos sobre os tratamentos, quase exclusivamente assentes no químico, que oferecemos à doença mental, terminando apenas com uma certeza, a de que continuamos a saber muito pouco sobre o funcionamento da mente.

dezembro 25, 2022

Média Artificiais (artificial media)

2022 ficará na história como o ano em que a Inteligência Artificial foi reconhecida pelas suas capacidades criativas. 

No dia 30 de novembro a OpenAI colocou na rede, em acesso gratuito, um assistente de IA, o ChatGPT, que em apenas 5 dias conseguiu mais de um milhão de utilizadores, alimentados pela curiosidade de contactar com as suas capacidades extraordinárias de conversação. No meio dos muitos defeitos que lhe fomos encontrando —erros factuais, invenção de dados, excesso de confiança, ou falta de “voz” —, todos tivemos de reconhecer que nunca tínhamos visto nada igual. É possível entrar em diálogo com o assistente, conversar sobre a mais ampla gama de assuntos e gerar momentos de profunda partilha empática construída a partir da autoilusão com base na naturalidade, eloquência e compreensão discursiva do assistente.

Mas não foi apenas a conversação que foi tomada de assalto. Meses antes, a 12 de julho, tinha sido divulgado um outro assistente, o Midjourney, depois, a 22 de agosto, era também divulgado o Stable Diffusion da Ludwig Maximilian University de Munich, e ainda a 28 de setembro, a OpenAI disponibilizava a todos o Dall-E 2. Estes três assistentes de IA partilham as mesmas competências de desenho de imagens, com a particularidade de apresentarem resultados originais, simultaneamente muito humanos, como se tivessem sido criados por seres humanos. 

dezembro 24, 2022

A Torre dos Segredos (2022)

O título original — "A History of Water" — não faz muito sentido, porque não explicando do que trata, também não aproxima o leitor do sentimento geral da obra. Ainda que se possa dizer que a obra se foca em dois viajantes da era dourada das descobertas marítimas portuguesas: Luís de Camões (1524 - 1580) e Damião de Góis (1502-1574). Mas o sentimento é claramente melhor captado pelo título português — "A Torre dos Segredos" —, que não só evoca o relato das particularidades das vidas desses dois viajantes, mas denota também a presença central da Torre do Tombo, a torre onde desde 1378 a história de Portugal foi sendo escrita.

dezembro 21, 2022

Leituras recomendadas

Depois dos melhores livros publicados de 2022, deixo os 12 melhores de outros anos, 6 de não-ficção, e 6 de ficção. Leram-se bons livros, ainda assim não sinto que tenha sido um ano em cheio, na segunda metade do ano estive demasiado sobrecarregado e foi difícil aproveitar da melhor forma algumas obras. Do que li, as 6 de ficção são obras que me marcaram, e que não esquecerei. Já as de não ficção, abriram-me novos horizontes de conhecimento, seja na história, design ou psicologia.

Ficção

1. Shuggie Bain (2020) de Douglas Stuart (Análise

2. De Noite Todo o Sangue É Negro (2018) de David Diop (Análise)

3. O Clã do Urso das Cavernas (1980) de Jean M. Auel (Análise)

4. Na Terra Somos Brevemente Magníficos (2019) de Ocean Vuong (Análise)

5. A Oeste Nada de Novo (1928) de Erich Maria Remarque (Análise)

6. Aristóteles e Alexandre (2009) de Annabel Lyon (Análise)


Não Ficção

1. Make it New: A History of Silicon Valley Design (2015) de Barry M. Katz (Análise)

2. Syllabus: Notes from an Accidental Professor (2014) de Barry Lynda (Análise)

3. Projections: A Story of Human Emotions (2021) de Karl Deisseroth (Análise)

4. The Rape of Nanking (1997) de Iris Chang (Análise)

5. An Internet in Your Head (2021) de Daniel Graham (Análise)

6. A Brief History of Equality (2021) de Thomas Piketty (Análise)


dezembro 18, 2022

"O Simpatizante" (2015)

"O Simpatizante" é o primeiro livro de Viet Thanh Nguyen, e conta-nos a história de um espião duplo durante a Guerra do Vietname que tanto atua pelo Vietname do Norte como pelos Estados Unidos. O personagem realiza estudos nos Estados Unidos, e mais tarde acaba sendo evacuado do Vietname para os EUA, onde continua a trabalhar como simpatizante do Norte do Vietname, mas não deixando de trabalhar como espião para ambos os lados da guerra. O livro foca-se no seu relato sobre os anos em que viveu dividido entre duas visões do mundo.

dezembro 11, 2022

Livros de 2022

Mais um ano, mais uma enorme quantidade de livros publicados. Muitos serão esquecidos rapidamente, juntamente com muita música, cinema e videojogos que podem até servir bons momentos de entretém, mas pouco possuem que lhes permita perdurar na memória. Dos livros de 2022 que li, escolhi 5 de não ficção e 4 de ficção, que deverão continuar relevantes por mais alguns anos.


Duas brilhantes biografias, "The Brain in Search of Itself" sobre Santiago Ramon Y Cajal, e "Pessoa" sobre Fernando Pessoa. A primeira, escrita como um romance, a segunda com uma escrita quase tão bela como a do próprio Pessoa. Dois livros de divulgação de ciência: "The Language Game", que lança uma nova hipótese sobre o modo como terá surgido a linguagem nos humanos; e "How the World Really Works", sobre o que efetivamente estamos a fazer com os recursos fósseis, e os impactos reais das alterações drásticas que andamos a discutir, nomeadamente em países em desenvolvimento. Por fim, um livro de história, "A Torre dos Segredos", com base em duas das mais importantes personalidades de Portugal, Camões e DeGóis, escrito como aventura, com algumas fragilidades na escrita, mas ainda assim muito relevante. 

Na ficção, temos três livros muito comtemporâneos: uma belíssima aventura sobre a nova profissão dos criadores de videojogos, "Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow"; um muito lúcido olhar sobre a vida académica em tempo de MeToo e cancelamentos, "Vladimir"; e uma distopia portuguesa, "Cadernos da Água", sobre os potenciais efeitos das alterações climáticas na presença de água na península ibérica. Por fim, temos o regresso de McCarthy, que por si marca o ano literário, com "O Passageiro". 

Exceptuando "Pessoa", que foi publicado primeiro em inglês, em 2021, tendo a nossa tradução chegado apenas neste verão, são tudo livros publicados em 2022 que vão valer a pena continuar a ler nos próximos anos. Entretanto, espero deixar por aqui as melhores leituras de não-ficção e ficção relativas a anos passados.

dezembro 10, 2022

Como funciona o mundo

"How the World Really Works: The Science Behind How We Got Here and Where We're Going" saiu este ano e tem sido imensamente discutido pela crítica, o que não diria dever-se, apesar de também, a Bill Gates, mas essencialmente ao longo percurso científico de Vaclav Smil (78 anos) a discutir estas matérias o que lhe confere um grau de autoridade e confiança muito elevados. No imediato, e apesar do livro se focar na questão ambiental, nomeadamente no aquecimento global, compararia este a "Factfullness" (2018) de Hans Rosling, pelo modo como desfia números e factos sobre a energia que sustenta o nosso modo de vida, desconstruindo teias de histórias que têm vindo a moldar a nossa visão do mundo.

dezembro 06, 2022

O mundo de “Control”

Joguei “Control” (2019) pela primeira vez no final do verão, na sua versão Ultimate (2021), o que me permitiu aceder à melhor renderização de todo o seu esplendor visual. É um jogo que se enquadra no género bem conhecido de ação-aventura em terceira-pessoa, com uma jogabilidade próxima de séries de jogos como "Infamous" (2011-2014) ou "Dishonored" (2012-2016). No campo da história, a influência imediata que podemos observar é do universo “X-files” (1993-2018), e em parte do mundo de “Annihilation” (2014/2018), com alguma aproximação a “Death Stranding” (2019) e também em parte “Beyond: Two Souls” (2013). Muito diferente destas influências temos duas coisas: a dificuldade e o ambiente visual.