setembro 07, 2022

Uma Internet na sua Cabeça

Daniel Graham é professor de Psicologia, especializado no estudo do cérebro humano e mamífero. Neste livro, "An Internet in Your Head: A New Paradigm for How the Brain Works" (2021), apresenta uma nova metáfora para a compreendermos o cérebro: e se este funcionasse como a internet? Graham propõe uma autêntica revolução na compreensão do funcionamento do nosso cérebro que até aqui se tem servido do computador como metáfora, deixando para trás a ideia do funcionamento cerebral como um processo de Computação, para passar a interpretar o mesmo como um processo de Comunicação. A ideia base passa por interpretar menos o cérebro como um processador central de informação, e mais como uma estrutura de interconexões entre secções especializadas, usando protocolos de roteamento partilhados. Ou seja, assumir o cérebro menos como um sistema de computação rígido, e mais como uma estrutura flexível e dinâmica, capaz de se adaptar e transformar ao que se lhe vai exigindo.

Graham explica a importância de termos uma metáfora para estudar algo que ainda desconhecemos, dizendo que esta ajuda a compreender o que pode ser importante ou determinante estudar, e aquilo que pode ser secundário. Na verdade, as metáforas para compreender o cérebro andam entre nós há muito, pelo menos desde Descartes, quando representou o funcionamento do cérebro como um sistema de canalização, com a glândula pineal no centro do cérebro a servir de válvula mestra, controlando os pensamentos e as nossas ações. Uma ideia que foi buscar ao sistema de bombeamento de águas do Sena para Versailes, uma das obras de engenharia europeias mais emblemáticas do seu tempo. Depois, no início do século passado vieram as comparações com o telégrafo e o telefone, e a meio da segunda metade então o computador. Graham reflete nas diferentes metáforas, dizendo que o recurso à internet acaba por não ser muito diferente da ideia de juntar a metáfora do telefone com a do computador, que se virmos bem, é exatamente de onde veio a internet. Inevitavelmente, e como foi já dito por outros investigadores, acabamos sempre a metaforizar o que desconhecemos por meio da tecnologia mais recente e evoluída que conhecemos em cada momento.

Confesso que a determinada altura me desliguei da proposta, quando percebi que Graham não estava apenas focado no processo de comunicação da internet, mas também em todos os sistemas computacionais que se ligam por meio da mesma. Mas acabei concluindo que fazia sentido. Se olharmos para os neurónios como elementos de processamento que se ligam a outros neurónios, é o que faz a internet, ligando computadores uns aos outros. O que realmente ainda temos imensamente dificuldade em compreender é como é que os neurónios se ligam entre si, como desligam, e mais ainda, como se transformam. Deste modo a metáfora ganha mais relevo, porque não estamos apenas a falar da estratégia de comunicação da informação em rede, nos chamados pacotes que podem seguir caminhos diferentes até chegarem ao lugar indicado, mas estamos a falar do modo como são previamente processados e preparados, assim como são depois recebidos e descodificados. Assim, do mesmo modo que a internet não quer saber se está a ser enviado um vídeo ou um texto, Graham defende que o cérebro também não está preocupado com o tipo de informação que tem de processar, se são sinais elétricos provenientes da visão, ou da audição, etc. sendo isso mesmo que permite que a estrutura neuronal seja tão flexível.

O livro é acessível, ainda que acabe sendo algo denso, já que Graham apresenta todo um conjunto de evidências históricas, incluindo propostas anteriores à internet que se assemelhavam a esta, seguindo depois para um enorme conjunto de experimentos das neurociências, tudo para suportar a sua proposta, mas também ainda discute em detalhe algumas das tecnologias que suportam a internet: roteamento; comunicação assíncrona; gestão de erros, ruído, protocolos, etc. Contudo, é uma leitura bastante prazerosa para quem se interessar pelo tema, e que funcionou muito bem comigo por o ter lido pouco depois de The Brain in Search of Itself" (2022) sobre a vida e obra de Santiago Ramón Y Cajal. Naturalmente, ajuda bastante ter algum conhecimento sobre o modo de funcionamento da internet e dos sistemas computacionais.


GRAHAM, D. (2021). An Internet in Your Head: A New Paradigm for How the Brain Works. Columbia University Press. http://www.jstor.org/stable/10.7312/grah19604

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