A partir de um apurado levantamento histórico Annabel Lyon especula sobre os três anos em que Aristóteles foi professor de Alexandre o Grande. Aristóteles tinha cerca de 40 anos e Alexandre 13. Mas não se espere um mundo perfeitamente delineado e amigável. Lyon construiu um texto minimalista, oferecendo muito poucas referências, raramente enquadrando os episódios supostamente mais conhecidos das vidas de ambos, ao mesmo tempo que constrói as cenas num modo abstrato, situa-as ligeiramente no espaço e tempo, mas apenas por forma a lançar o leitor numa mais profusa especulação sobre o que e como terá acontecido. Esta abordagem torna o texto em si distante e pouco envolvente, já que procura estimular o efeito dramático no leitor que para o efeito tem de recorrer à História. Por outro lado, Lyon apresenta um mundo de comportamentos com dois mil anos, distantes, mas também feitos de carne, de desejos e ódios, o que não raras vezes nos faz bater de frente com imaginários de uma suposta elevação da Grécia Antiga.
Dito isto, ao fim de poucas páginas estive quase a encostar o livro, não fosse a recomendação de Hilary Mantel – “Penso que este romance silenciosamente ambicioso e belamente conseguido é um dos mais convincentes romances históricos que alguma vez li.” — que me fez voltar e dar o benefício da dúvida. As primeiras páginas abrem-nos um mundo distinto, com cenas de processos excretórios e tratamento inumano entre classes sociais que nos desconfortam. Contudo, aos poucos vamos aceitando esse mundo, e aceitando que as ideias que possuíamos sobre aquela época não passavam de utopias assentes em imagens criadas por artistas das várias artes.
A cronologia apresentada vai cruzando um Aristóteles professor com um Aristóteles jovem, aprendendo primeiro com o seu pai e depois com Platão. Esse cruzamento permite a Lyon juntar o espírito de Aristóteles com o do jovem e promissor Alexandre e desse modo apontar a uma proximidade entre as personalidades, nomeadamente a insaciável curiosidade. No final, a mensagem central dá conta de um que procura obter conhecer o máximo do mundo, enquanto o outro procura conhecer o máximo sobre o funcionamento desse mundo, mas em essência parecem ambos buscar o mesmo, chegar à Experiência Completa.
“alone in a quiet room where, for the rest of my life, I can float farther and farther out into the world; while my student, charging off the end of every map, falls deeper and deeper into the well of himself.” Aristóteles falando na primeira-pessoa sobre si e Alexandre
O livro acaba revelando-se muito curto, mas para se poder prolongar precisávamos de mais, nomeadamente mais do Aristóteles académico, uma faceta central no texto, mas aquém do seu potencial. Lyon optou por apresentar um ser-humano e enquanto tal logicamente imperfeito, o que torna a leitura estimulante já que oferece o lado menos conhecido do pensador. Mas por essa via acaba também a realizar uma crítica contundente à vida académica que se resigna ao estudo e evita tudo o resto, incluindo os outros, apontando os académicos como utilitaristas movidos por fins egoístas. E no entanto, o Aristóteles de Lyon não deixa de ser uma figura surpreendente que nos faz viajar e refletir sobre o passado, assim como sobre o modo como continuamos hoje a observar e a refletir na criação de ciência.
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