outubro 30, 2022

"Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow” (2022)

Em "Tomorrow, and Tomorrow, and Tomorrow” de Gabrielle Zevin, dois adolescentes, Sam e Sadie, conhecem-se num hospital onde formam uma ligação de amizade jogando centenas de horas numa consola Nintendo. O resto do livro conta a sua história desde dos anos 1980 aos dias de hoje, desfiando desde o momento em que resolvem criar o primeiro jogo juntos até ao momento em que criam a sua empresa de jogos e começam a contratar pessoas. A história fala-nos da relação entre duas pessoas criativas, unidas pelo amor aos videojogos e um profundo sentimento de amizade. Ao longo das 400 páginas, que passam a voar, vários momentos complicados acontecem, muitas angústias são vividas, mas a compreensão do mundo e da vida à luz do design de videojogos é o que mantém toda o universo coerente e as personagens plenas de substrato.

Regular o capitalismo

Shoshana Zuboff é um nome que surge amiúde sempre que se fala dos impactos problemáticos das atuais tecnologias de comunicação, nomeadamente as produzidas pelas 4 grandes tecnológicas — GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon). Tendo lido uma enorme quantidade de coisas boas sobre a autora, que vem com o pedigree da Ivy League, não fiquei depois muito impressionado com o modo como discute a técnica por detrás da tecnologia, parecendo ficar muitas vezes à porta da complexidade desta, focando-se mais nos quadros de impactos macro, muitas vezes desligados da efetiva capacidade das tecnologias. E assim, talvez não seja surpreedente não ter gostado particularmente do seu livro "The Age of Surveillance Capitalism" (2019).

outubro 29, 2022

O foco desfocado

Cheguei a "Stolen Focus: Why You Can't Pay Attention- and How to Think Deeply Again" (2022) por meio de um excerto do mesmo que discutia as questões do multitasking, tendo logo ganho o meu interesse pelos resultados dos estudos que citava. Quando procurei mais pelo autor, percebi que vinha atrelado a acusações de plágio e consequente despedimento de um jornal britânico. Acreditando que as pessoas têm direito a reabilitação, decidi avançar para a leitura do livro, ainda que munido de algumas cautelas extra. A experiência final não foi das melhores, mas ainda me interrogo se foi por causa do seu passado, ou pela sua incapacidade de manter o foco, exatamente aquilo que no título diz pretender explicar a quem o lê. 

Do escurecimento provocado pelo cristianismo

Tivesse eu lido este livro há alguns anos, teria ficado chocado com o que aqui se escreve sobre a vasta destruição dos pagãos pelos cristãos. Contudo, nada disto pode ser apresentado desta forma leve, desde logo porque a destruição apresentada ocorreu ao longo de séculos, sendo aqui apresentada como uma sucessão narrativa de causas e efeitos imediatos, o que retira alguma credibilidade ao relato. Os clássicos têm dois mil anos, as evidências que temos do que aconteceu são fragmentos de fragmentos. Não podemos a partir dos mesmos, pegar em momentos avulso no tempo, escolhidos pela sua intensidade, e criar um fio condutor que explica tudo com uma única dimensão ou causalidade. Claro que num pequeno livro, tal como num documentário, sobre assuntos complexos, não se pode entrar pelo detalhe dos múltiplos pontos-de-vista, arriscando a fragmentar o discurso, perdendo o foco e a atenção do leitor/espectador. Mas a simplificação do complexo, por mais ressalvas de imparcialidade que se façam, tende demasiadas vezes a criar viéses marcados pelo que se escolhe apresentar e não apresentar.

outubro 23, 2022

"Cadernos da Água" de João Reis

A escrita muito direta, sem floreados nem simbolismos, mas elaborada e centrada no que está a acontecer, torna a leitura de "Cadernos da Água" (2022) próxima da experiência audiovisual. O mundo apresentado é distópico. Sofrem-se os efeitos das alterações climáticas que obrigam populações a deslocarem-se para zonas onde ainda existem recursos hídricos. O tom imprimido é particular, cruza a ação americana com a frieza escandinava, colocando-nos no lugar de portugueses refugiados fugidos de um país que já não existe. A particularidade da experiência estética criada só tem par em "Station Eleven" (2014) de Emily St. John Mandel.