setembro 30, 2018

Mais um Dia de Vida

É uma ótima leitura para quem como eu conhece pouco sobre a guerra em Angola, porque funciona como espécie de relato documental do período que mediou entre a saída dos portugueses de Angola e o início da República de Angola (1974-1975). Não é um livro de digestão fácil, coloca o dedo sobre muitas feridas, com culpas de todos os quadrantes.

Aquilo que talvez mais me impressionou, ou não, foi o facto de um país tão distante e num tempo ainda tão pouco global, estar a mercê de tantos interesses internacionais e ideológicos, tudo apenas e só porque sob o seu solo existia ouro negro. É muito triste verificar que uma das regiões mais ricas do planeta não se consegue erguer, não apenas por falta de edificação de quem lá vive, mas também porque a quem está do lado de fora isso é o que menos interessa.

"E aí vi montanhas impressionantes de caixotes, empilhados até alturas perigosas, sem qualquer sinal de movimento, abandonados, como se não pertencessem a ninguém." p.37

Para nós, portugueses, o livro tem particular interesse, porque escrito por um jornalista polaco sem interesses diretos no território, oferecendo-nos uma leitura dos impactos da nossa presença no país, e que nos obriga a refletir sobre aquilo que fomos e somos enquanto nação. Deixo algumas linhas:

“Este país está em guerra há quinhentos anos, desde que os portugueses chegaram. Eles precisavam de escravos para o tráfico, para exportar para o Brasil, para as Caraíbas e para o outro lado do mar em geral. De toda a África, Angola foi a região que maior número de escravos forneceu para esses países. Por isso é que chamam ao nosso país a Mãe Negra do Novo Mundo. Metade dos camponeses brasileiros, cubanos e dominicanos descende de angolanos. Esta terra foi em tempos um país populoso, estabelecido, e depois esvaziou-se, como se tivesse havido uma praga. Angola continua deserta até aos dias de hoje. Centenas de quilómetros e nem uma única pessoa, como no Sara. As guerras de escravos continuaram durante trezentos anos ou mais. Era um bom negócio para os nossos chefes. As tribos mais fortes atacavam as mais fracas, faziam prisioneiros e punham-nos à venda. Por vezes, tinham de o fazer, para pagar os impostos aos portugueses. O preço de um escravo era determinado de acordo com a qualidade dos seus dentes. Eles arrancavam os dentes ou limavam-nos com pedras, para terem um valor de mercado inferior. Tanto sofrimento para serem livres. De geração em geração, as tribos viviam no receio umas das outras, viviam no ódio. As campanhas militares realizavam-se na época seca, porque as movimentações eram mais fáceis. Quando as chuvas terminavam, toda gente sabia que começariam os tempos da desgraça e de caça às pessoas. Na época das chuvas, quando o país se afogava em água e lamas, as hostilidades cessavam. Mas os chefes ocupavam o tempo a magicar novas campanhas e a arrebanhar novas forças. Tudo isto é recordado por toda a gente até aos dias de hoje, porque, no nosso modo de pensar, o passado ocupa mais espaço do que o futuro.", Kapuściński, “Mais um Dia de Vida - Angola 1975”, Tinta-da-China, Lisboa, p.54
Fotografia da escultura "Nkyinkim" de Kwame Akoto-Bamfo, instalada no The National Memorial for Peace and Justice, inaugurado em Abril 2018 em Montgomery, Alabama, EUA.

setembro 29, 2018

A psicologia por detrás de Fortnite

Celia Hodent é doutorada em psicologia e foi directora de UX (User Experience) da Epic Games (produtora de "Fortnite") entre 2013 e 2017. Autora de um dos livros mais relevantes sobre o uso das metodologias de UX em jogos, "The Gamer's Brain: How Neuroscience and UX Can Impact Video Game Design" (2017), e editora do blog Brains, UX & Games. Com esta breve introdução fica claro que Hodent sabe do que fala e que neste vídeo, "10 things you might not have noticed in Fortnite" para a Ars Technica, o que ela tem para nos contar sobre o UX e o Design de Experiência é algo que foi largamente estudado e testado, como o sucesso do próprio jogo atesta.




"Fortnite" transformou-se da noite para o dia num dos maiores sucessos internacionais no mundo dos videojogos, para o que o "free-to-play" e o multi/cross plataforma contribuíram bastante, assim como a inovação de juntar a um género já de mescla, o battle royal (survival e exploração com batalhas multiplayer online), o Sandbox Criativo (que permite criar e construir dentro do próprio jogo contribuindo para atrair os jogadores de "Minecraft"). Por outro lado, o design do jogo funciona de forma tão intuitiva e envolvente que o jogador se sente em casa jogando, cria-se uma sensação de conforto e prazer tão intensa que o jogador acaba por, quando fora do jogo, recordar o bom que é estar ali e desejar lá voltar. Hodent explica neste vídeo a psicologia por detrás de vários itens do design, assentes em muitos dos princípios daquilo que define o trabalho da UX, desde o HUD, feedback e acessibilidade à performance de atividades específicas no jogo assim como aos modos de scaffolding (progresso e aprendizagem das regras do jogo). O desenho emocional é chave, mas como podemos ver nesta pequena desconstrução de Hodent, muito do que contribui para o design é feito ao nível ainda da mera usabilidade, ou seja, do peso do esforço cognitivo exigido ao jogador.

"10 things you might not have noticed in Fortnite" (2018) com Celia Hodent

setembro 27, 2018

As 21 Lições de Harari

Adoro Harari. Adorei os dois primeiros livros — "Sapiens" (2011) e "Homo Deus" (2015). "21 Lessons for the 21st Century" (2018) é um livro diferente dos anteriores, nota-se que foi escrito de forma muito mais rápida, menos amadurecida, mais como resposta ou encomenda, o que ele próprio confirma quando diz que queria responder às perguntas que lhe foram fazendo nos últimos dois anos enquanto foi apresentando os anteriores livros pelo mundo fora. Na verdade este livro nada oferece de novo, lê-se como uma repetição dos argumentos já anteriormente esgrimidos, aos quais se adicionaram uns pózinhos de atualidade, e ainda uma ligeira variação do discurso, transformando o anterior tom especulativo num tom mais assertivo.



Quanto às respostas que Harari tem para as perguntas das pessoas, não posso dizer que tenha pena de não as dar, já que sempre considerei que aquilo que as pessoas perguntam nestes domínios não é para ser respondido, mas antes para servir de objeto de dialéticas. Aliás, é no mínimo estranho que Harari insista tanto em dizer que não sabemos como serão as nossas vidas em 2050, menos ainda em 2100, e depois aceite tentar dar respostas ao "Sentido da Vida". Se quisesse resumir as 21 respostas dadas por Harari, diria que se sintetizam em 3 grandes chavões:


"United Colours of Benetton" (Temos de aprender a viver em harmonia colectiva)
"Aprender, Desaprender e Reaprender" (Teremos de aprender ao longo da vida)
"Mindfullness" (O caminho para enfrentar a velocidade da vida está na meditação)

A filosofia de Monti Python segundo Harari

Pois é, mesmo para alguém tão brilhante como Harari, dar respostas novas ou diferentes é difícil. Aliás, é um pouco como ele diz no início do livro, os filósofos andam há milhares de anos a tentar responder ao sentido da vida e até agora nada. Assim é também com Harari, ainda que tenha tentado responder baseado nos ditos dos Monti Python, mas era difícil ir além fosse por que via fosse, o que não tem mal algum, o que conta é a discussão. Neste sentido, recomendo vivamente a leitura a quem ainda não leu os anteriores dois livros, os restantes podem passar.

Deixo alguns excertos que achei interessantes:
“On 7 December 2017 a critical milestone was reached, not when a computer defeated a human at chess – that’s old news – but when Google’s AlphaZero program defeated the Stockfish 8 program. Stockfish 8 was the world’s computer chess champion for 2016. It had access to centuries of accumulated human experience in chess, as well as to decades of computer experience. It was able to calculate 70 million chess positions per second. In contrast, AlphaZero performed only 80,000 such calculations per second, and its human creators never taught it any chess strategies – not even standard openings. Rather, AlphaZero used the latest machine-learning principles to self-learn chess by playing against itself. Nevertheless, out of a hundred games the novice AlphaZero played against Stockfish, AlphaZero won twenty-eight and tied seventy-two. It didn’t lose even once. Since AlphaZero learned nothing from any human, many of its winning moves and strategies seemed unconventional to human eyes. They may well be considered creative, if not downright genius.
Can you guess how long it took AlphaZero to learn chess from scratch, prepare for the match against Stockfish, and develop its genius instincts? Four hours. “That’s not a typo. For centuries, chess was considered one of the crowning glories of human intelligence. AlphaZero went from utter ignorance to creative mastery in four hours, without the help of any human guide.”

“Human power depends on mass cooperation, mass cooperation depends on manufacturing mass identities – and all mass identities are based on fictional stories, not on scientific facts or even on economic necessities.”

“I am aware that many people might be upset by my equating religion with fake news, but that’s exactly the point. When a thousand people believe some made-up story for one month – that’s fake news. When a billion people believe it for a thousand years – that’s a religion, and we are admonished not to call it ‘fake news’ in order not to hurt the feelings of the faithful (or incur their wrath).
(..)
Again, some people may be offended by my comparison of the Bible with Harry Potter. If you are a scientifically minded Christian you might explain away all the errors, myths and contradictions in the Bible by arguing that the holy book was never meant to be read as a factual account, but rather as a metaphorical story containing deep wisdom. But isn’t that true of Harry Potter too?
(..)
On 29 August 1255 the body of a nine-year-old English boy called Hugh was found in a well in the town of Lincoln. Even in the absence of Facebook and Twitter, rumour quickly spread that Hugh was ritually murdered by the local Jews. The story only grew with retelling, and one of the most renowned English chroniclers of the day – Matthew Paris – provided a detailed and gory description of how prominent Jews from throughout England gathered in Lincoln to fatten up, torture and finally crucify the abducted child. Nineteen Jews were tried and executed for the alleged murder. Similar blood libels became popular in other English towns, leading to a series of pogroms in which whole communities were massacred. Eventually, in 1290 the entire Jewish population of England was expelled.
The story didn’t end there. A century after the expulsion of the Jews from England, Geoffrey Chaucer – the Father of English literature – included a blood libel modelled on the story of Hugh of Lincoln in the Canterbury Tales (‘The Prioress’s Tale’). The tale culminates with the hanging of the Jews. Similar blood libels subsequently became a staple part of every anti-Semitic movement from late medieval Spain to modern Russia. A distant echo can even be heard in the 2016 ‘fake news’ story that Hillary Clinton headed a child-trafficking network that held children as sex slaves in the basement of a popular pizzeria. Enough Americans believed that story to hurt Clinton’s election campaign, and one person even came armed with a gun to the pizzeria and demanded to see the basement (it turned out that the pizzeria had no basement).
As for Hugh of Lincoln himself, nobody knows how he really found his death, but he was buried in Lincoln Cathedral and was venerated as a saint. He was reputed to perform various miracles, and his tomb continued to draw pilgrims even centuries after the expulsion of all Jews from England. Only in 1955 – ten years after the Holocaust – did Lincoln Cathedral repudiate the blood libel, placing a plaque near Hugh’s tomb which reads:
'Trumped-up stories of ‘ritual murders’ of Christian boys by Jewish communities were common throughout Europe during the Middle Ages and even much later. These fictions cost many innocent Jews their lives. Lincoln had its own legend and the alleged victim was buried in the Cathedral in the year 1255. Such stories do not redound to the credit of Christendom.'
Well, some fake news lasts only 700 years.”

setembro 19, 2018

Aquilo Que Eu Amava (2002)

O meu primeiro livro de Siri Hustvedt fez-me ganhar respeito e admiração pela escritora. Não que a história seja magnífica nem que a escrita seja bela. O que me marca em Hustvedt é a sua capacidade de descamar, de modo subtil, as fachadas sociais de cada personagem até chegar ao âmago, os seus núcleos psicológicos da vontade e do sentir. A isto junta-se uma capacidade descritiva em modo narrativo, que nos vai apresentando torrentes de factos, à medida que vai relatando. E por isso se por vezes tendo a pensar em Philip Roth, pelo lugar de NY e a posição dos personagens, rapidamente descolo não só porque Roth tem uma escrita muito mais poética, mas porque Hustvedt é bastante mais elaborada e densa. Dito de outra forma, é mais fácil e prazeroso ler Roth, mas é bastante mais rico absorver as nuances dos mundos e personagens de Hustvedt.


O livro está dividido em três partes, e existe uma certa ideia, que vi nalgumas resenhas, de que o livro começa verdadeiramente com o início da segunda parte. Mas se a tragédia se inicia nesse ponto, nem por isso Hustvedt usa esse clímax negativo para transformar o livro num melodrama, o que poderia facilmente acontecer, e com certeza lhe teria granjeado muito mais público. Existe muita contenção, muito controlo e gestão da história no sentido de garantir um equilíbrio no leitor entre racionalidade e emocionalidade. Hustvedt não está interessada em fazer-nos sofrer ou sentir felizes, está bastante mais interessada em dar-nos a compreender o sentir de um conjunto de pessoas que passaram por momentos complexos, e como esses momentos afetam e alteram as suas vidas. Como e apesar de tragédias que marcam, as vidas prosseguem continuando a ser colocadas à prova, independentemente de tudo o que já viveram.

O contexto não será o mais universal, temos duas famílias, cada uma com um filho, cada uma com as suas separações e acoplamentos de madrastas e padrastos, mas todos estes vivendo numa cidade de elite e trabalhando nas esferas artísticas e culturais — das artes, crítica, e ambientes universitários. Os pais e mães encontram-se e atravessam um longo período de crescimento e afirmação social até que os filhos, ao começar a erguer-se e de formas completamente distintas, abrem rasgos nos vários adultos à volta, que por sua vez produzem aproximações e separações sobre as relações existentes e que Hustvedt muito habilmente vai explorando.

A estrutura segue uma lógica próxima dos livros de memórias (“memoir”) com o personagem principal, já no fim da sua vida, a recitar as suas memórias em primeira-pessoa, oferecendo-nos os momentos e simultaneamente a análise crítica em perspetiva dos mesmos. “Aquilo que eu Amava” é assim uma viagem no tempo da consciência, em que a realidade já se consolidou e nos é oferecida uma janela para ver do melhor ponto de vista possível, no que ao escrutinar do pensar e sentir se refere. Ao optar por este caminho, Hustvedt abriu para si uma via mais fácil de apresentação das introspeções do principal interveniente nos eventos relatados, explicando também a riqueza do relato psicológico e ao mesmo tempo a densidade analítica apresentadas pela obra.

Tive apenas um pequeno apontamento que me desgostou, o modo como se constrói o suspense à volta de Mark, nomeadamente o arrastar da revelação do seu carácter, camaleónico, ainda que tenha de aceitar que o carácter escolhido para o mesmo era tudo menos fácil de definir ou fechar em meia-dúzia de páginas. Este arrastamento é atenuado com algum apimentamento de caráter criminal da louca cena artística de Nova Iorque que acaba por contribuir para o incremento do suspense, mas que pouco contribui para a essência da obra, acabando por, tudo junto, me desconectar em vários momentos dos personagens e relações centrais do livro.

setembro 15, 2018

Discursos e realidades no caso do aumento da Extrema-Direita

Dizem-me que o aumento da extrema-direita nos anos recentes — do Brexit a Trump, passando pela França, Itália, Hungria, Holanda, Suécia — tem que ver com o modo como esta conseguiu tomar contar dos media, e criar um discurso beligerante sem oposição. Que nos tornámos demasiado passivos e passámos a aceitar tudo como Liberdade de Expressão. E que o caminho é abandonar a civilidade e reagir na mesma moeda, atacar, se não quisermos voltar a sofrer as atrocidades que a Europa viveu há 70 anos. Mas eu pergunto, porque é que vivemos aquelas atrocidades há 70 anos? Porque é que aquele líder chegou ao poder? A mesma pergunta devemos fazer agora, porque é que Trump, Orbán e Salvini chegam ao poder?


A respostas estão na nossa frente, crises económicas, instabilidade financeira que produz insegurança e induz medo intenso e fobias. E quando temos uma população acossada, com receio do amanhã para os seus filhos — veja-se as cidades inteiras de rulotes nos EUA, e os milhares de pessoas que vivem em carros, veja-se as reportagens da Grécia e passeie-se pela Europa profunda — qualquer arauto que prometa um jardim seguro, mesmo com pouco, será sempre visto como estando a oferecer mais do que os outros que oferecem nada. Aqui a extrema-direita vence facilmente, não precisa de dizer nada de especial, basta a sua ideologia — o discurso baseado no melhor para cada um e não no melhor para todos — que apela ao que sentem verdadeiramente estas pessoas, já que no mundo em que vivem ninguém quer saber delas, por isso estão também prontas a não querer saber de mais ninguém.

No entanto, quando se discute o problema da extrema-direita, vejo falarem apenas de falta de educação, de brutidão, de emigração e de refugiados, de individualismo, de egoísmo, de machismo e até de alterações climáticas. Dizem-me que o problema da subida da extrema-direita está na normalização destes discursos. Seguindo por aqui, bastaria mudar o discurso nos media, calar os arautos da extrema-direita, e tudo voltaria a ficar bem!!!

Só não vejo propostas para lidar com o forte desemprego que se sente, que vem baixando porque os estados têm criado programas e mais programas para manter as pessoas ocupadas. Que os empregos que vão surgindo, pagam metade daquilo que as pessoas recebiam antes. Que a segurança, ou manutenção no tempo, desses programas estatais e desses empregos recém-criados é absolutamente nula, e que até lhe dão um nome, "flexigurança". Que muitos pais e mães de famílias arranjaram segundos e terceiros empregos para continuar a manter o barco a flutuar. Que durante a crise os mais abastados continuaram a aumentar os seus rendimentos, enquanto famílias inteiras perdiam tudo. Que aqueles que provocaram a crise não só não foram castigados, como continuam a agir exatamente da mesma forma como antes. Que nada se alterou, e que todos os dias somos brindados com notícias da possibilidade de crise idêntica no futuro próximo.

Pedimos às pessoas para que acreditem, para que façam um esforço pelo planeta, salvem o clima, a única proteção real de todos, enquanto 1% do planeta arrecada tanto como os restantes 99%. Pedem àqueles que pouco têm e nada têm, que pensem nos que tudo têm e tudo querem. Pedem-lhes que mantenham o ecossistema vivo, para que nada mude, e tudo se mantenha como está.


Não, isto não é um problema de ideologias de extrema-direita, nem de discursos. Isto é um problema de grandes desequilíbrios, de fortes injustiças, de receio perfeitamente justificado pelo amanhã. Sim, existe sempre quem está muito pior, e os emigrantes e refugiados que fogem de cenários de guerra, vivem incomparavelmente pior que um americano numa rulote. Mas não podemos pedir às pessoas que vivam com base em abstrações, porque elas não vivem no pensamento e nas imagens que lhes chegam pelos media, elas vivem com base na realidade em que estão inseridas, em que são todos os dias confrontadas com a comparação entre a sua indigência e a opulência de quem simplesmente os ignora.

Podemos discursar sobre os problemas maiores que podem advir, que podem cair numa guerra ou ficar sem planeta, mas estaremos a usar medo sobre medo, as mesmas armas que os senhores feudais e monarcas usaram tanto tempo para se manter acima dos demais. O problema é que esse medo sobre medo, abstração completa, só funcionava pela força, não porque realmente nele os súbditos acreditassem. Enquanto isso, vai-se perdendo por completo a ligação com estas pessoas que ficam à deriva até que outros com elas se conectem, mesmo que com propostas utópicas, mas que por momentos lhes apresentem caminhos de saída, confiança num qualquer futuro.


Atualização de links 2.10.2018:
Here’s the science behind the Brexit vote and Trump’s rise, 17.09.2018
Saving liberal democracy from the extremes, 25.09.2018



setembro 14, 2018

"Celeste", design de joalharia

“Celeste” é puro flow. Todo o design contribui de forma efetiva para a geração de uma experiência extremamente coesa, em que a visceralidade imprimida pela jogabilidade caminha a par com o significado da narrativa. É um jogo de plataformas que não inova na fórmula, mas que por elevar os patamares de qualidade da jogabilidade e da história consegue criar algo novo. Uma pequena jóia.

"Celeste" (2018) de Matt Thornson

“Celeste” apresenta a história de uma personagem frágil, Madeline, que sofrendo de depressão resolve iniciar a subida da montanha Celeste. Pelo caminho encontramos outros personagens que vão servindo para nos dar a conhecer mais sobre o sentir de Madeline, até que encontramos o duplo interior de Madeline com quem ela terá de se confrontar no resto da viagem, para se poder encontrar a si mesma. É uma história existencial, que apela a um público mais maduro, que se serve na perfeição da metáfora de obstáculo, a montanha, para significar a história e alimentar o design de jogo. Em termos narrativos existe aqui alguma proximidade com "Journey" (2012), e no entanto o mais interessante é verificar como a jogabilidade é trabalhada em polos opostos. "Journey" opera o flow pela quase inibição dos obstáculos, enquanto "Celeste" o desenvolve pela elevação desses obstáculos quase ao limite da impossibilidade. No entanto, o modo como Celeste foi concebido não afasta a experiência em termos de sentimento interior de "Journey". Falarei sobre o design à frente, para se perceber como isso foi conseguido.


Arte visual é da autoria de Amora Bettany e Pedro Medeiros

Se a história é apelativa, num sentido de profundidade de significado, e a jogabilidade brilha pelo modo como exige simultaneamente destreza e inteligência, “Celeste” acaba por se elevar acima de ambos, não apenas porque a narrativa se funde com as ações de jogo, mas porque todo o jogo se torna um artefacto uno gerador de uma experiência plena. Não é a história que nos agarra, nem é a jogabilidade que nos mantém, é a sua união que cria um objeto que não existe sem ambas. Jogamos como Madeline, assumimos a sua fragilidade, e insistimos no ultrapassar de cada novo obstáculo, sofregamente, ansiosamente.

Para se perceber melhor esta descrição e compreender como se chega a este nível de criação artística, aconselho vivamente o visionamento da comunicação de Matt Thorson, o director do jogo, na GDC 2017. Thornson apresenta os vários atributos do jogo, nomeadamente o design de “multiple approaches” que garante maior liberdade na resolução dos puzzles, assim como explica como ao longo do jogo vai “ensinando silenciosamente” a jogar por via do design. Mas o que me fica da comunicação é: a unificação entre história e jogo; a experimentação e o perfecionismo; e o playtesting.

O design segue uma abordagem dinâmica que permite múltiplas formas de resolver um mesmo puzzle. Esta abordagem acaba sendo fundamental no desenho do flow, já que oferece autonomia ao jogador, ou seja, oferece a essência daquilo que estimula a ação, que é a liberdade de agir, de escolher. [GDC 2017]

O "ensino silencioso" de que como se joga é extremamente bem conseguido, estando ao nível do melhor da Nintendo com Zelda ou Mário.

Thornson discute o modo como cada nível (a que se refere sempre como parte da história, para Thornson cada nível comporta história em si) se vai desenhando em modo experimental. Não existe um planeamento prévio, existe um objeto narrativo, e é para ele que se desenha. Isto comporta problemas de produção, já que pode acabar com menos níveis do que precisa, ou mais. Thornson dá o exemplo de uma parte do jogo em que tiveram de jogar fora 20 níveis por não se encaixarem na componente narrativa. Porque como diz a determinada altura, “estamos sempre a tentar descarregar o máximo possível da narrativa no design dos níveis”. Ou seja, o todo tem de fazer sentido, Thornson não quer apenas uma boa jogabilidade, ela tem de estar conectada com aquilo que se está a tentar dizer em cada nível, dentro de cada área, e por sua vez na história completa. A explicação do segundo nível dada por Thornson é brilhante (o sonho de voar por entre as estrelas que dá lugar ao pesadelo de ser perseguido pelo duplo), ajuda-nos a significar algo que apenas intuímos durante o jogo. Existe um claro objetivo de criar um artefacto que faça sentido, que seja coeso, e não se tem receio de jogar fora dias inteiros de trabalho para que o artefacto funcione. Isto só é possível num jogo indie, num jogo de autor, em que se procura dar vida à visão desse autor e não justificar os meios investidos (Nesta comunicação, um ano antes do jogo sair os Lados B ainda não tinham sido definidos, mas aqui percebemos indiretamente como acabariam por surgir).

Cada área do jogo é todo um quadro narrativo que Thornson procura trabalhar como uma melodia, com as suas variações de ritmo, assim como príncipio, meio e fim.

Podemos ver as alterações introduzidas no level design pelo playtesting continuado e presencial.

Não menos importante, embora quase arriscasse, dada a minha preocupação com o UX, a dizer que foi o mais importante, temos o playtesting. É fascinante ouvir Thornson falar das sessões de teste do jogo, como o faz de forma totalmente aberta e descomplexada, como assume a evolução e progressão do design na relação com a comunidade que o foi testando. Fica-me a sua descrição do que considera ser o melhor modo de testar o jogo: “O meu modo favorito de playtest é ter as pessoas no sofá a jogar juntas, e que podem até estar a trocar os comandos, e vão conversando umas com as outras sobre o jogo, e aí conseguimos perceber melhor os seus modelos mentais, ver as rodas dentadas moverem-se nas suas cabeças”.

Por fim, “Celeste” apresenta um design brilhante, na união de jogo e narrativa, mas não podia ser o artefacto que é sem a banda sonora de Lena Reine, nem a arte visual de Amora Bettany e Pedro Medeiros. “Celeste” venceu o prémio de áudio no IGF 2018, por outro lado, o seu imaginário visual está de tal modo conseguido que o simples vislumbre de uma imagem ou excerto do jogo, consegue automaticamente ligar-nos ao jogo, tal a força da identidade visual criada.

setembro 10, 2018

Facebook é a nova Televisão e modela comportamentos na Academia

Em 1992 os The Disposable Heroes of Hiphoprisy lançavam um álbum de rap intitulado "Hypocrisy Is the Greatest Luxury" no qual atacavam as hipocrisias da sociedade desse tempo. A banda punha o dedo na arte, na política, no emprego, no consumismo, no racismo, no sistema financeiro e na recessão, no bullying e no suicídio. A música homónima do álbum abria com os versos abaixo, que poderiam ter sido facilmente escritos em 2018, mas foi a faixa 3 que ficou desse álbum e porque deles me lembrei, e que se intitulava: "Television, the Drug of the Nation".

"Life these days can be so complex
We don't make the time to stop and reflect" (1992)


Repare-se que em 1992 a complexidade gerada pela sociedade de informação ainda vinha longe. A internet só existia nos departamentos de informática das Universidades, era a Televisão que regulava as nossas vidas, dizia-nos o que vestir, o que ouvir, ver, ou ler. Como se dizia nesta faixa 3:

“One nation 
Under God 
Has turned into 
One nation under the influence 
Of one drug [television](ouvir)

Vem tudo isto a propósito de um longo texto publicado no The Quillette, na semana passada por Theodore P. Hill, um matemático formado por Stanford e Berkeley e professor até se reformar no Georgia Tech, em que dava conta de uma saga com mais de ano e meio para a publicação de um artigo científico. Essa saga envolveu um artigo que foi Aceite para Publicação, depois de todo o processo de revisão por pares, na Mathematical Intelligencer, revista científica respeitada e publicada pela Springer desde 1979, mas que à última hora a editora-chefe da revista, Marjorie Senechal, decidiu retirar e não aceitar para publicação. Depois disso, os colegas de Hill retiraram-se de co-autores do artigo, e ele por ser reformado e não ter nada a perder partilhou o artigo na rede. Pouco depois o editor do New York Journal of Mathematics, uma revista aberta sem pressões editoriais nem de indexação, convidou Hill para submeter uma versão revista do artigo. Hill submeteu, o artigo foi revisto pelos pares, aceite e publicado. Mas não terminou a saga, porque três dias depois de publicado, o artigo simplesmente desaparecia da página da revista, e passados mais alguns dias, surgia outro no seu lugar, como se nunca tivesse existido tal artigo. Leiam o texto no Quillette para compreender toda a extensão e esferas envolvidas no silenciamento da ciência. Estamos a falar de forças subterrâneas com motivação muito forte para fazer dobrar tanta gente, nomeadamente gente que foi treinada para seguir a máxima da Liberdade de Pensamento Científico. Impedir a publicação tinha sido forte, mas retirar um artigo já publicado, e fazer de conta que nunca aconteceu, implica viver numa realidade de poder indiscriminado e desgovernado, um simulacro.

A Mathematical Intelligencer depois de aceitar o artigo, deu a aceitação como recusa. O NYJM depois de publicar o artigo, apagou-o sem qualquer explicação ou justificação, e substitui-o por outro artigo, fazendo com que  a publicação anterior nunca tivesse existido.

O apagamento de um artigo de uma revista científica, sem qualquer explicação, é em termos de simulacra comparável aos apagamentos políticos protagonizados pelo aparelho de Estaline.

Mas o que defendia o artigo de Hill? É um estudo na área da Matemática que demonstra a existência de maior variabilidade no género masculino — de forma simples, tendem a existir mais mentes brilhantes (ex. podem dar mais prémios Nobel), mas também tendem a existir mais mentes broncas (ex. existem mais homens presos). Esta variabilidade, mais acentuada no machos que nas fêmeas, parece existir de forma quase universal nas várias espécies. Aquilo que Hill faz é trabalhar dados probabilísticos, a sua área de expertise, e demonstrar o que está a acontecer. Steven Pinker foi um dos cientistas que veio defender o artigo no Twitter ontem, dizendo:
"Egregious: A math paper that tries to explain a fascinating fact (greater male variability) is censored. Again the academic left loses its mind: Ties equality to sameness, erodes credibility of academia, & vindicates right-wing paranoia." [@sapinker]
Falamos de puro tráfico de influência, de batalhas ideológicas de submissão do outro. Tudo isto esquecendo a Ciência, esquecendo que por mais benéfica que uma ideia nos possa parecer, ela não se transforma em realidade por simplesmente o desejarmos. E que nem sempre aquilo que o colega nos diz que lhe parece ser, o é verdadeiramente. O Facebook vem sendo um palco cada vez maior para todo este tipo de comportamentos, em que vamos assistindo a colegas da academia que deveriam ser isentos, imparciais, defensores do pensamento científico aberto e livre, mas que se deixam embalar pelas inflamações do momento, que aceitam partilhar notícias falsas apenas para promover a guerrilha ideológica. Contudo, e ao contrário de Pinker, não vejo isto como um problema de um dos lados, isto é um problema de ambos — Esquerda e Direita — que se polarizaram tremendamente, não por causa direta do Facebook, mas não se pode dizer que este não tenha vindo a servir de catalisador emocional de toda essa polarização.

Não é de Esquerda nem de Direita porque ainda esta semana se passou outro caso, em território nacional, seguindo um modelo muito próximo de atuação. Falo da Conferência sobre as alterações climáticas decorrida na Universidade do Porto este fim-de-semana. Durante toda a semana anterior vimos os mais respeitados colegas nacionais a atacar por todos os meios os colegas que “ousaram” fazer tal conferência. Houve direito a abaixo-assinado com dezenas de reputados nomes, e milhares de ataques no Facebook e na imprensa nacional. Muitos dos que realizaram ataques, nem sequer sabiam do que tratava a conferência, não perderam um minuto a ler os textos dos colegas, afiaram as machetes e avançaram na defesa de um ideal.

Analisado o livro de abstracts da conferência o que temos ali verdadeiramente? Uma conferência sobre alterações climáticas que não contestam, em que os intervenientes pretendem apresentar potenciais outras visões sobre o que pode estar a motivar essas alterações, para além da ação humana. Na verdade, o que temos neste momento são dados de correlação, e dados de 200 anos num planeta com milhões de anos. Sim, os dados levam em conta todas as variáveis conhecidas que potencialmente poderiam gerar o efeito, atenuando o impacto de mera correlação, e deixam muito poucas dúvidas sobre o facto de sermos nós o agente que está a fazer a diferença (ver infografia explicativa dos dados que possuímos sobre as alterações).

A esmagadora maioria dos estudos demonstram que a variável que mais afectou o aquecimento foi a humana. Mas isso é razão para não se discutirem outras hipóteses? Para não mantermos a mente aberta? [fonte da imagem]

Não restam muitas dúvidas sobre a responsabilidade da nossa espécie sobre o clima, o que é diferente de dizer que não resta espaço para podermos exercer a dúvida. A constatação que temos não é verdade absoluta, em ciência a verdade só existe até provada a sua falsidade. Por isso ter pessoas a discutir análises de factos, a contestar posturas, pode parecer arrogante, mas não deixa de ser legítimo. Mais ainda porque estamos a falar de uma conferência no domínio das ciências sociais e humanas, lugar em que se fazem conferências sobre Post-it e as irmãs Kardashians, que não refiro como menosprezo pelo que se investiga mas refiro para defender que aquilo que está aqui em causa é distinto de uma conferência no domínio da Física. Não perceber isto é querer forçar uma visão monolítica do conhecimento e da ciência, sem qualquer benefício.


Estes dois casos não são isolados, e são claramente sintoma de muito do que se passa à nossa volta. mas aceitarmos o calar de cientistas com o argumento de perigo de contaminação da opinião pública com ideias erradas é algo extremamente preocupante. Isto equivaleria a dizer que os cientistas não devem agir enquanto investigadores da realidade, não devem pensar livremente, mas devem subjugar-se às necessidades de controlo e manipulação da opinião pública e defesa das grandes narrativas. Ou que a liberdade de pensamento científico é apenas uma utopia para oferecer credibilidade aparente à ciência. O que temos aqui não é mais do que o modelo social criado e imposto pelo Facebook a moldar o pensamento da sociedade, a toldar os parâmetros dos diferentes grupos, incluindo os próprios cientistas. Todos se sentem escrutinados, e por isso todos acreditam que precisam de trabalhar para a construção de uma realidade paralela na qual tudo é melhor do que na realidade em que vivemos. Nem que para isso tenhamos de transformar as nossas vidas naquilo em que durante tantos anos contestámos à televisão, que está expressa nestes versos dos Disposable Heroes:

“Television [Facebook], the drug of the Nation 
Breeding ignorance and feeding radiation”

O Facebook roubou as grandes audiências à televisão, nomeadamente a partir da introdução e massificação dos smartphones. Com este, os estudos começaram a mostrar padrões nos quais as pessoas parecem preferir ver informação que vá de encontro ao seu próprio modelo do mundo. Aquilo que não se enquadra nessa visão, Esquerda ou Direita, chega a ser doloroso, porque obriga a mudança de opinião, saída da zona de conforto. Por isso as pessoas desataram a eliminar, a barrar ou a deixar de seguir todos aqueles que não se exprimem no mesmo comprimento de onda. Criaram bolhas, câmaras de eco, confirmações de viés, enormes silos com grandes divisórias. Contudo em vez de ficarem felizes nos seus redutos, começarem a surgir de cada lado "guerreiros" na defesa de visões e ideias. A Primavera Árabe foi um prenúncio do que viria a seguir, depois disso tivemos o Obama, o Brexit, Trump, e a cada nova história, cada novo conflito, as hostes, fechadas em cada silo, agitam-se e lançam as suas farpas. Deixaram de existir terrenos neutros, espaços onde as diferenças se podiam debater. A Universidade que devia ter permanecido esse espaço, parece votada a deixar de o ser. No Facebook, se acedemos a conversar com uma ala, não podemos conversar com a outra. Chegámos a um ponto em que apenas conta: "Ou estás connosco, ou estás contra nós".


Se aceitarmos colocar a ciência em segundo plano, se aceitarmos partilhar o rumor, se aceitarmos exigir a censura, a imposição e a submissão da ciência e dos cientistas na defesa de ideologias, esqueçam o progresso, não haverá literacia que nos proteja de uma sociedade enclausurada num simulacro.

setembro 08, 2018

Forma e sentido na construção narrativa

“Os Lança-Chamas” (2013) de Raquel Kushner dificultou-me tanto o processo de resenha que resolvi criar uma nova categoria no GoodReads para o mesmo que denominei “Sem Avaliação” (no-rating), e no qual acabei inserindo outros livros que, como este, me tinham sido difíceis de avaliar. As dificuldades levantadas por estas obras têm principalmente que ver com os elementos de avaliação que uso para aferir o valor das mesmas que nestes casos se me oferecem com pesos que os colocam em polos opostos. Ou seja, num desses elementos a obra obtém o valor máximo enquanto noutro o valor mínimo. Nestes casos não é possível fazer média, que é aquilo que vamos fazendo subjetivamente ainda que com grandes margens de flexibilidade. Aliás, só mesmo por toda esta flexibilidade subjetiva é que aceito avaliar quantitativamente as obras, pois se quisesse ser completamente rigoroso não daria quaisquer estrelas. Mas o que está por detrás desta obra, ou melhor da minha experiência da leitura desta?


“Os Lança-Chamas” é o segundo livro de Kushner, tendo a autora lançado este ano o seu terceiro livro, já traduzido pela Relógio d’Água também — “O Quarto de Marte”. Falo deste último porque foram alguns dos aplausos recebidos pela obra, da parte de autores e críticos que costumo levar em conta — Jonathan Franzen, George Saunders e James Wood — que despertaram o meu interesse na autora, fazendo assim com que comprasse este segundo livro de Kushner.

Ao fim de poucas páginas percebe-se porque Franzen gosta tanto de Kushner, as suas formas de escrita aproximam-se imenso, encaixando muito bem num grupo de autores — Jonathan Franzen, Zadie Smith, David Foster Wallace, DeLillo e Pynchon — que Wood usa para delimitar o rótulo, por si criado, do "realismo histérico" (a definição foi apresentada pela primeira vez na resenha de Wood do livro "White Teeth" em 2000). Este modelo de contar histórias define-se, segundo Wood, pelo "excesso" e "exaustão" de realidade, criando uma espécie de "realidade evasiva enquanto assume os contornos do realismo". Os autores forjam conexões, ligações, enredos e paralelos entre múltiplas histórias e linhas de ação, que obrigam a um detalhar continuo de descrição de ações que tornam o texto num fluxo contínuo e imparável, disparando em todas as direções de sentido.

Franzen foi o primeiro escritor em que me apercebi deste modo de narrar, o seu detalhar contínuo de ações e micro-ações que mudam de espaço e tempo e nos levam atrás com enormes ânsias por descobrir mais e mais sobre o que se irá passar a seguir, que no fundo fazem com que se crie uma espécie de histerismo, uma urgência sem propósito. Li algures, uma comparação com o estado atual do audiovisual, com a necessidade de fazer montagens cada vez mais rápidas para agarrar os espectadores, e nomeadamente com as séries e os seus múltiplos enredos que asseguram o interesse ao longo de horas e horas. Pode ser, embora na escrita isto resulte mais complexo porque a retenção de tanta informação, se não muito bem urdida, pode destruir toda a experiência de leitura pelo excesso de demanda cognitiva. Por outro lado, não me parece que falemos aqui de excesso de linhas de enredo, o que temos é antes um excesso de detalhamento de ação interna ao enredo. Como se o olhar destes escritores conseguisse colocar em pausa a realidade, e assim detalhar ao pormenor o que se passa e porque se passa.

Este modo resulta bem diferente daquelas torrentes descritivas que Balzac ou Eça nos ofereciam no início do realismo, já que não descrevem o estático (espaços e personagens) mas o dinâmico (os eventos), que pela sua imprevisibilidade, dotada pela transformação e mudança, aumentem a curiosidade do leitor, o despertam e instigam a correr atrás. Na descrição do estático, temos de realizar um esforço para reconstruir em nós o que o autor está a ver e a descrever, enquanto na dinâmica, no enredo, estamos apenas presos ao fio dos acontecimentos, totalmente focados no que se irá suceder a seguir, e por isso mais atentos, interessados e claro curiosos. Não é por acaso que em narrativas mais centradas nos personagens, as pessoas se queixem de falta de ação, porque falta enredo, ou seja grandes ações e transformações a acontecer em que se focar e deixar-se levar. Nas narrativas centradas no personagem, temos de trabalhar mais internamente para ver e sentir de que são feitos esses personagens.
"Quando eu tinha doze anos, Flip foi a Reno e deu autógrafos num casino. Eu não tinha uma fotografia boa para ele assinar, por isso ele assinou na minha mão. Durante semanas tomei banho com um saco de plástico a cobrir essa mão, preso com um elástico no pulso. Não era uma paixão romântica. A disponibilidade tem os seus níveis. As meninas não alimentam ideias de sexo, o seu corpo e outro juntos. Isso vem mais tarde, mas alguma coisa haverá antes disso. Há algum devaneio inocente, um sonho, e os ídolos são perfeitos para os sonhos de uma rapariguinha. Os ídolos não são reais. Não são o homem de serviço na bomba de gasolina que tenta levar-te para as traseiras do posto, nem um ardina que tenta levar-te a entrar numa barraca de ferramentas, nem o amigo do pai que tenta levar-te a entrar no seu carro. Eles não tentam levar-te. Chamam, mas como pequenas miragens no deserto. Flip Farmer era inofensivamente inalcançável. Era uma coisa especial. Escolhi-o entre todos os homens do mundo e ele assinou as costas da minha mão e sorriu com uns dentes muito brancos, muito alinhados. Ofereceu esse sorriso a cada de um nós, crianças e adultos que estivemos na bicha para o Harrah's. Não éramos indivíduos, éramos a superfície onde ele se movia, sorridente e distante. O caso é que, se ele me tivesse devolvido o olhar, eu talvez tivesse lavado da mão o seu autógrafo." (Os Lança-Chamas, p. 29)
Ora Kushner enquadra-se belissimamente neste registo. O modo como exacerba o detalhe da ação agarra-nos totalmente, suga-nos para dentro do livro, e as páginas passam a voar. Contudo temos um problema, e agora voltando ao histerismo de Wood, os autores deste estilo caracterizam-se por apresentar temas e tópicos bastante diversos, mesmo extravagantes ou exóticos (ex. DFW usa uma parafernália de personagens estranhos tais como os Assassinos de Cadeiras de Rodas ou a divisão em anos definidos e promovidos por marcas como os hambúrgueres Whopper ou as fraldas para adultos Depend; DeLillo fala de artistas que pintam bombardeiros no deserto; enquanto Zadie junta bombistas islâmicos com Jeovás, com defensores dos animais e cientistas judeus que fazem experiências genéticas). Kushner não se fica atrás e fala-nos de motociclistas e automobilistas que vão para os desertos de sal americanos bater recordes, contrapostos com os artistas da cena nova-iorquina dos anos 1970, ao que junta resquícios de famílias da nobreza italiana contrapondo-as com as Brigadas Vermelhas, para no final nos levar através do grande Blackout de 1977. Se os cenários de Kushner encaixam bem, seguindo o tal histerismo, apresentam algo de distinto face aos restante escritores, é que parecem, pelo menos eu não consegui descortinar, que quando se juntam não resultam em algo mais, ou tão só não parecem ter nada para dizer.

Quebra de recorde de velocidade em Bonnieville Salt Flats por Roland Free em 1948. Fotografia de Peter Stackpole para a revista Life.

Foto símbolo de 1977 dos Anos de Chumbo em Itália

As pilhagens durante o Apagão de NY, em 1977

Se olharmos para "Piada Infinita", ou "Dentes Brancos" ou "Submundo", todas estas obras se constroem na base de múltiplas histórias e historietas, umas mais outras menos loucas, mas todas trabalham para um objeto, o seu entrelaçar vai desvendando esse objeto, o seu conjunto significa, aponta para a construção de significante, ainda que ele possa ser subjetivo ou abstrato. No caso de "Os Lança-Chamas" as histórias vão-se sucedendo, a escrita é belíssima, mas tudo parece apenas servir o desígnio de entreter a nossa mente, uma leitura rica mas que parece estar apenas ao serviço do passatempo. Reconstituído o puzzle final da leitura, não retiro dele nada. Este foi o problema que encontrei em "Purity" de Franzen, por oposição ao que nos tinha dado nas suas duas anteriores obras "Correções" e "Liberdade"  Talvez não por acaso tenhamos visto Kushner dar entrevistas tentando explicar o que queria dizer com o livro, assim como tenha escrito todo um artigo de desconstrução do processo criativo da obra para a Paris Review. Mas essas explicações só acabaram a reforçar as minhas conclusões iniciais, de que realmente nada havia aqui além do imensamente sofisticado tricot de palavras. Falo em sofisticação, porque não está ao alcance de qualquer um escrever e descrever desta forma, requer virtuosismo que por sua vez requer muito estudo e trabalho.

Tendo mais a defender obras pela excelência da forma do que do sentido, ou melhor, tendia, mais ainda no cinema. Talvez por um excesso de adulação que fui lendo em alguma crítica aos sentidos de algum cinema mais artístico, habituado a codificar ideias em símbolos na esperança de ampliar o seus sentidos, sem contudo se ter de obrigar a dizer algo em concreto. Muito desse cinema era, e ainda existe algum, muito básico na forma, porque muitas vezes era feito por pessoas com muito pouco traquejo da arte. Supostos artistas, que tendo algo supostamente tão importante para dizer, podiam prescindir de desenvolver conhecimento do métier, considerando-o mesmo secundário na arte. Nunca suportei tal postura, ainda hoje lido mal com a chamada Arte Contemporânea por causa desta sua tendência, a defesa do artista que não precisa de sujar as mãos. Por outro lado, não posso aceitar o contrário, que o brilho da execução, o virtuosismo, sejam suficientes para elevar uma obra e fazer esquecer que ela é, numa grande parte de si, um ato de comunicação. Se não há nada para comunicar, então mais vale não escrever ou não filmar.

Termino dizendo que a obra de Kushner tem momentos muito altos, não apenas na forma mas também no conteúdo. Existe muita pesquisa aqui envolvida, somos brindados com imenso conhecimento à medida que vamos lendo, e no fundo aprendendo. Contudo falta-lhe um propósito, a capacidade de tudo enlaçar e dar a ver por um novo olhar seu, pessoal, sobre o mundo que decidiu nos apresentar. Sei que isto não é obrigatório numa obra, já que se trata de romance e não de uma obra de não-ficção ou uma tese. Contudo, olhando aos grandes clássicos, os livros que se eternizam são os que são capazes de jogar tanto na forma como no significado. Não fosse a obra tão instigadora de diferentes opiniões, e não teríamos tido críticos a criticarem-se na praça pública (Miriello responde a Seidel, com Tracy a tentar explicar o que os separa). De qualquer modo, conto ler o último livro, para tentar definir melhor a minha posição face à autora.

setembro 07, 2018

Coincidências por detrás de dois génios criativos

Depois de ter visto o filme "Avicii: True Stories" (2017) fiquei a saber um pouco mais sobre a vida e legado do músico. Por mero acaso, passava no TVCine no dia seguinte, o filme "Loving Vincent" (2017) e descobri também um pouco mais sobre a vida de Van Gogh. No final deste último, fiquei para ali sentado no sofá a refletir sobre as questões por detrás dos génios criativos, do que os ocupa e motiva, e foi quando me dei conta de algumas semelhanças entre Avicii e Van Gogh, de números assim como das suas passagens fugazes pelo planeta. Não quero com isto equiparar os criadores, nem tão pouco os seus legados, por isso chamo-lhe apenas coincidências. Contudo, para mim e a quem o desejar, de mente aberta, serve à reflexão sobre os processos criativos, o talento e seus efeitos.

À esquerda, "Auto-retrato" de Van Gogh. À direita, imagem criada por Phreakerx com recurso a algoritmos de IA.


Van Gogh [Holanda, 1853 - 1890]
A sua carreira durou 8 anos (1882-1890);
Pintou cerca de 800 telas;
Causa de morte: suicídio.

Quadro do filme "Loving Vincent" (2017). Filme criado seguindo o legado visual do artista.

Avicii [Suécia, 1989 - 2018]
A sua carreira durou 8 anos (2008-2016);
Fez cerca de 800 espetáculos;
Causa de morte: suicídio.

Quadro do filme "Avicii: True Stories" (2017). Filme lançado antes da morte do músico.

setembro 06, 2018

"Loving Vincent" (2017)

"Loving Vincent" de Dorota Kobiela e Hugh Welchman é um filme-tributo dedicado a Vincent Van Gogh que usa como base a pintura a óleo, num processo manual que recorreu a mais de 100 artistas, para produzir os quadros que animam todo o filme. Se a primeira impressão é de estranheza, não só porque nem todos os quadros resultam esplendorosamente, mas principalmente porque existem vários problemas de fundo com a animação dos elementos, a história acaba funcionando bastante bem e a música de Clint Mansell marca a emocionalidade, a ponto de nos envolver e conseguir levar a viajar até bem perto de Van Gogh. Ficam algumas das melhores imagens do filme e um excerto de uma carta sua para o seu irmão, no início da sua jornada artística.















“What am I in the eyes of most people — a nonentity, an eccentric, or an unpleasant person — somebody who has no position in society and will never have; in short, the lowest of the low. All right, then — even if that were absolutely true, then I should one day like to show by my work what such an eccentric, such a nobody, has in his heart. That is my ambition, based less on resentment than on love in spite of everything, based more on a feeling of serenity than on passion. Though I am often in the depths of misery, there is still calmness, pure harmony and music inside me. I see paintings or drawings in the poorest cottages, in the dirtiest corners. And my mind is driven towards these things with an irresistible momentum.”
Vincent van Gogh, 21 July 1882

O tarot de Byung-Chul Han

Há uns anos sentei-me numa mesa com uma senhora que lia cartas de tarot, fiz uma pergunta à qual fui presenteado com várias perguntas, a que fui "compelido" a responder, ao que se sucederam várias supostas respostas ou histórias. Quando saí de lá e ao longo dos dias seguintes, pouco tempo dediquei à alegada resposta apresentada à minha dúvida, fiquei-me mais pelo dissecar da Arte do Tarot, que como já devem ter percebido acima, consiste essencialmente em buscar elementos, baralhar e voltar a dar, socorrendo-se de boas capacidades da arte de contar histórias para gerar uma narrativa estruturada e credível, esperando que a crença do ouvinte faça o resto. Ora isto mesmo foi o que senti com Byung-Chul Han, que parece estar a reciclar discussões com 20 e mais anos, juntando-lhe uns pozinhos de atualidade que lhe conferem uma aparente nova relevância.


De modo mais sério e racional, Byung-Chul Han pega em fenómenos que se vão sucedendo no mundo do online, analisa com base em algumas outras leituras e conhecimento próprio sedimentado, retira algumas conclusões a partir do que cria grandes teorias genéricas, no abstrato, que supostamente depois podem ser aplicadas a todo e qualquer fenómeno que aconteça no mundo do online. Sendo interessante a leitura, no final de cada texto ficamos como quando começámos, pois se existe algo a que o online é pouco dado, é a generalizações. Se bem que não é o online, é quase tudo. Este tem sido o meu grande problema com a Filosofia nos últimos 20 anos. Há medida que me vou especializando, e ganhando conhecimento sobre determinadas áreas, mais me custa ler abstrações criadas com base em generalizações latas.

Han, Byung-Chul,  (2016), "No enxame: reflexões sobre o digital", Relógio D’Água, Lisboa

Diga-se que este não é um problema só da Filosofia, faz parte da nossa forma de estar no mundo, que por ser amplamente complexo e variável não dá muito espaço para que se individualizem soluções, correndo-se o risco de tender para o infinito. Veja-se a mais recente discussão no mundo da medicina e farmácia ou da educação, em que se vem tendendo a defender soluções o mais individualizadas possíveis. Se bem que no caso da Filosofia não me parece existir um problema de oferta e procura, a não ser que se pretenda aumentar o número de leitores!

Em termos mais concretos. Han discute a destruição do respeito pelo anonimato, discute a destruição da mediação e do gatekeeping, tudo como se fosse algo recente e que tivesse agora sido descoberto, atacando com todo o mesmo argumentário que tantos fizeram ao longo das últimas décadas. Não esqueçamos que a teorização sobre comunidades virtuais e a condição pós-moderna tem para cima de 30 anos. Por outro lado, com tanto a acontecer, Han não foi capaz de ir além de muitas dessas visões apocalípticas. Aliás, não deixa de ser interessante como mais para o final do livro Han cita abundantemente Vilém Flusser, mas não para o seguir, antes para dizer que as suas visões não se concretizaram! O que se estranha, já que quando analisados, o facto da comunicação passar a bidireccional não conduz automaticamente a nenhuma destruição das representações que arrastam as massas. Se assim não fosse, o próprio nome de Byung-Chul Han enquanto filósofo nem sequer se teria chegado a construir. As massas mesmo sendo mais individualizadas, não deixaram de ser massas, e a mediação continua a fazer-se sentir, talvez mais do que nunca, pelo poder económico que a produção cultural adquiriu na última década por força da necessidade de inovação e criatividade inerentes às lutas num mundo globalizado.

Vejamos, poderia existir uma Apple, a "first trillion dollar company", ou superproduções milionárias como a série "Game of Thrones", o filme "Avengers", o videojogo "GTA", e porque não as mais de dez temporadas do programa de televisão das Kardashians, e a nível nacional e saindo daquilo que seriam os meios tradicionalmente de massas, o Wuant e a Sea3po, sem essas massas sem os gatekeepers que direcionam para esses fenómenos massivos que emergem da multidão? Ou seja, poderiam estes fenómenos tornarem-se universais como se tornaram sem todo um trabalho de mediação (publicidade e marketing) e gatekeeping (acesso a canais privilegiados)?

Han propõe o conceito de "enxame" para estas novas massas, o enxame sem alma, porque de tão individualizada nada os representa. Mas até a própria metáfora é fraca, o enxame não é individualizado, é uma das maiores obras de coletivismo da natureza, tal como o formigueiro. Todos trabalham para um mesmo fim, todos respondem da mesma forma aos mesmos estímulos, todos seguem sem questionar. Ainda que aquilo que haveria aqui a concordar é que, as abelhas, motivadas pelo design do seu comportamento instintivo, seguem sem necessidade de maestros. O seu comportamento produz, pela emergência (esforço individual não direcionado que surte frutos concertados) o enxame, tal como o favo e a colmeia. Assim o enxame é já um resultado da união de interesses idênticos de uma massa, que pode não ser regulada por ninguém, mas é regulada pela inerência comportamental. Do mesmo modo, nós humanos tendemos a ser regulados por comportamentos que nos impelem para o outro, que nos subjugam pela empatia, e nos fornecem prazer e recompensa por via de fenómenos como o seguidismo e o culto.

Existem momentos no livro, que mais me parece estar a ler uma tese de mestrado de um qualquer aluno de Ciências da Comunicação. Frases como:
"Hoje já não somos meros recetores e consumidores passivos de informações, mas seus emissores e produtores ativos. Já não nos basta consumir passivamente informações, mas queremos produzi-las e comunicá-las de modo ativo." (p.27) 
"Hoje, as imagens não são apenas cópias, mas também modelos. Procuramos refúgio nas imagens para nos tornarmos melhores, mais belos, mais vivos". (p.39)
"A comunicação digital assume a forma não só de espectro, mas também de vírus. É contagiosa, porque se produz imediatamente no plano emocional ou afetivo (..) A escrita, por seu turno, é demasiado lenta para tanto." (p.69)
De certa forma, o problema de Han acaba por se reduzir às parcas leituras no domínio da comunicação, surgindo Barthes amiúde, um dos grandes propositores da narrativização do social, mas manifestamente insuficiente para o que Han pretendia aqui analisar. No seu tempo a Semiótica foi não só novidade mas gerou grande adesão com as suas leituras e interpretações abrindo-nos o apetite pelo decifrar do real proposto em modos narrativos acessíveis. Mas hoje, usar este mesmo tipo de ferramentas é curto, muito curto. Onde fica a imensidade do trabalho desenvolvido pelas ciências sociais desde todo o levantamento empírico quantitativo e qualitativo a toda a evolução da teorização psicológica suportada pelas novas tecnologias e métodos fornecidos pelas neurociências?

Claramente que no meio de tudo isto surgem ideias luminosas que me despertam e fustigam o pensar, mas porque nada é aqui desenvolvido, ficando-se tudo por textos curtos de 2 ou 3 páginas, rapidamente descarto porque me questiono se a frase, a tal ideia apresentada, não é mais do que uma interpretação minha daquilo que ele apenas hipoteticamente quereria dizer.