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Why We Do What We Do: Understanding Self-Motivation" é um bom livro mas não vai além disso. Aquando da sua leitura precisará de se levar em conta dois elementos: o primeiro, que o livro é de 1995; e o segundo que
Edward Deci, conjuntamente com
Richard Ryan, são duas das maiores autoridades no campo da Motivação. Porque digo isto? Porque aquilo que Deci aqui apresenta é para nós em 2015 algo já assimilado, apesar da sociedade muitas vezes o esquecer, mas se o é hoje aceite deve-se a estes dois investigadores. E sendo de 1995, o que aqui se diz era ainda recente à altura, hoje já não é. Depois, o livro acaba por sofrer de um problema clássico, sendo académico o autor e sabendo que os públicos são distintos, procurou agradar a todos, acabando por fragilizar a obra. Se a primeira parte funciona bastante bem na desconstrução teórica do modelo que suporta a “
Self-Determination Theory”, a segunda parte é fraca, com Deci a entrar quase pelo caminho da autoajuda, com ideias simples e simplistas, demasiado senso comum e pouco suporte para afirmações tão largas e complexas. Assim descrevo apenas a parte do livro que realmente vale a pena enfatizar.
A teoria de motivação aqui apresentada, foi criada ao longo de décadas por Deci e Ryan, tendo sido denominada como “
Self-Determination Theory” (SDT). Como o próprio nome indica, a teoria parte de uma base que diz que a intensidade da nossa motivação está directamente ligada à nossa determinação para alcançar um objectivo (ex. o ato de deixar de fumar, maioritariamente só resulta no tempo, quando parte de uma vontade do próprio). Deste modo Deci começa por elencar a distinção entre a motivação extrínseca e a intrínseca. No caso da extrínseca, somos motivados por algo exterior ao objectivo em si, ele apenas é um meio (ex. tirar boas notas na escola, para ganhar uma consola). No caso da intrínseca, refere-se a realizar algo, porque se pretende isso mesmo (ex. aprender a tocar piano porque nos dá prazer). Se à partida podemos pensar que a motivação intrínseca é a única relevante, não é o caso. O que a teoria de Deci refere, é a determinação para agir, não se ela é interna ou externa, contudo ao enfatizar a determinação do próprio, ela refere que quando se motiva, quem é motivado tem de estar consciente e determinado a seguir essa motivação.
Por exemplo, ao explicarmos a uma criança que precisa de estudar para ter um futuro melhor, estamos a colocar-lhe o objectivo exterior na frente, mas não o fazemos obrigando, antes dando a escolher, entre um futuro melhor ou pior, cabendo à criança "decidir". Isto dá conta do porque a motivação não se faz pela recompensa ou punição, mas antes pela explicação e chamada à participação dos envolvidos. No mesmo sentido, quando alguém trabalha como lixeiro, em princípio não é por se sentir movido por tal dever, mas pela recompensa financeira que daí advém, sendo que numa sociedade livre, este não é obrigado a tal, podendo sempre procurar e escolher outros trabalhos.
Deste modo, não basta dizer que pretendemos motivar intrínseca ou extrinsecamente alguém, o que temos de fazer é garantir uma motivação autodeterminada, e para o garantir Deci elenca três variáveis necessárias à sua obtenção:
"Autonomia", "Competência", e "Relacionamento". Ou seja, para garantir um indivíduo motivado, precisamos de lhe conferir autonomia, oferecer-lhe liberdade de escolher o seu caminho; precisamos de garantir que o objectivo está ao alcance das suas capacidades, não sendo demasiado fácil, nem demasiado difícil; e por fim garantir a existência de uma relação entre o motivado e o motivador, ou o grupo de pessoas que suporta o objectivo da motivação. Quando estas três variáveis se cumprem o nível de motivação atinge o seu ponto mais elevado, deteriorando-se sempre que uma destas variáveis não é cumprida.
Destes três elementos, apenas um é verdadeiramente novo, a autonomia. No caso da
competência, é algo que Vygotsky já tinha identificado há bastantes anos e que ficou conhecido por
Zona de Desenvolvimento Proximal, e que Bruner descreveria também como processo de
Scaffolding (os andaimes de ajuda à aprendizagem, e manutenção do interesse), muito utilizado nos tutoriais multimedia e de videojogos. Por esta via, conseguimos manter o sujeito interessado, desde que saibamos construir as dificuldades numa lógica progressiva. Já no caso do
relacionamento, é a condição de sobrevivência da espécie mamífera, fundamental na componente de gregarismo, tendo sido evidenciada nos mais diversos estudos, desde o cérebro Triúnico à
Empatia. Sem empatia, a vontade humana não se ilumina.
Assim no caso da
autonomia, o que temos é um processo de garantia da participação do motivado na escolha para a motivação. Procura-se desta forma, envolver de algum modo a pessoa a ser motivada na decisão, garantindo a sua determinação para agir. A escolha e decisão pode ser menor, o que interessa é garantir ao indivíduo que este é ouvido, e que de algum modo existe uma consequência da sua vontade. Deci dedica bastante espaço à discussão da autonomia, desde logo começando por a opor ao
controlo, assim como a diferenciando da
independência. No caso da independência, apesar desta apelar à liberdade do indivíduo tal como a autonomia, só esta faz referência a que esta acção tenha de ser desligada dos demais, daí que Deci referencie que no caso da motivação acontece precisamente o contrário, a liberdade de escolha não pode ser desligada da vontade de estar ligado aos outros. Deci dá o exemplo dos adolescentes que se afirmam pela sua vontade de se afirmarem como diferentes dos pais (autónomos), mas ao mesmo tempo iguais aos amigos dos próprio grupo (relacionamento).
Por fim, quero ainda frisar um tópico que toda esta teorização acaba por levantar, e que é profundamente político, mas que nos ajuda a compreender melhor o mundo em que nos movemos. Deci dá conta do modelo motivacional americano, ou capitalista, e depois realiza algumas comparações com o modelo comunista, que este encontrou quando serviu de conselheiro na Bulgária, logo após a queda do muro de Berlim. Assim
Deci vai mostrar os dois extremos do espectro da motivação, ou a amotivação, de um lado o controlo do capitalismo, do outro, a inconsistência de propósitos do comunismo.
No caso do capitalismo, temos toda uma sociedade montada para exercer controlo e obrigar o indivíduo a realizar acções que grande parte das vezes não deseja. Trabalhar para comprar um carro ou uma casa maiores do que as suas reais necessidades, uma satisfação material, que até se ser pressionado pela publicidade ou opinião dos outros, não se considerava sequer. Por outro lado, no comunismo, por força de se almejar a igualdade entre os indivíduos, não resta espaço à autonomia, o indivíduo queda-se num limbo, incapaz de compreender o que é esperado dele enquanto membro do grupo, perdendo-se e conduzindo à necessidade de impor regimes totalitaristas para fazer vingar os ideais. Assim temos que qualquer destes dois extremos contribuem inevitavelmente para a amotivação, criando não seres humanos, capazes, saudáveis, criativos e determinados, mas antes nada mais do que simples autómatos.
Para fechar, apenas concluir que a motivação está no cerne daquilo que faz de nós seres humanos, é o garante da nossa volição, da nossa liberdade, e assim do pulsar da própria vida.