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maio 09, 2021

A Tirania de Ter de Ser o "Melhor"

Apesar de repetitivo, "The Tyranny of Merit: What’s Become of the Common Good?" (2020) de Michael Sandel foi o livro mais transformador que li nos últimos anos, por tocar em aspetos fundamentais da atualidade que explicam as intrincadas relações humanas da nossa sociedade neste início de século. 

Deixo múltiplos pontos que o livro suscitou, com argumentação de Sandel, algumas conclusões e  discussões desses. Começo com o ponto principal:

1. A dignidade do nosso trabalho não é medida pelo ordenado que recebemos. 

maio 28, 2019

As Duas Culturas (1959)

Este livro foi feito a partir de uma palestra dada por C.P. Snow em 1959, tendo gerado imensas ondas em toda a academia, muitas delas contra Snow, condenando-o por contribuir para o aumento da divisão que queria ilustrar entre ciências e humanidades. Devo confessar que fiquei surpreso por ler tais condenações, ainda mais quando feitas por pessoas como Stephen Jay Gould, e não menos fiquei ao procurar comentários mais recentes e encontrar pessoas defendendo que Snow se limita a afirmar o óbvio, para a seguir dizerem que as coisas são muito simples e deveríamos ser todos capazes de nos entendermos. Isto demonstra uma atitude baseada em ideais e não numa análise minimamente objetiva da realidade.


Talvez se fosse há alguns anos eu teria concordado com a ideia de que todos os grupos de pensadores se deveriam entender, independentemente da abordagem ao real que fazem, mas hoje, isto parece-me no mínimo ingénuo. Acreditar que Aristóteles discordou em quase tudo do seu professor Platão apenas por birra, só pode ser tonto. As suas discordâncias estão exatamente na génese daquilo que Snow aqui identifica, e têm que ver com as motivações e personalidades de cada um que os levaram a construir modelos da realidade distintos, no caso, opostos. Ou seja, não penso o mundo a partir de uma tábua rasa e do conhecimento que experiencio ou me transmitem, mas filtro-o através daquilo que sou, e do modo como desejo transformar o mundo que me rodeia.

É verdade que o livro não ajudou, porque Snow não ajuda, nada mesmo. Não há um método na divisão, nenhuma definição sequer é apresentada sobre ambos os lados, nenhuma caracterização dos diferentes perfis é apresentada, nenhuma análise social é feita, menos ainda qualquer traçado comportamental, cognitivo ou emocional é apresentado. Deste modo, Snow cria um argumento meramente no ar, a partir de uma ideia do senso comum que segue o erro, hoje clássico, de caracterizar pólos a partir de médias. Vemos muito isto quando se quer classificar atividades em termos de orientação: homem ou mulher. Nestes casos usam-se curvas de Bell que nos mostram que existem maiorias de homens que gostam de A e maioria de mulheres que gostam de B, e por isso diz-se que os homens gostam de A e as mulheres gostam de B. O problema destas abordagens é que esquecem que junto ao pico da média dessas curvas, existe uma divisão, e para um desses lado, existem faixas enormes de homens e mulheres que não se identificam, que não encaixam nessas classificações simplistas. E foi isso que aconteceu com este texto de Snow, porque usar cientistas contra estudiosos de literatura, não podia dar outra coisa se não um mar de cientistas que adora literatura, e um mar de estudioso literários que manifestam interesse pelas ciências, e que por isso consideram toda a conversa de Snow ridícula.

Se Snow tivesse apresentado um divisão por interesses, objetivos ou metas em vez de classificar as pessoas em etiquetas genéricas, teria com certeza conseguido gerar uma discussão mais equilibrada em redor desses argumentos, em vez de colocar grupos sociais uns contra os outros. Por outro lado, se o tivesse feito não teria conseguido chamar tanto a atenção, só um nicho se teria interessado pela discussão, e o livro talvez tivesse caído rapidamente no esquecimento.


Nota sobre a tradução: Acabei desistindo desta edição portuguesa, mas depois de pegar na original de Snow, percebi que o problema não era da tradução, o atabalhoamento da discussão está mesmo no original, talvez por se tratar de um texto transcrito de uma comunicação. Ainda assim considero que Snow poderia, deveria, ter revisto o texto antes de o deixar publicar.

maio 04, 2019

Talento ou motivação para criar?

Quando uma filha (14) ganha um concurso ficamos contentes, imensamente alegres por ela, mas quando ganha um concurso a nível nacional de escrita (criativa em inglês), que descobrimos apenas que ela participou quando soubemos que ganhou, além de nos fazer sentir felizes, questiona-nos: como e porquê? Não podendo deter-me no artefacto, foi escrito na hora do concurso em resposta ao tema e à mão e por isso não o pude ainda ler, detenho-me então sobre o seu percurso, não meramente escolar, mas essencialmente no ambiente que lhe foi proporcionado. Muito rapidamente me dou conta de algo que já há algum tempo vinha desmontando sobre a criação de talentos, não basta o ambiente social, nem sequer o investimento e trabalho árduo. Existe algo mais.


Nos últimos anos tenho-me dedicado a tentar compreender o modo como se criam os chamados talentos, no sentido de compreender a motivação e envolvimento humanos. Trabalho com media interativos, e por isso tenho como objeto central da minha investigação compreender o modo como o ser humano se envolve ou engaja com a realidade e os outros, descobrir o que é necessário para convencer alguém a agir, a sair da sua passividade do mero consumir para interagir. Dos estudos que fui lendo, notei uma ênfase enorme na necessidade de esforço e trabalho, relatados em análises de grandes nomes das mais diversas áreas, desde o Cristiano Ronaldo a Pele, passando por Kournikova, mas também Avicii ou Lady Gaga, passando pelas estrelas criativas do cinema romeno Cristian Mungiu ou Cristi Piu, ou inovadores tecnológicos como Bill Gates e Steve Jobs, ou ainda nomes maiores como Mozart ou Proust [1, 2, 3, 4].

A ideia que passa, no final de entrarmos nestes universos de desmontagem académica dos processos de formação de talento, é de que é tudo criado por nós, que existe uma fórmula que podemos seguir para desenvolver qualquer talento, a ponto de podermos concluir que pode ser atingido por qualquer ser-humano desde que se esforce para tal. Mas em todos esses estudos fui sempre apontando um detalhe, que parece menor, mas é fundamental, a motivação intrínseca. Aquilo que nos move internamente. Não estou a falar do célebre “jeito”, menos ainda “dom”, mas de motivação para investir horas diárias a chutar numa bola, a programar, ou a escrever, porque todos os exemplos dados acima tiveram isso, nenhum deles foi formatado para ser o que é, foram eles que foram sempre além daquilo que o ambiente lhes pedia, porque queriam mais. Ou seja, não nascemos com um dom para ser cantores ou escritores, mas nascemos com inclinações que nos predispõem a sacrificar tudo o resto em nome daquilo que mais gostamos.

O exemplo que tenho em casa mostra bem isso. Claramente que é uma miúda privilegiada, com acesso a centenas e centenas de livros espalhados por toda a casa, assim como centenas de DVD e videojogos, ao que se acrescentam vários serviços de conteúdos online na televisão, consolas e computador. Mas tem as suas inclinações que a separam totalmente do irmão (10), que tem acesso exatamente ao mesmo entorno material e social. Adora cinema e séries mas não gosta de jogos de mestria ou abstratos, é boa aluna, mas não é brilhante, não se colocando ao lado das suas colegas que correm as pautas a cincos. Se os mando continuamente ler aos dois, já que os ecrãs são a sua maior perdição, ela vai lendo vários livros ao longo do ano, enquanto ele parece estar sempre a fazer provas de superação sempre que vai ler, a única coisa que vejo capaz de agarrar o seu foco, até agora, tem sido os jogos, digitais ou físicos.

Ela não lê desenfreadamente, pois por uma qualquer razão só gosta de ler quando vai para a cama à noite. Ainda ontem lhe perguntava pelo Harry Potter, só leu até ao 5º volume, por outro lado, viu os 8 filmes provavelmente mais de meia-dúzia de vezes. Do mesmo modo, leu ainda apenas os primeiros quatro livros do Game of Thrones, mas está quase a acabar a série. É alguém que adora histórias, independentemente do medium. Começou a ver longas-metragens completas da Disney aos 2 anos, enquanto o irmão, já com 10 anos, continua a perder o interesse nos filmes antes de chegarem ao fim. Quando era mais pequena levava-a a eventos com performers que contavam histórias e ela deliciava-se. E isto é talvez aquilo que vem inscrito na sua motivação, o universo das histórias, contadas, visualizadas, escritas e imaginadas. Não fomos nós em casa que lhe dissemos que as histórias eram relevantes, é algo que a atrai, que a motiva, que puxa pela sua curiosidade e a faz mover. Agora, claramente que precisa de alguém que a vá guiando que lhe mostre a diversidade criativa existente, mas mais do que isso, que existe algo para além do mero consumo, que ela também pode ser parte desse mundo de criação, e isto tem sido algo para o qual a mãe tem dado o maior contributo cá em casa. Entretanto, do que conseguimos perceber, tem vindo a dar os seus passos, mas tudo no segredo do seu quarto e dos seus cadernos pessoais, desconhecendo nós que qualidades ou fragilidades possui, mas a julgar por este concurso, parece estar a dar alguns frutos.

Desta pequena súmula volto a retirar o essencial daquilo que considero ser o papel principal da Escola, ajudar as crianças a encontrarem o seu próprio filão interior. O que gostam, como se vêem, o que os move e demove. São muitas as disciplinas que se ensinam na escola, e eles não precisam de ser bons em todas, menos ainda excelentes, e por isso talvez devessem ser ainda mais as disciplinas, as áreas abordadas, dada a amplitude de possibilidades de realização que o mundo complexo em que vivemos nos proporciona, ou pelo menos abrir-se mais o leque em termos de valências extra-curriculares. É por isso que além do que a escola oferece, lhe proporcionamos ainda o acesso a escolas de dança (ballet) e música (orgão). Acredito que é na frequência da multidisciplinaridade que as crianças e jovens poderão encontrar o seu modo, a sua força intrínseca, criar o seu espaço de ação interior e exterior, e virem a ser capazes de agir no seio dos outros de modo consequente.

Deixo ainda uma nota de agradecimento à escola e aos professores portugueses, que a sociedade teima em desprezar, em apontar o dedo atirando farpas de que tudo está sempre igual a quando por lá passaram. Mas a escola de hoje é diferente, porque os professores de hoje têm uma formação muitíssimo superior à que tinham os nossos professores. São muitas, imensas as atividades que todos estes professores criam e gerem ao longo do ano em cada escola, de Norte a Sul, desde os concursos de escrita criativa, a debates argumentativos, a construção de robôs, e modelação e impressão 3D, passando por programação de jogos, simuladores, jornais escolares, reportagens, olimpíadas de matemática, experiências, audições, intercâmbios, exposições, etc. etc. Claro que a maior parte de tudo isto está nas mãos dos professores individualmente, são eles sozinhos que retiram do tempo da sua família para dedicar sábados e fins de dia para que os alunos tenham mais do que aquilo que vem inscrito nas matrizes estandardizadas de conteúdos. Provavelmente precisamos de mudar essas matrizes, precisamos de uma matriz menos sobrecarregada e de fazer dos projetos individuais dos professores projetos de escola, e julgo que de certo modo é isso que está a ser feito com a chamada Autonomia e Flexibilidade Curricular, aguardemos pelos seus frutos. E bem-hajam.


[1] O Talento é Sobrestimado, 2012
[2] Outliers, 2011
[3] Código do Talento, 2014
[4] Necessidades e Realização Pessoal, 2018

março 08, 2019

Multimodalidade e expressividade nos videojogos

Acaba de ser publicado na revista científica Observatório o artigo "Multimodality and Expressivity in Videogames" no qual abordo a multimodalidade e expressividade nos jogos digitais, sob a perspectiva da comunicação audiovisual, discutindo dimensões críticas em relação à alfabetização e experiência dos videojogos. Começo por apresentar uma visão geral sobre como criamos sentido a partir dos media audiovisuais, para depois enquadrar o foco na natureza cognitiva multimodal dos jogos digitais. Segue-se uma discussão sobre as razões que fazem com que os jogos digitais se tenham tornando mais relevantes do que o vídeo, discutindo as diferenças dos dois meios em termos de aprendizagem, nomeadamente na distinção entre as representações vicárias e enativas.


Ao longo da discussão, realizada no artigo, dou conta das novas possibilidades abertas pela multimedia e jogos digitais, tanto na integração de diferentes modos, como pela oferta de um novo modo, a interatividade, que, como argumentou Bruner, abre novos espaços de representação pela enatividade. Além disso, demonstro como os jogos aproveitam a motivação para extrair comportamentos ativos dos jogadores, ou seja, as ações solicitadas pelo design de jogo que garantem o engajamento e interesse em continuar a jogar para além das abordagens simplistas (estímulos extrínsecos).

Aceder ao artigo completo que se encontra em acesso aberto.

dezembro 23, 2017

Motivação mais relevante que QI

Quem me conhece sabe que defendo o ensino profissional, ou técnico-profissional, ou vocacional, ou como desejarem chamar-lhe, há décadas. Não por razões económicas, não por trazer benefícios ao país, não para nos equiparar ao sistema alemão, mas simplesmente porque que a principal função da Escola é ajudar cada sujeito a encontrar-se. E é sobre isto que o texto da professora Rebecca Haggerty, da Annenberg School for Communication — "Highly motivated kids have a greater advantage in life than kids with a high IQ" — nos fala.


Continuamos a ser iludidos com medições e rankings, adoramos números, aparente garantia de sucesso, por isso desenvolvemos todo o tipo de medidas e quantificadores, sendo o do QI (Quoeficiente de Inteligência) um dos mais louvados pela sociedade contemporânea. Contudo, como vem sendo desmontado nos últimos anos o QI serve de pouco. Primeiro tivemos toda uma enorme discussão à volta do QE (Quoficiente Emocional), que nada resolveu por se querer limitar a fazer o mesmo que o QI, testando e medindo para o sucesso. Só mais recentemente começámos então a falar de Perseverância (ver: Grit & Character), Curiosidade (ver: Curiosity) e Motivação (ver: Drive & Motivation).

Haggerty cita agora o trabalho dos professores Adele e Allen Gottfried que assenta num estudo longitudinal — Fullerton Longitudinal Study — que seguiu 130 bebés ao longo de 4 décadas, recolhendo informação sobre os pais, professores, testes de QI e de motivação, visitas às casas, estudo de ambiente e hábitos, acesso a transcrições de muito daquilo que rodeou as vidas destes sujeitos, tendo recolhido milhares de evidências em redor dos 107 participantes sobreviventes até à data. A principal descoberta não me surpreendeu, vindo totalmente de encontro ao que referencio acima:
"As crianças que obtiveram maior pontuação em medidas de motivação intrínseca académica numa idade jovem - o que significa que eles gostaram de aprender por si próprios - obtiveram melhores resultados na escola, aceitaram cursos mais desafiadores, e obtiveram graus mais avançados do que os seus pares. Foram mais propensos a tornarem-se líderes e tinham mais autoconfiança sobre o trabalho escolar. Os professores viam-nos a aprender mais e a trabalhar mais. Como adultos jovens, continuaram a procurar desafios e oportunidades de liderança ".
Mas estes miúdos que conseguiram o sucesso nas suas vidas não eram os mais dotados intelectualmente. Só raras excepções dos 20% de miúdos do estudo com IQ acima dos 130, conseguiram surgir no grupo dos mais bem sucedidos, apontando a relevância dos factores motivacionais. A grande questão passa então por tentar compreender como podemos ajudar as nossas crianças a tornarem-se pessoas mais motivadas? E não pessoas mais "inteligentes" (redutor e usado aqui apenas no sentido de conseguir ter boas notas nos testes das escolas). Ora o que os estudos destes colegas apontam, também não é nada de novo:
"Em geral, os pais que incentivaram a inquisição, a independência e o esforço, e que valorizaram a aprendizagem por si mesmos, tiveram filhos com níveis mais altos de motivação e realização intrínseca. Além disso, os efeitos dessas práticas prolongaram-se à medida que as crianças cresciam. "Aquilo que vocês fizerem aos nove anos não só terá um impacto imediato, mas também um impacto de acompanhamento ao longo do tempo" disse Adele (..) recompensas externas como dinheiro ou estatuto tendem a diminuir o gozo de uma atividade por parte das pessoas, mesmo que antes gostassem de a fazer. As crianças para terem sucesso precisam de ser intrinsecamente motivadas - isto é, ver o aprender e o assumir de novos desafios como a própria recompensa. "Ensinar o desejo de aprender", escreveu o Gottfrieds em 2008, "pode ser tão importante quanto o ensino de habilidades académicas"."
Daqui pode passar a ideia de que então em vez de treinarmos com matemática ou português devemos treinar para a motivação, mas isso é o erro que tem impedido o sistema de educativo de se transformar, porque não se pode treinar para motivação, pelo menos em grande parte não é possível formatar essa motivação, já que ela está intimamente conectada com o ser individual de cada criança.

Deste modo, o que é preciso, tanto do lado da escola, e acima de tudo dos pais, é garantir as experiências, é abrir o leque de oportunidades, é mostrar o mundo, e dar pequenos empurrões mantendo iluminada a rede de segurança. É oferecer a oportunidade ao ser humano em potência de se encontrar a si mesmo. Sheri Werner, diretora de uma das escolas Charter americanas, diz então:
"'Há muito o medo de que se permitirmos às crianças aprenderem o que desejam aprender, elas não entrarão na faculdade.' Werner viu a ansiedade dos pais crescer ao longo dos anos, à medida que a concorrência foi subindo nas universidades e no mercado de trabalho. Mas ela acredita que as escolas não fazem favor nenhum quando dissuadem as crianças de explorar os assuntos que naturalmente lhes interessam, obrigando-os à força a estudar Cálculo. 'Que mensagem estamos a passar as crianças? Não é preciso sofrer no trabalho para chegar até ao fim-de-semana. É possível desfrutar do que se faz na vida'."
E é por isso que eu acredito tanto nas escolas profissionais/vocacionais, porque são elas as que podem garantir às crianças encontrar algo que as possa conduzir à sua própria realização, que lhes possa garantir retorno efetivo em termos emotivos para garantir a manutenção da motivação intrínseca. Acreditar que se pode motivar uma criança oferencendo-lhe no final pontuações (de 1 a 5, ou 1 a 20), ou a colocação em tabelas de líderes de turma (pautas de notas) ou crachás de líderes destacados de ano (quadros de honra) não passa de um conjunto de tiros no pé, aos quais muitos pais ainda acrescentam oferendas de fim de ano como consolas, viagens ou carros.

A motivação anda de mão dada com a criatividade. Permitir que a segunda se revele é aumentar o poder motivacional intrínseco de cada um. O problema é que nem todos se vão rever no Lego, porque também nem todos se reveem na matemática, assim como também nem todos se reveem na criação de histórias. O primeiro factor para se encontrar surge pelo brincar, e esse precisa de continuar a ser estimulado pela ação criativa individual.

A questão central é que o ser humano precisa de ser movido a partir de dentro, precisa de um centro interior de energia auto-renovável, e esse só se cria por meio da progressão no caminho para a realização pessoal, que não passa pela conquista externa de marcadores, sejam eles cursos superiores, dinheiro ou outra coisa qualquer.


Ler mais:
Porque fazemos o que fazemos?, 2015 no VI
Cognição e biologia na base do sucesso, 2013, no VI
Drive (2010) de Daniel Pink, 2011, no VI
Mais artigos sobre Motivação no VI
Mais artigos sobre Criatividade no VI

novembro 09, 2016

"The Progress Principle" (2011)

Teresa Amabile e Steven Kramer, ambos professores de psicologia, realizaram um estudo com 238 empregados em 7 empresas, a quem pediram para todos os dias preencherem um diários das suas atividades, tendo tudo resultado em mais de 12 000 entradas que foram depois analisadas qualitativamente. O seu achado, dá nome a este livro, e apesar de ser bom, sabe a pouco. Não que o estudo não seja válido, mas porque a conclusão não difere tanto de outros estudos sobre motivação já existentes, e que são aqui completamente ignorados.


Este estudo interessava-me em particular, porque a variável de Progresso é essencial nas narrativas e nos jogos, e é por isso que a tenho trabalhado, no sentido de a identificar melhor para assim compreender melhor o seu uso criativo, desde logo entender melhor como nós nos movemos em função desse progresso. Mas o que aqui se apresenta é parco.

Ou seja, como resultado final Amabile acaba por nos dizer que aquilo que mantém as pessoas motivadas no seu trabalho, é receber feedback que dê conta dos avanços nas tarefas. E que para tal é preciso que os chefes e gestores, sejam capazes de dividir o trabalho, e esforço, e por sua vez sejam capazes de garantir que o feedback é realizado. Concordo em absoluto, mas isto é aquilo que já está contido na segunda variável de Deci, a "competência”, de que já aqui falei antes, e que como digo também, já tinha sido identificado por Vygotski, bastante antes. Ou seja, nada de novo.

Este livro de Amabile é curto, porque ao centrar-se apenas nas competências, esquece os outros dois princípios de Deci, a Autonomia e os Relacionamentos, sem esses ficamos com todo o processo coxo. Um empregado, sem autonomia, que seja obrigado a fazer apenas o que lhe mandam, que não possa dar nada de si para o processo, é um trabalhador desmotivado, o progresso só, não chega, é preciso significado, e esse advém daquilo que cada um faz com o mundo com que interage. Por outro lado, o trabalhador precisa de poder discutir essas tarefas com os pares, compreender como se equipara, o que faz melhor, ou menos mal, precisa de ter um espelho que contribua para correção e melhoramento.

Neste caso concreto, e já que Amabile escreve o livro orientado a gestores, as suas preocupações não deveriam centrar-se tanto no design do processo, mas mais nas pessoas, nomeadamente nos tais gestores. Porque se o Progresso é um bom indicador sobre como agir, não chega no caso do gestor ser apenas um bom técnico, é preciso ser-se muito mais na capacidade de relacionamento pessoal e social, enquanto líder.

Amabile limita-se no final a apresentar meia-dúzia de conselhos e recomendações aos gestores, baseados no tal Progresso, mas que não dizem muito, parecem simples senso comum, ficando a sensação que mais valia ter feito um livro para divulgar os resultados das entrevistas, dos diários analisados, e não se terem focado em criar grandes teorias, menos ainda dar grandes conselhos.

outubro 10, 2015

Alquimia da autoajuda

Há 20 anos que este título e o seu autor me perseguem, com, por um lado os seus defensores a louvarem as suas qualidades e efeitos transformativos, e por outro os seus detractores a qualificarem a obra e o autor como corpos estranhos ao mundo da literatura. Entre os dois grupos, por vezes extremistas, acabei por decidir não dedicar tempo ao livro, apesar de muitas vezes o ter encontrado em prateleiras de pessoas amigas, livrarias e bibliotecas. Então porque decidi lê-lo agora? Essencialmente porque encontrei uma lista de livros, dizendo respeito, com alguma ironia, aos 50 Livros que Não Devemos Ler Antes de Morrer, que fazia menção ao "O Alquimista", atacando-o por não passar de um livro de autoajuda disfarçado de romance. Nada de novo, mas talvez por ter sentido a força da crítica resolvi pegar no ebook e ler, para tentar compreender finalmente o que movia tantos ódios e paixões. Comecei, mas ao fim de 20% dei por terminada a leitura.


São várias as razões que me levaram a pousar o livro, mas analisemos um pouco daquilo que o constitui,

A escrita. Tendo lido antes outros leitores procurarem qualificar a escrita de Paulo Coelho como simples e ausente de presunções, numa tentativa de o demarcar de preocupações estéticas, tenho de discordar. Nesta obra em particular, o que temos é uma escrita pobre, que é bem diferente de ser simples. Temos um texto que apresenta um vocabulário imensamente reduzido, com estruturas gramaticais muito pouco estruturadas, formando um todo incapaz de desenvolver uma coerência em termos estilísticos, atirando o registo escrito para o nível do discurso oral e impessoal.

A narrativa. Sofre dos mesmos problemas da escrita, sendo praticamente incapaz de se deslocar da história, de assumir uma estrutura e discurso autónomos. O enredo praticamente não existe fora da linha cronológica, tal como os personagens que se limitam a servir o debitar das informações relativas a cada evento.

A mensagem. Podíamos até aceitar os problemas estéticos acima enunciados, se tudo isso tivesse como propósito suportar um conteúdo válido e relevante, contudo isso não acontece. São precisas poucas páginas para compreender ao que vem Paulo Coelho, para perceber o que está a tentar fazer, tendo de suportar desde bastante cedo a sua vontade para nos guiar, e impedir de sair do seu universo. “O Alquimista” é um livro de autoajuda, o que não é propriamente novidade, o que me perturbou foi verificar que a sua base é ausente de conhecimento científico, e completamente fundamentada no esoterismo. A abordagem dada ao texto procura de certo modo mascarar esse fundamento com a ideia do romance, apelando à sua tradição ficcional para nos subjugar e assim converter, mas o misticismo subjacente é tão intenso, que só mesmo com muita boa-vontade se torna tolerável.

É verdade que os livros de autoajuda têm estado sempre debaixo de fogo, muito porque na generalidade não vão além da banha da cobra, para o qual fenómenos como “O Segredo” e este "O Alquimista" muito contribuem. Mas nos últimos anos, nomeadamente com o surgimento da Psicologia Positiva, vimos aparecer toda uma outra abordagem, fundamentada em estudos das ciências sociais e neurociências que conseguiram captar novos leitores, alguns deles bastante informados. Eu próprio tenho-me interessado bastante pelos resultados das investigações da Psicologia Positiva, dado o meu interesse no design de experiências emocionais em ambientes digitais interativos, contudo mesmo os livros de autoajuda baseados em Psicologia Positiva têm permanecido fora da minha esfera de interesses. Deste modo aproveitei a leitura do livro de Paulo Coelho para refletir e tentar compreender um pouco melhor as razões desta minha recusa.

Podemos dizer que a transformação do comportamento humano, que é a essência do que se busca num livro de autoajuda, não acontece apenas através da obtenção de informação. Ou seja, não basta saber o que tenho de fazer para ser feliz, é fundamental agir para que isso possa acontecer. Ora o problema é que deter conhecimento sobre algo que me faz bem ou algo que me faz mal, não é per se suficiente para me fazer agir. Se seguirmos uma das teorias mais estudadas nos últimos anos sobre a motivação, a Teoria da Autodeterminação de Deci e Ryan, podemos compreender melhor como se processa a transformação do comportamento humano, como o sujeito necessita de sentir autonomia, competência e possibilidade de se relacionar com os outros, três princípios que os livros de autoajuda não proporcionam, antes pelo contrário, ao funcionarem em oposição a estes, contribuem sim para a manutenção do estado inicial, não promovendo a transformação dos sujeitos.

Ou seja, os livros de autoajuda ao apontarem o caminho que deve ser seguido pelos indivíduos, descrevendo o que fazer e o que não fazer, estão a exercer um Controlo sobre a vontade dos indivíduos que os lêem, retirando-lhes de imediato a Autonomia de decisão e de desenho do seu processo pessoal de transformação. Por outro lado, a motivação só acontece quando existem competências instaladas que garantam os mínimos para avançar frente ao desconhecido. Ora os livros de autoajuda não contribuem com qualquer competência, já que se limitam a descrever abstracções que possam servir a qualquer tipo de pessoa, ficando a faltar eventos concretos, comparáveis e relevantes de serem assimilados. E é exatamente por isso que se torna tão mais relevante a leitura de romances, porque são estes que são capazes de nos colocar no lugar de situações concretas, e nos conferem ferramentas para lidar com o desconhecido. Por fim, a componente de relacionamento, que naturalmente não se pode conseguir na leitura, já que é algo que só pode advir da experiência do real, do esforço individual na construção do eu no seio da comunidade.

Dito isto, “O Alquimista” tem muito pouco a oferecer em troca do tempo que nos pede, apesar de ser um livro com pouco mais de 150 páginas.


Nota quantitativa no GoodReads.

junho 15, 2015

Porque fazemos o que fazemos?

"Why We Do What We Do: Understanding Self-Motivation" é um bom livro mas não vai além disso. Aquando da sua leitura precisará de se levar em conta dois elementos: o primeiro, que o livro é de 1995; e o segundo que Edward Deci, conjuntamente com Richard Ryan, são duas das maiores autoridades no campo da Motivação. Porque digo isto? Porque aquilo que Deci aqui apresenta é para nós em 2015 algo já assimilado, apesar da sociedade muitas vezes o esquecer, mas se o é hoje aceite deve-se a estes dois investigadores. E sendo de 1995, o que aqui se diz era ainda recente à altura, hoje já não é. Depois, o livro acaba por sofrer de um problema clássico, sendo académico o autor e sabendo que os públicos são distintos, procurou agradar a todos, acabando por fragilizar a obra. Se a primeira parte funciona bastante bem na desconstrução teórica do modelo que suporta a “Self-Determination Theory”, a segunda parte é fraca, com Deci a entrar quase pelo caminho da autoajuda, com ideias simples e simplistas, demasiado senso comum e pouco suporte para afirmações tão largas e complexas. Assim descrevo apenas a parte do livro que realmente vale a pena enfatizar.


A teoria de motivação aqui apresentada, foi criada ao longo de décadas por Deci e Ryan, tendo sido denominada como “Self-Determination Theory” (SDT). Como o próprio nome indica, a teoria parte de uma base que diz que a intensidade da nossa motivação está directamente ligada à nossa determinação para alcançar um objectivo (ex. o ato de deixar de fumar, maioritariamente só resulta no tempo, quando parte de uma vontade do próprio). Deste modo Deci começa por elencar a distinção entre a motivação extrínseca e a intrínseca. No caso da extrínseca, somos motivados por algo exterior ao objectivo em si, ele apenas é um meio (ex. tirar boas notas na escola, para ganhar uma consola). No caso da intrínseca, refere-se a realizar algo, porque se pretende isso mesmo (ex. aprender a tocar piano porque nos dá prazer). Se à partida podemos pensar que a motivação intrínseca é a única relevante, não é o caso. O que a teoria de Deci refere, é a determinação para agir, não se ela é interna ou externa, contudo ao enfatizar a determinação do próprio, ela refere que quando se motiva, quem é motivado tem de estar consciente e determinado a seguir essa motivação.

Por exemplo, ao explicarmos a uma criança que precisa de estudar para ter um futuro melhor, estamos a colocar-lhe o objectivo exterior na frente, mas não o fazemos obrigando, antes dando a escolher, entre um futuro melhor ou pior, cabendo à criança "decidir". Isto dá conta do porque a motivação não se faz pela recompensa ou punição, mas antes pela explicação e chamada à participação dos envolvidos. No mesmo sentido, quando alguém trabalha como lixeiro, em princípio não é por se sentir movido por tal dever, mas pela recompensa financeira que daí advém, sendo que numa sociedade livre, este não é obrigado a tal, podendo sempre procurar e escolher outros trabalhos.

Deste modo, não basta dizer que pretendemos motivar intrínseca ou extrinsecamente alguém, o que temos de fazer é garantir uma motivação autodeterminada, e para o garantir Deci elenca três variáveis necessárias à sua obtenção: "Autonomia", "Competência", e "Relacionamento". Ou seja, para garantir um indivíduo motivado, precisamos de lhe conferir autonomia, oferecer-lhe liberdade de escolher o seu caminho; precisamos de garantir que o objectivo está ao alcance das suas capacidades, não sendo demasiado fácil, nem demasiado difícil; e por fim garantir a existência de uma relação entre o motivado e o motivador, ou o grupo de pessoas que suporta o objectivo da motivação. Quando estas três variáveis se cumprem o nível de motivação atinge o seu ponto mais elevado, deteriorando-se sempre que uma destas variáveis não é cumprida.

Destes três elementos, apenas um é verdadeiramente novo, a autonomia. No caso da competência, é algo que Vygotsky já tinha identificado há bastantes anos e que ficou conhecido por Zona de Desenvolvimento Proximal, e que Bruner descreveria também como processo de Scaffolding (os andaimes de ajuda à aprendizagem, e manutenção do interesse), muito utilizado nos tutoriais multimedia e de videojogos. Por esta via, conseguimos manter o sujeito interessado, desde que saibamos construir as dificuldades numa lógica progressiva. Já no caso do relacionamento, é a condição de sobrevivência da espécie mamífera, fundamental na componente de gregarismo, tendo sido evidenciada nos mais diversos estudos, desde o cérebro Triúnico à Empatia. Sem empatia, a vontade humana não se ilumina.

Assim no caso da autonomia, o que temos é um processo de garantia da participação do motivado na escolha para a motivação. Procura-se desta forma, envolver de algum modo a pessoa a ser motivada na decisão, garantindo a sua determinação para agir. A escolha e decisão pode ser menor, o que interessa é garantir ao indivíduo que este é ouvido, e que de algum modo existe uma consequência da sua vontade. Deci dedica bastante espaço à discussão da autonomia, desde logo começando por a opor ao controlo, assim como a diferenciando da independência. No caso da independência, apesar desta apelar à liberdade do indivíduo tal como a autonomia, só esta faz referência a que esta acção tenha de ser desligada dos demais, daí que Deci referencie que no caso da motivação acontece precisamente o contrário, a liberdade de escolha não pode ser desligada da vontade de estar ligado aos outros. Deci dá o exemplo dos adolescentes que se afirmam pela sua vontade de se afirmarem como diferentes dos pais (autónomos), mas ao mesmo tempo iguais aos amigos dos próprio grupo (relacionamento).

Por fim, quero ainda frisar um tópico que toda esta teorização acaba por  levantar, e que é profundamente político, mas que nos ajuda a compreender melhor o mundo em que nos movemos. Deci dá conta do modelo motivacional americano, ou capitalista, e depois realiza algumas comparações com o modelo comunista, que este encontrou quando serviu de conselheiro na Bulgária, logo após a queda do muro de Berlim. Assim Deci vai mostrar os dois extremos do espectro da motivação, ou a amotivação, de um lado o controlo do capitalismo, do outro, a inconsistência de propósitos do comunismo.

No caso do capitalismo, temos toda uma sociedade montada para exercer controlo e obrigar o indivíduo a realizar acções que grande parte das vezes não deseja. Trabalhar para comprar um carro ou uma casa maiores do que as suas reais necessidades, uma satisfação material, que até se ser pressionado pela publicidade ou opinião dos outros, não se considerava sequer. Por outro lado, no comunismo, por força de se almejar a igualdade entre os indivíduos, não resta espaço à autonomia, o indivíduo queda-se num limbo, incapaz de compreender o que é esperado dele enquanto membro do grupo, perdendo-se e conduzindo à necessidade de impor regimes totalitaristas para fazer vingar os ideais. Assim temos que qualquer destes dois extremos contribuem inevitavelmente para a amotivação, criando não seres humanos, capazes, saudáveis, criativos e determinados, mas antes nada mais do que simples autómatos.

Para fechar, apenas concluir que a motivação está no cerne daquilo que faz de nós seres humanos, é o garante da nossa volição, da nossa liberdade, e assim do pulsar da própria vida.

junho 24, 2011

Drive (2010) de Daniel Pink


Daniel Pink é uma espécie de estrela americana da literatura não ficcional que trabalha temas como as alterações introduzidas pelas tecnologias da informação nos comportamentos sociais, nomeadamente as novas abordagens e as novas motivações. É um autor que anda na mesma órbita de Malcolm Gladwell, Chris Anderson, ou Stephen Dubner.

O primeiro trabalho que li dele foi A Whole New Mind (2006), um livro muito interessante sobre as alterações introduzidas pela globalização nas necessidades dos novos empregos na Europa e EUA. Uma discussão muito atual que discute como necessidade básica da nossa sociedade atual a inovação e a criatividade. Entretanto Daniel Pink lançou em 2010 Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us um livro completamente focado sobre o modo como funcionamos em termos de estímulos, sobre a motivação no trabalho e alguns dos seus mitos.

Em Drive, Daniel Pink vai tocar alguns aspetos que já discuti a propósito de The Element (2009) de Ken Robinson, nomeadamente a questão de que quando as pessoas são levadas a trabalhar em algo que é fruto da sua própria escolha, elas produzem muito mais, do que quando lhes chega como um pedido externo. Neste sentido Pink vai discutir o que motiva as pessoas no mundo atual, nomeadamente a diferença entre o pagamento de serviços e a cumplicidade ou reconhecimento. Vou aproveitar para deixar aqui alguns dos exemplos trabalhados por Pink e que encerram em si o foco do livro.

Num dos estudos apresentados, sobre a motivação de crianças para desenhar, criaram-se três grupos,

1 - A quem se prometeu um certificado para que desenhassem.
2 - A quem não se prometeu, mas se deu um certificado por terem desenhado.
3 - Um grupo a quem não se prometeu nada, nem se deu nada.

O primeiro grupo, assim que se retirou a variável do certificado deixou de achar piada a desenhar, e aos poucos acabou por deixar de desenhar. Por outro lado os outros dois grupos, continuaram a desenhar. O que aconteceu foi que se transformou aquela atividade auto-motivada, numa atividade de trabalho. O pior impacto disto, foi que se destruiu a autonomia das crianças do primeiro grupo, porque passaram a ficar dependentes de alguém lhes dizer o que fazer e quando fazer. A motivação intrínseca, ou auto-motivada, foi exteriorizada, ou substituída por um estimulo externo. 
“Try to encourage a kid to learn math by paying her for each workbook page she completes—and she’ll almost certainly become more diligent in the short term and lose interest in math in the long term.”
Assim Pink diz-nos que no curto termo, podemos levar as pessoas a alterar os seus comportamentos. Mas no longo termo isto conduzirá à destruição da autonomia das pessoas, ou seja à destruição da motivação auto-motivada. O grande problema é que para produzirmos grandes obras, para trabalharmos sobre o nosso elemento, descobrimos aquilo que nos move, temos de possuir esta funcionalidade intacta, se esta for corrompida, podemos estar a comprometer o futuro destas crianças.


Segundo Pink as recompensas extrínsecas funcionam para o ser humano como objetivos a atingir, e estes são do pior que pode existir para um trabalho ético. Os objetivos atravessam-se na frente, e levam a que os atletas se dopem, que os alunos façam cábulas, que os economistas façam trafulha nas contas, que uma empresa em função de um deadline descure critérios de qualidade. Os objetivos são geradores de atalhos para atingir os fins. As coisas deixam de ser intrinsecamente motivadas, e passam a estar motivadas por algo externo, sendo então esse algo externo (objetivo) que é preciso atingir a todo o custo.

Deste modo Pink apresenta-nos as recompensas como viciantes em termos de psicologia humana. Dar um caramelo a um filho para levar o lixo, fará com este da próxima vez exija o mesmo caramelo para voltar a levar o lixo. A pessoa passa a assumir aquela tarefa como desprovida de valor, e que precisa de ser recompensada para ser realizada. Com o passar do tempo, e à semelhança de qualquer adição, será preciso pagar cada vez mais, dar mais recompensa para que a pessoa faça a mesma coisa.


Estas são algumas das essências discutidas no livro, fundamentadas com vários estudos. Para abrir o apetite fica uma palestra que Daniel Pink fez na RSA, dessa palestra foi criado um pequeno vídeo de ilustração das principais ideias. Este vídeo tornou-se entretanto no vídeo mais visto da coleção de vídeos ilustrados da RSA, com quase 6 milhões de visualizações.