Cheguei a "O Reino" (2014), não por ter sido um enorme sucesso em França quando saiu, mas por ser apresentado como um ficcionar dos primeiros anos do cristianismo, focado nas vidas de Paulo e Lucas. Tenho-me interessado cada vez mais pelos chamados romances históricos, pelo modo como facilitam o nosso acesso ao conhecimento da História. Mas não foi nada disso que aqui encontrei. Carrère reconta e parafraseia a partir de dezenas de textos históricos e teológicos, oferecendo-nos a sua interpretação sobre os mesmos. Existe ficção nessa sua interpretação, na interpretação das ideias, mas não existe propriamente dramatização, ou seja, recriação das ações dos personagens. Carrère segue um discurso colado ao registo dos documentários de televisão, em que vai comentando os escritos e teorias, algo que poderia até funcionar como não-ficção, mas que se esfuma porque muito do que vai dizendo é pura especulação. Por isso, perde também aquilo que afirma ser a sua forma de escrever quando nos diz que nunca conseguiu acabar de ler as “Memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar, por não se rever no ato de ficcionar, dada a impossibilidade de imparcialidade das histórias. Mas estes seu discurso, mesmo estando sempre colado ao real, com reparos de dúvida constante, é o da sua pessoa e das suas memórias, por isso mesmo não deixa de estar pejado dessa parcialidade. Mais, não há aqui qualquer método para tentar diminuir esse viés, existe antes uma aceitação tácita que, segundo ele, lhe dá liberdade para dizer o que quiser, alardeando que o que diz pode mesmo ter acontecido assim, em certa medida colocando-se no lugar dos autores dos próprios Evangelhos.