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março 27, 2021

O nosso Movimento molda o nosso Pensamento

Barbara Tversky apresenta no seu último livro, "Mind in Motion: How Action Shapes Thought" (2019), uma teorização sobre a cognição, ainda que não completamente nova, arrojada. Defende que o nosso pensamento não é construído pela linguagem, mas pela ação, pelo movimento. Tversky diz-nos que usamos as palavras para descrever, mas na verdade a nossa mente constrói conceitos por via de imagens mentais criadas a partir da nossa ação sobre a realidade. Damásio tem falado bastante sobre estas imagens mentais, e sobre a implicação da emoção e do corpo nos processos de raciocínio, mas mais próximo ainda, é o trabalho de Benjamin Berger, no livro "Louder Than Words: The New Science of How the Mind Makes Meaning" (2012), que defende, também, que não processamos a informação em modo de texto, mas por meio de imagens ou simulações mentais. Tversky dá um exemplo clássico, mas que todos nós podemos rapidamente intuir, e que passa pela enorme dificuldade que temos em descrever a cara de alguém em palavras. Isto, para Tversky, é um indício de que a nossa capacidade de pensar não acontece a partir de um processo mental textual algorítmico inato, como defende Chomsky, mas é antes produzida por via da nossa ação no espaço e tempo, pela nossa atuação interativa com o real que nos permite relacionar e construir mentalmente a realidade na nossa mente.

outubro 12, 2020

Intelligence Trap (2019)

O livro, The Intelligence Trap: Why smart people do stupid things and how to make wiser decisions, apresenta-se com um título e premissa muito instigantes, mais ainda em tempo de: grande polarização dos discursos na sociedade; perda de influência das figuras de especialistas e autoridades; assim como desintegração das metanarrativas que orientavam a sociedade para grandes objetivos. Contudo, não deixa simultaneamente de se apresentar como uma premissa popular, que se socorre de ideias genéricas e crenças assentes na mera anedota, com parca evidência científica. Se estranhamos, chegando mesmo a perturbar-nos, ver alguém que temos como inteligente ser levado ao engano por eventos ou situações simples, até patetas, daí não devemos desde logo intuir a regra, mas talvez antes manter a porta aberta à exceção. Mas vejamos o que nos diz Robson.

David Robson é um jornalista de ciência que tem trabalhado para alguns média de relevo, tais como BBC, New Scientist ou The Atlantic. Este seu livro, diz-nos, foi feito a partir de um conjunto de entrevistas realizadas com especialistas ao longo de 3 anos. A ideia de Robson era perceber porque pessoas inteligentes e educadas cometem grandes erros, tendo servido como mote: a história do Professor de Física que foi burlado num esquema de mulheres atraentes e correios de droga (história completa no NYT).

Para suportar a sua abordagem, começa com um dos ataques mais populares do último meio-século, o Coeficiente de Inteligência (IQ). Não sendo defensor desta métrica, não o sou porque não sou defensor de métricas, e não porque não creio na sua base teórica. Ou seja, algumas pessoas nascem com maiores privilégios cognitivos que outros. Isto não tem nada de anormal, menos ainda mágico. Para compreender porquê, basta uma comparação com algo mais imediato e mais popular ainda, a beleza humana. Por mais que instituamos a beleza como subjetiva, todos temos noção da enorme diferença que existe entre todos nós, e dos padrões com maior e menor poder de atração. Podíamos falar dos corpos com maior massa muscular, ou maior endurance física, etc. etc. Sendo diferentes, também o somos no que toca às capacidades de raciocínio. A grande questão é saber se os testes que fazemos aferem realmente melhores capacidades ou não. Mas isso, na verdade, como com todas as métricas, é pouco relevante, já que qualquer métrica é mero indicador e não uma variável que determina o futuro ou a pessoa.

Robson vai buscar vários casos para desmontar o poder do IQ, dando como referências pessoas que se perderam completamente na vida, que não chegaram a lado algum, apesar de apresentarem valores absurdamente altos de IQ. Contudo a minha questão é antes, como é que se pode pensar que um simples teste feito em criança ou adolescência pode determinar a vida de alguém, sabendo que as variáveis que nos condicionam vão muito para além da nossa capacidade de raciocínio? É no mínimo ingénuo.

No meio disto, Robson vai buscar os estereótipos dos cientistas incapazes de lidar com as necessidades sociais do dia-a-dia, para não apenas demonstrar como um simples teste de raciocínio é insuficiente para dar conta das necessidades da vida no mundo real, mas mais do que isso, para demonstrar que um alto IQ pode antes, pelo contrário, ser um problema na resolução de problemas. Sendo verdade, que o IQ não afere tantas outras necessidades da vida do quotidiano, nenhum teste, seja qual for, vai algum dia aferir tal, já que somos agentes de uma realidade em constante mutação. Esta ideia de que poderemos encontrar um indicador que nos pode dizer que esta ou aquela criança será um génio no futuro é digna de alquimistas, não cientistas.

Robson percebe as limitações do IQ, e por isso apresenta um conjunto de teorizações, relevantes e que tornam a leitura do livro per se mais interessante, ainda que nada apresente de novo. Dá conta, da já gasta teoria do EQ (Coeficiente Emocional) do Daniel Goleman; da teoria muito em voga do Grit (resilência) de Angela Duckworth (ver o efeito na avaliação académica por Paul Tough); e por fim acaba a fixar-se naquilo que tem sido o cerne dos livros populares sobre cognição, os vieses cognitivos de Tversky and Kahnemann. 

Daqui parte para a apresentação daquilo que vem sendo apresentado como bala mágica para todos os problemas cognitivos, ‘evidence-based wisdom’ (EBW), mas que do meu ponto de vista, vai pouco além daquilo que Kahnemann apresentou como teoria de processo duplo (rápido e lento, ao que Robson adiciona um conjunto de ideias repescadas da história da ciência, desde Sócrates até aos dias de hoje. A ponto de eu começar a suspeitar que o livro não é um ataque ao IQ, mas antes a sua defesa, no sentido em que tudo para Robson se resume à mente analítica, tudo o resto, nomeadamente a emoção, apesar de citar Damásio, é secundário. (Nota: enquanto lia o livro, vi a TED de Liv Boeree, “3 lessons on decision-making from a poker champion”, como especialista em poker, não em cognição, parece dizer o mesmo que Robson, como se continuássemos a andar em círculos no conhecimento sobre a cognição).

Diga-se que este desvio no texto, surge a partir de algo que vejo como uma contaminação do pensamento de Robson por parte das teorias sobre a emoção de Lisa Feldman-Barrett que defendem a emoção como algo meramente cultural, algo que podemos aprender a ignorar, porque não faz parte daquilo que somos. É interessante como Feldman-Barrett tem sido refutada por boa parte dos grandes cientistas da emoção, no entanto tem conseguido fazer toda a sua carreira com esta abordagem, cientificamente contra-corrente, mas imensamente popular.

Por outro lado, e mais uma vez, impressiona como alguém vai buscar uma teorização sobre os diferentes perfis de personalidade e cognitivos, no caso a “Triarchic Theory of Intelligence” de Robert Sternberg, que dá conta da existência de três perfis na abordagem à inteligência humana “analytical, creative and practical”, em linha com o modelo do design de Engagement — "abstracters, tinkerers,  and dramatists" —, para depois jogar pela janela fora. Serve de ilustração, mas na verdade depois disso, segue-se como se todos os tipos de abordagens humanas à realidade fossem idênticas, ou pudessem ser medidas da mesma forma.

O livro não deixa de ter o seu valor, e de dizer muitas coisas acertadas, desde logo chamar a atenção para a necessidade da humildade científica, algo vital, mas que por vezes se esquece, tal como compreender que ser-se doutorado em algo, não dá o privilégio nem a capacidade para emitir opiniões sobre algo fora da sua área científica. Mas na verdade, quando falamos de algo, são os especialistas na área que devemos ouvir, e neste caso, ler a resenha do livro feita por Valerie Thompson para a Science permite-nos ir além na compreensão do que sabemos hoje realmente sobre IQ e processos de decisão:

“Anecdotes abound of individuals with a high IQ who have made substantial blunders, and Robson presents many captivating examples. But in terms of where the field stands, scientists are currently grappling with the question of whether IQ and decision-making can even be disentangled—rather than whether they are in opposition.” Thompson in Science, August, 2019

Como nota final, é um livro de divulgação científica, de leitura rápida e fluída, que apesar de alguns problemas abre caminhos para muitas abordagens distintas e permite rapidamente ficar a conhecer o que está em jogo na área, a partir do que qualquer um pode então iniciar o aprofundamento das questões.

agosto 13, 2020

Seleção natural e felicidade

 “The Social Leap” (2018) é um livro de divulgação científica sobre psicologia evolucionária, escrito por William von Hippel, professor da Universidade de Queensland, Australia, reconhecido especialista da área. Enquanto livro de divulgação serve de introdução à área, trazendo pouco de novo a quem estuda ou segue o domínio. Talvez a parte mais interessante, ou com alguma novidade, introduzida pelo trabalho do próprio Von Hippel, seja o último terço do livro dedicado à discussão da psicologia evolucionária que suporta o sentimento humano de felicidade.

A psicologia evolucionária é uma abordagem teórica ao campo da psicologia que procura identificar e explicar os fenómenos psicológicos — da emoção e cognição — a partir de uma perspetiva darwinista, ou seja, sustentada em processos de seleção natural e sexual. Confesso-me como um profundo seguidor da abordagem pelo modo como tende a oferecer maior suporte científico à teorização em psicologia, seguindo em particular os trabalhos de investigadores como John Bowlby, Paul Ekman, Simon Baron-Cohen, Steven Pinker, Paul Bloom, Michael Tomasello ou Denis Dutton. Contudo, não deixo de ter um olhar crítico perante a abordagem, uma vez que as metodologias de demonstração das teorias são limitadas, não se podendo falar em evidência empírica na maior parte das teorizações. Por outro lado, a triangulação entre biologia, antropologia e psicologia, nomeadamente por via dos recentes desenvolvimentos das neurociências têm vindo a dar suporte a muito do que se debate na área.

Exposto o domínio e os seus problemas, o trabalho aqui apresentado por Von Hippel não está livre destes. Tanto que a maior parte dos meus conflitos com esta leitura se deveram às leituras feitas por Von Hippel a partir dos dados que temos. Ou seja, muito da psicologia evolucionária assenta numa recolha de evidências laterais e construção de uma interpretação das evidências com base na evolução, como tal, é fácil cair em interpretações que podem não ser as mais corretas, desde logo porque reducionistas. Ou seja, tendo um conjunto de dados empíricos sobre uma determinada atividade e reações humanas, a forma como interpreto as mesmas dependo do enquadramento teórico de que parto, e aqui o desconhecimento de determinados quadros teóricos pode ditar leituras menos relevantes.


Alguns Problemas 

Foi isto mesmo que aconteceu no capítulo dedicado à Inovação, intitulado “Homo Innovatio”. O autor usa um conjunto de dados e parte para a leitura que lhe parece mais correcta, mas que do meu ponto de vista é redutora da leitura daquilo que é a inovação humana.

“When innovation researchers ask representative samples of people whether they have modified any products at home or created anything new from scratch (such as tools, toys, sporting equipment, cars, or household equipment), about 5 percent report that they have done so in the last three years.* The percentage of innovators varies a bit by country, but never cracks 10 percent. For such an innovative species, one in ten or twenty seems awfully low. Yet, when I reflect on my own life, I can’t recall ever inventing anything. I have a few inventive friends, but I’d be surprised if 5 percent of them have ever invented anything either, let alone in the last three years.”

Não podemos contabilizar como inovação apenas criação físicas, apesar de ser isso que o regime de Patentes privilegia. Um ser humano que escreve um livro, uma canção ou pinta uma tela está num processo de inovação, não de consumo. O seu modo de abordar o mundo é expressivo, atuando para alterar a realidade que o rodeia, e isso é aquilo que importa do ponto de vista cognitivo. Não aquilo que podemos ou não considerar como patentes.

“Yet, across all these generations of travelers, no one thought to put wheels on suitcases until 1970, and they didn’t catch on until the modern version of a wheeled suitcase with a retractable handle appeared in 1987.* This failure to attach wheels to suitcases was all the more remarkable given that once people lugged their nonwheeled suitcases to the airport, they then paid cold, hard cash to a porter who plunked their nonwheeled suitcases on his cart and easily wheeled a whole family’s worth of baggage the last fifty yards to the ticket counter”

Depois, usa este exemplo das rodas nas malas que é muito fraco, já que não está a falar de inovação, mas de sucesso de uma inovação, que são duas coisas completamente diferentes. Existem registos de colocação de rodas em malas anteriores a 1970, mas estes são os registos que temos. Dos que não temos, devem existir muitos mais, já que é assim que funciona a criatividade e inovação, nada se constrói do zero, num momento divino de inspiração, mas tudo funciona como aglomerado de ideias que se vão elevando até chegar ao produto de sucesso.

Outro ponto fraco do livro é o modo como trabalha o género — os homens gostam de coisas, as mulheres de pessoas, os homens gostam de sistemas, as mulheres de relações. Vindo de alguém que trabalha Psicologia Social, é mau escrever isto em 2018. Mesmo frisando várias vezes que não é o modo correto de ler os géneros, mas que o faz porque dá jeito!!!! Facilita? Não, não facilita, porque se ajuda a passar a sua mensagem, acaba a contribuir para a manutenção dos estereótipos que marcam milhões de pessoas que não se reveem em nada disto.

É profundamente ridículo tentar catalogar gostos, preferências, desejos, sentires por género nos dias de hoje. Repare-se que não estou aqui a defender qualquer leitura feminista, porque desse lado também se cometem muitos destes erros. Quando as feministas qualificam todos os homens com rótulos de mansplaining, manspreading ou manterrupting estão a fazer o mesmo, a catalogar humanos em função de um mero sexo, quando esse sexo nada diz sobre a sua psicologia. Tudo isto acontece por causa de uma simples curva de Bell, na qual podemos identificar que 50%+1 de homens tende a fazer A, ou 50%+1 de mulheres, tende a fazer B. No meio de tudo isto, ficam os 49% de homens e de mulheres que nada têm que ver com a questão, e acaba sendo rotulados de anormais.


O contributo de Von Hippel: Seleção Natural e Felicidade

“this capacity to travel in time mentally and make complex plans for the future has given us an enormous selective advantage. Unfortunately, that advantage comes at a cost, given that the time we spend living in the future distracts us from the present. As a consequence, “people often fail to appreciate the pleasures (or demands) of the moment because they pay so little attention to the here and now.”

“Most meditation practices teach people to live in the moment. This is a laudable goal, but it’s incredibly difficult to achieve because it’s at odds with an evolved skill that has served us so well over the last million-plus years. We have a great deal of difficulty shutting down thoughts of the future unless the demands or pleasures of the moment are so substantial that they drag us back to the here and now. (..) My dogs, in contrast, show no signs of this inner struggle. They live in the moment because they are incapable of casting their minds forward. Every treat I give them is devoured with gusto, regardless of whether it means we just finished dinner or are off to the vet.”

Pergunta: Why Aren’t We Always Happy?

“As hard as it is to believe, lottery winners are usually no happier than they were before they won, and a fair few of them are a lot less happy. Not the day after they win—that’s a pretty good day—but by a year or two later, most people have adapted to their new normal, and their happiness has returned to where it was before they drew the winning ticket."

“The sad truth is that all of us have dreams, but even when our dreams come true, we rarely end up happier than we were before. New successes bring new challenges. The German folk saying Vorfreude ist die schönste Freude (“Anticipated joy is the greatest joy”) is much more accurate than Disney’s “happily ever after.”

 “Why did evolution play this dirty trick on us, giving us dreams of achievements that will provide lifelong happiness but then failing to deliver the emotional goods when we achieve our goals?"

A resposta de Von Hippel

"evolution doesn’t care if we’re happy, so long as we’re reproductively successful. Happiness is a tool that evolution uses to incentivize us to do what is in our genes’ best interest. If we were capable of experiencing lasting happiness, evolution would lose one of its best tools.”

 “Really happy people are rarely high achievers because they simply don’t need to be. As Ted Turner put it, “You’ll hardly ever find a super-achiever anywhere who isn’t motivated at least partially by a sense of insecurity (…) the earnings of the very happy folks on the far right look a lot like those of the unhappy ones. Some joy is clearly good for success in life, but too much happiness is a financial disaster. This is why evolution designed us to be reasonably happy, with occasional moments of giddiness that soon fade as we return to our individual baseline level of happiness. Numerous self-help professionals would have us believe that attaining maximal or permanent happiness should be our goal, but an evolutionary perspective clarifies that such a goal is neither achievable nor desirable.”


Estudos encontrados ao longo do livro

Motherhood and Protection

“Mothers were incapable of detecting which poo came from which baby, but they found the smell of the other babies’ poo more disgusting than that of their own baby. Even though mothers were unable to identify their baby’s poo, at an unconscious level their behavioral immune system pushed them away from the feces with a higher level of unfamiliar pathogens.”

“Experiments such as these point to the exquisite sensitivity of the behavioral immune system, and our evolved capacity to avoid germs that are most likely to make us sick. We see additional evidence for these processes in the geographic distribution of languages, religions, and ethnocentrism. As we move from the poles to the equator, the number of languages and religions per region increases, and people become more xenophobic. These effects may seem to be unrelated, but all three processes serve to keep groups apart. When you don’t speak the same language, when you don’t share a religion, and when you tend to dislike members of other groups, you’re much less likely to intermingle with them.”

Grandmothers and Menopause

“How did evolution create grandmothers? By preventing women from producing more children of their own while they still had plenty of life in them, evolution gave them the opportunity to focus on their grandchildren rather than their children.* This is why human females evolved menopause.”

Dopamine and Status

“With regard to status, research on monkeys demonstrates that when they rise to the top of the status hierarchy, there is an increase in the dopamine (evolution’s pleasure drug) sensitivity in their brains. As a result of this increased dopamine sensitivity, monkeys at the top of the heap no longer enjoy cocaine (a drug that hijacks the dopamine system). When offered cocaine versus salt water, these top monkeys show no preference between them. In contrast, monkeys at the bottom of the status hierarchy have low dopamine sensitivity and become avid coke users. Data such as these confirm the common wisdom that high status makes us happy and low status makes us sad.”

“With regard to money, once people get out of poverty, the relationship between wealth and happiness is not as strong as you might think. Much more important, if all of society rises in wealth at the same time, increases in wealth beyond poverty provide no increase in happiness.”

Real income (controlling for inflation) and life satisfaction in the United States, between 1947 and 2002

“These data suggest that my home cinema, granite countertops, and convertible don’t actually make me any happier unless I have them and you don’t. In other words, I want these things only to put myself above others. Moreover, whether I know it or not, the reason I want to rise to the top of the heap is because that gives me a better chance of getting the partner I really want. The TV, countertops, and car are just trivialities, but because I don’t know this, I spend my time coveting them, working to acquire them, and eventually becoming the disinterested owner of them.”

Risks and Skate

“we hired a beautiful research assistant and headed off to skateboard parks. In the first stage of the experiment, a male researcher approached a skateboarder and asked if he could film him making ten attempts at a trick that he was working on but hadn’t yet mastered. In the second stage of the experiment, the same skateboarder was either approached by the male experimenter or by the attractive female we had hired, who asked to film the same ten tricks. After the skateboarders completed their second round of tricks, we took a saliva sample to measure their testosterone. Just as we expected, testosterone went up in the presence of the female experimenter, and the higher the testosterone levels, the more risks the skateboarders took. As a consequence of their greater risk taking, they crashed more often but they successfully landed more tricks as well.”

“What can we infer about happiness from this conflict between survival and reproduction? The first lesson is that risk taking and other foolish things that young men do are not “pathologies,” signs of their disconnection from the modern world, or other labels often provided by social commentators. Rather, they are evolved strategies that made perfect sense for our ancestors and probably continue to make reproductive sense today.”

“The second lesson is that trying to prevent our sons, brothers, or friends from taking unnecessary risks is a bit like pissing into the wind. Removing the opportunity for young men to engage in competition and risk taking is a bad idea, and likely to lead to unpleasant blowback. Young men feel millions of years of evolutionary pressure, emanating from their testicles, pushing them toward risk and competition. For this reason, the best bet is not to eliminate risk entirely, but to replace truly dangerous risk and conflict with more benign opportunities for thrill seeking and competition. Sports in which you can’t get hurt at all are unlikely to fulfill such goals, but sports in which you won’t get hurt too badly are a great substitute.”

Happiness and Learning

“Our long period of development is consumed almost entirely by learning the means of survival used by our group -- As a consequence, evolution has ensured that learning is tightly linked to our motivational system; humans all over the world love to learn.”

“The motivational importance of curiosity is widely understood, but there are two important forms of learning (and therefore two important sources of life satisfaction) that people often fail to recognize: play and storytelling”

Happiness, Personality, and Development

As I suggest earlier in this chapter, there is more than one way to be a successful human, and hence more than one route to happiness.”

“Pitfalls of a Modern World”

“Universal adoration and fame are some of the most common dreams of people all over the world, but you need only reflect on the turbulent lives and repeated divorces of celebrities to realize how much happier you are being unknown.”


O livro está editado em Portugal. pela Vogais, como "O Salto Social. A nova ciência evolutiva sobre quem somos, de onde vimos e o que nos faz felizes".

novembro 07, 2019

Processos cognitivos por detrás da Montagem

A montagem é o elemento definidor da arte cinematográfica, aquele que singulariza a sua estética, a sua capacidade de produzir mensagem de forma única. Neste sentido, tem sido uma área bastante estudada, diga-se que mais fora da academia do que nesta, exatamente pela dificuldade que temos tido em parametrizar algo que é profundamente artístico, ou seja, dependente de opções pessoais expressivas e não de métricas facilmente quantificáveis. Este trabalho da Karen Pearlman, uma académica com experiência profissional no cinema, pretende contribuir para o preenchimento dessa lacuna, adicionando novo conhecimento ao conjunto de convenções que respondem pelas necessidades fundamentais da edição, indo além da mera continuidade espaço-tempo.


O trabalho mais citado no campo da montagem continua a ser o livro de Walter Murch — "In the Blink of an Eye" (1995) — um montador reconhecido, especialmente pelo trabalho em “Apocalypse Now” (1979) com uma visão completamente assente no artesanato da arte, sem qualquer arcaboiço metodológico que pudesse suportar um maior aprofundamento do conhecimento da arte. Depois temos outros autores como Ken Dancyger ou Valerie Orpen, e até mesmo Bordwell, mas nenhum conseguiu ir tão longe como o trabalho que Pearlman nos apresenta e que pode ser conhecido de forma muito rápida através deste pequeno vídeo:  "Why Does an Edit Feel Right? (According to Science)" (2019).

Why Does an Edit Feel Right? (According to Science), 2019

Neste vídeo Pearlman socorre-se do trabalho de Vittorio Gallese — sobre os neurónios espelho [1] — e Tim J. Smith — estudos de eye-tracking em cinema [2] — para desmontar o que acontece durante o processo de visionamento de um filme e, assim, chegar aos modos como a montagem contribui para a construção de engajamento. Pearlman dá conta dos processos de simulação corpórea [3] realizados por nós, dizendo que o “film’s rhythm synchronizes the body, influencing the spectator’s physical and cognitive fluctuations to follow its own” [4], algo que vai muito para além da questão da continuidade. No exemplo apresentado de Blade Runner, com Harrison Ford e a coruja, temos um corte que só faz sentido por via do movimento corporal, pois é antitético no que toca a continuidade. A partir da desconstrução dessa sequência, Pearlman apresenta então o conjunto de hipóteses resultantes da expressividade da montagem:
#1 Movement Phrase
#2 Kinesthetic empathy
#3 Subtext
Para quem tiver ficado interessado no assunto e quiser aprofundar mais, sem ir diretamente ao seu livro “Cutting Rhythms: Intuitive Film Editing” (2016), recomendo a leitura do artigo de Pearlman de 2017, "Editing and Cognition Beyond Continuity" publicado na Projections.


Referências
[1] “Embodying Movies: Embodied Simulation and Film Studies” Gallese, 2012
[2] “The Attentional Theory of Cinematic Continuity”, Tim J. Smith, 2012
[3] "Hipótese da Simulação Corpórea", VI, 2014
[4] “Cutting Rhythms: Intuitive Film Editing”,  Karen Pearlman, 2016

julho 14, 2019

A Ilusão da Memória: Recordando, Esquecendo e a Ciência das Memórias Falsas

O livro "The Memory Illusion: Remembering, Forgetting, and the Science of False Memory" (2016) não traz nada de muito novo, mas reforça com amplas evidências a fragilidade de algo que nos habituámos a acreditar como sendo a verdade daquilo de que somos feitos. Seguindo Damásio, o Eu é feito das memórias autobiográficas, por isso perceber o quão frágeis essas memórias são, e quão iludidos podemos tão facilmente ser, põe a nu a impotência daquilo que somos e ansiamos ser. Neste sentido, ler Memory Illusion funciona como uma espécie de porta para um ganho de maior consciência sobre o funcionamento do nosso inconsciente.


A especialidade de Julia Shaw é o estudo das memórias falsas. É professora na London South Bank University, e trabalha como consultora forense em casos relacionados com o abuso sexual. O foco do livro é sobre a facilidade com que se criam e apagam memórias, descrevendo-se técnicas sobre modos de fabricação de memórias falsas, e algumas tentativas para despistar as mesmas. É uma área de estudo pantanosa, já que incide totalmente sobre a subjetividade mais íntima, obrigando a trabalhar com grande latência ao erro, ou seja, sabendo que a verdade pode em muitos casos ser completamente impossível de recuperar.

Na generalidade gostei das abordagens, tive apenas algumas reticências nas breves incursões que a autora faz no campo educativo, nomeadamente no papel cognitivo da memória na aquisição de competências, tal como o pensamento crítico, deixou-se enredar facilmente pelo discurso do digital e da memória externa do Google, algo que acaba a fazer novamente quando discute o impacto das redes sociais nas memórias. O que vale é que estas duas incursões são muito breves, não podendo ser de outra forma, já que o foco e trabalho da autora está noutro campo.

Shaw não se inibe também de desmontar uma série de mitos, desde as memórias que alguns de nós pensam reter, anteriores à linha dos 3.5 anos, podendo rondar entre os 2 e os 5, mas colocando todas as memórias abaixo de 1 ano como simplesmente impossíveis. Parece existir um fascínio e grupos de pessoas que assumem recordar o dia em que nasceram, ou o primeiro objecto que viram, e no entanto tudo isso não passa de fabricações, como demonstram as dezenas de estudos realizados no campo. Outra das áreas que Shaw demonstra é a da hipnose, reconhecida por aparentemente ser capaz de recuperar memórias perdidas, algo também sem qualquer sustentação empírica. Do mesmo modo Shaw ataca sem qualquer pudor um dos métodos da psicanálise herdado de Freud, o tratamento por vida da recuperação de memórias traumáticas e reprimidas. Segundo Shaw, o que estes métodos — hipnose e psicanálise — tendem a fazer, é simplesmente criar memórias falsas, já que seguem todo o modus operandi da produção das mesmas.

Por fim quero deixar uma nota de reconhecimento e admiração pelo esforço que Shaw fez em evitar as chamadas universidades de elite, que não passam de universidades de propaganda, o que fica bem evidenciado pelo trabalho aqui apresentado, para o qual contribuíram dezenas de universidades europeias e estatais americanas, sem as quais o trabalho no campo hoje teria muito menos valor. Não raro, estes livros de divulgação limitam-se a citar meia-dúzia de universidades, sempre as mesmas, facilmente reconhecíveis e associáveis a uma chamada elite, ou seja a Ivy League americana e duas ou três inglesas, as mesmas que são citadas em todos os filmes de Hollywood e livros bestsellers. Shaw cita algumas dessas, mas não lhes dá qualquer espaço particular, não se coíbe como é tão usual fazer-se de citar universidades estatais americanas, e apesar de britânica cita imensas universidades europeias. Deixo uma listagem das citadas que apanhei rapidamente: Amsterdam, Geneva, Western Washington, Missouri, Oslo, Temple, North Carolina, Chicago, Tel-Aviv, Minnesota, Giessen, Nevada, British Columbia, Trier, Wilfried Laurie, Laval, Durham , Queen Mary, College of London, Southern California, New York, Columbia, Iowa State, Bordeaux, ESPCI Paris, Arizona, St Lawrence University, Freiburg, Cambridge, Stanford, Lille, Virginia, Harvard, Kent State, Tübingen, Zurich, Boston, Turku, Lethbridge, Stockholm, City, New South Wales, Flinders, Glasgow, Vanderbilt, Tufts, Dalhousie, Bielefeld, Cornell, Yale, Fairfield, Victoria, Maryland, Texas Women’s, MIT, Alabama, Illinois State, Hartford, Baylor, Duke, Toledo, Brown, Rice, Bern, Texas A&M.

julho 08, 2019

Storytelling e as Ciências da Mente

O livro “Storytelling and the Sciences of Mind” (2013) de David Herman, pela MIT Press, trata um dos temas que mais tem atraído o meu interesse nos últimos 15 anos, e que tem que ver com o modo como as histórias servem o nosso enquadramento da realidade. Tentar compreender como é que a organização narrativa de informação nos ajuda a compreender o mundo e os outros, como é que essa organização se relaciona com as nossas capacidades cognitivas e nos impele não apenas a refletir e a interpretar os mundos, situações e pessoas apresentadas, mas também a conceber e especular planos futuros para ação, produzindo assim transformações comportamentais a partir da relação com essas narrativas. O livro de Herman é brilhante, porque não se limita a um dos lados da questão, antes trabalha transdisciplinarmente a narratologia e as ciências cognitivas, importando e fusionando conhecimento de parte a parte. O único problema é estar escrito numa forma nada amigável para quem não estude a área, reduzindo completamente o alcance da obra.


Na última década não têm faltado trabalhos no domínio da narrativa e storytelling sobre a sua importância para o humano e para as nossas capacidades cognitivas (Gottschall, Brian Boyd, Paul Zak, etc. ), contudo como diz Herman esses trabalhos têm-se limitado a importar apenas de um lado para o outro. Ora Herman apresenta uma obra na qual apresenta um troca entre ambas as partes, alimentando mutuamente o conhecimento tanto da narrativa como do modo como apreendemos o mundo. Assim o livro divide-se em duas grandes partes, procurando responder às duas grandes questões: (1) “How do stories across media interlock with interpreters’ mental capacities and dispositions, thus giving rise to narrative experiences?”, ou seja, como é que interpretamos os mundos apresentados pelas narrativas. (2) “And how (to what extent, in what specific ways) does narrative scaffold efforts to make sense of experience itself?”, ou seja, como é que a narrativa contribuiu para a nossa compreensão da realidade. Para o efeito Herman propõe dois grandes conceitos: “Narrative Worldmaking” e “Storying the World”.

Assim para o Worldmaking, Herman propõe que as narrativas — independentemente do media — funcionam de modo referencial, providenciando estímulos cognitivos para a criação de entidades na forma de mundos onde as histórias acontecem. No “storying”, Herman propõe que as histórias configuram o modo como organizamos o fluxo do caos de estímulos da experiência diária. Deste modo, o worldmaking poderia ser visto como um instrumento de criação de sentido da realidade. Esta proposta de convergência de enquadramento teórico acaba por configurar aquilo que Herman define como o “mind-narrative nexus”.

Em jeito de introdução a toda esta teorização Herman abre o livro como uma discussão extremamente pertinente e com a qual me venho debatendo há algum tempo, a intenção autoral. Assim, só faz sentido configurarmos as histórias com base na criação de sentido se assumirmos que quem conta histórias o faz com uma intenção, ou seja, que a narrativa é em essência um ato de comunicação, algo que Walter Fisher já tinha proposto em 1985, mas que choca com alguns defensores da arte como algo não comunicacional. Do meu lado, tendo a aceitar mais facilmente que a arte possa não ser dotada de intenção comunicativa quando ela é de ordem simbólica — música ou abstracta — contudo quando falamos de estruturas narrativas, falar de ausência de intenção expressiva é no mínimo paradoxal. Para Herman isto é tanto mais central porque o modo como compreendemos as narrativas é a partir das razões que movem os personagens/pessoas sendo elas que conduzem as razões das histórias e sendo com elas que nós nos envolvemos. Porque os atos das pessoas nas histórias estão fundamentadas em "crenças", "intenções", "objetivos", "motivações", "emoções", "estados mentais" ou "competências" que para a interpretação do leitor têm de inevitavelmente ser atribuídas aos autores/criadores das narrativas.

Isto vai ao encontro da discussão que se segue que tem que ver com a análise não-redutível das situações e das pessoas nas histórias. Herman considera que apesar de podermos aprofundar neurocientificamente os constituintes de "pessoa", isso não nos ajuda a compreender o que acontece no processo de experiência dos recetores. Porque considera que os processos que decorrem acontecem ao nível da intersubjectividade, que pode ser definida em dois níveis, segundo Trevarthen  — primário, “the core of every human consciousness” que “appears to be an immediate, unrational, unverbalized, conceptless, totally atheoretical potential for rapport of the self with another’s mind”; e secundário “sympathetic intention toward shared environmental affordances and objects of purposeful action” — e que é responsável pela nossa noção de individualidade no seio da comunidade, e assim pela nossa capacidade de construir uma noção do nosso posicionamento nessa realidade. Deste modo as histórias servem não apenas o reforço de modelos sociais, mas servem fundamentalmente como experimento e teste desses modelos. Se as pessoas se baseiam nos seus conceitos do mundo para compreender o mundo apresentado pela narrativa, não deixam de usar essas mesmas narrativas como instrumentos de suporte ao pensamento crítico sobre esses conceitos. Ou seja, existe uma interação contínua entre aquilo que a narrativa apresenta e aquilo que é o mundo pré-exposição à história do recetor que conduz a uma discussão crítica interna.

Herman defende que o cerne do engajamento com as histórias acontece a partir do modo como podemos ou não mapear as pistas dadas em dimensões de configuração mental assentes no em: Quem, O Quê, Onde, Como e Porquê. E por sua vez como é que estas questões servem na passagem das categorias narrativas à definição dos personagens, para o que Herman defende que o leitor prossegue um conjunto de questões tais como:
(1) “For which elements of the WHAT dimension of the narrative world are questions about WHO, HOW, and WHY pertinent? In other words, in what domains of the storyworld do actions supervene on behaviors, such that it becomes relevant to ask, not just what cause produced what effect, but also who did (or tried to do) what, through what means, and for what reason?” 

(2) “How does the text, in conjunction with broader understandings of persons, enable interpreters to build a profile for the characters who inhabit these domains of action? Put otherwise, how do textual features along with models of personhood (deriving from various sources) cue interpreters to assign to characters personlike constellations of traits?” 

(3) “Reciprocally, how does the process of developing these profiles for individuals-in-a-world bear on broader understandings of persons?” 
Na segunda parte, dedicada ao "Storying the world", Herman dedica-se a desconstruir o modo como as narrativas podem servir de instrumentos ou ferramentas mentais para trabalhar o mundo, para o que apresenta cinco grandes modos de criação de sentido, ou modos de scaffolding (de suporte) ao nosso pensamento:

1 — “’chunking’ experience into workable segments”
Aqui Herman começa por exemplificar com a divisão em 3 atos de Aristóteles, que tem apenas como objetivo podermos separar em partes a experiência absorvida. Ou seja, particionar e atribuir estrutura à informação, organizando em “pedaços” facilmente indexáveis e chamáveis à memória. Neste processo de chunking enquadram-se vários processos, um também muito interessante é a noção de espaço versus lugar:
“stories can be used to turn spaces into places — to convert mere geographic locales into inhabited worlds. My analysis suggests that there is in fact a range of ways in which narrative can serve as a resource for transforming abstract spaces into lived-in, experienced, and thus meaningful places (..) As Johnstone (1990) puts it, “coming to know a place means coming to know its stories; new cities and neighborhoods do not resonate the way familiar ones do until they have stories to tell” (p. 109; cf. p. 119 and also Johnstone 2004; Easterlin 2012, pp. 111–151; Finnegan 1998; Relph 1985; Tuan 1977). Accordingly, “in human experience, places are narrative constructions, and stories are suggested by places” (Johnstone 1990, p. 134). Hence narrative worldmaking can also be described as a resource for place making—for saturating with lived experience what would otherwise remain an abstract spatial network of objects, sites, domains, and regions."
2 — “imputing causal relations between events” 
É esta componente que nos permite desenvolver pensamento crítico sobre o que acontece nas relações entre os agentes, analisar, contrastar e confrontar as razões, a justeza, a verdade e falsidade. Herman defende que lemos os eventos como ações que constroem o mundo-história dirigido a um objetivo, para uma meta que condiciona as ações e reações. No fundo esta abordagem pela causalidade serve também o chunking, já que permite relacionar eventos e ocorrências até aqui isoladas, em episódios ou cenas, que depois podemos utilizar mentalmente. Herman diz mesmo que as histórias funcionam como heurísticas de julgamento, que vão contribuindo para alimentar com regras básicas a nossa interpretação da realidade.

3 — “addressing problems with the 'typification' of phenomena” 
Neste ponto entramos num processo de chunking, ou organização, em parte, do modo como resolvemos problemas. No fundo, o modo como conseguimos partir do particular de cada história para a generalização da nossa relação com a realidade diária. Herman fala então da tipificação, ou categorização — em objetos e classes — que nos permite gerar expectativas para determinadas resultados de solução para situações nunca antes encontradas, através daquilo que já experienciámos. Assim “If assimilated to preexistent types, any encountered object, situation, or event can be placed within a “horizon of familiarity and pre-acquaintanceship which is, as such, just taken for granted until further notice as the unquestioned, though at any time questionable stock of knowledge at hand”. As histórias recebidas sobre o mundo fornecem contextos de tipicidade, garantindo a interpretação de ocorrências inesperadas, permitindo vários modos de resolução de problemas. No fundo, “a general account of narrative as a mind-extending, mind-enabling resource” (p. 251).

4 — “sequencing actions” 
Aqui a ideia é de que as histórias nos fornecem também uma espécie de protocolos de atuação, de racionalização da sequência de ações a tomar. Este processo é comparado por Herman à conversação, na qual nos organizamos para colaborar, aqui utilizamos as pistas para nos organizer para agir na relação com o problema proposto pela realidade.

5 — “distributing intelligence across time and space”
Este ponto surpeendeu-me porque me habituei a pensar nele a partir da rede de internet, e apesar dele ter nascido com o contar de histórias, e apesar de sabermos que esse é um dos grandes fundamentos das histórias, a passagem de conhecimento entre gerações, nunca tinha parado para compreender as histórias como um fenómeno de inteligência distribuída, que o é também.


Deixo ainda uma palavra para a complexidade do texto. Herman trabalha de forma soberba a abstração de conceitos, o seu problema acaba sendo a enorme dificuldade que tem em particularizar as mesmas. O livro denota um esforço tremendo no sentido de tornar o texto mais acessível, desde logo todos os capítulos apresentam introduções e conclusões de sumário, que repetem os argumentos, assim como são utilizadas várias histórias de vários meios — literatura, cinema, banda desenhada — para desmontar os conceitos, mas nem assim se torna mais fácil compreender o que é aqui discutido. É interessante como Herman compreende que a força das histórias está na particularização e individuação dos eventos e das ações, no uso das pessoas/personagens como veículos principais da compreensão, mas depois não consegue aplicar essas ideias na sua abordagem comunicativa. Não é uma mera questão de uso de jargão, embora diga-se que não houve nesse domínio qualquer controlo de danos, e isso também não ajuda, mas o maior problema são mesmo as enormes tiradas de conceitos abstractos, definidos por jargão, que se interligam e embrenham em novos conceitos, que obrigam o leitor a montar todo um enquadramento mental altamente exigente, para o que quem não possui experiência e conhecimentos anteriores da discussão se torna praticamente inacessível.

fevereiro 18, 2019

Elementos da Surpresa (2018)

"Elements of Surprise: Our Mental Limits and the Satisfactions of Plot", (2018) de Vera Tobin, é um livro académico sobre desenho de narrativa, que apesar de apresentar uma escrita por vezes leve e fluída, e um tema acessível, mais ainda pelos exemplos utilizados — "The Sixth Sense", "The Murder of Roger Ackroyd", "Great Expectations", "Emma", ou "Citizen Kane" —, não deixa de apresentar algumas componentes mais crípticas, com jargão próprio, que para quem não trabalha na área o pode tornar menos apetecível. Ainda assim, a sua essência é acessível a quem quer que sinta curiosidade pela temática e queira realizar algum esforço para entrar no discurso académico. Enquanto obra académica apresenta defensores e detratores [1,2], desde logo do campo da literatura que continuam a não ver com bons olhos a entrada da psicologia cognitiva no seu reino obscuro de pura especulação interpretativa. O que não deixa de ser ridículo, se olharmos para os estudos fílmicos onde a psicologia já entrou nos anos 1980, sendo talvez por isso mesmo que Tobin usa imensos exemplos cinematográficos lado a lado com exemplos literários, sem qualquer coibição e diga-se de forma imensamente refrescante para quem trabalha na área, cansado de divisões artificiais no campo da narrativa.


“Elementos de Surpresa” trabalha como o próprio título refere: a emoção de Surpresa. É algo novo, já que temos tido trabalhos sobre quase todas as outras emoções básicas —Medo, Alegria, Tristeza, Nojo e Raiva —, tendo a surpresa sido deixada de fora, não que surpreenda, dada a sua complexidade em termos de valência. Ou seja, a surpresa tanto pode ter peso negativo como positivo, por isso funciona mais como quadro emocional e menos como catalogador de situações. Isto para se trabalhar com histórias e narrativas não é propriamente o ideal, já que aquilo que é mais relevante é o modo como as emoções contribuem para a significação do conteúdo. Tobin, foca-se na forma por excelência, ou seja, como é que o design da narrativa, e a gestão de informação, operam a surpresa junto dos recetores. Ainda que não se possa dizer, que de uma forma geral, seja completamente novo, podemos juntar aqui obras que têm trabalhado o Suspense, que não são muitas e a Curiosidade, que em muitos momentos do livro me fizeram pensar que eram tópicos a que a autora deveria ter dado um pouco mais de atenção.

Mas a abordagem de Tobin acaba seguindo muito de perto os meus interesses de investigação e as abordagens que tenho tentado seguir, que é de utilizar todo o conhecimento produzido pelas Ciências Cognitivas, nomeadamente no campo do “behavioural economic” com autores como Kahneman, Tverski, Thaler, Ariely, Levitt, entre outros, e assim tentar desconstruir, desmontar, o design das narrativas, nomeadamente os padrões e modelos como nos agarram, envolvem, imergem e transportam para for a de nós mesmos. Por isso, não posso dizer que tenha sido surpreendido pelos resultados obtidos pela autora e que nos apresenta, contudo servem não só para reforçar a abordagem que alguns de nós temos vindo a defender, contribuindo para o avanço do nosso conhecimento sobre a psicologia e design da narrativa.

O principal conceito utilizado por Tobin é o “curse of knowledge” (maldição do conhecimento), um dos muitos vieses cognitivos, que ela define como: “the more information we have about something and the more experience we have with it, the harder it is to step outside that experience to appreciate the full implications of not having that privileged information”. No fundo, é o problema que surge sempre que temos que explicar a alguém alguma coisa, para o qual é necessário um determinado contexto, detendo nós o contexto e a outra pessoa não. Acontece todos os dias em sala de aula, mas acontece sobre as coisas mais simples, quando por exemplo queremos explicar algo que acontece num filme a alguém, mas a pessoa não percebe sem lhe explicarmos todo o enquadramento do filme primeiro. O que este viés nos diz é que normalmente não nos apercebemos dessa diferença de possessão de informação, ou se nos damos conta, não percebemos a diferença que ela comporta para a compreensão do que se está a dizer. Ou pondo-nos a nós no lugar da vítima, quando tentamos compreender porque um filósofo disse o que disse há 2, 3 ou 20 séculos, sem o devido contexto podemos simplesmente não compreender o que está em causa nas palavras escritas nesse outro tempo.

Tobin usa este modelo de criação de sentido, para tentar explicar o modo como a narrativa consegue gerar surpresa nos seus recetores, definindo a surpresa da seguinte forma: “one in which information revealed late in the narrative reveals a new, transformative interpretation of what has gone before.” Claro que Tobin está interessada em surpresa elaboradas, ou como ela diz “well made”, e não no simples ato de surpreender, que como ela também diz "pode facilmente ser feito, basta por exemplo, matar um personagem sem pré-aviso", como tanto gosta de fazer George RR Martin. No fundo ela está focada nos chamados “twists” narrativos, tais como o célebre final de “The Sixth Sense”, ao que acrescento aqui um, entretanto esquecido, “The Crying Game”.

"The Sixth Sense" (1999)

"The Crying Game" (1992)

O livro apesar de constituído de múltiplos capítulos, tem toda a sua essência concentrada no capítulo “Poetics of Surprise”, é aqui que nos apresenta os 5 modelos de produção de surpresa — Frame shift, Managed reveal, Finessing misinformation, Burying information, Emotional involvement — a que chegou com o estudo e levantamento que realizou, e é no fundo aquilo que importa reter deste livro e do excelente trabalho da autora. Vejamos então cada um destes, para cada um destes aponto uma dimensão da produção narrativa mais facilmente reconhecível entre parêntesis.


— Frame Shift  (gag)
Este modelo assenta nos conceitos cognitivos — de frame, schema e contexto — que determinam os modelos mentais que utilizamos para compreender a realidade. Estes servem para enquadrar uma informação nova que nos chega, que nos ajuda a rapidamente assimilar a mesma, mas cria um conjunto de expectativas sobre o que se deve suceder a essa nova informação, mas que entram em choque sempre que essas expectativas não acontecem. Assim, gera-se um enquadramento na cabeça do recetor, conduz-se o mesmo numa direção de sentido, e no final faz-se uma curva de 90º. Aqui parece-me que teria sido relevante também Tobin dar conta do facto de ser o modelo mais utilizado pelos humoristas, no fundo a base daquilo que chamamos “gag” (piada que nos engasga pela surpresa). Deixo um exemplo:
 “Um oficial iraquiano chama os oito sósias do Saddam e diz: Tenho boas e más notícias. A boa notícia é que Saddam está vivo. Todos os sósias comemoram. A má notícia é que ele perdeu um braço.”
— Managed Reveal (fechamento)
Neste modelo a surpresa dá-se por meio de uma revelação de informação cuidada, estruturada, em jeito de explicação do que aconteceu, oferecendo uma nova perspetiva sobre o que aconteceu, que cose todas as pontas soltas e faz com que tudo ganha um sentido novo e coerente. Isto funciona muito bem porque lidamos muito mal com dados incompletos, temos de por qualquer meio fechar tudo aquilo que se abre, e por isso estas revelações que nos surpreendem são ainda mais prazerosas porque nos aliviam do stress da incompreensão.
Para além do fechamento, que já vem da Gestalt, e que serve perfeitamente à narrativa, existe ainda um conjunto de estudos que têm demonstrado o quão ávidos de explicações somos, e como o mero ato explicativo por si é suficiente para nos seduzir. A autor dá um exemplo, estudado, que tem demonstrado resultados, e que acontece quando uma pessoa quer passar a frente numa fila, bastando para o efeito oferecer uma explicação mesmo que esta seja vazia: “May I use the Xerox machine, because I have to make copies?

— Finessing misinformation (ilusionismo)
Este modelo serve imensamente bem ao cinema porque as suas origens estão umbilicalmente ligadas ao mundo do ilusionismo desde o grande Méliès. Assim, este modelo assenta na ideia de construção de ações de dissimulação. Aproxima-se do “frame shift”, embora aqui não se objetiva a desviar o foco explicativo, mas antes o foco de atenção, esperando que o recetor não se dê conta do que está verdadeiramente acontecer, e assim possamos no final apresentar a informação como novidade ou algo desconhecido. Tobin usa o viés do “anchoring”, próximo do “priming”, em que certa informação apresentada primeiro, condiciona aquilo que tendemos a pensar no momento seguinte, induzidos pelo que vimos ou ouvimos antes.
O modo base deste modelo assenta no desenho dos personagens, que vão debitando linhas que nos levam atrás dos mesmos, que nos convencem de ser algo, mas que no final se revelam ser outra coisa completamente. Aqui podemos enquadrar o personagem de Bruce Willis em Sexto Sentido.

— Burying information (cavalo de Tróia)
Este padrão assenta na introdução de informação de forma encapotada, aproximando-se do ilusionismo, embora aqui não se procure fazer divergir a atenção, mas apenas só que o recetor não se aperceba dessa mesma informação. Tobin usa um conjunto de preceitos criados por colegas anteriormente, Emmott e Alexander [3] e que listo aqui também:

         Técnicas para esconder informação
"1. Mention the item as little as possible.2. Use linguistic structures which have been shown empirically to reduce prominence (e.g. embed a mention of the item within a subordinate clause).
3.  Under-specify the item, describing it in a way that is sufficiently imprecise that it draws little attention to it or detracts from features of the item that are relevant to the plot.
4.  Place the item next to an item that is more prominent, so that the focus is on the more prominent item. Hence, when fore- grounding is used it may have an automatic effect of down- playing nearby items, like a spotlight that makes items around the light less noticeable.
5.  Make the item apparently unimportant in the narrative world (even though it is actually significant).
6.  Make it difficult for the reader to make inferences by splitting up information needed to make the inferences.
7.  Place information in positions where a reader is distracted or not yet interested.
8.  Stress one specific aspect of the item so that another aspect (which will eventually be important for the solution) becomes less prominent.

— Emotional involvement (engajamento)
Aqui Tobin entra diretamente no domino que mais tenho trabalhado do engajamento humano com artefactos, e que tem múltiplos nomes, dependendendo da área científica por onde nos aproximamos. Desde o “narrative transportation”, à “presença” , passando pelo “flow” de Csikszentmihalyi (no meu livro "Emoções Interactivas" fiz uma tabela de conceitos similares com cerca de 15 conceitos [4]).  Assim Tobin, usa estes modos de inteira absorção por parte das obras como potenciais modos de geração de surpresa, pelo simples facto de que quando inteiramente absorvidos na experiência, muitos dos detalhes do que vai acontecendo nos passam ao lado, não nos damos conta, e por isso a obra vai manipulando o nosso pensar por via do nosso sentir.  Como ela diz “the more engaging and vivid the story events are, in fact, the less vigilant readers are about policing source information.”


Ficam assim as cinco principais estratégias para desenvolver surpresa numa narrativa, seja em que meio for. São estratégias pensadas por meio da psicologia cognitiva, mas que descrevem aquilo que o guionista faz, na maior parte do tempo sem saber que o está a fazer. Técnicas passadas pela experiência, que se socorrem de vieses cognitivos que todos, enquanto leitores, espectadores, e jogadores sofremos. O facto de terem sido aprimorados, ao longo de séculos de produção de narrativa, faz com que se tenham tornado tão naturais, no sentido em que não nos conseguimos aperceber da persuasão e manipulação de que somos alvo. A força destes vieses, e por isso destas técnicas, é tão grande que mesmo sabendo da sua existência, como acontece no final da leitura deste texto ou do livro da Tobin, continuamos a deixar-nos surpreender à medida que as vamos encontrando, como acontece com a maior partes dos vieses cognitivos.


REFERÊNCIAS
[1] Robert Appelbaum (2018) Joseph North, Literary Criticism (..) Vera Tobin, Elements of Surprise (..), Studia Neophilologica, DOI: 10.1080/00393274.2018.1550624
[2] Thomas Manuel, 2018, Do Writers Care for What Psychology Has to Say About the Curse of Knowledge?, in The Wire
[3] Emmott, C., Alexander, M., (2014). Foregrounding, burying, and plot construction. In The Cambridge Handbook of Stylistics, edited by Peter Stockwell and Sara Whiteley, 329–343. Cambridge: Cambridge University Press.
[4] Nelson Zagalo, (2009), Emoções Interactivas, do Cinema para os Videojogos, CECS/UM, Gracio Editor, Coimbra, Portugal, p.400, ISBN: 978-989-96375-1-1. Ver páginas 203-205.

outubro 03, 2014

Ensinando Mentes, e a "inutilidade da matemática"

Roger Schank foi professor de psicologia, inteligência artificial e educação em Stanford, Yale e Northwestern mas abandonou tudo para se dedicar a tempo inteiro a ser, como ele próprio se define, um “revolucionário da educação”. Este seu último livro, “Teaching Minds: How Cognitive Science Can Save Our Schools” é apenas mais uma das pedras desta sua caminhada, mas que se apresenta de forma bem provocadora, capaz de perturbar até os mais incautos. Longe de ser um livro completo, no sentido em que muito fica por dizer, nomeadamente falha na apresentação de dados empíricos que suportem as ideias centrais, é ainda assim um livro capaz de gerar discussão, de nos obrigar a reflectir sobre o que é a escola, porque existe, porque a criámos, o que esperamos dela, e o que espera a sociedade dela.


"Teaching Minds" é assim uma espécie de livro inacabado, porque funciona mais como puro "ranting", uma espécie de discurso revoltoso contra as instituições e o status quo. Deste modo Schank em vez de produzir um documento organizado e capaz de enquadrar o pensamento subjacente e consequentes propostas, acaba por nos apresentar um trabalho em que atira contra tudo e todos, sem princípio nem fim, procurando enxertar as suas ideias a qualquer custo no sistema. Deitando, por vezes, por terra teorias milenares sem suficiente fundamentação, tudo em nome de uma revolução, de um movimento pela força.

Entristece-me que assim seja, já que concordo com muito do que Schank defende, muito mesmo. Desde o "learn-by-doing", ao "learn by experiencing" passando pelas metodologias de ensino assentes no "project-based". Mas isto não é razão para se avançar no sentido da destruição de tudo o que temos, menos ainda ignorar tudo o que foi conseguido com o que tivemos até aqui. Pior quando a construção retórica dos argumentos é sofrível, baseada em apontamentos básicos, e muitas vezes completamente ultrapassados sobre o funcionamento da escola/universidade.

Já que Schank não o faz no livro, vou procurar organizar aqui as suas ideias centrais, para explicar porque discordo da abordagem, embora não dos princípios. Assim o elemento central de Schank assenta no princípio do "Learn-by-Doing". Todo o livro está imiscuído desta visão da educação, porque segundo Schank, e muitos outros autores, os nossos processos cognitivos só entram verdadeiramente em acção quando fazemos, experimentamos. Quando simplesmente nos dizem, nos contam como fazer, e nós apenas ouvimos, não fazemos, o conhecimento passa por nós mas não permanece. 

Ora isto era o que acontecia na maior parte das horas passadas em salas de aula no passado, em que em vez de fazer, os alunos ouviam. Com o tempo isto foi mudando bastante, hoje desde a primária à Universidade, muito se faz, não apenas se ouve. Mas por saber isso mesmo, embora não o admita, é que Schank decide elevar a fasquia do "combate". Assim o elemento central do livro passa a ser, não o "learn-by-doing", mas os tópicos de conhecimento (disciplinas) - matemática, física, português, biologia, etc. Ou seja, Schank por não acreditar que os professores atuais podem ser capazes de ensinar verdadeiramente a fazer, ataca os tópicos escolhidos para serem leccionados nas escolas e universidades. Deste modo lança a ideia de que o centro nervoso da educação, deveria deixar de se basear em tópicos de conhecimento e passar a basear-se nos processos cognitivos. Apresenta assim, aquilo que se quer como o contributo mais relevante do livro:
Twelve Cognitive Processes that underlie all Learning:

Conscious Processes
1. Prediction: determining what will happen next
2. Modeling: figuring out how things work
3. Experimentation: coming to conclusions after trying things out
4. Values: deciding between things you care about

Analytic Processes
1. Diagnosis: determining what happened from the evidence
2. Planning: determining a course of action
3. Causation: understanding why something happened
4. Judgment: deciding between choices

Social Processes
1. Influence: figuring out how to get someone else to do something that you want them to do
2. Teamwork: getting along with others when working towards a common goal
3. Negotiation: trading with others and completing successful deals
4. Description: communicating one’s thoughts and what has just happened to others” 
E foi exactamente com a apresentação desta abordagem que Schank me perdeu. Não porque discordo dos processos, longe disso, mas porque discordo que se possam ensinar processos por processos. Mas Schank sabe disso, sabe que os processos cognitivos não se ensinam, porque são processos, não são tópicos, assuntos, conteúdos, factos. Por isso atira para a frente, dizendo que o centro devem ser os processos, mas adaptados aos assuntos que interessem ao estudante. Ou seja, no final de contas, o que Schank propõe é que se acabem com os tópicos de conhecimento existentes, e que cada aluno estude apenas aquilo que quiser. Para Schank não faz o menor sentido ensinar Matemática, um dos seus ataques de estimação ao longo de todo o livro, mas num post entretanto feito no seu blog, lista todas as disciplinas, desde a Física à Química, como inúteis

Ora isto não faz o menor sentido, e acaba por ser uma admissão por parte de Schank de que afinal as escolas já ensinam esses mesmos 12 processos cognitivos, só não o fazem sobre os tópicos de conhecimento que Schank considera serem os correctos! Mais, ao seguir esta via cria outros problemas, talvez ainda maiores. Isto é, como é que um aluno a quem não se apresentam caminhos de conhecimento, escolhe o caminho que pretende? Como é que um aluno sabe que tipos de conhecimentos básicos precisa de escolher, para mais tarde poder trabalhar sobre conhecimentos mais complexos? Como é que as escolas conseguem oferecer toda a diversidade de conhecimentos esperados pelos alunos? Como é que um empregador escolhe quem empregar se ele não apresenta nenhum tipo de especialidade geral? Etc.

Mas os problemas da abordagem não se ficam por aqui. Apesar de eu ser um enorme defensor do learn-by-doing, não acredito nessa abordagem a funcionar de modo exclusivo, ou seja sem suporte de aprendizagem da teoria, porque só ela pode alargar o âmbito de aplicabilidade do "doing" através da elaboração da camada mental de abstracção. Isto é, aprender num determinado contexto a fazer algo - ex. programar um software de gestão numa linguagem determinada - não me garante bases suficientes para por si, me permitir a seguir transferir esse conhecimento para outro domínio, com problemas totalmente diferentes da gestão, e com outra linguagem de programação. Para isso é preciso compreender a base da lógica da programação, mas é preciso acima de tudo domínio do pensamento matemático, capacidade de abstracção, para laborar os modelos mentais e apresentar as novas soluções requeridas.

Aliás um dos exemplos mais básicos e que demonstram cabalmente como não chega aprender-fazendo, é o do Inglês (o nosso Português). Schank refere que a disciplina de Inglês é boa, mas que não se deve ensinar a ler Dickens, apenas que se deve ensinar a escrever bem. Ora não é possível que alguém aprenda a escrever bem, se não perceber o que lê, e se não ler muito. Ou seja, não basta escrever, escrever, escrever, é preciso ler, ler, ler, e é preciso discutir e aprofundar o que se lê. E atenção que estou a defender a discussão, não a memorização para depois responder num teste escrito.

Isto vem de encontro ao meu argumento final sobre estas abordagens educativas, tendo em conta o elemento central do século XXI, a criatividade. Não pode alguém almejar ser criativo, inovar, rasgar novos horizontes, se não conhecer o que foi feito antes de si. O nosso cérebro não funciona no vazio, quanto mais fuel (conhecimento, factos, casos, elementos, etc.) lhe for dado mais condições ele terá para vingar num mundo de profunda complexidade como aquele em que vivemos hoje. Por isso as velhas ideias de que a escola mata a criatividade, porque formata as crianças, as obriga a ver o mundo da mesma forma, é apenas em parte verdade. É verdade naquilo que toca o reino dos exames nacionais, dos testes estandardizados, da necessidade de medição do conhecimento do aluno, e da necessidade de avaliar se o professor cumpriu os objectivos definidos pelo Ministério. Mas em tudo o resto, a escola é uma fonte de oportunidades, porque é um tempo no qual se cresce, aprendendo e buscando em si o que os outros esperam de nós.

Este meu apontamento final fez-me chegar à essência da mensagem de Schank, porque é isto no fundo que ele tanto aqui discute, um problema que tem sido imensamente debatido, e que eu sigo sem dúvidas. O problema das disciplinas de conhecimento para Schank não são assim os factos, mas antes aquilo que se faz com eles. O seu uso para medir o conhecimento dos alunos em exames obtusos, que não medem, porque não podem medir, a verdadeira capacidade cognitiva dos alunos, mas se limitam a medir uma memorização temporária. O problema da educação é um problema político, administrativo, que se impõe à educação obrigando-a a funcionar como fábrica de resultados, dando conta da tão afamada "accountability". Por isso, se concordo com os princípios de Schank não concordo com as propostas, acredito que escolheu o alvo errado a abater, a escola e os professores, esquecendo no fundo quem verdadeiramente manda no sistema, e quem continua a impor este colete de forças.

fevereiro 12, 2013

O Lado Negro da Moral

The Baby Lab (2012) é uma reportagem do programa 60 Minutes sobre a moral em bebés, realizada com os professores Karen Wynn e Paul Bloom da Universidade de Yale. Karen Wynn é directora do Infant Lab onde se estudam mecanismos mentais para compreender o mundo a partir dos olhos das crianças. Por outro lado Paul Bloom é autor do reconhecido livro How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like que já aqui analisei.


A essência dos seus estudos e trabalhos demonstraram que bebés com apenas 3 meses conseguem ter já um sentido moral. Esta descoberta leva-nos à simples constatação de que a moralidade e a justiça são algo que nasce connosco, ao contrário da ideia de que seria necessário educar as pessoas neste sentido. Ou seja a nossa biologia, fruto de milhões de anos de evolucionismo, sabe distinguir o certo do errado.
Karen Wynn: "Study after study after study, the results are always consistently babies feeling positively towards helpful individuals in the world. And disapproving, disliking, maybe condemning individuals who are antisocial towards others."
Paul Bloom: "What we're finding in the baby lab, is that there's more to it than that -- that there's a universal moral core that all humans share. The seeds of our understanding of justice, our understanding of right and wrong, are part of our biological nature."
Se assim é, então qual é o problema base do Mal na humanidade? É algo simples, que de tão simples se torna violentamente chocante. Algo que tem estado na origem de todas as guerras existentes na história da humanidade. A diferença. Nos estudos os bebés demonstram muito claramente que gostam de ver aqueles que são diferentes de si serem castigados. Simplesmente por não serem iguais a eles, no caso da reportagem através da simples arbitrariedade de não gostarem dos mesmos cereais. Se podemos ser assim apenas por causa de uma taça de cereais, imaginem quando o que está em causa é tão visível como a cor da pele, ou quando se torna visível a preferência sexual ou a crença religiosa, etc. etc. etc.


Parece ser verdade que o sentido de justiça nasce connosco, mas é um sentido que sai desvirtuado pelos efeitos de milhões de anos de sobrevivência. Ou seja ter um sentido de justiça para com quem se comporta bem socialmente ajuda a construir uma base comunitária de pessoas que me podem ser úteis futuramente. Mas ao mesmo tempo estar em estado de alerta perante todos aqueles que agem de modo diferente de nós, é importante para manter o nosso grupo forte. Primeiro nós, o nosso grupo, um grupo que se forma com pessoas iguais a nós, os outros são secundários.


Ou seja não precisamos de ser educados para aprender o sentido de justiça, mas precisamos de ser educados para compreender que a diferença não é algo mau, antes pelo contrário esta pode ser imensamente benéfica. O problema de tudo isto é que o efeito biológico tem predominância sobre o efeito cultural. E podemos até conseguir superar os instintos por via da tomada consciente de acções no nosso dia-a-dia, mas nada disto inscrito nos nosso instintos se vai verdadeiramente embora com a cultura ou a educação, como nos diz Bloom,
Paul Bloom: "I think to some extent, a bias to favor the self, where the self could be people who look like me, people who act like me, people who have the same taste as me, is a very strong human bias. It's what one would expect from a creature like us who evolved from natural selection, but it has terrible consequences. The kids who choose this and not this, the kids in the baby studies who favor the one who is similar to them, the same taste and everything - none of this goes away. I think as adults we can always see these and kind of nod. And the truth is, when we're under pressure, when life is difficult, we regress to our younger selves and all of this elaborate stuff we have on top disappears." 
A reportagem pode ser vista na íntegra no sítio da CBS.


Atualização 14.02.2013
No Facebook questionava-se a inovação deste estudo. Aqui fica a resposta.

A inovação deste estudo está na definição de uma metodologia que permitiu pela primeira vez obter respostas por parte de bebés com 5 meses, e até mesmo num dos estudos, até um mínimo de 3 meses. Esta é a primeira parte da importância, porque é extremamente complexo obter dados cientificamente demonstráveis com estas idades, já que ainda não falam, não desenham, nem escrevem. Aliás no caso dos testes com 3 meses nem sequer têm suficente movimento motor para se dirigir à escolha que fazem, obrigando o estudo a realizar-se com base no olhar dos bebés apenas. Conseguir dados com estas idades é assim, só por sim, um enorme avanço no conhecimento.

Depois a segunda parte da inovação é que estes bebés ainda estão muito pouco pouco aculturados. Estão muito próximos de tábuas rasas, no que toca a conhecimento apreendido. Assim, questionar um bebé destes é quase como questionar directamente a própria natureza, sem intermediário. Estamos aqui a falar de taxas superiores a 80% o que nos dá um panorama muito credível do molde humano à nascença. No fundo, o sentido como a Natureza encara o Bem, o Mal, e a Diferença.