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agosto 11, 2021

A anomalia anti-existencial

"A Anomalia" foi premiado com o maior prémio francês de literatura, o Goncourt em 2020, que lhe deu notoriedade, mas sendo um prémio elitista raramente os seus premiados puderam apresentar-se ao público como tendo vendido mais de 1 milhão de exemplares, como foi anunciado já em maio deste ano. Por outro lado, as reações nas redes não seguem esta aparente unanimidade, já que os comentários se dividem entre a paixão e o desprezo. Uns seguem o elitismo do prémio, reverenciando a inteligência do romance, outros desacreditam o prémio, catalogando-o de verdadeira anomalia. Do meu lado, li-o como comédia social que fala de temas sérios mas que não se quer levado demasiado a sério. Se dúvidas houvesse, bastaria dizer que um dos personagens do livro é um escritor que também escreveu um livro chamado "A Anomalia", e enquanto tradutor já traduziu “À Espera de Godot" para klingon.


novembro 07, 2019

Processos cognitivos por detrás da Montagem

A montagem é o elemento definidor da arte cinematográfica, aquele que singulariza a sua estética, a sua capacidade de produzir mensagem de forma única. Neste sentido, tem sido uma área bastante estudada, diga-se que mais fora da academia do que nesta, exatamente pela dificuldade que temos tido em parametrizar algo que é profundamente artístico, ou seja, dependente de opções pessoais expressivas e não de métricas facilmente quantificáveis. Este trabalho da Karen Pearlman, uma académica com experiência profissional no cinema, pretende contribuir para o preenchimento dessa lacuna, adicionando novo conhecimento ao conjunto de convenções que respondem pelas necessidades fundamentais da edição, indo além da mera continuidade espaço-tempo.


O trabalho mais citado no campo da montagem continua a ser o livro de Walter Murch — "In the Blink of an Eye" (1995) — um montador reconhecido, especialmente pelo trabalho em “Apocalypse Now” (1979) com uma visão completamente assente no artesanato da arte, sem qualquer arcaboiço metodológico que pudesse suportar um maior aprofundamento do conhecimento da arte. Depois temos outros autores como Ken Dancyger ou Valerie Orpen, e até mesmo Bordwell, mas nenhum conseguiu ir tão longe como o trabalho que Pearlman nos apresenta e que pode ser conhecido de forma muito rápida através deste pequeno vídeo:  "Why Does an Edit Feel Right? (According to Science)" (2019).

Why Does an Edit Feel Right? (According to Science), 2019

Neste vídeo Pearlman socorre-se do trabalho de Vittorio Gallese — sobre os neurónios espelho [1] — e Tim J. Smith — estudos de eye-tracking em cinema [2] — para desmontar o que acontece durante o processo de visionamento de um filme e, assim, chegar aos modos como a montagem contribui para a construção de engajamento. Pearlman dá conta dos processos de simulação corpórea [3] realizados por nós, dizendo que o “film’s rhythm synchronizes the body, influencing the spectator’s physical and cognitive fluctuations to follow its own” [4], algo que vai muito para além da questão da continuidade. No exemplo apresentado de Blade Runner, com Harrison Ford e a coruja, temos um corte que só faz sentido por via do movimento corporal, pois é antitético no que toca a continuidade. A partir da desconstrução dessa sequência, Pearlman apresenta então o conjunto de hipóteses resultantes da expressividade da montagem:
#1 Movement Phrase
#2 Kinesthetic empathy
#3 Subtext
Para quem tiver ficado interessado no assunto e quiser aprofundar mais, sem ir diretamente ao seu livro “Cutting Rhythms: Intuitive Film Editing” (2016), recomendo a leitura do artigo de Pearlman de 2017, "Editing and Cognition Beyond Continuity" publicado na Projections.


Referências
[1] “Embodying Movies: Embodied Simulation and Film Studies” Gallese, 2012
[2] “The Attentional Theory of Cinematic Continuity”, Tim J. Smith, 2012
[3] "Hipótese da Simulação Corpórea", VI, 2014
[4] “Cutting Rhythms: Intuitive Film Editing”,  Karen Pearlman, 2016

novembro 03, 2015

"Assassin’s Creed V" (2014)

Tinha enormes expectativas em relação a “Assassin’s Creed Unity” essencialmente por retratar um dos períodos históricos que mais admiro, a Revolução Francesa. É um período fulcral da era moderna que ficou marcado pelo grito: “Liberté, Egalité, Fraternité”. Parece um simples mantra, mas foi imensamente relevante na mudança das nossas vidas, o destronar das hierarquias sociais, ainda que muito se tenha revirado novamente por via da economia de mercado, mas o mundo mudou e isso temos de o agradecer a quem lutou pela mudança, e que nos permite hoje gritar: “Viva a Liberdade”.


“Unity” tem imensos problemas, ainda assim e não desiludindo os fãs da série, habituados a muitos desses problemas, consegue impactar fortemente todos aqueles que tenham um mínimo de gosto por História, já que é nesse campo que o artefacto brilha, com o mais intenso poder da simulação virtual. É impossível entrar no jogo com indiferença, porque facilmente sentimos ter regressado a 1789, toda a técnica e tecnologias de simulação foram trabalhadas ao mais alto nível da representação artística visual, gerando-se um espaço, ainda que virtual, verdadeiramente único.

A Simulação,
Existem dois componentes na simulação que é "Unity", que facilmente nos fazem abrir a boca de espanto, o detalhe arquitectónico da cidade e a vida que a habita. A Ubisoft não se poupou a esforços, e apresenta neste jogo um mapa realizado à escala real, a partir da Paris real. Podemos caminhar da Sorbonne ao Louvre ou Notre-Dame dentro do jogo, como se o fizéssemos em Paris, como se estivéssemos no Google Maps, com a diferença de que tudo aquilo que nos rodeia diz respeito a uma cidade de há 200 anos atrás. Não se ficando apenas pelas fachadas, como acontecia nas gerações anteriores, mas indo ao detalhe no desenho dos interiores que são também navegáveis, em muitos dos edifícios monumento, mas também bares, casas, quartos, etc. Existe todo um trabalho de análise histórica e artística que teve de ser realizado e que é absolutamente espantoso.




Por outro lado, todo este cenário, toda esta cidade é habitada por milhares de “pessoas” com os mais diversos guarda-roupas da época, ocupando as mais diversas profissões - agricultores, lenhadores, pescadores, sapateiros, vendedores, barmen, padres, políticos, militares, prostitutas, ladrões, magistrados, etc. - e dos mais diversos estratos sociais, do rei ao vagabundo de rua. A dinâmica gerada em todo o mapa é absolutamente impressionante, criando uma verdadeira impressão de orgânico, de um sistema vivo.

Esta simulação é o melhor do jogo, disso não tenho a menor dúvida, pecando apenas por uma interatividade mais limitada à navegação, permitindo pouca manipulação e quase nenhuma participação. Contudo esta limitação acontece apenas na relação direta com o mundo, sendo totalmente colmatada pela resposta ultra-abundante de missões alternativas espalhadas por toda a cidade, com grande variação de tipologia (enigmas, salvamentos, assassinatos etc.), assim como de grau de dificuldade, e ainda algumas com a variante de jogo em modo cooperativo.

A Arte,
A simulação só é o melhor de "Unity" porque tem ao seu serviço uma das melhores equipas de artistas 3d de toda a indústria, liderada pelo fantástico Raphael Lacoste. O brilho desse trabalho começa por surgir logo com o sistema climatérico, que opera sempre nuns tons quentes. A chover ou a fazer sol o clima serve para adornar e intensificar a sensação de vida, por via da luz que trabalha na produção de sombras com sol, ou nos rasgos e brilhos dos reflexos da água quando um céu nublado. Claro que este sistema funciona assim porque tudo é extremamente trabalhado e filtrado em termos de correcção de cor, o que garante não só a uniformidade e coerência da composição, mas garante acima de tudo uma saturação intensíssima, ainda que sem nunca ultrapassar a fina linha do espalhafatoso.




Por baixo do clima e cor, surge então o trabalho mais árduo de texturas e shaders, que garantem o realismo, e aqui em concreto o sentimento de ter viajado no tempo, estar em Paris 200 anos antes. São as paredes brancas sujas, de madeira ou simplesmente pedra pesada, é o chão e as suas terras batidas de vários tons, com água ou levantando pó, é a natureza com as suas diferentes árvores, flores, jardins, ervas ou palha seca, são as roupas de cada personagem que perfazem um guarda-roupa assombroso, são os próprios tons de pele e cabelo. Na sua generalidade tudo isto é estático, mas uma parte considerável é animada, e quando o é, nada é deixado ao acaso - andar, baixar, saltar, mergulhar, nadar, apanhar, rodopiar - tudo se move com enorme leveza mas grande credibilidade. Claro que tendo tanto para mostrar, é preciso encontrar a melhor forma de o fazer, e nisso também "Unity" faz muito bem, a câmara está sempre, de forma inteligente, à procura da melhor composição da ação, sem no entanto descurar o impacto estético do seu enquadramento.

Do todo criado pela arte, emergem inevitavelmente os monumentos parisienses, a sua recriação numa escala 1:1, o que trabalhado sob este manto de mestria artística acaba por tornar o mundo de jogo algo monumental. Poder ver de cima de telhados, passear em redor, escalar aos seus pontos mais altos, entrar e escrutinar todos os seus cantos, é algo imperdível para quem quer que alguma vez tenha visitado, ou tenha desejado visitar Paris. Desde a magnificente catedral de Notre Dame, ao Palácio de Montmartre, passando pela Sorbonne, o Jardim das Tuileries, o Panthéon, ou o Louvre até ao próprio Palácio de Versailles, é toda uma viagem turística e educativa ao mesmo tempo que profundamente gratificante. Neste plano "Assassin’s Creed II" era até agora imbatível, mas aqui foi ultrapassado, não sé pelo que a tecnologia permite, mas também por todo o empenho colocado na sua criação.

A Narrativa,
No campo formal da narrativa nada de novo, temos uma estrutura linear que não dá qualquer hipótese de participação ao jogador, recorrendo às cutscenes para contar e fazer progredir a história. Esta é uma estrutura que apesar de limitada em termos de possibilidades e escolhas para o jogador, continua a servir os propósitos da grande indústria, garantindo um maior controlo autoral do fluxo emocional da história.

Em termos da história que Unity conta, temos um bom arranque, mas que rapidamente se perde  sem nunca mais nos conseguir verdadeiramente entusiasmar. O início em Versailles com Arno criança, enfrentando a morte do seu pai é inspirador, prometendo muito, mas depois disso acabamos por assistir a uma mera sucessão de eventos de vingança, em que cada assassinato vai desvelando, por via das memórias, um novo culpado escondido, tal boneca russa, o que acaba por nos desligar do personagem. Os grandes momentos da Revolução, apesar de servirem de linha condutora a todo o jogo, raramente envolvem em profundidade o que estamos a fazer, raramente somos levados a sentir aquilo que se sentia naquelas ruas, algo que contrasta fortemente com tudo o que vinha sendo anunciado nos trailers cinemáticos (abaixo). Alguns dos melhores momentos acabam por acontecer, tal como noutros AC, quando surgem figuras emblemáticas, neste caso Marquês de Sade, Madame Tussaud ou Napoleão Bonaparte.



Uma das melhores inovações na história de "Unity" foi o facto da Ubisoft ter ouvido os jogadores, e ter praticamente eliminado a Abstergo e a realidade virtual da equação. Em Unity raramente saímos do ambiente histórico, e raramente somos recordados de que estamos a jogar uma simulação. As poucas vezes em que acontece, serve mais para mostrar Paris em épocas diferentes.

O Jogo,
Apesar de ter sido acusado em várias críticas por nada se ter alterado, não é bem assim. É verdade que em traços gerais continuamos a jogar um Assassin’s Creed, mas existem dois elementos que foram alterados em profundidade e que levam a série numa direcção nova, para além do que tínhamos. O primeiro, menos relevante, é que o jogador é manifestamente recompensado quando opta por jogar furtivamente. Ou seja, não só o modo de combate continua a apresentar bugs, como é muito mais duro e difícil, o que nos leva a optar muitas vezes por ser furtivo. Por outro lado em termos de pontos internos do jogo, para progredir no ranking de assassino, somos mais recompensados quando agimos pela calada. As próprias competências que podemos ajustar no nosso personagem à medida que vamos progredindo, dão mais relevo ao “stealth” do que ao “melee”, com por exemplo a capacidade para percepcionar as pessoas através de paredes tal como em “The Last of Us”, ou ainda a possibilidade de assumir a identidade de outros personagens, à lá “Dishonored”.

O segundo elemento, tem que ver com o design das missões, e segue mais uma vez uma lógica “Dishonored”. Os grandes assassinatos decorrem em grandes edifícios, nesses existem vários pontos possíveis de entrada, que por sua vez se desdobram em várias possibilidades de se chegar ao indivíduo, o que abre todo um modo interativo que eleva o patamar narrativo do jogo, permitindo que seja o jogador a desenhar o modo como cada um dos sujeitos morre. Ou seja, podemos decidir entrar por uma janela lateral, pelo telhado, pelas catacumbas, ou por uma porta lateral fechada a cadeado, cabe a nós encontrar o melhor acesso ao grande puzzle espacial, parar para olhar o todo e encontrar a melhor solução. Não sendo revolucionário, é um enorme passo em frente na série, na direcção de maior autonomia e participação, e que em certa medida compensa o lado mais linear da narrativa.

Os problemas,
Os bugs, problemas com cadeiras, mesas, muros, problemas com entradas em janelas, com suspensão. São inúmeros os NPCs que vão desaparecendo e reaparecendo, que ficam suspensos no ar, que param em loop e não reagem. Tudo isto torna-se mais irritante quando acontece no modo combate, invalidando muitas das nossas ações, frustrando as expectativas. Por outro lado os “loadings” ao longo de todo o jogo - sempre que acaba uma memória, fazemos uma fast travel, ou reentramos no jogo - são demasiadamente longos, muitas vezes mais de um minuto, perturbando a jogabilidade e narrativa.

Na generalidade,
Assassin’s Creed Unity” é uma experiência única, poder vivenciar uma simulação da Revolução Francesa com estes níveis de extensão e profundidade, faz deste um dos jogos obrigatórios desta geração. Dentro da série e por este motivo, ombreia com o melhor, "Assassin's Creed II" que nos tinha dado acesso ao belíssimo mundo da Renascença Italiana, perdendo em parte na jogabilidade e história.

novembro 28, 2014

Hipótese da Simulação Corpórea

Um dos livros que tenho andado a trabalhar, para textos que ando a desenvolver, deixou-me uma impressão grande, por isso resolvi pegar no que fui escrevendo sobre o mesmo, e juntar tudo num texto para dar conta do mesmo aqui no blog. Falo do livro "Louder Than Words: The New Science of How the Mind Makes Meaning" de Benjamin Bergen de 2012. Este livro não é uma mera discussão pessoal do modo como criamos sentido do mundo, antes desenvolve um conjunto de hipóteses assentes em dezenas de estudos realizados ao longos das últimas décadas, tendo o próprio Bergen contribuído para o desenvolvimento de vários desses estudos.


Bergen começa o livro discutindo a teoria vigente categorizada como, a “Hipótese da Linguagem do Pensamento”, que procura definir o modo como criamos sentido da realidade, e que nos diz que compreendemos a realidade por meio da linguagem, que não é propriamente a língua nativa, porque esta não passa de mera convenção cultural, mas antes uma linguagem interna do pensamento, que permite compreender por meio de um descodificador interno o mundo à nossa volta, e que ficou conhecida por “mentalese” (um conceito amplamente defendido por “Fodor (1975) e Pinker (1994) mas que já aparecia na lógica de Bertrand Russell (1903)”). Ou seja para cada objecto, propriedades, conceitos, ações, etc. teríamos um símbolo mental que corresponderia e que atribuiria sentido ao real que enfrentamos em cada momento. O mentalese funcionaria de certo modo como uma normal linguagem, com substantivos, verbos, adjetivos, etc. Ou seja é possível construir ideias, frases, como numa linguagem normal, mas é algo sem forma, sem som nem imagem, não concreta.

Ora isto levanta um problema, sem solução à vista, de onde vem o mentalese? Como se cria, como se desenvolve, como se processa, onde está alojado? Para Pinker, partindo da sua ideia da inexistência de um "Blank Slate" (2002), defende que o mentalese é algo inato, que nasce inscrito em nós, e por isso somos seres dotados de linguagem.

Mas outros procuraram dar resposta por outros meios, nomeadamente por meio de algo que vai além do reduto da mente, e usando o corpo como um todo, como detentor de conhecimento, adquirido pela experiência do mundo. Autores como George Lakoff na linguística, Mark Johnson na filosofia, ou Eleanor Rosch nas ciências cognitivas procuraram compreender a ideia de significado no corpo. Uma ideia que claramente deve a vários princípios discutidos nos últimos 20 anos no ramo da neurociência, nomeadamente com os estudos da emoção de António Damásio (1994) e depois com os Neurónios Espelho de Gallese e Rizzolatti (1999). Assim esta abordagem pelo corpo, apresentada como ideia rival do mentalese, ficaria conhecida como “Hipótese de Embodied Simulation” (que opto aqui por traduzir como Hipótese da Simulação Corpórea), definindo-se como
“Maybe we understand language by simulating in our minds what it would be like to experience the things that the language describes.”
O mais interessante é que esta ideia de conceber o mundo por via do corpo, é bem mais antiga que os estudos aqui apresentados por Bergen, nomeadamente toda a Fenomenologia, nomeadamente com Merleau-Ponty, assenta sobre este princípio base, em que se procurava desviar o foco da mente para o fenómeno externo. Mesmo dentro da psicologia com Gibson, em que este procurou claramente desviar-se do foco do cognitivo, para a ecologia visual, o mundo externo, concebendo a construção de realidade, por meio da interação e experienciação do mundo externo. É claro que aquilo que se apresenta agora aqui é mais desenvolvido, muito mais elaborado, e acima de tudo mais relevante porque sustentado em imensos estudos empíricos.

Ou seja, nós sabemos o que é simular mentalmente. Nós passamos a vida a fazê-lo, é assim que imaginamos a cara dos nossos amigos ou filhos, ou imaginamos um passeio pela praia, é assim também que imaginamos sons, sem sequer sentir qualquer onda sonora bater nos nosso tímpanos. Acordados ou a dormir, somos verdadeiros especialistas da simulação mental. Mas aquilo que Bergen nos diz, é que estes exemplos que imaginamos através do “olho da nossa mente”, são no fundo apenas aquilo que designamos por “mental imagery”, ou seja processo de criação de imagens mentais, sendo que o processo de simulação é algo mais vasto e profundo.
“Simulation is an iceberg. By consciously reflecting, as you just have been doing, you can see the tip—the intentional, conscious imagery. But many of the same brain processes are engaged, invisibly and unbeknownst to you, beneath the surface during much of your waking and sleeping life. Simulation is the creation of mental experiences of perception and action in the absence of their external manifestation. That is, it’s having the experience of seeing without the sights actually being there or having the experience of performing an action without actually moving. When we’re consciously aware of them, these simulation experiences feel qualitatively like actual perception; colors appear as they appear when directly perceived, and actions feel like they feel when we perform them. The theory proposes that embodied simulation makes use of the same parts of the brain that are dedicated to directly interacting with the world. When we simulate seeing, we use the parts of the brain that allow us to see the world; when we simulate performing actions, the parts of the brain that direct physical action light up. The idea is that simulation creates echoes in our brains of previous experiences, attenuated resonances of brain patterns that were active during previous perceptual and motor experiences. We use our brains to simulate percepts and actions without actually perceiving or acting.”
Nós temos consciência deste processo de simulação, é perfeitamente natural, e não há nada de muito novo aqui, a grande questão é saber se processamos a linguagem do mesmo modo. Ou seja, se compreendo as palavras, as frases, as ideias aí inscritas, por meio de processos de simulação, em vez de por meio de uma linguagem interna, o mentalese. Porque na verdade, o que temos é algo bastante mais natural, em termos de rentabilização de recursos do nosso corpo e cérebro. Faz mais sentido que utilizemos os nossos sistemas de percepção (o sistema sensorial, os 5 sentidos, embora haja uma tendência para privilegiar a visão e audição) e a ação (sistema motor) para compreender a realidade, do que tenhamos criado algo novo, à parte, para processar apenas a linguagem. No fundo, isto vem reforçar fortemente a ideia de que a linguagem nos ajuda a construir sentidos mais elaborados do mundo, já que ela faz uso directo das experiências desse mundo. Ou seja, o modo como trabalhamos a gramática da linguagem, serve-nos para processar de modos mais elaborados a realidade que experienciamos, as vivências que adquirimos, o mundo a que acedemos.

Uma das grandes questões que se levanta de imediato, é que se em vez de recorrermos a uma linguagem inata, igual e universal para todo o ser humano, recorrermos a processos que simulam experiências perceptivas anteriores, então o significado da realidade passa a ser algo extremamente pessoal e subjetivo. O que mais uma vez nos indica que estamos no caminho correto, se olharmos para as grandes questões da semiótica, desde a “Obra Aberta” (1962) de Umberto Eco, que discutimos a ideia de interpretação da realidade, as realidades convergentes e as realidades pessoais. O que temos é uma cultura humana como dotadora de códigos que permitem a criação de uma comunicação humana, e à qual cada um de nós ajusta as suas próprias impressões e experiências pessoais do mundo.


“Perky Effect” 

O “Perky Effect” consiste em estar a olhar para uma parede branca enquanto se imagina um objecto (uma banana ou uma folha), e projectar nessa parede uma imagem desse objecto com variações de transparência. O que Perky descobriu é que muitos acreditavam que estavam apenas a imaginar a banana ou a folha, não reconhecendo que esse objecto estava verdadeiramente na sua frente. Deste modo este efeito demonstra que, realizar imagens na mente pode interferir com a percepção que temos do mundo. Isto é o que acontece quando sonhamos acordados, vemos imagens sobrepostas sobre a realidade que nos rodeia, que no fundo bloqueiam essa mesma realidade. Os estudos sobre este efeito demonstraram que não apenas imagens mas também as suas posições no espaço, assim como os seus movimentos visuais ou verbais, podem interferir com o modo como percepcionamos a realidade.

Ao nível do movimento e espaço, os estudos demonstraram algo verdadeiramente relevante sobre o modo como organizamos mentalmente a espacialidade que nos rodeia. Estudos que me deixaram a reflectir particularmente na organização de espaço em ambientes virtuais. Em estudos desenvolvidos sobre processos mentais que procuravam realizar acções de de rotação de objetos ou movimentação espacial, verificou-se que  “you perceive motion in mental images like you do real motion in the world — the things that take longer in the world also take longer in the mind. Because it’s like real motion, mental motion is useful”.


A criatividade por detrás dos Porcos Voadores

Uma questão que se levanta quando se lança a hipótese da teoria de simulação a partir de experiências, é que se a construção de significado é realizada na nossa mente, então nós devemos ser capazes de gerar ideias a partir de ideias que não existem no mundo real. Daí que a ideia de “Porco Voador”, algo que não existe, sirva de exemplo perfeito aos intentos de Bergen, estando inclusive na capa do livro. Então como é que chegamos a essa ideia?
“The writer John Steinbeck imagined such a winged pig and named it Pigasus. He even used it as his personal stamp. What do you know about your own personal Pigasus?
It probably has two wings (not three or seven or twelve) that are shaped very much like bird wings. Without having to reflect on it, you also know where they appear on Pigasus’ body—they’re attached symmetrically to the shoulder blades. And although it has wings like a bird, most people think that Pigasus also displays a number of pig features; it has a snout, not a beak, and it has hooves, rather than talons”
Daqui podemos extrair várias ideias:

1 - A ideia de Porco Voador é comum à grande maioria de pessoas, e parece significar algo. Apesar de este não existir, o que coloca um problema ao Mentalese, que defende que o significado surge da relação com o real, o que obrigaria então a que este existisse de algum modo.

2 - A ideia de Porco Voador, não estimula apenas o surgimento mental de uma imagem de um porco, mas de um porco com asas, em que montamos uma ideia nova, a partir da junção de dois conceitos distintos. Ao mesmo adicionamos os efeitos das suas condições, neste caso sendo porco e não pássaro, é natural que nos surja a imagem de um porco, e as asas, normalmente apenas duas por imitação das aves, e sendo voador é natural que surja voando no ar e não sentado no chão.

3 - A imagem criada para o Porco Voador é altamente subjectiva, cada um imaginará algo completamente distinto, porque não existindo uma imagem real, que coloque em comum, cada um terá repescar as imagens que possui de Porcos e Aves Voando, para construir a nova. Alguns poderão mesmo construir ideias de Porcos com capas voadoras, do tipo Super Porco.

Imagem retirada do livro de Bergen

Ou seja, o processo de Simulação Mental é um processo profundamente pessoal, e que está na base explicativa do que é a Criatividade (“how you breathe life into your own personal Pigasus”). Neste sentido o uso de texto é profundamente mais criativo, já que obriga os sujeitos a construírem, a inovar na construção mental de ideias, a que se acedeu apenas a partir de texto. Se visse um porco voador num filme, nada haveria a simular de novo, seria dado como adquirido, e o processo de simulação mental seria reduzido à integração de uma nova experiência na memória.


Treino e prática mental

Vários estudos realizados com atletas de golfe, ténis, basquetebol demonstraram que os atletas que treinavam apenas vendo imagens de jogos e imaginando sequências de ações de jogo, melhoravam concretamente nas suas competências. A grande questão que se coloca então é: porque é que estando apenas a imaginar o uso do corpo de uma forma particular, se torna mais fácil ao nosso corpo mover-se depois?
“When we visualize actions—consciously and intentionally activating mental images—we use the very parts of our brain that control our body’s movements. When we imagine the footwork we employ to serve a tennis ball, the part of our brain that controls foot motion starts firing. When we think about how we hold a basketball in our hands, the part of our brain controlling hand motion lights up. As a result, whether you call it mental imagery, visualization, or mental rehearsal, imagining doing things is extremely effective at solidifying motor skills. And that’s because, to a large extent, when we’re visualizing, our brain is doing the same thing it would in actual practice.”

O maior problema da “Simulação Corpórea”
“in understanding language, we use our perceptual and motor systems to run embodied simulations. That’s all fine and good... about concrete stuff—polar bears that have a visual appearance, door knobs that you can physically turn, and rock classics that actually sound like something. But this only scratches the surface of what we can talk about. One of the unique and powerful things about human language is that we can use it to talk not just about the easy, concrete stuff but also about ideas that we can’t see or feel. We can talk meaningfully about truth, responsibility, or justice, none of which really look like anything. Or, for that matter, we can talk about meaning itself, like this book does... If simulation of sights, sounds, and actions is really at the heart of meaning, then how could we ever understand language about things that we can’t see or do?”

Solução: a Metáfora

A resposta apresentada por Bergen assenta na ideia de Metáfora, algo que faz imenso sentido nomeadamente no campo do design de interação, mas faz ainda mais sentido no campo do Cinema. Quando preciso de transmitir uma ideia abstracta, a primeira coisa que fazemos é procurar ideias concretas, que possam metaforizar a ideia abstracta que se quer transmitir. Uma das mais trabalhadas no cinema, é a ideia de Tempo, que Bergen também trabalha aqui.

Um dos exemplos que começa por trabalhar é o conceito de “sociedade”, através dos exemplos:

- “Japan has been a closed society for long despite its huge ”
- “War veterans struggle to fit back into society”
- “those who without assistance and guidance would fall through the cracks of society”

Ou seja, o que aqui temos é uma discussão sobre a ideia de sociedade, realizada de um modo perfeitamente concreto. Uma sociedade que pode ser fechada, que pode encaixar pessoas, ou pode apresentar fissuras. Ou seja, sociedade, nestas expressões parece uma espécie de “contentor”. O problema é que podemos falar de sociedade, de modos completamente distintos, e passar por exemplo, de contentor a uma espécie de “organismo”:

- “Farmers are the backbone of our society.”
- “Sexual violence disempowers women and cripples society.”
 - “A healthy society requires an ongoing dialogue between faith and reason.”

Claro que percebemos que “sociedade” não é um contentor nem um organismo vivo, mas usamos essas ideias concretas, como metáforas do seu significado. E é assim que surge a “metaphorical simulation hypothesis”, que nos diz que “ we understand abstract concepts through concrete, though metaphorical, simulation.”.  Exemplos, do uso do sistema motor,

- “grasping ideas”
- “clubbing you over the head with study after study”
- “bite the apple”
- “kick the bucket”

Esta ideia sustenta-se nas duas seguintes hipóteses,

Hipótese 1: “understanding a metaphorical action phrase, like grasp a concept, activates the motor apparatus responsible for performing the same action; in other words, mentally simulating the metaphorical action.”

Hipótese 2: “merely simulating an action makes you understand a phrase faster if it metaphorically uses that same action. ”

Mas um estudo demonstrou que “language that appears metaphorical like familiar metaphorical idioms that, when you read it as whole sentences, doesn’t always massively activate the relevant parts of the brain that we might expect to light up if people are performing motor simulations.”. Ou seja, a familiaridade das metáforas, evita o uso da simulação motora.

Por outro lado um outro estudo demontrou, “a sentence describing metaphorical motion upward, like The rates climbed, doesn’t interfere with perceiving a shape, no matter where it appears on the screen.” Assim “the Perky method shows no effect for metaphorical language - “if there’s no specific object being mentally simulated, then there’s no image to interfere with actual perception.” Ou seja, não estamos a usar a mesma parte do cérebro, e isto diz-nos que não estamos então a simular mentalmente.

Deste modo temos que “a compreensão da linguagem metafórica é feita através da construção de simulações corpóreas que são menos detalhadas, do que as literais, mas que ainda assim fazem uso do sistema motor e perceptual.”
“So much of what we actually talk about is abstract that we could hardly say we understand the process of understanding without figuring out how people grasp abstract concepts. The idea that we’ve come to is that we take what we know about how to perceive concrete things and to perform actions, and we use that knowledge to both describe and also think about abstract concepts. In this way, we bootstrap harder things to think and talk about—abstract concepts—off of easier things to think and talk about—concrete concepts.”

Uso da Metáfora sem Linguagem

Utilizamos todo o tipo de metáforas, mesmo quando não se trata de linguagem, mas apenas e só de compreender o real. No caso do tempo, que é um conceito extremamente abstracto, não existe nada palpável que lhe possa conferir forma. Ainda assim, temos tendência a medir o tempo em função do espaço (exemplo: linha de progressão de download). Uma linha maior dará indicação de maior duração, ou por exemplo um salto em comprimento, quanto maior, mais tempo terá levado. Por outro lado, o inverso não se confirma para nós, em termos metafóricos, ou seja, mais tempo não nos dá indicação clara de mais espaço.
“even when there’s no language around (just lines on screens), people use space to make judgments about time but not the reverse. This adds support to the idea that abstract concepts are generally understood in terms of more concrete ones, and not the reverse, even when there’s no language to prompt them to do so.”
Ou seja, usamos o concreto para criar sentido no abstracto, mas não usamos o abstracto para dar sentido ao concreto. Outros exemplos, tais como por exemplo uma “pessoa calorosa” ou o sentimento de “exclusão social”, foram investigados em termos perceptivos. E no caso da descrição de pessoas, existe uma tendência para descrever de forma mais calorosa ( adjectivando com: generosa, alegre e sociável) outra pessoa, depois de lhe terem passado para a mão um café quente. Da mesma forma se pediu para pensarem em momentos em que se sentiram incluídos ou excluídos socialmente, e logo a seguir questionou-se sobre a temperatura do quarto em que estavam. Os que pensavam em momentos de exclusão, descreveram como mais frio que os que pensavam em momentos de inclusão “lonely feels cold”. Ou seja

Outro exemplo dado, é o Macbeth Effect. num estudo em que foi pedido a pessoas para pensarem em ações éticas e não éticas, tendo a seguir oferecido um objecto para levar, verificou-se que quem tinha pensado em ações éticas tendia a escolher o lápis, ao passo que as não-éticas tendiam a escolher um objecto de limpeza. Assim o efeito corresponde à ideia de que quando as pessoas pensam em ações pouco éticas que fizeram no passado, sentem uma certa necessidade de se “limpar”.

Todos estes exemplos de metáforas fora do domínio da linguagem acabam por demonstrar que “concepts like time, morality, and affection are tightly linked to the very concrete things that they’re metaphorically described in terms of—distance, cleanliness, and warmth.”

Contudo e apesar destes exemplos, a verdade é que a simulação corpórea não responde a todos os problemas, nomeadamente ao facto de sabermos quando devemos simular uma metáfora como real percepção/ação real ou quando simular como mera metáfora conducente a um sentido abstracto. Como acaba dizendo Bergen, “the more that understanding abstract language is like understanding concrete language, the more infrastructure we must have to keep them apart.” E isso está longe de estar explicado.


Conclusão

No final Bergen questiona a funcionalidade e utilidade da simulação, toma o lado oposto, e questiona de várias formas a sua possibilidade, acabando por concluir, que apesar de muitas dúvidas termos, a hipótese é muito mais sustentada que a do mentalese, deixando vários exemplos, recordando de novo a questão do japonês, que ao contrário das línguas europeias, que apesar de trazer o verbo de acção, no final das frases, leva a processos de simulação mental muito aproximados na interpretação de frases, quando comparados com os das línguas ocidentais. Ou seja, o mentalese “doesn’t explain why Japanese speakers already have expectations about the shape of a mentioned object before they even come to the verb.

Um último ponto surge neste livro de relevância, e que no fundo está subjacente a toda esta discussão, e que tem que ver com a Comunicação. O que é, e como se serve de toda esta maquinaria.
“As speakers, the messages we intend to transmit are probably far from discrete packets of information. Instead, they are dynamic and continuous currents of perception and action, either performed and perceived or mentally simulated. As speakers, we have to jam all this messy, amorphous, nonspecific, continuous stuff through the narrow aperture afforded by discrete words and grammatical structures available to us in our language. This process of encoding is necessarily lossy: a few words can’t hope to capture the breadth and depth of the perceptual, motor, or affective experiences we want to convey. It’s also nondeterministic: we might use two different words to describe the same thought, sometimes even in the same sentence. And it’s fickle: we often just reuse words or grammar that we’ve just uttered and we tend to mimic the linguistic patterns of our interlocutor, instead of picking out the theoretically perfect words for a given message. So the information we want to convey is neither neatly delineated to begin with nor uniquely and perfectly packageable in words.”
A grande questão com que Bergen acaba fechando, é a eterna questão da Comunicação, como é que com mundos internos tão complexos, que cada um de nós desenvolve dentro de si, e com experiências do mundo tão distintas, conseguimos nós chegar a comunicar uns com os outros com sucesso?