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setembro 05, 2016

O belo debaixo de gelo

Johanna Nordblad detém o recorde de mergulho em profundidade debaixo de gelo, 50 metros. Ian Derry tem fotografado de grandes celebridades a publicidade de topo, incluindo fotografias para alguns dos cartazes da série "Game of Thrones". Derry descobriu Nordblad através da sua irmã, que é também fotógrafa. Da colaboração entre Johanna e Ian surgiu um dos mais poderosos trabalhos vídeo deste ano, "Johanna Under The Ice" (2016).




O filme seduz pela cinematografia absolutamente majestática, pelo minimalismo na forma, cor e movimento. Seduz porque a ação se passa num lugar inóspito, inalcançável para muitos de nós, e por isso mesmo cativante por mostrar o desconhecido. Mas o filme não é apenas um conjunto de imagens num lugar remoto, existe um trabalho minimalista de storytelling que dá o toque final, derrubando os mais céticos, capaz de gerar um forte laço de empatia para com a pessoa que surge no ecrã, e assim estabelecer uma ponte emocional que eleva a experiência à transcendência.

"Johanna Under The Ice" (2016) de Ian Derry

abril 18, 2013

Retratos da auto-estima

Não é um experimento científico, longe disso, faltam aqui muitos ingredientes, nomeadamente a experimentação com homens ou a experimentação com pessoas que conhecem há mais tempo as pessoas, além do facto de o desenho não poder ser equacionado como um dado completamente objectivo, já que se socorre da subjectivade do desenhador e do receptor. Apesar disso é um experimento poderoso, e capaz de lançar algumas luzes sobre a a construção que cada um de nós faz sobre a identidade.



O experimento é simples e consiste em ter um profissional de desenho criminal a desenhar dois retratos de uma mesma pessoa. Um dos retratos descrito pela própria, e outro descrito por uma pessoa desconhecida que teve apenas uma pequena conversa com esta antes de fazer o retrato. O resultado final expõe as retratadas à imagem que fazem de si, e à imagem que os outros concebem de si. Os retratos finais são completamente díspares.

Retratos da Beleza Real (2013) Ogilvy Brazil

A campanha concentra-se na beleza, é uma campanha feita pela Ogilvy Brazil, aliás por isso mesmo se forem ao site da campanha poderão ver o filme com legendas em português. O objectivo passava por dar às mulheres uma demonstração mais objectiva da sua beleza. Algo dentro do estilo de campanhas anteriores da Dove (Ogilvy Toronto, The Evolution of Beauty), mas nos casos anteriores pretendia-se passar a ideia através da desconstrução professional das imagens de beleza que pululam nos media. Aqui foi seguido um caminho diferente, em vez de atacar o criativo, atacar directamente a fonte do problema, a ideia que cada sujeito faz de si.

Julgo que esta campanha é muito conseguida, não propriamente do ponto de vista da beleza, mas antes mais da identidade. A beleza diz apenas respeito à nossa aparência, e o que podemos ver nestes retratos vai muito para além da diferença de aparências. Os retratos criados por Gil Zamora estão na medida do possível despojados de emoção, embora quando vemos o filme não pareça, porque a montagem fílmica entre o retrato e a retratada confere propriedades ao desenho que este não tem (vejam depois os desenhos isoladamente abaixo).  Apesar do esforço de neutralidade emocional (nomeadamente manutenção de mesma posição da boca e dos olhos/sobrancelhas) quando realizamos a comparação é inevitável ler emoções porque elas servem-nos para caracterizar e diferenciar os retratos. Neste sentido o que se pode identificar nos retratos e que me parece mais relevante são as questões relacionadas com a jovialidade e a força interior.

Existe uma tendência para ser mais crítico de si, para exagerar os traços pessoais, por exemplo se a mulher se considera mais forte aparece com uma cara muito redonda, se se considera muito magra aparece com uma cara cadavérica. O problema acaba por emergir desta exacerbação dos defeitos que cada um vê em si que por sua vez acabam por contribuir para criar uma imagem de si mais triste e sem vida. E isto não será imune ao modo como as pessoas se vão descrevendo, claramente que quando me descrevo de modo crítico o faço com algum pesar e tristeza porque a crítica está imbuída desse espírito, e claramente esse tom foi passado para o desenho final. Por outro lado as imagens criadas a partir daquilo que as outras viram, estão desprovidas de tom crítico já que a interação entre as pessoas foi mínima, por isso o modo como se descreve é carregado de um tom mais positivo, reforçando a ideia de jovialidade, alegria, simpatia, ou amizade. Por isso falava no início que seria interessante fazer este retrato com pessoas que se conhecem desde pequenas, ou ainda com pessoas que gostam da pessoa e pessoas que não gostam, para vermos como as diferenças seriam ainda mais carregadas.

Tudo isto apenas para concluir que precisamos não propriamente de nos preocupar mais ou menos com a nossa beleza, mas precisamos sim, e muito de nos preocupar com a nossa auto-estima. Muito mais importante do que ter capacidade para ver em nós uma pessoa bonita, é a capacidade para reconhecer em nós, uma pessoa de que gostamos, independentemente da beleza.