1993 foi há 25 anos e foi um ano revolucionário na afirmação das imagens geradas por computador (CGI), assim como no campo da afirmação da Multimedia, tanto na sua aplicação em termos visuais no cinema, por via dos VFx 3D, como na afirmação dos modos expressivos dos videojogos. Foram lançadas, neste mesmo ano, três obras fundamentais para esta viragem —"Myst", "Doom" e "Jurassic Park"— que marcariam um antes e um depois nas capacidades tecnológicas e potencialidades criativas. A estes juntavam-se ainda, neste mesmo ano, o lançamento do primeiro browser de internet gráfico, a primeira revista sobre avanços multimédia, e a primeira licenciatura nacional na área.
"Ao tomar a decisão de não utilizar o stop-motion para utilizar o CGI na realização de Jurassic Park, Spielberg dava um verdadeiro salto em frente nos efeitos visuais. Uma decisão bastante complicada, uma vez que já estavam fabricados imensos modelos, Phil Tippett já tinha começado a fazer experiências com a sua técnica de Go-motion. Ou seja, quando a produção de Jurassic Park começou, Spielberg não tinha previsto a utilização de qualquer personagem CGI" (Zagalo, 2009:101)
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Esta mudança marca o início de uma nova busca pelo realismo no cinema a que Prince (1996) chama de “realismo perceptivo”, um realismo que “estruturalmente corresponde à experiência audiovisual de um espaço tridimensional”. Já no caso dos videojogos, Myst representa uma marca similar à de "Jurassic Park". A audiência percebeu que se os gráficos de computador poderiam permitir a representação de uma espécie “desconhecida”, poderiam permitir a representação de um mundo completo, misterioso e desconhecido, do passado ou do futuro (Pierson, 2002). O CGI era visto como uma máquina do tempo." (Zagalo, 2009:235)
Esta viragem e afirmação não se fez apenas por via de filmes e jogos, mas foi também impulsionada por vários outros atores dos quais destaco, no plano internacional, o surgimento do primeiro browser gráfico, o "Mosaic", responsável pela total revolução no acesso e compreensão daquilo que representava a internet, e em particular a web; o surgimento do pacote de software "After Effects" adquirido mais tarde pela Adobe e que se transformaria no principal editor de Efeitos Visuais; o nascimento da revista "Wired" pelas mãos de Nicholas Negroponte, na altura diretor do MIT Media Lab; e no plano nacional, o lançamento da primeira licenciatura em multimédia do país, o curso "Novas Tecnologias da Comunicação" na Universidade de Aveiro.
"Mosaic 1.0" do National Center for Supercomputing Applications, Setembro 1993
No campo das efemeridades, mas parte das experiências a que vou ainda recorrendo como memórias de referência, deixo mais alguns destaques: um dos mais interessantes filmes no campo do Design de Narrativa, "Groundhog Day", já no campo da História do Cinema, internacional, tivemos "Schindler's List" de Steven Spielberg, e a nível nacional, o filme mais relevante de Manoel de Oliveira, "Vale Abraão". Foi ainda o ano de Toni Morrison receber o Nobel da Literatura ("The Bluest Eyes" (1970) e "Beloved" (1987)) escritora que gosto de comparar com José Saramago.
"Groundhog Day" (1993) cartaz de celebração dos 25 anos com regresso às salas de cinema.
"Schindler's List" (1993) cartaz de celebração dos 25 anos com regresso às salas de cinema.
"Vale Abraão" (1993) de Manoel de Oliveira, premiado em 1993 nos festivais internacionais de cinema de São Paulo e Tóquio. Ao contrário dos dois filmes americanos, acima, e apesar de ser um dos filmes mais importantes da filmografia nacional, não tem prevista qualquer reposição em sala. Assim torna-se difícil fazer valer a nossa cultura.
Não me parece que o sistema de assistência vídeo aos árbitros, que está a ser utilizado no Mundial 2018, mais conhecido por VAR, esteja em condições de garantir as expectativas nele depositadas. O jornal Público fala hoje no reconhecimento de um erro na marcação de um pénalti contra Portugal, e isso só veio confirmar algumas das minhas questões sobre o próprio sistema. Ou seja, o modo como VAR funciona parece-me pouco robusto nomeadamente por duas razões: o árbitro principal não controla o que vê; as imagens a revisionar são apenas vídeo.
Sobre o controlo do árbitro sobre as imagens que visiona, direi que o controlo direto, a manipulação interativa das imagens permitiria ao árbitro uma muito maior cognição do que está a ver. Falo de poder selecionar entre diferentes ângulos, e principalmente de poder andar para a frente e para trás, acelerando e desacelerando as imagens, podendo sincronizar o seu modelo mental com o modelo apresentado nas imagens. Sei bem que isto seria pesado para o mesmo. Estar no meio de um jogo, num modelo de jogos em que perder 2 minutos cria grande tensão, até porque nem sequer existe o hábito destas paragens, e exigir ao árbitro que procure as melhores imagens seria tremendo. Além de que reconheço que a FIFA não se poupou ao investimento, o VAR é constituído por 4 pessoas de reconhecidas competências que visualizam ângulos específicos das mais de 30 câmaras disponíveis, suportados ainda por mais 4 pessoas que visualizam as restantes câmaras, e por isso claramente serão que está melhor posicionado para fazer recomendações ao árbitro. Mas se assim fosse realmente o árbitro não precisaria de ver as imagens, e a verdade é que tem precisado. Tem precisado porque as imagens estão longe de ser claras, porque um fora de jogo é muito diferente de uma bola na mão vs. mão na bola.
Câmaras no estádio
Porque neste último exemplo, o árbitro não pode só olhar para a mão, tem de olhar para toda a linguagem corporal, para a distância a que a bola está, a velocidade e intensidade, para poder compreender o que está a ver. Não basta ver uma bola numa mão, não basta ver um cotovelo junto à cara de um jogador, é preciso analisar o todo. E aqui começam a surgir problemas, porque os árbitros do VAR estão mais focados na exatidão do posicionamento dos elementos, cabendo ao árbitro a decisão final. Ora se é este que toma a decisão concreta, então ele tem de poder aceder às imagens, ele tem de poder controlar o feed de vídeo, de outro modo será guiado apenas pelo que outros à distância de centenas ou milhares de kilómetros (no caso do Mundial a central do VAR está em Moscovo) dirão e que viram apenas a realidade através de um vídeo.
Árbitro pode apenas ver o que o VAR decide mostrar, não pode manipular as imagens. Provavelmente pode pedir outros ângulos, mas isso está longe de corresponder ao verdadeiro exercício manipulativo das imagens.
Sobre a tecnologia vídeo. O vídeo é excelente, altamente realista, quase tão real como a realidade, não é por acaso que os árbitros do VAR vêem o jogo apenas através de vídeo, nenhum deles acede ao campo, estão longe e fechados numa sala, e conseguem ver quase o mesmo que o árbitro no meio do campo. Conseguem porque possuem mais de 30 olhos no terreno, câmaras de alta definição entre outras. Ora o problema é que o vídeo contém apenas 2 dimensões, o que é manifestamente insuficiente para o ajuizar de um mundo que acontece em 3 dimensões, mais ainda quando temos vários jogadores sobrepostos no caminho dos ângulos das câmaras. Por isso parece-me mais do que evidente que a FIFA já deveria ter começado a investir em sistemas de reconstrução 3D, sistemas capazes de capturar as várias imagens vídeo do campo, com a ajuda de sensores e marcadores, que lhe permitissem recriar em tempo real modelos dos jogadores nas posições em questão. O que uma reconstrução 3D de cena permitiria seria a manipulação de uma câmara virtual que rodasse a toda a volta da bola ou dos jogadores, sem qualquer obstrução de visão como acontece no vídeo. Isto permitiria ver com total exatidão a posição das bolas, dos braços, dos pés, etc. Não que fosse o garante último, tendo em conta a complexidade do que muitas das vezes está em análise, nunca existirão sistemas perfeitos, mas garantiria muito maior proximidade ao centro da ação.
Numa cena 3d é possível rodar a câmara virtual para qualquer posição em 360º, aproximando ou distanciado se houver necessidade.
Atualização 16.7.2018:
Dias antes de eu publicar este texto, era publicado no Fast Company um texto que dava conta das atuais possibilidades de reconstrução 3D que vale a pena ler para se perceber melhor o alcance do que digo acima.
No ano passado, uma equipa do motor de jogo Unity apresentou uma curta na Game Developers Conference 2016, intitulada "Adam: Episode 1" (2016). O impacto passou da conferência para a rede, deixando todos boquiabertos. A história tinha mistério, a intriga lançava múltiplas questões, mas foi o impacto do realismo da animação e da cinematografia, tudo renderizado em tempo-real, que mais impactou a comunidade. Algo completamente impensável pouco anos antes, o puro cinema virtual que Gaeta vinha falando. Se tudo isto já seria mais do que suficiente para o nosso espanto, a Unity resolveu adotar uma estratégia criada antes pela Blender com o seu modelo de Open Movies, e colocou online, de modo livre, todos os materiais utilizados no desenvolvimento do projeto, permitindo assim a quem o desejasse, continuar o mesmo. Como cereja no topo do bolo, quem resolveu pegar no projeto foi nada menos que Neill Blomkamp, o realizador sul-africano, que se internacionalizou com "District 9" (2009), tendo depois disso criado dois blockbusters, "Elysium" e "Chappie", sempre no género de ficção-científica.
Num qualquer momento do nosso futuro, começaram a retirar os corpos biológicos aos prisioneiros, e a carregar os seus seres em corpos de robôs.
Este pequeno resumo é suficientemente impressionante, tendo tudo para lançar discussões infindáveis sobre o futuro do cinema e audiovisual, sobre os seus aspetos relacionados com atores, cinematografia, tecnologia, vfx, mas também direitos de autor, entre muitas outras questões. Contudo, se fiz este post não foi tanto para discutir esses detalhes, que já não são novos no mundo das tecnologias 3d audiovisuais, mas antes para falar do que se seguiu a "Adam". Se o primeiro episódio criado pela equipa do Unity, que lançava a premissa, era instigante, os dois novos episódios — "Adam: The Mirror (episode 2)" e "Adam: Episode 3" — criados por Blomkamp, não ficaram nada atrás, antes pelo contrário, elevaram o nível para esmagador, verdadeiramente provocantes.
Aconselho vivamente verem os 3 episódios seguidos, mas preparem-se para a montanha-russa de sensações em cada um dos episódios. Não são questões novas para quem segue o trabalho de Blomkamp, contudo o facto de estar imensamente bem conseguido, aliado ainda ao facto de estarmos a ver algo criado em tempo-real, tudo ajuda na intensificação das sensações, e do reconhecimento. Se o primeiro e o segundo nos fazem pensar em "AI: Artificial Intelligence" (2001) ou "SOMA" (2015), este terceiro parece querer atirar-nos para os universos gótico-religiosos da série "Alien", particularmente do último "Covenant" (2017).
No outro dia deixei aqui algumas questões a propósito dos avanços da Inteligência Artificial no campo das artes digitais o que gerou alguma discussão, tendo depois o Artur Coelho partilhado, em resposta no Facebook, o video-ensaio "Goodbye Uncanny Valley" (2017) de Alan Warburton, que pode ser visto no final deste texto. Entretanto a Nvidia colocou online um vídeo impressionante (ver imediatamente abaixo), junto ao texto "Nvidia reveals photoreal fake people portrait generator", no qual dá conta dos resultados da investigação que tem andado a desenvolver em redor da IA e do fotorrealismo. Vale a pena espreitar esta evolução da Nvidia antes de entrar no vídeo de Warburton em que se discutem novas estéticas do pós-fotorrealismo.
Nvidia reveals photoreal fake people portrait generator
O trabalho de Warburton pretende exatamente discutir o que teremos depois deste fotorrealismo que não só se se tornou hoje uma realidade, como uma realidade criada pelas próprias máquinas. Para o efeito propõe um enquadramento para análise com que concordo, constituído por 4 dimensões: "Uncanny Valley", "Frontier", "Wilderness" e "Beyond". As duas primeiras dizem respeito ao momento atual, sendo brevemente analisadas nos seus aspetos mais comerciais e incrementais. As duas últimas dizem respeito à possível resposta que a arte tem para dar ao avanço tecnológico.
Enquadramento do CGI por Alan Warburton
A dimensão de "Beyond the Frontier" é subdividida em três grandes vectores: "Post-Truth"; "Post-Cinema"; "Theoretical Photorealism". Os três casos são paradigmáticos do que temos vindo a assistir no mundo das artes visuais e audiovisuais, colocando em causa muitas das fundações de realidade que detínhamos, ao mesmo que tempo que abre perspectivas imensamente ricas sobre aquilo que nos espera nestes campos. Ou seja, se os casos de post-truth dão conta de potenciais distopias, o "post-cinema" mostra-nos todo um novo mundo cinematográfico que nos aguarda, e o "theoretical photorealismo" dá-nos ainda mais esperança, ao juntar a arte e ciência.
Já a dimensão de "Wilderness" apesar de ser aquela que mais encaixa numa conceptualização de Arte, no seu sentido de procura pela subversão dos paradigmas existentes dos usos e potenciais das técnicas e tecnologias, acaba sendo aquele que para mim menos oferece em termos de novas ideias. Reconhecendo o engenho e a criatividade dos artistas por detrás das diversas obras apresentadas, tendo adorado a maioria delas, ficam-se pela subversão, tal como ficaram os movimentos do modernismo — surrealismo, dadaísmo, cubismo, etc. Não é suficiente fazer diferente, introduzir estranheza, grotesco ou barroco, para que as ideias possam seguir sendo utilizadas e transformadas, é preciso algo mais.
Filipe Hodas é um artista 3d da República Checa. Com apenas 24 anos e 2 anos de prática diária de Cinema 4D conseguiu ver o seu trabalho reconhecido por vários sites de design gráfico (Design Boom, Hi-frutose, DYT), tendo a sua mais recente série de trabalhos, “Pop Culture Dystopia”, sido partilhada por milhares de fãs no Facebook e Instagram.
Esta série que Hodas delimita como Cultura Pop é constituída por vários trabalhos gerais, existindo uma clara tendência para a cultura de videojogos que escolho aqui dar conta. A série apresenta personagens e objetos dos videojogos re-imaginados em universos alternativos com claros sinais de decadência. A beleza da decadência material é um tema amplamente explorado nos últimos anos, tanto no campo fotográfico, como em filmes de animação 3d ou até de imagem real. Existe algo na visualização dos efeitos da passagem do tempo que nos fascina, seja a possibilidade de ver o tempo concretizado materialmente, seja a quantidade de sentidos que se conseguem extrair dos materiais pela especulação sobre as interações atravessadas e choques culturais, ou ainda o simples deleite com o detalhe visual que surge pelo acrescento de camadas materiais aos objetos originais.
Apesar do tema, Hodas não está verdadeiramente preocupado com a decadência ou crítica cultural, o seu foco, e no fundo a razão porque começou a produzir estes trabalhos, tem mais que ver com o melhorar das suas competências 3d. Neste caso o objetivo são os materiais, as texturas que servem para cobrir as suas esculturas 3d, e mais em concreto a rentabilização da ferramenta Substance Painter para a criação dessas. Daí que nada como um projeto assente no tema do apocalipse em que seja necessário apresentar transformações da realidade visível, nomeadamente em termos de degradação e deterioração, para dar asas à criação de texturas de enorme detalhe e significância.
A lista de ferramentas utilizadas para o desenvolvimento destes trabalhos apresenta, além do Cinema 4d e do Substance Painter: Octane Render, Zbrush, Substance Designer, World Machine e Adobe Photoshop.
A Adobe Create criou um pequeno filme sobre Danny Yount, um dos mais brilhantes designers de genéricos a surgir depois de Kyle Cooper. Vale a pena ver, pela qualidade do resumo, mas acima de tudo pela enorme simplicidade, humildade e autenticidade de Yount.
Young tornou-se conhecido com os genéricos de Six Feet Under, Kiss Kiss Bang Bang e RocknRolla desde então criou a sua própria produtora a Prodigal Pictures e dezenas de genéricos para alguns dos filmes mais caros de Hollywood, tendo ganho vários Emmys que guarda numa básica prateleira Ikea.
Young dá algumas pistas sobre o modo de entrar na indústria, nomeadamente fala do sentido de oportunidade que surge num momento limitado e que precisa de ser aproveitado. De qualquer modo podem ver no site da sua empresa aquilo que neste momento conta e o que se procura neste domínio em termos de competências.
"The Film Before the Film - Title Designer Danny Yount" (2015) Adobe Create
Uma animação literalmente sumptuosa. Toda a direcção de arte trabalha de forma soberba a luxuria da relação de sangue em questão, criando todo um universo, que não sendo propriamente inovador é altamente eficiente e consistente na criação do sentimento que subjaz à personagem principal. Mais um belíssimo trabalho de alunos da escola francesa de cinema e animação George Méliès.
Temos todo um conjunto de cenários barrocos, cheios de folhos e formas curvas, cobertas por contrastes de luz intensa e volumosa, tudo toldado por tons de vermelho sangue. As personagens assumem uma caracterização particular, autoral, fina e detalhada, de grande coerência entre si.
O menos conseguido, ainda que falemos de uma curta de 3 minutos, acaba sendo a história, pelo cliché, assim como pela tentativa gorada de sugestão, que acaba por passar mais como explicação. Ainda assim a narrativa trabalha em consonância com toda a restante arte, acabando por funcionar como a necessária cola e justificação da criação do universo.
"Les Liens de Sang" (2015) de Sophie Kavouridis, Manon Lazzari, Marion Louw, Simon Pannetrat e Thomas Ricquier
Tinha enormes expectativas em relação a “Assassin’s Creed Unity” essencialmente por retratar um dos períodos históricos que mais admiro, a Revolução Francesa. É um período fulcral da era moderna que ficou marcado pelo grito: “Liberté, Egalité, Fraternité”. Parece um simples mantra, mas foi imensamente relevante na mudança das nossas vidas, o destronar das hierarquias sociais, ainda que muito se tenha revirado novamente por via da economia de mercado, mas o mundo mudou e isso temos de o agradecer a quem lutou pela mudança, e que nos permite hoje gritar: “Viva a Liberdade”.
“Unity” tem imensos problemas, ainda assim e não desiludindo os fãs da série, habituados a muitos desses problemas, consegue impactar fortemente todos aqueles que tenham um mínimo de gosto por História, já que é nesse campo que o artefacto brilha, com o mais intenso poder da simulação virtual. É impossível entrar no jogo com indiferença, porque facilmente sentimos ter regressado a 1789, toda a técnica e tecnologias de simulação foram trabalhadas ao mais alto nível da representação artística visual, gerando-se um espaço, ainda que virtual, verdadeiramente único.
A Simulação,
Existem dois componentes na simulação que é "Unity", que facilmente nos fazem abrir a boca de espanto, o detalhe arquitectónico da cidade e a vida que a habita. A Ubisoft não se poupou a esforços, e apresenta neste jogo um mapa realizado à escala real, a partir da Paris real. Podemos caminhar da Sorbonne ao Louvre ou Notre-Dame dentro do jogo, como se o fizéssemos em Paris, como se estivéssemos no Google Maps, com a diferença de que tudo aquilo que nos rodeia diz respeito a uma cidade de há 200 anos atrás. Não se ficando apenas pelas fachadas, como acontecia nas gerações anteriores, mas indo ao detalhe no desenho dos interiores que são também navegáveis, em muitos dos edifícios monumento, mas também bares, casas, quartos, etc. Existe todo um trabalho de análise histórica e artística que teve de ser realizado e que é absolutamente espantoso.
Por outro lado, todo este cenário, toda esta cidade é habitada por milhares de “pessoas” com os mais diversos guarda-roupas da época, ocupando as mais diversas profissões - agricultores, lenhadores, pescadores, sapateiros, vendedores, barmen, padres, políticos, militares, prostitutas, ladrões, magistrados, etc. - e dos mais diversos estratos sociais, do rei ao vagabundo de rua. A dinâmica gerada em todo o mapa é absolutamente impressionante, criando uma verdadeira impressão de orgânico, de um sistema vivo.
Esta simulação é o melhor do jogo, disso não tenho a menor dúvida, pecando apenas por uma interatividade mais limitada à navegação, permitindo pouca manipulação e quase nenhuma participação. Contudo esta limitação acontece apenas na relação direta com o mundo, sendo totalmente colmatada pela resposta ultra-abundante de missões alternativas espalhadas por toda a cidade, com grande variação de tipologia (enigmas, salvamentos, assassinatos etc.), assim como de grau de dificuldade, e ainda algumas com a variante de jogo em modo cooperativo.
A Arte,
A simulação só é o melhor de "Unity" porque tem ao seu serviço uma das melhores equipas de artistas 3d de toda a indústria, liderada pelo fantástico Raphael Lacoste. O brilho desse trabalho começa por surgir logo com o sistema climatérico, que opera sempre nuns tons quentes. A chover ou a fazer sol o clima serve para adornar e intensificar a sensação de vida, por via da luz que trabalha na produção de sombras com sol, ou nos rasgos e brilhos dos reflexos da água quando um céu nublado. Claro que este sistema funciona assim porque tudo é extremamente trabalhado e filtrado em termos de correcção de cor, o que garante não só a uniformidade e coerência da composição, mas garante acima de tudo uma saturação intensíssima, ainda que sem nunca ultrapassar a fina linha do espalhafatoso.
Por baixo do clima e cor, surge então o trabalho mais árduo de texturas e shaders, que garantem o realismo, e aqui em concreto o sentimento de ter viajado no tempo, estar em Paris 200 anos antes. São as paredes brancas sujas, de madeira ou simplesmente pedra pesada, é o chão e as suas terras batidas de vários tons, com água ou levantando pó, é a natureza com as suas diferentes árvores, flores, jardins, ervas ou palha seca, são as roupas de cada personagem que perfazem um guarda-roupa assombroso, são os próprios tons de pele e cabelo. Na sua generalidade tudo isto é estático, mas uma parte considerável é animada, e quando o é, nada é deixado ao acaso - andar, baixar, saltar, mergulhar, nadar, apanhar, rodopiar - tudo se move com enorme leveza mas grande credibilidade. Claro que tendo tanto para mostrar, é preciso encontrar a melhor forma de o fazer, e nisso também "Unity" faz muito bem, a câmara está sempre, de forma inteligente, à procura da melhor composição da ação, sem no entanto descurar o impacto estético do seu enquadramento.
Do todo criado pela arte, emergem inevitavelmente os monumentos parisienses, a sua recriação numa escala 1:1, o que trabalhado sob este manto de mestria artística acaba por tornar o mundo de jogo algo monumental. Poder ver de cima de telhados, passear em redor, escalar aos seus pontos mais altos, entrar e escrutinar todos os seus cantos, é algo imperdível para quem quer que alguma vez tenha visitado, ou tenha desejado visitar Paris. Desde a magnificente catedral de Notre Dame, ao Palácio de Montmartre, passando pela Sorbonne, o Jardim das Tuileries, o Panthéon, ou o Louvre até ao próprio Palácio de Versailles, é toda uma viagem turística e educativa ao mesmo tempo que profundamente gratificante. Neste plano "Assassin’s Creed II" era até agora imbatível, mas aqui foi ultrapassado, não sé pelo que a tecnologia permite, mas também por todo o empenho colocado na sua criação.
A Narrativa,
No campo formal da narrativa nada de novo, temos uma estrutura linear que não dá qualquer hipótese de participação ao jogador, recorrendo às cutscenes para contar e fazer progredir a história. Esta é uma estrutura que apesar de limitada em termos de possibilidades e escolhas para o jogador, continua a servir os propósitos da grande indústria, garantindo um maior controlo autoral do fluxo emocional da história.
Em termos da história que Unity conta, temos um bom arranque, mas que rapidamente se perde sem nunca mais nos conseguir verdadeiramente entusiasmar. O início em Versailles com Arno criança, enfrentando a morte do seu pai é inspirador, prometendo muito, mas depois disso acabamos por assistir a uma mera sucessão de eventos de vingança, em que cada assassinato vai desvelando, por via das memórias, um novo culpado escondido, tal boneca russa, o que acaba por nos desligar do personagem. Os grandes momentos da Revolução, apesar de servirem de linha condutora a todo o jogo, raramente envolvem em profundidade o que estamos a fazer, raramente somos levados a sentir aquilo que se sentia naquelas ruas, algo que contrasta fortemente com tudo o que vinha sendo anunciado nos trailers cinemáticos (abaixo). Alguns dos melhores momentos acabam por acontecer, tal como noutros AC, quando surgem figuras emblemáticas, neste caso Marquês de Sade, Madame Tussaud ou Napoleão Bonaparte.
Uma das melhores inovações na história de "Unity" foi o facto da Ubisoft ter ouvido os jogadores, e ter praticamente eliminado a Abstergo e a realidade virtual da equação. Em Unity raramente saímos do ambiente histórico, e raramente somos recordados de que estamos a jogar uma simulação. As poucas vezes em que acontece, serve mais para mostrar Paris em épocas diferentes.
O Jogo,
Apesar de ter sido acusado em várias críticas por nada se ter alterado, não é bem assim. É verdade que em traços gerais continuamos a jogar um Assassin’s Creed, mas existem dois elementos que foram alterados em profundidade e que levam a série numa direcção nova, para além do que tínhamos. O primeiro, menos relevante, é que o jogador é manifestamente recompensado quando opta por jogar furtivamente. Ou seja, não só o modo de combate continua a apresentar bugs, como é muito mais duro e difícil, o que nos leva a optar muitas vezes por ser furtivo. Por outro lado em termos de pontos internos do jogo, para progredir no ranking de assassino, somos mais recompensados quando agimos pela calada. As próprias competências que podemos ajustar no nosso personagem à medida que vamos progredindo, dão mais relevo ao “stealth” do que ao “melee”, com por exemplo a capacidade para percepcionar as pessoas através de paredes tal como em “The Last of Us”, ou ainda a possibilidade de assumir a identidade de outros personagens, à lá “Dishonored”.
O segundo elemento, tem que ver com o design das missões, e segue mais uma vez uma lógica “Dishonored”. Os grandes assassinatos decorrem em grandes edifícios, nesses existem vários pontos possíveis de entrada, que por sua vez se desdobram em várias possibilidades de se chegar ao indivíduo, o que abre todo um modo interativo que eleva o patamar narrativo do jogo, permitindo que seja o jogador a desenhar o modo como cada um dos sujeitos morre. Ou seja, podemos decidir entrar por uma janela lateral, pelo telhado, pelas catacumbas, ou por uma porta lateral fechada a cadeado, cabe a nós encontrar o melhor acesso ao grande puzzle espacial, parar para olhar o todo e encontrar a melhor solução. Não sendo revolucionário, é um enorme passo em frente na série, na direcção de maior autonomia e participação, e que em certa medida compensa o lado mais linear da narrativa.
Os problemas,
Os bugs, problemas com cadeiras, mesas, muros, problemas com entradas em janelas, com suspensão. São inúmeros os NPCs que vão desaparecendo e reaparecendo, que ficam suspensos no ar, que param em loop e não reagem. Tudo isto torna-se mais irritante quando acontece no modo combate, invalidando muitas das nossas ações, frustrando as expectativas. Por outro lado os “loadings” ao longo de todo o jogo - sempre que acaba uma memória, fazemos uma fast travel, ou reentramos no jogo - são demasiadamente longos, muitas vezes mais de um minuto, perturbando a jogabilidade e narrativa.
Na generalidade,
“Assassin’s Creed Unity” é uma experiência única, poder vivenciar uma simulação da Revolução Francesa com estes níveis de extensão e profundidade, faz deste um dos jogos obrigatórios desta geração. Dentro da série e por este motivo, ombreia com o melhor, "Assassin's Creed II" que nos tinha dado acesso ao belíssimo mundo da Renascença Italiana, perdendo em parte na jogabilidade e história.
A animação de Michael Bidinger e Michelle Kwon é mais um resultado de tese de fim de curso, desta vez do Ringling College of Art and Design (Florida, EUA), e que arrecadou em junho o prémio da melhor curta do SIGGRAPH 2015, em competição com curtas profissionais.
"Jinxy Jenkins & Lucky Lou" usa uma linguagem perfeitamente standard, seguindo todas as convenções impostas nos últimos anos pela Pixar, por outro lado demonstra um excelente nível técnico no cumprimento dessas convenções, mas onde se destaca e deslumbra é no campo da experiência, no modo como apenas em 3 minutos nos consegue arrancar vários sorrisos, fazer desfrutar e ao mesmo tempo levar a reflectir sobre o que andamos por cá a fazer.
"Jinxy Jenkins & Lucky Lou" (2014) de Michael Bidinger e Michelle Kwon
Sobre o processo podem ver ler a entrevista ao Creative Bloq.
"NO-A" (2015) é o mais recente trabalho de animação e VFX de estudante a chegar a rede e a ganhar admiração unânime. Criado como trabalho de fim de curso, no Savannah College of Art and Design, por uma equipa de 8 alunos liderada por Liam Murphy, arrecadou desde logo, na própria SCAD, o prémio de melhor Animação de 2015.
Existem dois elementos em "NO-A" que o destacam do patamar do trabalho de estudante, a ilustração no tratamento dado às texturas, shaders e iluminação, e o controlo emocional narrativo. Vários planos denotam um perfeccionismo no modo como se compôs o detalhe da composição, em que cada cor parece ter sido alinhada com cada sombra, em que cada movimento parece pronto a surpreender e a deixar-nos a desejar por mais. Por outro lado, a montagem e a música, aliadas ao laço desenhado entre o robô e a menina, são capazes de agarrar as nossas emoções e colar-nos ao ecrã, fazendo-nos acreditar, suspender a descrença, e escapar para aquela irrealidade. Um pequeno filme que tão simples parece mas que está repleto de minúcia e paixão pela arte.
"NO-A" (2015) de Liam Murphy
"The world is a desolate, unforgiving place in this action sci-fi with a surprising amount of heart. We follow NO-A (Noah), as he attempts to rescue Aixa, the young woman that created him. In his desperate attempt to save her, he must face an unknown enemy force and fight to keep them both alive."
Trago mais um brilhante exemplo de criatividade digital proporcionado pelas tecnologias criativas, um trabalho ficcional que seria impossível de criar apenas há alguns anos atrás, por apenas uma pessoa e em apenas três meses. Saruhan Saral criou um filme de animação que coloca em cena uma batalha tantas vezes imaginada por todos aqueles que seguem o universo dos super-heróis, Marvel ou DC, apesar de ter sido representada em 1996 na série "DC vs. Marvel".
Saral cruzou o melhor que o universo digital tem para oferecer e criou toda a sua própria plataforma criativa. A partir de vários videojogos, nomeadamente "Marvel vs. Capcom 3" (2011) e "Injustice: Gods Among Us" (2013), obteve materiais previamente criados por outros: modelos e animações 3d de vários personagens Marvel e DC; assim como várias excertos audio de vozes. A estes juntou depois cenários, efeitos, e novas animações criadas no Blender. Por fim integrou e compôs tudo no After Effects, para assim poder contar a história que pretendia.
Este filme de animação não é um machinima, porque não foi produzido apenas com recurso a materiais a correr em tempo-rela em sistemas de jogo, assim como também não é uma regular animação 3d, é antes fruto da mescla de ambos. Saral não se limita a remisturar materiais pre-existentes, ele recorre a estes para colmatar a dificuldade de modelar personagens tridimensionais de personagens conhecidos, assim como a impossibilidade de criar vozes credíveis, e sobre estes cria de raiz todo um conjunto de novas camadas de materiais, que depois de integrados funcionam como um todo.
"Marvel vs. DC - The Ultimate Crossover" (2015) de Saruhan Saral
O filme em si funciona bastante bem para o género, embora nem tudo me agrade nomeadamente a repetitividade na sucessão de batalhas individuais, que se percebe pela dificuldade que seria integrar múltiplos personagens num mesmo cenário. Os ambientes também não são propriamente muito elaborados. Contudo tendo em conta a metodologia empregue, os recursos humanos, e o tempo, podemos dizer que é um bom trabalho.