Maldivas. Tartaruga põe ovos no alcatrão de uma pista de aeroporto recém construída num pequeno atol. As duas imagens por baixo da tartaruga, mostram o atol antes e depois. [Notícia]
Cada vez sinto menos vontade de viajar fisicamente. Já viajei bastante, inúmeros países e lugares, para muitos será pouco, para mim é já demais. As viagens, romantizadas pela literatura, não representam qualquer procura de conhecimento, porque não se apreendem nem assimilam culturas numa semana, isto para não falar em fins-de-semana. Os visionários do turismo souberam aproveitar muito bem a ganância do ser humano, a sua ânsia por ter, a volição de possuir, para nos enfiar pela goela abaixo a necessidade de viajar. Vendem, em letras de slogan: “Ter coisas já não importa, viva experiências”. Mas as experiências culturais não se compadecem com viagens de fim-de-semana, esta são meras coisas que se compram e se colam ao peito do Instagram.
Refúgio de macacos japoneses, piscina natural de água quente, que se transformou em meca turística [blog post]
Sim, porque ver uns edifícios de pedra ou metal, uns quadros ou esculturas, umas árvores ou quedas de água, correndo para riscar os objetivos no mapa, conhecendo apenas o senhor da receção do hotel, ou o do café ao lado do apartamento AirBnB, que nos recebe com um sorriso artificial porque é o seu trabalho diário, e nos agradece a gorjeta no final, pouco antes de voltarmos, a correr de novo, para o aeroporto, não tem nada que ver com o enriquecimento do ser, corremos apenas atrás do status, do “eu estive lá”. Viajar, neste modelo, não é em nada diferente de comprar um carro para mostrar, uma casa maior do que as necessidades, ou vestidos/fatos, sapatos ou joias de estilista. Viajar assim, não tem nada que ver com ter experiências que nos mudam, que nos fazem crescer interiormente, tem apenas que ver com o crescer daquilo que temos. Viajar acaba sendo uma forma material de quantificar o nosso impacto, o quanto conseguimos crescer na escala comparativa. Visitámos já 5, 10 países, 20, 40, visitámos o monumento A ou B, na cidade Y ou Z, tudo isso são apenas coisas, garante de status.
Metade dos portugueses tem em conta o potencial “instagramável” do destino [Público New]. Na imagem uma das polémicas de há algumas semanas com o tirar de selfies nos campos de Auschwitz.
Mas e porquê falar disto se cada um é livre? Bem, sim, somos livres de viajar, temos os mesmos direitos de tantos outros antes de nós. Mas talvez tenha chegado o momento de questionarmos se ter o mesmo direito dos que vieram antes de nós, nos dá também o direito de destruir aquilo que irão receber os que vierem depois de nós. Porque é isso que estamos a fazer com a indústria do turismo, estamos a destruir património dos nossos antepassados, a destruir habitats de espécies, a destruir o planeta colocando aviões no ar que consomem toneladas de combustível fóssil de modo totalmente irresponsável, e estamos ainda a destruir as vidas de quem habita esses locais, provocando perturbações brutais no imobiliário, entre tantas e tantas outras questões. Valerá a pena?
Atualização 16.4.2019
As agências de viagens já nem sequer disfarçam. Foto de um catálogo recente de uma agência nacional.