"Story Machines: How Computers Have Become Creative Writers" foi publicado em julho 2022, mas os seus autores, Mike Sharples e Rafael Perez, académicos na área da aprendizagem e criatividade IA, dizem-nos que o livro começou a ser preparado em 2001, por isso não se espere aqui um tratado sobre o enorme potencial aberto pelos sistemas GPT, que apesar de serem abordados representam apenas uma pequena parte da discussão.
O livro faz um bom trabalho, ainda que muito breve, de introdução ao modo como o humano se interessou pela criação de sistemas autómatos capazes de criar histórias, evocando alguns exemplos muito instigantes como: o gerador de verdades, criado por Ramon Llull no século XIII (ver imagem); ou a máquina "Eureka" de 1845 (ver imagem), que criava versos em latim, baseada num sistema desenhado por John Peter em 1677. Estes sistemas ligam-se mais tarde às abordagens de OULIPO, entre outras. Focando-se nos últimos 40 anos, os autores dão conta de um conjunto de geradores de histórias — TAILOR, Tale-SPIN, MINSTREL e MEXICA — com capacidades que têm vindo a evoluir com a complexidade do próprio desenvolvimento da IA. Depois, discute-se o GPT-3 e algum do seu potencial, fala-se do projeto LIGHT, mas é pouco explorado, uma vez que o livro saiu antes da chegada do próprio o ChatGPT. Dececionou-me um pouco, pois introduções a sistemas artificiais de contar histórias já existem várias, mas como em qualquer leitura aprendemos sempre coisas que desconhecemos, porque o mundo é complexo e carregado de invenções que desconhecemos.
O que me tinha aproximado do livro era o tentar perceber como é que o GPT iria transformar o mundo das histórias artificiais, que é algo que vamos discutir bastante nos próximos anos. Porque as diferenças são enormes. O sistemas apresentados por Sharples e Perez são todos baseados em regras criadas por humanos, enquanto os sistemas GPT são baseados em aprendizagem pela máquina, e é isto que poderá, ou não, vir a fazer toda a diferença. Porque enquanto lia sobre os diferentes sistemas apresentados no livro, só pensava no quão humanamente objetivos eram, feitos da nossa limitação para categorizar e articular a realidade. Sistemas que não passam da superficial engenharia reversa da criatividade humana. Por isso, interessante vai ser ver como é que as máquinas vão aprender a contar histórias, e perceber se estas algumas vez nos interessarão.
Existe uma questão de fundo que o livro não responde, e que Ron Charles realiza um crítica contundente, com toda a razão. Livros não faltam aos montes nos centros comerciais, tantos que não teremos tempo para ler, mesmo que os quiséssemos ler, então porquê criar robôs que criam mais livros de histórias?
"I craved more insight on the need for “story machines.” -- And aren’t we already producing vastly more books than anyone wants to read? What would be gained by dumping a billion computer-authored titles onto this saturated market?" Ron Charles, crítico do Washington Post, no Goodreads 2022
Do meu lado, se me interesso há décadas pelo tema, não é com o objetivo de colocar computadores a escrever livros. No domínio em que trabalho, videojogos e mundos virtuais, temos uma necessidade vital de sistemas deste tipo. Cada personagem num mundo virtual é em si mesmo uma história, e não pode "sobreviver" apenas com aquilo que lhe damos à partida. Precisamos de IA que sustente a progressão destes personagens, que lhes garanta credibilidade, por forma a garantir mundos virtuais engajantes. Claro que podemos jogar em ambientes virtuais sociais, em que as personagens são sustentadas em jogadores reais, mas o desafio de criar um mundo IA no qual posso mergulhar e viver aventuras continua bem vivo e extremamente relevante.
Mais, quando falamos destes mundos jogáveis, não falamos de simples histórias encerradas sobre uma lição, mas falamos de histórias que se dêem à personalidade de cada jogador. O fundamento da criação de uma história interativa, que necessita de IA para funcionar corretamente, é lançar o recetor num terreno narrativo de co-autoria da experiência. Não somos apenas recipientes de um mundo expressivo, temos poder enquanto jogadores para participar e escolher o que deve acontecer. Aqui, no processo de assimilação da história, não nos limitamos a seguir, tentando interpretar o mundo e as personagens, temos também de agir, e mais interessante, responsabilizar-nos pelas nossas próprias escolhas e ações.
São artefactos de história distintos, e são artefactos que justificam plenamente os sistemas discutidos aqui por Mike Sharples e Rafael Perez. Quem trabalha no domínio da IA e narrativa, não quer criar mais livros ou filmes, quer antes criar novas formas de contar, mas acima de tudo, de experienciar, viver essas histórias.
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