A história de uma constipação a partir do ponto de vista do nosso cérebro. O que pensa e imagina o nosso cérebro durante todo o processo de uma constipação, desde que começa a espirrar, passa a pingar do nariz, dor de garganta e sufoco, até que se liberta. Seoro Oh recorreu a uma história que todos conhecemos para dar conta de um mal de que padece — a rinite —, transformando assim num processo visual tudo aquilo que lhe atravessa a mente durante os piores momentos da doença. A animação "(oo)" (2017)
O trabalho de ilustração, animação, montagem e sonorização são de enorme qualidade criando assim a partir de um pequeno filme um mundo particular mas forte capaz de deixar uma impressão nos espectador. Entrevista com o autor.
Trago uma curta estreada esta semana na rede que apresenta uma elevada qualidade técnica associada a um twist narrativo com capacidade para impactar fortemente o espectador. Não sendo recomendado a menores ou pessoas mais sensíveis, tem potencial para nos lançar em múltiplas direções de questionamento, desde o valor da arte ao sentido da vida até algumas práticas que procuram oferecer-lhe respostas. "Mindfoolness" (2019) foi criado por um grupo de estudantes e ex-estudantes — Inês Graça, Joana Beja, João Garcia Neto, Rúben Duarte, Ricardo Mendes — do DeCA/UA, e venceu esta mesma semana o grande prémio do festival Made in DeCA 2019.
O trabalho eleva-se no campo do audiovisual, com nota máxima, nas componentes de Realização e Cinematografia, apresentando uma Montagem e Sonorização boas, mas de menor qualidade, sendo tudo envolvido por uma história original e minimal, trabalhada por meio de uma narrativa no formato de thriller que mantém o espectador colado até ao final do genérico.
Chamo a atenção para a composição de cena e enquadramento, nomeadamente o modo como operam em sintonia com a narrativa. A composição do espaço e objetos comunicam de forma muito eficiente aquilo que a trama pretende, sendo apresentados por meio de um enquadramento ultra-largo que trabalha bem todo esse espaço e labora de forma bastante hábil toda a encenação que mostra e esconde o foco da nossa atenção. Criado o impacto estético, a história desenvolve-se de forma fluída, quase sem necessidade de se esforçar, até que toma as rédeas do filme, tira o tapete ao espectador e obriga-o, de um momento para o outro, a mudar o modelo mental, passando da apreciação estética para a resolução do nó narrativo.
"Mindfoolness" (2019) de Inês Graça, Joana Beja, João Garcia Neto, Rúben Duarte, Ricardo Mendes
O trabalho de Victor Castillo ganhou nova vida através de um pequeno documentário, criado pela Loica, que resolveu animar várias das icónicas obras dele. O filme intitulado "Hollywood Dreams" é muito curto, mas dá conta das influências e objetivos do autor assim como levanta um pouco o véu sobre o quanto as suas criações têm influenciado a paisagem cultural, mas o melhor de tudo são mesmo os pequenos filmes de animação das diferentes telas que nos permitem navegar por entre os universos criados por Castillo.
"Let's Get Out of Here" (2017)
"Pure Pleasure" (2013)
Castillo nasceu no Chile (1973), em 2004 emigrou para Barcelona, tendo começado a expor e a chamar a atenção, e depois em 2010 acabou por se mudar para LA. O seu trabalho tem surgido em murais, revistas e museus um pouco por todo o mundo.
No ano passado, uma equipa do motor de jogo Unity apresentou uma curta na Game Developers Conference 2016, intitulada "Adam: Episode 1" (2016). O impacto passou da conferência para a rede, deixando todos boquiabertos. A história tinha mistério, a intriga lançava múltiplas questões, mas foi o impacto do realismo da animação e da cinematografia, tudo renderizado em tempo-real, que mais impactou a comunidade. Algo completamente impensável pouco anos antes, o puro cinema virtual que Gaeta vinha falando. Se tudo isto já seria mais do que suficiente para o nosso espanto, a Unity resolveu adotar uma estratégia criada antes pela Blender com o seu modelo de Open Movies, e colocou online, de modo livre, todos os materiais utilizados no desenvolvimento do projeto, permitindo assim a quem o desejasse, continuar o mesmo. Como cereja no topo do bolo, quem resolveu pegar no projeto foi nada menos que Neill Blomkamp, o realizador sul-africano, que se internacionalizou com "District 9" (2009), tendo depois disso criado dois blockbusters, "Elysium" e "Chappie", sempre no género de ficção-científica.
Num qualquer momento do nosso futuro, começaram a retirar os corpos biológicos aos prisioneiros, e a carregar os seus seres em corpos de robôs.
Este pequeno resumo é suficientemente impressionante, tendo tudo para lançar discussões infindáveis sobre o futuro do cinema e audiovisual, sobre os seus aspetos relacionados com atores, cinematografia, tecnologia, vfx, mas também direitos de autor, entre muitas outras questões. Contudo, se fiz este post não foi tanto para discutir esses detalhes, que já não são novos no mundo das tecnologias 3d audiovisuais, mas antes para falar do que se seguiu a "Adam". Se o primeiro episódio criado pela equipa do Unity, que lançava a premissa, era instigante, os dois novos episódios — "Adam: The Mirror (episode 2)" e "Adam: Episode 3" — criados por Blomkamp, não ficaram nada atrás, antes pelo contrário, elevaram o nível para esmagador, verdadeiramente provocantes.
Aconselho vivamente verem os 3 episódios seguidos, mas preparem-se para a montanha-russa de sensações em cada um dos episódios. Não são questões novas para quem segue o trabalho de Blomkamp, contudo o facto de estar imensamente bem conseguido, aliado ainda ao facto de estarmos a ver algo criado em tempo-real, tudo ajuda na intensificação das sensações, e do reconhecimento. Se o primeiro e o segundo nos fazem pensar em "AI: Artificial Intelligence" (2001) ou "SOMA" (2015), este terceiro parece querer atirar-nos para os universos gótico-religiosos da série "Alien", particularmente do último "Covenant" (2017).
Não tem grande história, é mais um filme de fim de curso francês, mas são seis minutos de puro deleite e encanto visual. "La Nuit Je Danse Avec La Mort" (2017) parte de uma aparente apologia das drogas para nos levar até à salvação pelo amor, mas a premissa acaba servindo para nos levar até à vertigem da imaginação, aos mundos alterados das realidade alternativas, psicadélicas e fantásticas.
Vincent Gibaud, formado na LISAA, conseguiu financiamento através de crowdsourcing, e juntou ao seu grupo de trabalho uma equipa de quase 50 pessoas para nos dar a ver esta pequena jóia da animação. Em termos técnicos, não temos nada de muito excecional, mas a coesão e a simbiose entre o que se mostra e pretende dizer é tão intensa que não conseguimos desligar do filme, nem depois deste terminar.
"La Nuit Je Danse Avec La Mort" (2017) Vincent Gibaud
O mais recente episódio da série Dark Web do Nowness — uma série de pequenos filmes que segue o género "Black Mirror" — intitula-se "Senses" (2017) e responde literalmente pela designação, criando uma experiência, de cinco minutos, que nos entra pela mente adentro ativando toda a nossa visceralidade.
O melhor da curta, em termos narrativos, advém pela estrutura e progressão, que começa por nos agarrar por um lado mais narcisista e techno-sexual, evoluindo por diferentes possibilidades até à consagração pela RV. No campo da direção artística temos todo um trabalho de cor e montagem que fazem notar como tudo segue em crescendo, adotando a linguagem audiovisual uma estética que serve a impressão de sentires, substituindo-se à ausência dos estímulos reais presentes na diégese virtual. Tanto a narração como a direção artística acabam por desenvolver um filme bastante singular, simultaneamente sensorial e autoral. Em entrevista, Fran de la Fuente, diz
"I’m fascinated by cinematography in general. A lot of what’s on the final picture was worked on in the early stages of the script. We wanted to create a very specific and accentuated look. That required designing, in detail, every scene prior to shooting. We used a wide colour palette, and worked with contrast, depth of field and camera movements. Above all, I think one of our biggest successes was finding the right locations! Throughout the whole project we complemented each other very well; we contributed what each of us knew better and is more passionate about. But we also took a lot of risks, and we achieved many of them! "
"our objective was to work mostly on fashion and advertising. Like scenes and settings. In that sense we were inspired by many other young directors of music videos, short films like ours, and so on. Also, for me personally, Black Mirror is beyond any doubt a clear visual and narrative inspiration. "
A componente visual é tão despida e a animação tão conseguida que para os mais desatentos pode parecer apenas mais uma pequena curta a falar de problemas existenciais. Mas, se pararem de seguir a história e mensagem, e atentarem no detalhe do que nos está a ser dado a sorver audiovisualmente, vão perceber a profunda mestria da arte da animação.
O que temos aqui é apenas uma pequena mancha branca que se movimenta, e sobre a qual se movimentam três traços principais, os olhos e a boca. É verdade que a voz é sumptuosa, rica em textura, cheia de dramatização, mas é a imagem que lhe dá o encanto, e faz o todo transcender-se. O modo como os olhos vão da indiferença à tristeza, e como a boca dá corpo às palavras que se vão ouvindo, tudo junto com o menear da cabeça ao ritmo do discurso, torna a animação praticamente hipnótica.
"I'm Here" (2016) de Eoin Duffy
Por outro lado, a mensagem é também muito forte, e vale a pena ver até ao final, ainda que o resultado possa sentir-se críptico, a sinopse — "Alone in an aging cosmos, a traveller’s pilgrimage comes to an end." — e uma segunda visualização ajudarão sem dúvida a chegar ao âmago da ideia.
Nos últimos anos temos assistido a um progressismo acentuado nas temáticas dos filmes de animação de maior orçamento e sucesso, muitos dos quais têm ganho Oscars para Melhor Filme de Animação. A dar conta desta tendência na atualidade, temos um rumor que circula na rede a propósito de um projeto em que a Disney supostamente tem estado a trabalhar, que contará no papel de heroína principal com uma princesa lésbica. Entretanto, por estes dias surgiu também na rede um video-ensaio (ver vídeo abaixo) defendendo a teoria de que todo este progressismo se deveria aos impactos da mudança tecnológica operada no seio da animação, nomeadamente a mudança do uso de ferramentas analógicas de produção 2d para ferramentas digitais 3d. Ora, se concordo que a mudança ocorreu, tenho dúvidas que se deva ao 3d, apesar de se poder correlacionar no tempo.
Antes de entrar na discussão sobre a temática, deixar desde já claro que em termos de storytelling em concreto, ou seja da estrutura do contar de história, nada se alterou, ao contrário do que se pretende aqui avançar. Os modelos que estão a ser usados hoje pela Pixar são exatamente os mesmo que foram usados por Walt Disney, porque já assim os podemos encontrar na “Odisseia” de Homero. Nesse sentido, tentar apresentar o ritmo, pelo movimento audiovisual como provável responsável por esta alterações, demonstra um total desconhecimento do passado das artes narrativas. Dito isto, o ensaio faz um bom trabalho na enunciação das temáticas pré-Pixar e pós-Pixar, identificando as primeiras como contos de fadas conservadores e as segundas como alegorias progressistas. O ponto identificado pelo autor como de viragem, é o da primeira longa-metragem de animação 3D, criada em 1995, que é nada mais que o primeiro filme criado pela Pixar. Apesar da Pixar hoje fazer parte do grupo Disney, assumiu-se em 1986 como empresa fruto de um spin-off da Lucasfilm, tendo como fundadores três especialistas em computação: Steve Jobs, Alvy Ray Smith e Ed Catmull. A empresa na altura dedicava-se à criação de ferramentas para animação 3d, e ia fazendo pequenas curtas que iam impressionando a comunidade. Só em 1995 conseguiram criar a primeira longa-metragem, tornando-se um marco para empresa e para o mundo da animação, pela inovação tecnológica ao serviço da arte. Desde 1995 até hoje, a Pixar lançou quase duas dezenas de filmes, sendo talvez a única produtora que até hoje nunca teve um flop nas bilheteiras (para saber mais, leiam o texto sobre o livro Creativity Inc.).
"Toy Story" (1995) de John Lasseter
Feita esta breve introdução à Pixar, podemos rapidamente identificar vários elementos que poderão ter contribuído para a mudança na agulha temática: produtora independente; o método de trabalho; e a formação de base tecnológica. O primeiro ponto, talvez o mais evidente, surge pelo facto de se tratar de uma empresa nova, pequena, que não só podia arriscar tematicamente, como não tinha modelos a seguir, além de que precisava de se diferenciar do Golias da animação que era a Disney. Se nada mais houvesse, só isto diz-nos desde logo que a Pixar se se quisesse afirmar na animação, teria que fazer diferente, e fez. Os animais da Disney são substituídos por brinquedos, mas todos têm uma individualidade própria, movendo-se por desejos e sentires, não dependendo de convenções, nem se importando em romper com tradições.
Relativamente ao método, a Pixar introduziu um sistema de criação muito particular, que horizontaliza os processos hierárquicos, incluindo os criativos. Desta forma, na Pixar não temos um diretor todo poderoso e visionário, mas este também tem de se submeter à avaliação interna pelos pares, que podem opinar de forma crítica, propondo alterações completas ao que está em curso. Deste modo as obras não são criadas segundo uma visão única, mas um conjunto de visões partilhadas sobre a realidade. De certo modo, podemos dizer que a Pixar operou uma democratização sobre o processo criativo, e que no caso o efeito acabou por ser progressista. Contudo, tenho dúvidas sobre o facto deste processo per se poder ser responsável por esse progressismo, pois acredito estar mais relacionado com as pessoas envolvidas, o que me faz passar ao terceiro e último ponto.
O background dos fundadores da Pixar é profundamente tecnológico e enraizado nos valores progressistas emanados do sentir de Silicon Valley. Aqui talvez o video-ensaio tenha acertado, a questão não é tanto a animação 3d, mas a sua tecnologia e o facto de as pessoas que a criaram, terem estado na base da produção dos filmes. O mundo da computação, verdadeiramente disruptivo, focado no avanço contínuo das tecnologias só muito dificilmente germina em ambientes conservadores. Deste modo, e tendo em conta os dois pontos anteriores, a necessidade de apresentar algo novo no género de animação, aliado ao facto de os artistas terem de ouvir as opiniões de tecnólogos, terá criado as condições ideias para que as produções iniciassem toda uma viragem em termos temáticos.
Descobri Jenni Fagan por mero acaso no Goodreads a partir de uma pesquisa sobre o seu livro “The Panopticon”, que está a ser transposto para cinema. Enquanto passava os olhos pela sua página vi um post do seu blog que fazia referência a uma pequena curta dirigida por si, sobre um asilo, e que tinha rotulado de cine-poema. São 15 minutos, mas podem parar, desligar as luzes, colocar os auscultadores e desfrutar, ainda que a récita seja feita num inglês de acento escocês.
Os asilos são locais dotados de algum fascínio, nomeadamente por terem tido um auge quase desconhecido do grande público, e terem entretanto sido praticamente extintos graças ao progresso da ciência e da medicina. Ficaram as casas e paredes mas ficaram também muitas histórias. Ainda não há muito vi um documentário brasileiro sobre o asilo de Barbacena, intitulado “Holocausto Brasileiro” (2016) que veio pôr o dedo sobre feridas por sarar. Este nosso fascínio assemelha-se com o que nos provoca o Holocausto, daí o título do filme de Daniela Arbex, o que me conduz a pensar que de alguma forma tudo se liga ao sofrimento humano, pela nossa incapacidade de nos desligarmos daquilo que é ser-se humano.
Sobre o Edinburgh District Asylum pouco ficamos a saber no filme, para além de que foi um asilo tipo do início do século passado, encerrado na segunda metade desse mesmo século. O interesse da autora advém da peculiaridade de ter aí vivido, enquanto na barriga da mãe que era guarda no asilo. Fagan que tem sido imensamente bafejada pela crítica aos seus livros, e recebido vários prémios, de entre os quais, o Best Young British Novelists da Granta em 2013, resolveu não apenas escrever uma Ode aos Mortos sem nome desse asilo, mas declamá-la sobre belíssimas imagens em movimento do espaço.
O resultado é impressivo. A declamação calma mas muito sentida de Fagan, sobre uma música de ritmo melancólico, repetitivo e espacial, acompanhado de imagens aéreas e de detalhe do asilo, criam uma experiência verdadeiramente intimista. Regressamos no tempo, sentimos o que se sentia, percorremos os espaços com a ideia do que poderá ter ali acontecido, sentimos o ser humano mais de perto, e aprendemos um pouco mais sobre as ilusões do mundo em que vivemos. Um cine-poema.
O videojogo "Tetris" (1984) é um dos jogos mais relevantes do meio, não só pelo seu apelo enquanto jogo, mas por tudo aquilo que nos obriga a questionar sobre o objeto dos videojogos. Devem os videojogos apelar às nossas competências de raciocínio lógico tal como acontecia nos chamados jogos tradicionais, ou devem os videojogos abraçar outras áreas, nomeadamente trabalhar competências narrativas e empáticas?
Do meu ponto de vista, o Tetris dá uma resposta cabal à primeira parte, estimula e recompensa muito bem o investimento em raciocínio lógico em memória visual e atenção, e fá-lo sem nunca se preocupar com qualquer camada narrativa. Existem colegas que para defender a necessidade narrativa dos videojogos, abordam o videojogo pelo lado da experiência, e como esta acaba por estimular nos jogadores narrativização dos processos realizados em jogo. Não concordo com esta abordagem, pela simples razão de que o modo como fazemos sentido do mundo é pela narrativa, tudo é narrativizado na nossa consciência, mas isso não pode ser utilizado para atribuir características aos artefactos que eles não possuem. Neste caso o Tetris é um dos melhores exemplos dos videojogos, diria quase exemplar, de como um videojogo pode representar tudo o que meio é, sem qualquer recurso à narrativa. Com isto não estou, de forma alguma, a defender que os videojogos não precisam, nem são feitos de narrativa. O que interessa aqui é compreendermos o espectro do meio dos videojogos, compreender que um videojogo se pode situar num polo de um eixo que vai do puro Jogo, aqui como exemplo o "Tetris", até à outra extremidade desse eixo, num polo feito só de Narrativa, com o exemplo "Heavy Rain" (2010).
Para demonstrar isto mesmo, e esta foi a razão porque escrevi este post, deixo aqui um pequeno filme de animação que usa o Tetris como pano de fundo, e que este sim narrativiza o mundo de "Tetris". Do mundo de "Tetris" emergem personagens, emergem cenários, emergem conflitos, e temos uma história para contar. Claro que se trago aqui o filme não é apenas por narrativizar uma obra conhecida dos videojogos, muitos outros filmes existem, o interesse deste reside no facto de ter conseguido trazer para o centro do conflito narrativo a essência da jogabilidade de "Tetris".
“Ménage à Tetris” (2017) de Emile Rademeyer
O filme foi criado pela empresa Vandal para a agência BMF com o objetivo de ser apresentado no TEDxSYDNEY 2017.
Dan Stevers concebeu uma ideia para uma pequena animação que falava do sentir da dor da perda, para o que contou com a brilhante performance de Sh'maya e a música de Ryan Taubert que serviriam de mote para convencer Tyler Morgan e Sarah Beth Hulver a investirem quase 2 anos de horas fora de expediente para desenvolver o filme que agora podemos experienciar.
Se a animação nos agarra, a componente sonora é a grande responsável pelo sentimento, como diz Hulver: "I remember putting on my headphones, listening to the audio for the first time, and feeling completely blanketed in emotion. Sh'maya's voice is so soulful, so full of hidden layers. His poetic performance combined with the score by Ryan Taubert completely sold me. We couldn't turn it down."
De certa forma senti o trabalho de animação como ilustração das ideias expressas no texto, uma espécie de fusão entre motion design e visual thinking. O que no meu caso faz perder um pouco o trabalho, já que acabo a fixar-me no modo como dão a ver determinada ideia ou conceito verbalizado pelo texto. Apesar disso, senti bastante o filme, e mais importante, adorei o trabalho dos vários domínios envolvidos.
"Cocoon" (2017) de Dan Stevers
"...Where are You now? Where is Your touch? Where is the reason? The answer? The end? Now I’m chasing Your shadow And I’m grasping for questions I’m calling out I’m asking why?..."
Uma curta de animação de estudante, realizada este ano, vem dar conta da capacidade e poder hipnótico da narração oral. Não fosse a ilustração e composição tão boas, e quase podíamos dizer que a componente visual servia apenas de suporte à voz e som, até porque no campo da animação temos apenas os mínimos.
"Winston" (2017) foi o trabalho de graduação de Aram Sarkisian na CalArts. O trabalho ainda não circulou em festivais, mas já recebeu o selo Staff Pick do Vimeo.
Fantástica curta, ou talvez reportagem, ou ainda anúncio! O melhor será mesmo caracterizar de mockumentary, já que é um pouco de tudo, ou talvez bastasse dizer que é um trabalho do género "Black Mirror", fica tudo mais claro! Mas não é por isso que o trago aqui, embora também, é pelo seu conteúdo, o que tem para nos dizer ou melhor questionar, seguido da belíssima execução, tanto discursiva como plástica.
"Strange Beasts" foi criada por Magali Barbe, uma especialista em VFx baseada em Londres, que tem no seu CV trabalhos pela Passion Pictures, Framestore e TheMill, o que só por si garante à priori um trabalho de topo. Mas como disse acima, não é apenas a execução plástica que é deliciosa, o discurso narrativo é modelado de forma brilhante. Desde o momento em que somos introduzidos ao universo, ao momento em que nos despedimos, a crença é completa em tudo o que se apresenta, porque o storytelling é absolutamente perfeito no ritmo, na causalidade, na verossimilidade e familiaridade. Barbe usa os diferentes discursos do storytelling para nos envolver, focar a atenção e criar o modo de humor próprio, para depois nos tirar o tapete. Belíssima execução.
Quanto ao que se discute no filme, não quero entrar em pormenores, já que vos estragaria a surpresa. Mas que não vos deixará indiferentes, disso não tenho dúvidas. As questões despoletadas são absolutamente centrais em face da realidade que a tecnologia atual nos providencia.
Trago uma curta-metragem francesa que ao longo de 15 minutos me fez regressar ao passado, mais propriamente a meio da década de 1990, altura em que saiu um dos filmes mais emblemáticos da cinematografia francesa dessa década. A opressão de quem vivia nos bairros sociais de Paris, nos HLM, palcos da cultura underground do momento, alimentava a cena musical, de onde emergia o rap francês, tendo sido plasmado o seu auge em "La Haine" (1995) de Mathieu Kassovitz.
Passados 21 anos, Karim Boukercha revisita o filme original, numa tentativa de perceber o que mudou desde então, se é que algo mudou! "Violence en Réunion" (2016) apresenta Vincent Cassel, na altura um desconhecido, hoje uma estrela internacional, como Vinz, o personagem principal de "La Haine". Para alguns, a curta é uma espécie de "La Haine 2".
O mais relevante da curta, que se pode descortinar a partir do título, é que se na altura de "La Haine", muito se discutiu sobre a violência, as suas origens, motivações e explicações, acaba sendo aqui totalmente posta a nu, sem qualquer tipo de pejo, nem pudor, o seu problema base, ainda que os adjetivos surjam em defesa e atenuação.
Wes Anderson volta à publicidade para criar uma curta de Natal absolutamente deliciosa, para a H&M. Neste pequeno trabalho o que mais me impressiona é ver como a marca autoral de Anderson transpira em toda a estilística do trabalho, desde a direcção dos atores ao design dos ambientes, passando pelo design de som e claro, todo o tratamento do tema.
A curta conta com Adrian Brody como chefe maquinista e líder de um grupo de pessoas sui generis que se dirigem para as suas festas de Natal, mas que por motivos de um atraso inesperado terão de o passar juntos no comboio. São apenas 4 minutos, mas Anderson consegue a nossa atenção durante todos os segundos, fazendo esquecer totalmente a marca publicitária. Mas será mesmo assim? Na verdade a marca surge apenas no início e no final, mas até que ponto não perdurará nas nossas cabeças, como a marca que permitiu a criação desta belíssima obra? E se assim é, não servirá na manipulação dos nossos sentimentos da próxima vez que tivermos de escolher entrar na H&M ou noutra qualquer loja de roupa?!
Ilya Naishuller voltou aos assaltos e à primeira-pessoa, vulgo câmara subjetiva ou POV. Os meios de produção são muito superiores aos de "Insane Office Escape 2" de 2013, ainda assim julgo que me impressionou mais nessa altura, talvez por ser novidade, ou então por se basear mais no parkour, enquanto aqui temos uma câmara que viaja mais sobre rodas, ganhando menos em dinâmica visual.
Não há muito para dizer sobre o filme, que é também teledisco. Usa o recurso à câmara subjetiva para intensificar a ação, nomeadamente levar o espetador mais próximo do horror, e assim provocar visceralmente. Tal como o anterior, é imensamente violento, moral e graficamente. A primeira-pessoa funciona muito bem, porque em ambos os casos são experiências curtas, de 4 minutos, e a história que se conta é baseada na sucessão de eventos, os personagens limitam-se a seguir o que se lhes apresenta. Ainda assim, Naishuller consegue inserir, de forma bastante ligeira, uma pontinha de romance pelo meio, mas de forma bastante hábil.
O filme anterior, com mais de 3 anos de presença na rede tem 36 milhões de visualizações, enquanto este em apenas 1 mês, já leva 46 milhões. O facto de o realizador ser conhecido, ajuda, nomeadamente porque muitos sites e blogs da área têm falado bastante do mesmo. Por outro lado, talvez a banda seja suficientemente conhecida para também aportar os seus fãs ao filme.
"False Alarm" (2016) de Ilya Naishuller
Verifiquei entretanto que Naishuller criou em 2015 uma longa-metragem, "Hardcore Henry", pelo que leio quase toda também em POV. Procurar ver, e assim que conseguir, deixarei aqui mais algumas notas.
A nova curta de animação da Pixar usa e abusa da emoção empática, sem necessitar de para isso antropomorfizar excessivamente os seus personagens, bastando o comportamento, os movimentos, sons e expressões para nos converter, nos colocar no lugar de Piper e compreender o que sente, e o que está prestes a descobrir. A Pixar é sobejamente reconhecida, e quando digo Pixar falo da empresa, e não de autores, porque falo do sistema criativo que eles têm montado e que lhes permite espremer ao máximo as nuances expressivas, e assim alavancar em 6 minutos, um leque diverso mas intenso de emoções.
Claro que para isso contribui muito a autonomia que se garante aos criadores, e o tempo reservado à investigação. A partir de um simples teste com escolopacídeos (os pássaros do filme), que Alan Barillaro costuma encontrar no caminho para o trabalho, veio a incitação por parte de John Lasseter e Andrew Stanton para que avançasse para a criação de uma curta. Aceite a indicação, Barillaro passou 3 anos a desenvolver esta mesma curta. Não são 3 meses, o que seria normal numa pequena empresa de VFx, aliás 3 meses passou Barillaro só a investigar as aves no local, a analisar os comportamentos, o modo como as penas se movimentam.
Podemos questionar o tempo dedicado, mas é totalmente compensado, a primeira vez que vi a imagem do pequeno pássaro depois de molhado, foi uma total surpresa, nada ali é cliché, mas antes imensamente detalhado, permitindo uma qualidade que se impregna na curta, elevando-a acima do mero contar de história.
Contudo deve-se dizer que a curta não foi criada apenas para bel-prazer de Barillaro, ou como capricho de Lasseter ou Stanton, muito menos como postal de preparação emocional para “Finding Dori” (2016), com o qual se estreou no cinema. O objetivo de fundo, e que garante o financiamento de algo tão caro, está relacionado com a necessidade da Pixar de desenvolver projetos que avancem a sua tecnologia de computação gráfica, neste caso concreto, os avanços desenvolvidos foram quase todos na área das penas, mas também da espuma da água do mar.
Trailer "Piper" (2016) da Pixar
Para fechar, e voltando ao início, o realismo, quase naturalismo, apresentado pela curta, é algo recente na Pixar, mas é algo que acaba funcionando muito bem. Tanto na exatidão dos comportamentos dos pássaros, na ausência de linguagem restringindo-se aos chilreios, ou na apresentação do ambiente, o mar, com a movimentação da ondas e das conchas submersas, ou ainda os detritos ambiente e as bolhas, como ainda, e aqui interessante por ser cópia de algo artificial que passou a convencionar o real, falo dos movimentos de câmara e montagem, que imitam na perfeição os tradicionais documentários de vida selvagem.
"Piper" (2016) da Pixar [Filme completo em streaming]
Um projeto de animação de fim de curso, da famosa escola francesa Supinfocom, apresenta-nos como protagonista, um personagem decalcado de Carlos Paredes. Em lado algum é dito o seu nome, a equipa de animação é francesa, mas a equipa responsável pela música original é constituída quase só por portugueses, ou lusodescentes (Philippe de Sousa, Sousa Santos, Nuno Estevens, Romain Debrie), e a música é cantada em perfeito português europeu, o que facilmente nos conduz ao compositor nacional. Como se não bastasse, o filme desenvolve-se à volta de uma sociedade ditatorial, o que inevitavelmente nos recorda a vida de Paredes e sua luta contra o Estado Novo.
O filme apresenta assim um guitarrista cantor, que por meio da sua arte consegue persuadir o público a revoltar-se contra o estado das coisas, e tão bem o consegue fazer que logo se vê envolvido numa tentativa de rapto para o obrigarem a reproduzir o mesmo efeito a partir das forças opositoras.
Carlos Paredes
A animação é boa, aliás como é apanágio dos alunos da Supinfocom, mas o mais interessante é mesmo a multiculturalidade envolvida, nomeadamente entre franceses e portugueses, e que como se pode ver nesta curta acaba funcionando na ampliação das possibilidades narrativas. Claro que a mim, e a todos os portugueses, diz ainda mais por tratar-se de um artista e herói nacional, e de um período da nossa história que não devemos esquecer.
Atualização: 31 Jul 2016, 15:47
Depois de partilhar o texto, o Leonel Morgado disse-me que a música não é original mas é antes uma composição e letra de Luis Goes intitulada "Homem só, meu irmão" do álbum "Canções do Mar e da Vida" (1969).
Isto levanta-me um problema, porque se fazer referência a Carlos Paredes no caso da criação do personagem à sua imagem não me coloca reservas autoriais, embora ficasse bem a referência, no caso da música é diferente, não ficava só bem, como legalmente era obrigatório.