O livro de Mlodinow é um contributo importante para a tomada de consciência do real. O “passeio do bêbado” dá conta do modo como deambulamos por entre um mundo constituído por um conjunto infinito de variáveis, sendo empurrados de um lado para o outro, por leituras, decisões, apostas e feedbacks que constituem o elemento base da existência, o acaso. O simples bater de asas de uma borboleta na China pode fazer cair uma ponte em Lisboa, esta constatação da Física dá bem conta do mundo físico e real em que estamos inseridos.
Para aprofundar tudo isto Mlodinow dedica uma boa parte do meio do livro à discussão das teorias das probabilidades, tornando o livro um bocado mais denso, e menos fluído. Ainda assim é uma componente relevante para quem quiser adensar o seu conhecimento sobre os modelos matemáticos de previsão de acções futuras. Além de nos ajudar a compreender a complexidade em que nos movemos, e que na maior parte do tempo nem sequer nos damos conta.
"And it might be shocking to realize that you are twice as likely to be killed in a car accident on your way to buying a lottery ticket than you are to win the lottery."
O pior é que se achamos que podemos prever o que vai acontecer a seguir, temos ainda mais certezas sobre o modo como as coisas se sucederam à posteriori. Mlodinow dá o exemplo dos eventos que antecederam o ataque a Pearl Harbor que dão uma indicação tão óbvia do que iria suceder, que não se entende como não foram identificados pelos generais. Mas o que Mlodinow nos diz, também é que nesta análise posterior, estamos apenas focados nos eventos alinhados em função do objetivo concreto em análise. Ou seja construímos um padrão que liga todos os eventos que justificam o objectivo, e descartamos todas as variáveis que não interessam. Quando vemos a arena limpa, parece-nos cristalino que só aquilo poderia suceder. O mesmo se poderia dizer do 11/9. Estes eventos não são gerados pelo acaso, foram pensados e planeados, mas até acontecerem, são completamente impossíveis de prever, porque o cruzamento das diversas informações poderiam conduzir a múltiplas hipóteses, ou seja probabilidades.
Ou seja, constatamos que se chega a um ponto de impossibilidade de replicação de acções. Como diz Mlodinow, se fizermos um exame a uma disciplina hoje, e um novo exame amanhã à mesma disciplina, os resultados irão divergir. O número de variáveis que rodeiam essa acção é demasiado elevado, e incontrolável, apesar de nos parecer algo extremamente objectivo. E é por isso que precisamos de aprender a relativizar muitas das limitações artificiais que fomos criando na nossa civilização. As provas que fazemos na escola, ou para entrar na universidade, as entrevistas de emprego que fazemos, os trabalhos em que damos o nosso melhor, etc., etc.. Apesar de termos a ideia de estar no controlo de tudo isto, a nossa capacidade de atuar sobre a imensa variabilidade do universo é bastante reduzida. Isto não quer dizer que devemos deixar tudo à sorte, e esperar que nos caia de uma árvore no colo. Podemos contribuir para mudar as condições, exercendo esforço para ser mais competente, e procurando o melhor contexto para que as nossas competências sejam melhor aceites, mas não podemos controlar muito de tudo o resto, não podemos ser todos como Albert Einstein, Bill Gates, Marc Zuckerberg ou Steven Spielberg. Não é uma mera questão de genes, é muito mais do que isso, é um conjunto de variáveis de espaço e tempo que condicionam muito daquilo que somos e muito daquilo que podemos ser.
Aqui surgem ideias antigas, como o determinismo, que parte das premissas básicas da Física e Química, nomeadamente das leis de Newton e do princípio de Lavoisier, que nos conduzem para uma noção do funcionamento do universo no qual cada ação tem uma causa e uma consequência. Esta abordagem teórica do mundo diz-nos que podemos prever com exactidão o futuro a partir da análise do estado atual do universo. O problema surge quando se inicia o processo de análise desse estado atual, e nos damos conta que temos de ir além do bater de asas da borboleta. Chega-se a um número de variáveis a analisar tão imensamente grande que apenas para calcular o minuto futuro seguinte, precisaríamos de uma calculadora mais complexa que o próprio universo. Ou seja, apesar do determinismo, o cálculo do futuro é apenas executável pelo próprio sistema. O universo é a calculadora que pode calcular o que vai acontecer a seguir. Qualquer tentativa de encurtar este processo de cálculo, tende a divergir muito rapidamente. Por outro lado poderíamos até construir uma calculadora que fosse mais lenta que o próprio universo, e o resultado seria certamente igual, o problema é que deixaria de prever o futuro, para passar a identificar o passado.
Se tudo isto parece estranho ou exagerado, impossível ou ridículo, é porque simplesmente o nosso cérebro vê a realidade de forma diferente. Ou seja, o nosso cérebro não consegue processar o mundo à sua volta matematicamente, porque não consegue suportar a imensidade de informação que o rodeia. Por isso desenvolveu um conjunto de artimanhas, as histórias e narrativas, para poder condensar a informação em blocos mais pequenos de informação e assim conseguir atribuir-lhes significado. Para isso precisou de desenvolver estratégias de hierarquização, categorizarão, padronização, etc. da informação, tudo lógicas que funcionam muito bem no interior das nossas mentes, mas têm pouca ou nenhuma relação com a realidade. O cosmos em que estamos inseridos pode até ser fruto de tudo o que o antecede, mas dada a sua complexidade, não nos resta outra alternativa a aceitar o acaso, o resto é mera ilusão, interpretação fruto das nossas necessidades de imaginação e comunicação.
Nota: O livro está editado em Portugal com o título "O Passeio do Bêbado. Como o Acaso Rege as Nossas Vidas" pela Bizâncio.