"Tar" é mais objeto de design do que obra de arte, no sentido em que a direção sintetiza tudo de forma estrita para produzir determinadas emoções e determinadas conotações. Se Cate Blanchet faz um bom papel, nem por isso pode ser vista como o cerne da obra, já que toda a sua performance é controlada no detalhe pela direção e montagem. Repare-se na quantidade de elementos que vão sendo introduzidos em cena, ao longo das 2h30, para desviar ou obrigar a focar a nossa atenção, assim como na imensidão de espaços em que encontramos a protagonista, oferecendo-lhe apenas presenças fugazes. Lydia Tar é profundamente caracterizada pelo mundo que a envolve, em particular os sons, mas também tudo aquilo que os outros consideram sobre ela. Quase como se ela deambulasse ao longo do filme, e o diretor fosse colocando elementos à sua volta que nos obrigam a realizar conotações sobre quem ela é, como pensa e sente.
Barbara Tversky apresenta no seu último livro, "Mind in Motion: How Action Shapes Thought" (2019), uma teorização sobre a cognição, ainda que não completamente nova, arrojada. Defende que o nosso pensamento não é construído pela linguagem, mas pela ação, pelo movimento. Tversky diz-nos que usamos as palavras para descrever, mas na verdade a nossa mente constrói conceitos por via de imagens mentais criadas a partir da nossa ação sobre a realidade. Damásio tem falado bastante sobre estas imagens mentais, e sobre a implicação da emoção e do corpo nos processos de raciocínio, mas mais próximo ainda, é o trabalho de Benjamin Berger, no livro "Louder Than Words: The New Science of How the Mind Makes Meaning" (2012), que defende, também, que não processamos a informação em modo de texto, mas por meio de imagens ou simulações mentais. Tversky dá um exemplo clássico, mas que todos nós podemos rapidamente intuir, e que passa pela enorme dificuldade que temos em descrever a cara de alguém em palavras. Isto, para Tversky, é um indício de que a nossa capacidade de pensar não acontece a partir de um processo mental textual algorítmico inato, como defende Chomsky, mas é antes produzida por via da nossa ação no espaço e tempo, pela nossa atuação interativa com o real que nos permite relacionar e construir mentalmente a realidade na nossa mente.
O livro "Meander, Spiral, Explode: Design and Pattern in Narrative" (2019) de Jane Alison é um trabalho de análise literária incomum. Foge aos cânones estabelecidos, para abraçar um conjunto de ideias mais próximas da análise estética das artes visuais, e por isso realiza um avanço na área que hoje definimos como Narrative Design. A autora resolveu encetar um trabalho de análise de estruturas narrativas, procurando histórias que se demarcam do arco dramático — princípio, meio e fim —, no fundo da linearidade narrativa. A sua proposta pode ser ligada a uma anterior apresentada por Madison Smartt Bell, “Narrative Design” (1997), indo além, aliás oferecendo parte daquilo que tinha sido a minha crítica a Bell, com um conjunto de modelos para o desenvolvimento do design de narrativa.
Tendo em conta a relevância académica, acabei fazendo um artigo de revisão mais longo e publiquei-o no Journal of Digital Media & Interaction. Podem ler a resenha completa online.
Mais uma década passada, mais um conjunto de artefactos narrativos que contribuíram para o avanço da nossa percepção sobre os modos como contamos e registamos histórias. Muitos destes parecem recuperar ideias com trinta, quarenta e até centenas de anos, mas acabam sempre por trazer algo de novo e impulsionar a reflexão sobre os modos de fazer. Nos primeiros lugares coloquei artefactos que abrem para media completamente distintos — filme-jogo, novela gráfica, novela objeto, filme interativo, jogo-livro, simulação-jogo —, que como se percebe pela categorização não são claros, ou melhor, não se encaixam num único medium, pela simples razão de que quebram as convenções dos supostos media de origem.
1. Her Story [Filme-jogo] (análise)
2. Here [Novela gráfica] (análise)
3. S. [Novela objeto] (análise)
4. Possibilia [Filme Interativo] (análise)
5. Return of the Obra Dinn [Jogo-livro] (análise)
6. Bury Me, My Love [Simulação-jogo] (análise)
8. Alma, A Tale of Violence [Webdoc] (análise)
9. Pearl [Animação 360º] (análise)
10. Florence [Novela Gráfica-jogo] (análise)
11. The Art of Pho [Motion comic] (análise)
12. Bandersnatch [Filme interativo] (análise)
13. Way to Go [RV] (análise)
14. The Random Adventures of Brandon Generator [Motion comic] (análise)
15. This War of Mine [Simulação-jogo] (Análise)
16. Pry [Livro multimédia] (Análise)
17. Thirty Flights of Loving [Videojogo experimental] (análise)
18. Lifeline [Simulação] (Análise)
19. CIA : Operation Ajax [Motion comic] (análise)
20. Thomas was Alone [Videojogo] (análise)
Nesta lista coloco apenas artefactos que surpreenderam no design da narrativa — estrutura e medium. Muitos dos objetos que o têm feito pertencem ao domínio dos videojogos, contudo aqui destaco apenas as inovações. Em termos de qualidade narrativa, tendo em conta história e jogabilidade, dedicarei uma lista própria aos videojogos narrativos brevemente.
Além destes, deixo ainda um conjunto de objetos ou abordagens a que vale pena ficar atento no futuro próximo, tais como os audiobooks de Choose-Your-Own-Adventure e os audiobooks da Marvel que poderão vir a garantir lugares privilegiados em sistemas como a Siri ou Alexa, ou ainda as séries para plataformas móveis de novelas gráficas interativas — Episode ou Choices — que apesar de estarem numa fase embrionária conseguiram já um público bastante alargado.
Walter Isaacson tem vindo a escrever biografias sobre vários criadores multidisciplinares, ou polímatas, — Benjamim Franklin (2003), Steve Jobs (2011) e Ada Lovelace (2014) — e alguns génios — Einstein (2009) e Alan Turing (2014) —, tendo a última, sobre Leonardo (2017), servido de síntese aos dois tipos de criadores, dadas as capacidades deste para abraçar múltiplas artes (desenho, pintura, escultura, música ou arquitetura) e múltiplas ciências (engenharia, geometria, cartografia, anatomia, biologia, astronomia, ou física), e em várias dessas ter aprofundado e conseguido revolucionar o conhecimento existente — técnicas de pintura (sfumato e luz), geometria (perspetiva e vistas de sólidos) e engenharia (sistemas e hidráulica). Pode-se até discutir o valor de algumas das suas revoluções, mas não se pode retirar o mérito e brilhantismo de cada uma dessas inovações, o que em síntese nos obriga a colocar Leonardo no topo dos criadores de conhecimento de toda a História.
Livro: Isaacson, W. (2017). Leonardo da Vinci. NY: Simon & Schuster
Por ter nascido como filho ilegítimo, Leonardo não teve acesso a uma educação formal, tendo-se iniciado como autodidata, o que aliado ao facto de ser esquerdino faria com que escrevesse da direita para a esquerda, em espelho (o que para algumas teorias da conspiração tinha como objetivo vedar o acesso ao seu trabalho). Só aos 14 anos foi iniciado na aprendizagem do desenho e pintura com Andrea del Verrocchio, tendo depois disso recorrido sempre a diferentes especialistas para aprofundar aquilo que desejava aprender de novo. Leonardo recusava o conhecimento presente nos livros, considerava que o conhecimento estava no mundo, e só se podia adquirir pela observação e experimentação desse mundo, era um empiricista.
“His quest for knowledge across all the disciplines of arts and sciences helped him see patterns. Occasionally this mode of thinking misled him, and it sometimes substituted for reaching more profound scientific theories. But this cross-disciplinary thinking and pattern-seeking was his hallmark as the quintessential Renaissance Man, and it made him a pioneer of scientific humanism.”
Esta sua abordagem à construção de conhecimento, e a imensidão de conhecimento desenvolvido, fazem deste seu empiricismo a sua principal genialidade, algo que só foi possível graças a um conjunto de características psicológicas que o sustentavam: a persistência, a resiliência, e uma curiosidade inumana. Leonardo não se interessava por tudo ao mesmo tempo, começava num tópico — perspetiva, sombras, movimento de água, circulação do sangue, etc. etc. — e investia todas as suas forças até esgotar o que podia apreender da realidade. Como exemplo, no campo da anatomia e fisiologia, dissecou dezenas de cadáveres, tendo chegado a abrir um porco em que o coração ainda batia, para estudar a movimentação do sangue, e assim perceber que o coração não era feito de 2, mas 4 ventrículos separados. O seu trabalho moveu-se sempre pela sede de saber, de conhecer, de descobrir o que não sabia e não lhe conseguiam dar respostas. Movia-se por via da observação ao que juntava o desenho não apenas para registar as observações, mas para compreender o real. Quando tentou responder ao problema matemático da quadratura do círculo, ainda tentou seguir pela via do cálculo, com a ajuda do matemático Luca Pacioli, mas incapaz da necessária abstração, acabaria por recorrer ao desenho para construir as suas respostas.
Sólidos geométricos desenhados por Leonardo Da Vinci para o livro "Divina Proportione" (1506) de Luca Pacioli.
“During this period of intense anatomical study, Leonardo made 240 drawings and wrote at least thirteen thousand words of text, illustrating and describing every bone, muscle group, and major organ in the human body for what would have been, if it had been published, his most historic scientific triumph. ”
“His studies at times became such a deluge of details that they reveal more about his passion than about water’s dynamics. He spent hours fixated on flowing water, sometimes observing it and at other times manipulating it to test out his theories. In one part of the Codex Leicester he crammed 730 conclusions about water onto eight pages, causing Martin Kemp to comment, “We may feel that the boundary between dedication and obsession has been overstepped.”
“He was mainly motivated by his own curiosity (..) He was more interested in pursuing knowledge than in publishing it. And even though he was collegial in his life and work, he made little effort to share his findings. (..) This is true for all of his studies, not just his work on anatomy. (..) when he died, Leonardo would leave -- only piles of unedited notebook pages and drawings. (..) Over the years, and even centuries, his discoveries had to be rediscovered by others.”
"[Leonardo] began scientifically by arguing that the embryo does not breathe in the womb because it is surrounded by fluids. “If it breathed it would drown,” he explained, “and breathing is not necessary because it is nourished by the life and food of the mother.” Then he added some thoughts that the Church, which believed that individual human life begins at conception, would have considered heretical. The embryo is still as much a part of the mother as her hands and feet are. “One and the same soul governs these two bodies,” he added, “and one and the same soul nourishes both.”
Em termos artísticos Leonardo foi um de vários da Renascença italiana, pertencendo ao trio destacado — junto a Michelangelo e Raphael —, um destaque que não se deveu apenas ao seu trabalho, mas também ao trabalho de quem analisou e escreveu sobre ele, quem o enalteceu e legou conhecimento sobre as obras, não é por acaso que Isaacson cita abundantemente Vasari. A mestria dos artistas de Florença era grande, mas a criação de estrelas das artes, algo que nunca até então tinha existido, só foi possível graças a um trabalho elaborado de comunicação, e foi isso que Vasari fez ao escrever a primeira obra da História de Arte: “As Vidas dos mais Excelentes Pintores, Escultores e Arquitetos” (1550), com 650 páginas. Claro que a tudo isto se juntam as condições ótimas proporcionadas a estes artistas pela elite financeira de Florença, Veneza e França.
1) 1489 – 1490, "Dama com Arminho", óleo sobre madeira, 54 cm × 39 cm; 2) 1490 – 1496, "La Belle Ferronnière", óleo sobre madeira, 62 cm × 44 cm; 3) 1513 - 1516 "S. João Batista", óleo sobre madeira, 69 × 57 cm; 4) 1503 - 1517, "Mona Lisa", óleo sobre tela, 77 cm × 53 cm. O exemplo máximo da arte e ciência de Leonardo foi a Mona Lisa, que começou a ser desenhada em 1503, esteve na sua posse até à sua morte, tendo sido trabalhada sempre que descobria outras formas de pintar.
Estudo da luz e sombra de Leonardo
Mas para Leonardo a arte não era diferente de todos os seus restantes interesses. Claro que muitas das encomendas que foi tendo eram no campo da arte, mas nem sempre respondia aos pedidos, e menos ainda ao que se pedia. O facto de ter passado toda uma vida focado no desenho fez com que revolucionasse a pintura, não tanto pelo virtuosismo da repetição, mas pelos ganhos que o conhecimento adjacente (anatomia, fisiologia e geometria) lhe foi granjeando (ver imagem com evolução das expressões faciais). Assim como quis tanto descobrir o interior do coração de um porco, quis conhecer o poder do efeito da perspetiva, que também ganhou bastante com todo o estudo imensamente aprofundado que fez sobre a luz e sombra (ver “A Última Ceia”). Para mim, Leonardo não foi artista nem cientista, foi ambos, mas foi acima de tudo o primeiro Designer. Movia-se no sentido de compreender o real, esboçava esse real para compreender o seu funcionamento, chegar às suas qualidades intrínsecas, a partir do que depois projetava teorias e possibilidades, algumas mais sólidas, outras, pura fantasia especulativa.
O fresco "A Última Ceia"1495–1498, acima recortado do seu ambiente, e abaixo visto do lugar imaginado por Leonardo, para se ter a noção completa da perspectiva atente-se no efeito de profundidade conferido à parede.
O livro de Isaacson pode não ser o livro mais completo sobre Leonardo, mas isso nunca nenhum o será. Pode também não ser o mais imparcial, mas isso é difícil quando nos detemos a analisar alguém como Leonardo. Mas é uma excelente biografia por se concentrar nos elementos base da genialidade intelectual de Leonardo, e deixar de lado outros tantos aspetos que poderiam ser discutidos — a família, os lugares, os problemas com a homossexualidade —, que são claramente menores. Leonardo representa para a humanidade o apogeu da cognoscência, e por isso é como tal que interessa lê-lo e conhecê-lo, mais do que como ser-humano, pois era praticamente inumano.
“The sexual act of coitus and the body parts employed for it are so repulsive that, if it were not for the beauty of the faces and the adornment of the actors and the pent-up impulse, nature would lose the human species.” Leonardo Da Vinci
No próximo dia 2 de Maio de 1519, a data da sua morte faz 500 anos, e no entanto não paramos de descobrir feitos e obras. Só neste mês de março já vão duas, o esboço da Mona Lisa nua e a única escultura sua sobrevivente, no qual se pode ver um cristo sorridente. Se existe personagem da história que pode servir-nos de inspiração, que pode ajudar-nos a lutar contra as nossas crises existenciais, é Leonardo.
"A Morte de Leonardo da Vinci" (1818) por Jean Auguste Dominique Ingres. Na tela podemos ver o rei de França, Francis I, recebendo o último sopro de Leonardo.
"Hooked" (2014) é mais um livro que procura o santo Graal do design de experiência: um modelo capaz de criar engajamento ótimo com qualquer aplicação, processo, serviço ou produto. O livro é interessante, dando conta de muito do que se vai fazendo na área, embora não aprofunde nada de novo (mesmo tendo em conta o ano de publicação, 2014), para quem já esteja dentro do UX ou IxD e tenha lido as referências da área. Recupera um conjunto de teorias e modelos, e tenta o seu mix. É mais uma proposta modelo, e como tal merece a nossa atenção, pois pode servir a determinados grupos ou para determinadas situações.
O modelo proposto por Eyal é designado de "Hook Model" (Modelo do Gancho, que agarra os utilizadores), e de uma forma genérica bebe nas mais elementares teorias da psicologia e persuasão, desde os condicionadores de B.F. Skinner aos princípios de influência de Cialdini, passando pelos vieses cognitivos de Daniel Kahneman ou Ariely. O modelo proposto é circular e procura induzir hábito, ou seja, não se limita ao engajamento, quer criar hábitos nos consumidores, para o que propõe 4 elementos em sucessão: Estímulo, Ação, Recompensa Variada e Investimento.
"Hook Model" de Nir Eyal
Funcionamento: O utilizador recebe um estímulo (trigger) que o conduz até ao produto. O produto sendo de fácil compreensão leva a que o utilizador o utilize (action). O utilizador recebe uma recompensa por o ter usado, de preferência não esperada (variable reward). O utilizador acaba por investir no produto, realizando tarefas (investment). Tudo junto cria um ciclo que acaba por trazer o utilizador de volta. O livro centra-se em desmontar os 4 elementos.
Triggers (estímulos)
São aquilo que fazem despontar o produto do meio dos outros. Podem ser Externos ou Internos. Os primeiros respondem pela normal publicidade ou presença em locais de grande ou fácil acesso, ou pela pressão de grupo de amigos ou familiar, ou ainda status. Os segundos, vão diretos às emoções e necessidades da pessoas. O Google responde à nossa necessidade de informação, o facebook à necessidade de mexerico, o telemóvel à necessidade de estar em contacto com os outros em qualquer lugar, etc. Estes acabam por ser mais desenvolvidas no elemento seguinte, por via da "motivação".
Actions (ações)
Respondem por um dos aspetos centrais do design de interação, que é aquilo que leva alguém a agir, já que sem ação do utilizador não existe interação. Para este ponto Eyal vai buscar Deci, Fogg e Kahneman, embora com pena minha praticamente não use Deci, apesar de ser um dos maiores especialistas em motivação, ainda assim usa uma citação dele que não posso deixar de colar aqui: "motivation (is) the energy for action". Baseia depois todo a sua proposta no Modelo de Comportamento de Fogg que defende a ação como desencadeada a partir da correta correlação entre dois elementos: Motivação e Capacidade. Ou seja, para que o utilizador aja é necessário estar munido de motivação para a ação, mas é ainda necessário possuir as capacidades requeridas pela ação. A correlação permite então fazer variar a presença de distintos níveis de motivação e capacidades, uma em função da outra.
Modelo de Comportamento de BJ Fogg. Fogg foi um dos primeiros investigadores a estudar a persuasão pelas tecnologias da comunicação, tendo começado nos anos 1990 em Stanford, sob orientação de investigadores de relevo, tais como Clifford Nass, Philip Zimbardo, Terry Winograd e Byron Reeves.
Assim para o eixo da Motivação, Fogg dá-nos o que chama de "core motivators": "seeking pleasure and avoiding pain"; "seeking hope and avoiding fear"; "seeking social acceptance while avoiding social rejection”. Mas estes se analisados em detalhe e profundidade acabam por não ser mais do que aquilo que Deci propõe na sua teoria da auto-determinação em 3 vectores: autonomia, competência e relacionamento. Para o eixo da Capacidade, Fogg propõe 6 Elementos da Simplicidade. A ideia desta abordagem passa por tentar identificar nos utilizadores, por parte do designer, qual é o elemento que está a criar dificuldade à ação do utilizador:
Time — how long it takes to complete an action. Money — the fiscal cost of taking an action. Physical effort — the amount of labor involved in taking the action. Brain cycles — the level of mental effort and focus required to take an action. Social deviance — how accepted the behavior is by others. Non-routine — How much the action matches or disrupts existing routines.
No fundo se atentarmos no trabalho de Fogg, vemos como segue Deci em toda a linha, acabando por eleger para o seu conceito de "design persuasivo" o segundo elemento, "competência", como o mais relevante. No entanto, Eyal não se fica por Fogg, porque aponta os seus elementos como racionais, juntando-lhes então os vieses cognitivos de Daniel Kahneman, por, segundo ele, oferecerem uma dimensão emocional. Não concordando com esta divisão, e referindo que alguns destes princípios surgem como fundamentais no trabalho de Roberto Cialdini, não posso deixar de referir que são imensamente válidos e claramente contribuem para ação: "The Scarcity Effect", "The Framing Effect", "The Anchoring Effect", "The Endowed Progress Effect". Para saber mais sobre estes efeitos e desvios cognitivos recomendo, quase com sentido de obrigatoriedade para designers, a leitura do livro "Thinking, Fast and Slow" de Kahneman.
Variable Reward (Recompensa Variada)
Se o utilizador executa a ação pretendida, o sistema tem de oferecer feedback, e para Eyal, o melhor feedback é uma recompensa, que pode ser ainda melhor se for variável, ou seja, não for esperada nem for sempre igual. Aqui entramos na fase do Cão de Pavlov (condicionamento clássico) e dos Ratos e Pombos de Skinner (Condicionamento operante), que daria origem à primeira grande corrente da psicologia, o Behaviorismo, mais tarde posto em causa pela sua excessiva simplificação do comportamento humano. Basicamente, o que todos estes experimentos nos dizem é que a recompensa de comportamento ativa o neurotransmissor de dopamina que desencadeia o prazer e nos faz sentir imensamente satisfeitos. Eyal agarra-se aos experimentos de recompensa variável por estes demonstrarem maior efeito no tempo, já que a recompensa igual ou previsível rapidamente satura fazendo cair o nível de dopamina, o que é um problema na criação de hábito que requer tempo.
Neste campo Eyal não cita qualquer trabalho, mas trabalha claramente ao nível da Hierarquia das Necessidades de Maslow, ao propor uma abordagem de recompensas com 3 vectores: "the hunt", "the tribe" e "the self". A necessidade coletora como fundamental para saciar as necessidades fisiológicas; a necessidade do outro, para saciar a gregariedade inerente ao humano; e o Eu, para saciar as necessidade de auto-realização. Os exemplos que Eyal retira da paisagem tecnológica atual são imensamente ilustrativos. Para a caça e coleção, apresenta o conhecido efeito de "infinite scroll" usado pelo Facebook, Instagram, Twitter etc. que colam os utilizadores ao produto quase de forma hipnótica, na ânsia por querer saber que imagem ou notícia vai vir a seguir. No caso da tribo, Eyal cita Bandura, e a sua teoria de aprendizagem social, para explicar o "Like" do Facebook e todos os mecanismos desenvolvidos por este para criar teia social e assim ganhar em engajamento . Por fim, para o Eu, Eyal vai buscar os videojogos e todo o seu design de progresso e reconhecimento de competências pela experiência, que em muitos jogos é mesmo definido por "experience points".
Investment (Investimento)
Este é o último nível do modelo Hook e é um dos menos referenciados noutros modelos, embora seja um dos mais populares em termos do design atual, e um dos mais antigos no que toca à persuasão embora com designações distintas. Basicamente falamos do envolvimento do utilizador ao ponto deste começar a investir tempo ou esforço (Exemplos: começar a fazer uma lista de filmes de que gosta numa App; começar a fazer lista de amigos; começar a jogar um jogo, etc.) que o leva para um nível engajamento com a aplicação do qual ele depois dificilmente se consegue desligar. Este modo funciona tanto do ponto de vista do esforço per se, como pelo efeito de grupo que nos questiona se mudamos de opinião. Cialdini define isto como coerência e comprometimento, quando estabelecido a pessoa tem dificuldade em sair do mesmo. Já Dan Ariely fala do "Efeito Ikea", em que o contributo do nosso trabalho para a construção final do produto o torna mais nosso, e nos dá mais prazer. E Chris Anderson fala do "freemium", que nos anos recentes ficou conhecido no mundo dos jogos como "free-to-play", e que terá nascido no início do século XX com a oferta de livros de receitas que exigiam Jell-O, gelatina em pó, e levavam as pessoas a comprar a mesma para poderem experimentar a receita. Eyal defende assim que esta etapa final no ciclo do Hook, permite gerar a cola necessária — tanto interna pelo esforço, como externa pelo que os outros pensam de nós — para que o hábito se instale e permaneça.
Isto é a essência do livro resumida e sem exemplos, o resto do livro são casos e exemplos, um dos quais tem um capítulo dedicado com imenso detalhe, e que diferencia a experiência da Bíblia em papel da experiência via app. O mais interessante deste caso são as interpretações dos comportamentos que podem ser lidos via app que debita dados em tempo real daquilo que os utilizadores fazem com a mesma. Eyal usa toda essas leituras para colocar em evidência o modo como o seu modelo Hook surge na base do engajamento produzido pela app.
Nota: Todas estas teorizações apontam para aquilo que na gíria se define como "dark side" das ciências de comunicação, como tal devem ser utilizadas tendo por base os mais elementares princípios éticos. Mais, a não observação desses princípios, que tem acontecido quando nas mãos dos menos escrupulosos, acaba por não trazer grandes benefícios por todo o efeito negativo que acaba por gerar no médio-prazo para a instituição ou marca.
Fogg, B. J. (2009, April). A behavior model for persuasive design. In Proceedings of the 4th international Conference on Persuasive Technology (p. 40). ACM.
Kahneman, D., & Egan, P. (2011). Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus and Giroux. Cialdini, R. B. (1987). Influence. Port Harcourt: A. Michel.
Celia Hodent é doutorada em psicologia e foi directora de UX (User Experience) da Epic Games (produtora de "Fortnite") entre 2013 e 2017. Autora de um dos livros mais relevantes sobre o uso das metodologias de UX em jogos, "The Gamer's Brain: How Neuroscience and UX Can Impact Video Game Design" (2017), e editora do blog Brains, UX & Games. Com esta breve introdução fica claro que Hodent sabe do que fala e que neste vídeo, "10 things you might not have noticed in Fortnite" para a Ars Technica, o que ela tem para nos contar sobre o UX e o Design de Experiência é algo que foi largamente estudado e testado, como o sucesso do próprio jogo atesta.
"Fortnite" transformou-se da noite para o dia num dos maiores sucessos internacionais no mundo dos videojogos, para o que o "free-to-play" e o multi/cross plataforma contribuíram bastante, assim como a inovação de juntar a um género já de mescla, o battle royal (survival e exploração com batalhas multiplayer online), o Sandbox Criativo (que permite criar e construir dentro do próprio jogo contribuindo para atrair os jogadores de "Minecraft"). Por outro lado, o design do jogo funciona de forma tão intuitiva e envolvente que o jogador se sente em casa jogando, cria-se uma sensação de conforto e prazer tão intensa que o jogador acaba por, quando fora do jogo, recordar o bom que é estar ali e desejar lá voltar. Hodent explica neste vídeo a psicologia por detrás de vários itens do design, assentes em muitos dos princípios daquilo que define o trabalho da UX, desde o HUD, feedback e acessibilidade à performance de atividades específicas no jogo assim como aos modos de scaffolding (progresso e aprendizagem das regras do jogo). O desenho emocional é chave, mas como podemos ver nesta pequena desconstrução de Hodent, muito do que contribui para o design é feito ao nível ainda da mera usabilidade, ou seja, do peso do esforço cognitivo exigido ao jogador.
"10 things you might not have noticed in Fortnite" (2018) com Celia Hodent
“Celeste” é puro flow. Todo o design contribui de forma efetiva para a geração de uma experiência extremamente coesa, em que a visceralidade imprimida pela jogabilidade caminha a par com o significado da narrativa. É um jogo de plataformas que não inova na fórmula, mas que por elevar os patamares de qualidade da jogabilidade e da história consegue criar algo novo. Uma pequena jóia.
“Celeste” apresenta a história de uma personagem frágil, Madeline, que sofrendo de depressão resolve iniciar a subida da montanha Celeste. Pelo caminho encontramos outros personagens que vão servindo para nos dar a conhecer mais sobre o sentir de Madeline, até que encontramos o duplo interior de Madeline com quem ela terá de se confrontar no resto da viagem, para se poder encontrar a si mesma. É uma história existencial, que apela a um público mais maduro, que se serve na perfeição da metáfora de obstáculo, a montanha, para significar a história e alimentar o design de jogo. Em termos narrativos existe aqui alguma proximidade com "Journey" (2012), e no entanto o mais interessante é verificar como a jogabilidade é trabalhada em polos opostos. "Journey" opera o flow pela quase inibição dos obstáculos, enquanto "Celeste" o desenvolve pela elevação desses obstáculos quase ao limite da impossibilidade. No entanto, o modo como Celeste foi concebido não afasta a experiência em termos de sentimento interior de "Journey". Falarei sobre o design à frente, para se perceber como isso foi conseguido.
Se a história é apelativa, num sentido de profundidade de significado, e a jogabilidade brilha pelo modo como exige simultaneamente destreza e inteligência, “Celeste” acaba por se elevar acima de ambos, não apenas porque a narrativa se funde com as ações de jogo, mas porque todo o jogo se torna um artefacto uno gerador de uma experiência plena. Não é a história que nos agarra, nem é a jogabilidade que nos mantém, é a sua união que cria um objeto que não existe sem ambas. Jogamos como Madeline, assumimos a sua fragilidade, e insistimos no ultrapassar de cada novo obstáculo, sofregamente, ansiosamente.
Para se perceber melhor esta descrição e compreender como se chega a este nível de criação artística, aconselho vivamente o visionamento da comunicação de Matt Thorson, o director do jogo, na GDC 2017. Thornson apresenta os vários atributos do jogo, nomeadamente o design de “multiple approaches” que garante maior liberdade na resolução dos puzzles, assim como explica como ao longo do jogo vai “ensinando silenciosamente” a jogar por via do design. Mas o que me fica da comunicação é: a unificação entre história e jogo; a experimentação e o perfecionismo; e o playtesting.
O design segue uma abordagem dinâmica que permite múltiplas formas de resolver um mesmo puzzle. Esta abordagem acaba sendo fundamental no desenho do flow, já que oferece autonomia ao jogador, ou seja, oferece a essência daquilo que estimula a ação, que é a liberdade de agir, de escolher. [GDC 2017]
O "ensino silencioso" de que como se joga é extremamente bem conseguido, estando ao nível do melhor da Nintendo com Zelda ou Mário.
Thornson discute o modo como cada nível (a que se refere sempre como parte da história, para Thornson cada nível comporta história em si) se vai desenhando em modo experimental. Não existe um planeamento prévio, existe um objeto narrativo, e é para ele que se desenha. Isto comporta problemas de produção, já que pode acabar com menos níveis do que precisa, ou mais. Thornson dá o exemplo de uma parte do jogo em que tiveram de jogar fora 20 níveis por não se encaixarem na componente narrativa. Porque como diz a determinada altura, “estamos sempre a tentar descarregar o máximo possível da narrativa no design dos níveis”. Ou seja, o todo tem de fazer sentido, Thornson não quer apenas uma boa jogabilidade, ela tem de estar conectada com aquilo que se está a tentar dizer em cada nível, dentro de cada área, e por sua vez na história completa. A explicação do segundo nível dada por Thornson é brilhante (o sonho de voar por entre as estrelas que dá lugar ao pesadelo de ser perseguido pelo duplo), ajuda-nos a significar algo que apenas intuímos durante o jogo. Existe um claro objetivo de criar um artefacto que faça sentido, que seja coeso, e não se tem receio de jogar fora dias inteiros de trabalho para que o artefacto funcione. Isto só é possível num jogo indie, num jogo de autor, em que se procura dar vida à visão desse autor e não justificar os meios investidos (Nesta comunicação, um ano antes do jogo sair os Lados B ainda não tinham sido definidos, mas aqui percebemos indiretamente como acabariam por surgir).
Cada área do jogo é todo um quadro narrativo que Thornson procura trabalhar como uma melodia, com as suas variações de ritmo, assim como príncipio, meio e fim.
Podemos ver as alterações introduzidas no level design pelo playtesting continuado e presencial.
Não menos importante, embora quase arriscasse, dada a minha preocupação com o UX, a dizer que foi o mais importante, temos o playtesting. É fascinante ouvir Thornson falar das sessões de teste do jogo, como o faz de forma totalmente aberta e descomplexada, como assume a evolução e progressão do design na relação com a comunidade que o foi testando. Fica-me a sua descrição do que considera ser o melhor modo de testar o jogo: “O meu modo favorito de playtest é ter as pessoas no sofá a jogar juntas, e que podem até estar a trocar os comandos, e vão conversando umas com as outras sobre o jogo, e aí conseguimos perceber melhor os seus modelos mentais, ver as rodas dentadas moverem-se nas suas cabeças”.
Por fim, “Celeste” apresenta um design brilhante, na união de jogo e narrativa, mas não podia ser o artefacto que é sem a banda sonora de Lena Reine, nem a arte visual de Amora Bettany e Pedro Medeiros. “Celeste” venceu o prémio de áudio no IGF 2018, por outro lado, o seu imaginário visual está de tal modo conseguido que o simples vislumbre de uma imagem ou excerto do jogo, consegue automaticamente ligar-nos ao jogo, tal a força da identidade visual criada.
"O Que Vemos Quando Lemos" (2014) é um livro interessante mas que tem de ser lido com muito espírito crítico, algo que não me parece ao alcance dos alunos do 9º ano, a quem o livro é recomendado em Portugal. A razão não se reduz apenas à falta de suporte científico para o que se vai debitando, mas agudiza-se com a forma desprezível como olha para essa cientificidade, assumindo a perspectiva do autor como perspectiva de verdade. Ou seja, afirmando o meramente anedótico ("eu acho que é assim", ou "eu vejo assim") como prova de realidade igual para todos. O melhor do livro é mesmo o facto de ser ler em pouco mais de duas horas, por isso não se perde demasiado com a sua leitura.
Alguns exemplos
p.26: "Alguns leitores juram que conseguem imaginar os personagens perfeitamente, mas apenas enquanto estão a ler. Eu duvido disso."
Bem, isto é o mesmo que dizer que Nabokov, entre muitos outros sinestesistas, não viam cores ou ouviam sons quando liam letras, palavras ou frases. Ou seja, o autor diz simplesmente: "se eu não vejo, os outros também não vêem."
P.39: “É provável que ouçam a linha (no ouvido da mente) antes de imaginar o personagem. Eu posso ouvir as palavras de Ishmael com mais clareza do que consigo ver o seu rosto. (A audição requer processos neurológicos diferentes da visão, ou cheiro. E eu sugeriria que nós ouvimos mais do que vemos enquanto lemos.)”
Mais uma. Simplesmente porque o autor tem a impressão de ouvir melhor, nada reportando sobre essa diferença, até porque o livro é sobre apenas o que vê, ou melhor sobre o que imagina que deveria ver, esquecendo completamente toda a restante componente sensorial que a experiência de leitura produz no leitor, já avança com afirmações a que liga termos científicos ("processos neurológicos") sem qualquer suporte. Isto faz o livro descer ao nível de texto de opinião de jornal regional.
Frases e problemas como estes são mais do que muitos, e não vale a pena sequer tentar aqui elencar os mesmos. Cada um de nós tem as suas teorias próprias sobre o que acontece dentro de si quando lê, ouve, vê um filme, ou passa por um evento real complexo, mas isso não faz de nós especialistas em linguagem ou neuropsicologia. Mendelsund limita-se a usar do conhecimento disciplinar em Design que possui, diga-se meramente aplicado, para tentar responder ao que acontece dentro das nossas mentes, o que não é muito diferente de alguém tentar retirar uma rolha de cortiça de uma garrafa de vinho com um abre-latas ou abre-cápsulas. Repare-se como invariavelmente Mendelsund vai saltitando entre tópicos altamente complexos e díspares como: memória; cognição; emoção; atenção; imaginação; linguagem; comunicação; a relação entre imagens mentais e imagens físicas; os sons e os cheiros; os filmes, os videojogos e os livros; a narração, a dramatização e a descrição; etc.
O livro parece mais um conjunto de ideias, que não sendo desinteressantes, não vão além da superfície do que se discute. Como se o autor tivesse lido alguns livros sobre o tema, e quisesse converter em texto algumas das ideias que o têm assombrado. E se não tenho nada contra a que cada um o possa fazer, já tenho contra quando o texto tende a tentar passar-se por Estudo ou Investigação, com gráficos supostamente científicos (ver imagem abaixo) ou sendo referido como tal em elogios. Porque nada do que nos diz Mendelsund é novo, ou não foi discutido imensamente, mas mais importante do que isso, não foi verdadeiramente investigado, nomeadamente nas últimas duas décadas com as neurociências e na linguística. Não faltam referências de estudos e trabalhos sobre o tema, e quantos cita ou refere Mendelsund, zero. As únicas referências que Mendelsund vai fazendo, para além dos clássicos da literatura, são a meia dúzia de filósofos. E no final rotula tudo como um estudo fenomenológico e já está. Pois não está, isto é nada. E menos ainda é dar isto a ler aos adolescentes sem os colocar de sobre-aviso sobre o facto disto não ser ciência, disto não passar de uma conversa de café interessante. Mais preocupante ainda quando a editora vai buscar epítetos de um conjunto de amigos do autor e os cola na contra-capa atribuindo uma relevância muito além daquela que o texto merece.
O resultado do suposto estudo de Mendelsund em que este pretende comparar parâmetros como agência e vivacidade das imagens criadas a partir de experiências como: sonho, alucinação, perceção real e imaginação da leitura. Colo-as aqui, apenas para chamar a atenção que estas não possuem qualquer validade.
Para quem realmente quiser saber o que se passa nas nossas mentes quando lemos, deixo aqui algumas leituras, não que existam certezas, mas exatamente por isso é que não podemos simplesmente brincar com ideias como se tudo valesse o mesmo, como se meras opiniões fossem tão relevantes como a ciência, para não falar do desprezo pelo trabalho de tantas e tantos investigadores. Deixo apenas alguns livros de divulgação científica, por ordem de acessibilidade e relevância para o tema, não fazendo sequer menção às centenas de artigos científicos existentes na área.
Bergen, B. K. (2012). Louder than words: The new science of how the mind makes meaning. Basic Books (AZ).
Damasio, A. R. (1994). Descartes’ error: Emotion, rationality and the human brain.
Pinker, Steven (1994). The Language Instinct: How the Mind Creates Language. Perennial.
Damasio, A. R. (2018). The Strange Order of Things: Life, Feeling, and the Making of Cultures. Pantheon.
Eco, U. (1989). Opera aperta. Harvard University Press.
Ahlsén, Elisabeth (2006). Introduction to Neurolinguistics. John Benjamins Publishing Company
Chomsky, Noam (2000). The Architecture of Language. Oxford: Oxford University Press.
Lakoff, G., & Johnson, M. (2008). Metaphors we live by. University of Chicago press.
Bordwell, D. (1991). Making meaning: Inference and rhetoric in the interpretation of cinema. Harvard University Press.
“Gorogoa” de Jason Roberts é o videojogo sensação deste final de 2017, apanhando muita da crítica de surpresa, apesar de estar em desenvolvimento desde 2012, tendo mesmo ganho vários prémios antes mesmo de ser lançado — Visual Art no Indiecade 2012, Visual Art no IGF 2014, e já este ano nomeado na lista de melhores da E3 2017. Se a arte visual tem sido o elemento mais laureado, aquilo que eleva o seu design para o nível de arte, é o desenho de jogo inovador que acaba por ser o principal responsável por nos fazer fazer submergir totalmente no universo representado.
"Gorogoa" (2017). Criado e ilustrado por Jason Roberts
O primeiro impacto é forte, parecendo não existirem quaisquer referências possíveis, contudo elas existem. A minha primeira associação surgiu pelo lado da banda desenhada, em especial a sua variante ainda pouco desenvolvida, dos interactive motion comics (ver por exemplo: "The Art of Pho" (2012) "The Random Adventures of Brandon Generator" (2012); “CIA: Operation Ajax” (2014)). Mas percorrendo as relações entre os videojogos e a BD podemos encontrar outros casos de interesse, surgindo à cabeça um caso de relevo, “Framed” (2014). Se dúvidas restassem quanto a estas referências, atente-se nas próprias palavras de Jason Roberts:
"The idea began long ago as an idea for an interactive comic whose panels could be moved around and interact with each other to effect the story. I abandoned some of the complexities of that idea for something that would be a little bit freer of strict narrative structure and a bit more abstract, which allowed different parts and layers of the game's world to dissolve together more easily. The design was also inspired by card games in a roundabout way, especially the idea of playing a card game that is simultaneously a magic trick."Jason Roberts em entrevista à Eurogamer, 11/10/2012
Este comentário de Roberts é particularmente relevante para se compreender a natureza de “Gorogoa” tanto no seu design quanto na sua narrativa. Não é fácil chegar à compreensão daquilo que o jogo está a tentar dizer por esse abandono da estrutura narrativa que Roberts refere, claramente em nome do impacto sensorial produzido pelo efeito das imagens dentro de imagens, seguindo, penso eu, o modo como os nossos pensamentos se vão formando, numa lógica de descasque de cebola. Por outro lado, a história escolhida é particularmente pessoal, como se pode ver nos dois comentários de Roberts abaixo, que recorrendo à fantasia do seu próprio imaginário e sem a devida contextualização, nos deixa completamente à deriva.
"The title is a word I invented when I was a kid for an imaginary creature, and since the game contains no language I wanted a title that is not a word in any language (or not meant to be) (..) [it's about] "a boy seeking an encounter with a possibly divine monster." Jason Roberts em entrevista à Eurogamer, 11/10/2012
"There's the notion that the first thing you make—like if you make a book at 26, you've spent 26 years making that book in a way"Jason Roberts em entrevista Kotaku 11/14/12
Pode-se argumentar que o engenho inventivo no campo do design, pela sua necessidade de recriar a forma, é pouco dado à obediência à forma narrativa, o que não é completamente falso, contudo não faltam exemplos de inventividade capazes de dar resposta às necessidades do contar de histórias. Aliás, como disse acima, parece-me que o problema de comunicação do universo se prende mais com o facto do autor ter recorrido a um mundo fechado de sentidos, não tendo realizado o devido esforço para o dar a conhecer.
Neste mesmo sentido é inevitável convocar para esta conversa uma das bandas desenhadas mais inovadoras que li nos últimos anos, “Here” (2014) de Richard McGuire, não apenas pela inovação mas por apresentar claras proximidades com o trabalho criado por Roberts. “Here” é provavelmente a obra mais impactante criada por recurso à técnica de imagem dentro de imagem, recorrendo a uma lógica temporal para gerir o puzzle da representação que se vai desfilando na nossa frente. Não é neste caso também fácil chegar à história, contudo o foco de abstração escolhido por McGuire, por ser muito mais universal, facilita o nosso acesso, tornando a experiência imensamente compensadora. “Gorogoa” não usa o tempo mas em sua vez usa a interatividade que acaba por exponenciar a representação em puzzle e elevar a imersão do jogador.
O factor exponencial do puzzle é real, se em “Here” vamos sentindo a exigência de manter na mente as várias datas e alterações de cenário ao longo do virar de páginas, em “Gorogoa” tudo se complica ainda mais já que não podemos avançar sem fechar cada puzzle. No fundo falamos da essência que separa o videojogo do livro, ou seja, só podemos aceder aos passos seguintes se conseguirmos compreender o que a obra nos pede, não que faça muito sentido avançar num livro sem compreender o que se vê ou lê, mas nada impede o leitor de tentar avançar para ver se com mais informação consegue compreender o que antes não conseguiu.
Neste sentido “Gorogoa” é bastante exigente, não é que os puzzles sejam muito difíceis, a complexidade advém mais pelo uso da técnica da imagem dentro de imagem, que Roberts acaba por trabalhar em múltiplas camadas, obrigando o jogador a trabalhar também mentalmente com múltiplas imagens em simultâneo. Naturalmente, se conseguimos reter um máximo de 5 a 7 elementos na memória de curto prazo, sempre que nos pedem que a usemos em toda a sua dimensão, acabamos por sentir o esforço drenar-nos interiormente. Por outro lado, esta exigência de atenção, obriga-nos a um nível tão elevado de focagem, que se torna impossível pensar em algo mais para além de “Gorogoa” enquanto jogamos, o que produz uma imersão total.
"Gorogoa" pode ser jogado na Switch, Android e iOs.
Comecei a jogar "Horizon Zero Dawn" (HZD) como um simples jogo de aventura movido por fantástico, ao qual não faltavam magos, tribos e religiões, mas com o evoluir do jogo fui percebendo que não era nada sobre aquilo que o jogo queria falar, já que tudo aquilo que via, se ia desconstruindo de forma lógica, ligando toda a representação daqueles mundos ao nosso mundo real de hoje. Ou seja, HZD é ficção científica, e eu diria mesmo, Hard SF. Como se isso não bastasse, a obra é tecnicamente muito conseguida, plena de detalhe, constituída em cada dimensão por múltiplas camadas de elementos: da arte visual ao game design, do design de som à música, da atmosfera às batalhas, da arquitetura à moda, da tecnologia à IA, do storytelling à narrativa.
Ao fechar do pano não consegui deixar de voltar a impressionar-me, como tem sido hábito, com os créditos finais, vendo desfilar os nomes das centenas e centenas de pessoas necessárias para criar HZD. Tudo parece tão simples, tudo parece ter sido ali posto de forma plenamente natural, porque tudo faz pleno sentido, mas a verdade é que, e seguindo a discussão proporcionada pelo próprio tema de HZD, criar um artefacto destes está apenas ao alcance de uma sociedade evoluída o suficiente para dominar a imensa parafernália tecnológica e conhecimento necessários à sua construção. Aliás, basta ver a quantidade de produtores envolvidos na obra para se compreender a complexidade existente apenas ao nível da gestão dos recursos materiais e humanos.
Em termos críticos, antes de jogar tinha apenas presente “Far Cry Primal” (2016), em termos de cenário e aparentemente temático, bastante próximo. Tendo jogado e terminado ambos e contrastando-os, FCP é um simples brinquedo, é divertido, a jogabilidade cria bom “flow”, mas é totalmente desprovido de “alma”, ou seja, de intenção artística, não tem nada para dizer, ficando a anos-luz de HZD. Se quisermos encontrar no terreno dos jogos algo que se aproxime de HZD teremos de procurar jogos que visualmente nem nos lembraria, tendo em conta a aposta promocional de HZD que se cingiu demasiado aos aspetos pré-históricos e tribais do universo de jogo.
"Num mundo pós-apocalíptico no qual a natureza verdejante se alastrou pelas ruínas de civilizações perdidas, a humanidade continua a resistir em pequenas tribos de primitivos caçadores-coletores. O seu domínio desta nova área selvagem foi usurpado pelas Máquinas – criaturas mecânicas ferozes de origem desconhecida."
Assim, as obras que mais rapidamente se podem associar às ideias que sustentam o mundo de HZD são as que têm trabalhado ficção-científica em ambientes pós-apocalípticos ou dominados por máquinas, para o que podemos buscar referências em jogos como “Fallout 3” (2008), “Mass Effect 3” (2012) ou “Enslaved: Odyssey to the West” (2010) que até acaba por se aproximar visualmente, embora o seu lado mais aventureiro o afaste um pouco do campo mais cerebral que é aqui explorado. Aliás, relativamente a este último ponto, diria que HZD se aproxima mais da minúcia argumentativa de “SOMA” (2015). Claro que isto se deve ao investimento no guião, mas sem dúvida ao investimento em design de narrativa, tendo para o efeito sido escolhido John Gonzalez, que antes nos tinha dado “Fallout: New Vegas” (2010), daí a natural proximidade entre os universos-história.
Tendo em conta o modo brilhante como o desenho de narrativa foi articulado, acabei por esta semana dedicar-lhe uma parte de uma palestra que dei na conferência ErgoTrip Design 2017, a que podem aceder, em parte, via slides, que deixo aqui abaixo.
Assim, tendo passado da discussão do Conteúdo para a da Forma, posso agora realizar a comparação que mais se me apresentou ao longo de HZD, nomeadamente a partir do meio, e falo de “The Witcher 3: Wild Hunt” (2015). Sim, a mensagem, a história contada, está nas antípodas, mas a forma, o design de narrativa está bastante próximo. Temos o mundo aberto, temos as “main quests”, ou nós globais, temos as “side-quests”, ou nós tribais, e depois as pequenas “errands”, ou tarefas individuais, não que não se tenha visto em outros jogos, mas a funcionar deste modo estruturado, intrincado e interdependente é algo raro de ver.
É verdade que HZD tem menos diálogo e logo menos escolhas narrativas, consequentemente o jogador não consegue jogar propriamente com a mensagem, como acontece em “Witcher 3”, mas compensa por toda a história que espalhou pelo terreno e pelas diferentes quests, por meio de mensagens texto, áudio e hologramas. À medida que vamos progredindo, e apesar de ansiarmos por chegar ao final (não tendo feito todas as "side-quests" e "errands", e tendo jogado no modo mais fácil de luta, acabei mesmo assim por precisar de 30 horas), as mensagens dispersas vão-nos atraindo cada vez mais, não só porque estão imensamente bem escritas, ou são apresentadas por meio de boas performances, mas porque vamos compreendendo o quanto da história elas têm para nos oferecer. Pode-se mesmo dizer que todos aqueles fragmentos parecem quase janelas para um passado daquele universo, um universo que dá muito prazer ler e experienciar ao longo de todo o jogo.
Em jeito de fecho, dizer apenas que HZD é uma experiência muito estimulante, tanto do ponto de vista da ação e jogo, como do ponto de vista intelectual. É mais uma obra que ultrapassa as barreiras do seu meio, e passa a figurar nos panteões da ficção-científica. Isto diz-nos também que todos aqueles que gostam do género, precisam de começar a sair dos seus meios de eleição, a literatura ou o cinema, e olhar para os videojogos, ou correm sério risco de perder muito daquilo que o género vai tendo para nos oferecer.
Adam Alter é doutorado em psicologia social e é professor de Marketing na NYU, o que só por si já nos diz um pouco sobre aquilo que podemos esperar encontrar nas páginas do seu mais recente livro “Irresistible: The Rise of Addictive Technology and the Business of Keeping Us Hooked” (2017). Ou seja, um trabalho de análise social e psicológica sobre as mais recentes estratégias de marketing e de design, utilizadas pelas grandes empresas tecnológicas, para agarrar os seus consumidores e mantê-los entretidos a ponto de os tornar viciados nos seus produtos. É um livro que toca sobre vários assuntos centrais do meu trabalho em design de interação e design de jogos.
O livro inicia-se com uma alargada discussão sobre a conceito do vício, sobre o modo como surgiu na história, como ganhou carga pejorativa, e como mais recentemente se veio a dividir em dois grandes ramos: comportamental e baseado em drogas. Enquanto o vício baseado em drogas está completamente estabilizado e é descrito pelos manuais de diagnóstico da psiquiatria, o vício comportamental (behavioural addiction) é ainda visto ainda como a necessitar de mais estudos. Ainda assim a variante de jogos de azar a dinheiro (gambling) foi uma das primeiras categorias a entrar nos manuais, tendo nos anos mais recentes surgido algumas evidências que levam a considerar casos como o vício: na internet, em sexo, em pornografia, comida, exercício, compras, computadores ou videojogos.
Apesar da clara separação entre o uso de drogas e os comportamentos, Alter escreve de forma um apouco atabalhoada, acabando por a certa altura parecer estar a defender que são a mesma coisa, ou seja, que em termos de efeitos e problemas poderão conduzir às mesmas situações. Isto porque Alter defende aqui que o problema da viciação, a dependência, é antes de mais um problema de contexto e auto-determinação, e menos da droga, o que me levanta muitas dúvidas. Para reforçar esta ideia avança com uma ideia, baseada num medo, que eu também tinha quando era pequeno: “As a kid I was terrified of drugs, I had a recurring nightmare that someone would force me to take heroin and that I’d become addicted”. Ao dizer isto Alter acaba por dizer que tal nunca aconteceria, porque a heroína precisa de um contexto para se tornar um vício. Para tal dá o exemplo dos combatentes do Vietname, altamente viciados em heroína e que facilmente abandonaram o vício ao chegar aos EUA, ou seja, pela drástica mudança de contexto. Contudo, isto está longe poder ser assim simplificado. Não conheço o caso da heroína, mas conheço de outras drogas mais recentes, que são capazes de produzir dependência independentemente da vontade dos sujeitos. Sendo verdade que as mudanças de ambiente, de contexto, contribuem imenso para atenuação destes seus efeitos.
O problema do texto de Alter é que está claramente à procura de audiências. Aliás, não é por acaso que abre o livro com a discussão, já esgotada, de que os criadores de tecnologias de Silicon Valley, focando-se sobre o icónico Steve Jobs, proíbem o uso das próprias tecnologias aos seus filhos. Alter chega mesmo a dizer, o que me parece de mau tom, que os criadores de tecnologias no que toca aos seus filhos seguem a máxima dos traficantes: “never get high on your own supply”. De mau gosto, não só por brincar com as pessoas identificadas, mas porque ao esticar as ideias desta forma, acaba por ultrapassar a fronteira entre o informativo e o alarme. Se muitos dos criadores de tecnologias não colocam os filhos nas escolas mais avançadas em tecnologia, não é com certeza pelo medo de que estes desenvolvam dependências, mas é antes, e aqui sim recorrendo ao seu conhecimento tecnológico, por saberem que as crianças aprendem muito mais efetivamente com outros seres humanos do que com qualquer tecnologia.
Contudo, não é do meu interesse alongar-me aqui sobre esta discussão, já que o que me levou à leitura deste livro foi o modo como o design produz engajamento. Para tal aceitarei a definição de que o vício comportamental consiste numa compulsão para se envolver em comportamentos gratificantes, de tipo repetitivo, não relacionados com drogas, deixando de lado as questões de definição de dependência. Com isto não estou a minorar os seus efeitos, eles podem ocorrer, contudo, e tal como se pode ver pelas reticências da comunidade psiquiátrica, estão longe de se poderem considerar universais. Por outro lado, a auto-determinação terá maior eficácia quando utilizada contra um vício comportamental, como o sexo ou os jogos, do que num caso de vício numa droga, como muitos dos antidepressivos que são hoje amplamente utilizados. Mais, se assim não fosse, teríamos de esquecer tudo aquilo que escreve Alter ao longo do seu livro, já que no final do livro, esquecendo e minorando grandemente os efeitos ou capacidades da tecnologia e sua viciação, apresenta o uso controlado da Gamificação como uma potencial forma de combate dessa viciação!
Apesar de tudo isto, não quero esquecer o trabalho de Alter, e por isso mesmo me alongo a falar dele, porque julgo que a parte central do seu contributo é válido, e esse sustenta-se nos padrões, encontrados por ele na análise das tecnologias, que têm servido as grandes empresas para nos manter focados (ou viciados) nos seus produtos. E é sobre esses que me deterei agora aqui, e que são no fundo aquilo porque vale imenso a pena ler este livro. Porque tenho de concordar quando Tristan Harris, um especialista em ética do design, diz que o problema não está na falta de força de vontade das pessoas mas no facto de “there are a thousand people on the other side of the screen whose job it is to break down the self-regulation you have.”
Alter apresenta então seis padrões que definem no fundo seis grandes estratégias de design: 1 - Goals, 2 -Feedback, 3 - Progress, 4 - Escalation, 5 - Cliffhanger, 6 - Social Interaction. Para complementar este trabalho aconselho vivamente a leitura de “Contagious: Why Things Catch On” (2013) Jonah Berger, no qual Berger apresenta também seis padrões, no caso de potenciação de partilha online, mas que se aproximam bastante do que aqui se discute: Moeda Social, Gatilhos, Emoção, Público, Valor Prático, Histórias. Muito provavelmente, aqui ou noutro lado, procurarei em breve estabelecer paralelos entre os padrões de Alter e Berger. Vejamos então cada uma das estratégias encontradas por Alter:
Estratégia 1 - Goals / Metas
As metas são, provavelmente, o mais eficaz modo de garantir a motivação humana em termos extrínsecos, já que recorrem a um elemento constituinte da nossa biologia, o factor de competição. Ou seja, a primeira condição do estabelecimento de uma meta assenta na comparação com os outros. Somos seres profundamente sociais, e necessitamos constantemente de nos comparar aos demais, para compreender se somos seres humanos completos. Como tal, as metas não são meros indicadores abstratos, elas representam todos os outros, e no fundo o grupo desses outros em que nós nos encaixamos. O melhor exemplo disto é dado por Alter com a análise dos comportamentos de maratonistas não se regulam apenas pelo completar dos 42 km, mas utilizam como motivador para conseguir tal feito metas de tempos. No gráfico abaixo podemos ver como as metas de 3h, 3h30, ou 4h, são usadas massivamente pelas pessoas para terminar as suas corridas. Tendo tomado a decisão de correr a maratona e preparando-se para entrar nesse grupo, começa a preocupação com saber em que sub-grupo me incluo. As metas permitem assim aos corredores, quantificar e dosear o investimento, conseguindo perto das metas ir buscar energia em si próprios que já não acreditavam existir, mas que despoletado pela adrenalina do objetivo constituído pela meta consegue chegar lá. Isso explica porque no gráfico temos tantas pessoas a terminar imediatamente antes de cada intervalo, e tão poucos imediatamente a seguir.
Tempos agregados de milhares de corredores que correram os 42km da maratona
Este pequeno exemplo, quando aplicado às tecnologias sociais que nos rodeiam, e aos videojogos, rapidamente nos fazem lembrar miríades de aplicações. Se no passado as metas serviram ao ser-humano como fundamento de sobrevivência (subir uma montanha com a meta de encontrar comida ou um novo abrigo), hoje as metas são a coroa da sociedade capitalista, que ao puxar por essas raízes biológicas de obter mais e mais, acabou por criar a sociedade mais competitiva que alguma vez conhecemos, algo que foi radicalmente acentuado com o surgimento das Tecnologias de Informação, que permitiram a criação e desenho de métricas em absolutamente tudo aquilo que hoje fazemos. Repare-se no modo obtuso como se passou a quantificar o número de amigos através do Facebook, o número de seguidores através do Twitter, o número de gostos através do Instagram, o número de passos no pedómetro da Nike. A gamificação não inventou nada, apenas libertou e descomplexificou o mundo para aceitarmos que a tecnologia passasse a controlar a nossa biologia.
As Universidades hoje vivem para atingir Metas
Repare-se como as universidades passaram a viver obcecadas por Rankings, que dependem do números de artigos que cada investigador publica, colocando pressão na publicação apenas para atingir metas completamente artificiais. Não surge inovação, nem qualquer melhoria para a sociedade através do cumprimento destas metas. Isso já foi amplamente debatido e discutido, inclusive com vários experimentos. Contudo, sem qualquer consciência dos seus efeitos secundários, as administrações universitárias em conjunto com os administradores políticos, continuam a colocar toda a sua ênfase governativa nestes indicadores. A razão é simples, é muito mais fácil vender a ideia de que estamos a subir a montanha para encontrar uma ilusão no topo, do que vender a subida da montanha porque faz parte da nossa caminhada.
Deste modo, as metas tornaram-se na estratégia número do design de qualquer atividade. As metas produzem um efeito visceral nos seres-humanos, e por isso o simples explicitar da mesma é suficiente para garantir o interesse dos sujeitos e colocá-los no caminho da sua obtenção. Claro que as metas só se tornam efetivas quando complementadas pelos devidos quadros comparativos, aquilo que nos jogos chamamos de 'quadros de honra'. Por isso, e com a entrada da gamificação, criou-se uma estratégia de design, que ficou conhecida como PBL (Points, Badges and Leaderboards), que já eram usada nas escolas, mas passou a ser utilizada um pouco por todo o lado como fundamento de motivação.
O lado negativo das metas, e no fundo de todos os sistemas de métricas, é que não funcionam como motivação intrínseca. São meros despoletadores externos que desaparecem no momento em que desaparece a sua quantificação. Ninguém vai passar a correr mais por usar o quantificador de passos da Nike, já que apenas o fará enquanto o quantificador de passos estiver ativo. No momento em que desaparecer, desaparece a motivação do corredor. O que não é mau de todo, já que explica porque dizia acima que a capacidade de criar verdadeira viciação ou dependência é residual. Mas afeta, quando se acredita que para mudar culturas basta a simples introdução de métricas para o transformar das pessoas.
Estratégia 2 - Feedback / Reação
As lógicas de feedback não se distinguem muito das metas, já que estão intrinsecamente conectadas, no sentido em que elas dependem do estabelecimento de metas para ocorrer. Ou seja, o Facebook só me pode dar feedback de um novo pedido de amigo porque quantificamos os amigos, ou do surgimento de uma nova mensagem porque quantificamos o número de mensagens. Como tal, o feedback funciona como amplificador do objeto de meta. Mais ainda, quando os estudos demonstram, que psicologicamente somos muito mais afetados, ou seja recompensados emocionalmente, pelo facto de estarmos quase a atingir uma meta, do que pelo facto de a atingir. A razão é simples, o estar quase, implica ainda investimento emocional, enquanto o atingimento da meta, corta abruptamente as sensações dessa atividade.
Da próxima vez que abrirem a página do facebook no vosso computador ou telemóvel, reparem como o vosso coração palpita no aguardo pelo carregamento dos dados até que verificam que os balões vermelhos de notificações estão acesos. E como no caso de estarem sentem um alívio, a recompensa, que pode ser aumentada no caso de estar não apenas um balão, mais dois, ou mesmo três ligados (notificações+mensagens+novos pedidos de amizade). O feedback é talvez o elemento mais importante do Design de Interação. Ou seja, é o garante da organicidade do sistema, da sua capacidade de se dar a quem com ele interage. No fundo, porque são sistemas que simplesmente emulam a comunicação humana. Reparem como nos damos mal com alguém que falha o feedback; se dizemos algo, esperamos sempre reação do outro lado, quanto mais não seja, um grunhido, dando conta da recepção daquilo que dissemos.
Por outro lado, se as metas se energizam pela necessidade de competição, o feedback energiza-se pela necessidade de colaboração. O feedback garante que não estamos sozinhos, e é por isso que tantas tecnologias se têm esforçado por encontrar formas de estarmos constantemente a debitar feedback, e tanto estudo tem sido dedicado a tentar compreender os melhores tipos de feedback (Like vs. +1, Reações do Facebook). Tudo isto explica também o crescimento insano nos últimos anos dos sistemas de notificações. Aliás, por reconhecer este poder invisível dos sistemas de notificação, na maior parte das tecnologias que uso — do telemóvel ao computador — só permito notificações do meu calendário pessoal e do alarme do relógio. O meu telemóvel tem todos os serviços de push desligados, e todas as aplicações têm as notificações inativas. No computador igual, nenhuma aplicação social me pode enviar e-mails, ou apresentar feedback nos ecrãs fora do âmbito da própria aplicação.
Estratégia 3 - Progress/o
Tendo em conta que já vai bastante longo este texto, não me vou alongar tanto nos próximos padrões, pela simples razão de que não são propriamente uma novidade para quem vai acompanhado este blog. No caso do padrão de progresso já aqui foi discutido várias vezes, nomeadamente aquando da recensão do livro "The Progress Principle" (2011) de Teresa Amabile.
O progresso diz respeito ao recortar do caminho para a meta em etapas (por exemplo os capítulos de um livro). A ideia passa por criar metas intermédias que funcionam como feedback em relação à meta final, deste modo desenvolve-se no sujeito a sensação de progresso. Este progresso é assim responsável por conferir motivação para se manter no caminho através das recompensas despoletadas pelo antingimento das metas intermédias. Um exemplo dado por Alter que é excelente, é o do “Dollar Auction Game”, que vale a pena analisarem no pequeno video da National Geographic (abaixo).
O experimento “Dollar Auction”.
Como se percebe, este jogo demonstra muitos dos problemas criados pelas metas e feedbacks, e pela noção de progresso, e como podem ser usadas contra nós. Muitas das atuais apps sociais aproveitam-se de tudo isto, e alguns dos sistemas que mais têm tirado vantagem deste design são os jogos “free-to-play”, daí que no meio dos estudos de game design, se tenha começado a definir muitos destes jogos como jogos predadores. Ainda assim o jogo que mais efetivamente soube rentabilizar todas estas técnicas foi “World of Warcraft”, acima de tudo pela sua forte componente social, tendo-se tornado num dos jogos que mais pessoas obrigou a recorrer a centros de ajuda na luta contra a dependência. Ou seja, apesar de continuar a defender os videojogos como pouco capazes de criar dependências reais, o cenário muda de figura quando falamos de jogos online, principalmente jogos massivos online. Nesses casos, não temos apenas sistemas desenhados para engajar jogadores, temos os jogadores incluídos num sistema em que se influenciam uns aos outros, criando sistemas de pressão social que vão muito além daquilo que a tecnologia consegue fazer per se.
Estratégia 4 - Escalation / Escalar
Provavelmente se utilizar a palavra que é utilizada no mundo da Educação e dos Videojogos, Scaffolding, reconhecerão mais facilmente do que trata este padrão. A discussão deste ponto realizei-a já bastante em detalhe no artigo académico "Elementos do design de videojogos que fomentam o interesse dos jogadores".
De forma resumida, o scaffolding consiste no desenho de “andaimes” por forma a ajudar os sujeitos no processo de escalada. Ou seja, toda a atividade tem as suas dificuldades, contudo os seres-humanos são mais facilmente motivados para a sua realização, quando o nível de dificuldade está ao seu alcance. Deste modo, o design deve levar em conta as necessidades dos utilizadores, e providenciar ajuda, garantindo contudo que não torna tudo demasiado fácil. Isto foi primeiramente definido por Vygotsky num modelo que ficou conhecido por Zona Proximal de Desenvolvimento.
Ao desenhar as atividades por meio de andaimes, garante-se a criação de flow (uma área em que a satisfação é otimizada) criando-se o desejo nos sujeitos de permanecerem envolvidos com as criações indefinidamente.
Estratégia 5 - Cliffhanger / Ganchos
Neste ponto Alter vai evocar o efeito de Zeigarnik, assente na Gestalt, para desconstruir a magia do envolvimento com as narrativas, dedicando assim grande parte da sua discussão às séries televisivas. Este efeito diz-nos que as experiências incompletas nos envolvem mais do que as completas, algo que já aqui tinha falado a propósito do livro de Cialdini "Pre-Suasion" (2016). Ou seja, enquanto não atingimos a completude do sentido de uma história somos envolvidos por esta, deixando-nos levar pela tensão e suspense, até que a resolução se dê, tudo se explique, e a tensão desapareça.
Um gancho é na gíria do audiovisual um elemento narrativo que se apresenta para prender o espetador. Por exemplo, numa história surge uma mãe num supermercado que rouba um pacote de bolos para os filhos que esperam lá fora. A seguir passamos para os miúdos e enquanto a mãe não sai da loja, o espetador fica agarrado sem saber se ela será apanhada ou não, se ela conseguirá trazer a comida às crianças. Os ganchos são utilizados sempre que se fecha um episódio de uma série, por forma a manter o interesse do espetador em procurar o episódio seguinte para responder ao gancho que ficou aberto. No fundo, um gancho é um elemento narrativo que se abre mas não se fecha no imediato, impedindo as pessoas de se libertarem da história enquanto não souberem como se resolve o conflito aberto.
O efeito de "Closure" da Gestalt diz-nos que o nosso cérebro não consegue evitar dar sentido ao que vê, por isso procura fechar o que está aberto.
Neste padrão encontra-se o fundamento da recente descoberta, por parte de uma grande fatia da sociedade, do storytelling, que passou a ser visto como a arma número um para garantir o interesse das pessoas, dos colaboradores, dos alunos, dos pacientes, etc. etc. A quantidade de livros que saíram nos últimos anos a defender a aplicação dos princípios do storytelling a praticamente toda a atividade humana é impressionante. Nesse sentido, é natural que muitas das tecnologias que nos rodeiam, tenham de algum modo procurado aqui também alguma da sua força. Não foram apenas os videojogos que se obrigaram a incluir histórias até nos jogos de lutas, carros e futebol, foram ferramentas como o Instagram que passaram a incluir modos de história para a partilha de fotografias, assim como o surgimento de dezenas e dezenas de aplicações para ajudar as pessoas a contar histórias.
Os ganchos são profundamente viciantes e explicam como as séries de televisão se tornaram no produto audiovisual mais influente da era atual, fazendo com que empresas como a Netflix se tenham transformado em colossos multinacionais.
Estratégia 6 - Social Interaction / Interação Social
Não há muito a dizer sobre este tema, ou melhor há mas implicaria todo um artigo completo, já que é de todas, a estratégia mais complexa, no sentido em que não se resume a uma componente, mas antes enquadra toda uma área. Enquanto Alter na estratégia anterior elegeu dentro da Narrativa apenas os Ganchos, aqui optou por apresentar todo o domínio da interação social como parte do padrão. Sobre este mesmo tópico escrevi já bastante no artigo "Social interaction design in MMOs" (2014).
Assim o que está aqui em questão, em essência, é a web social, uma web na qual as aplicações já não existem sem uma camada de Interação Social. Ou seja, o Instagram nunca se teria tornado o monopólio da fotografia digital se não viesse integrado com uma rede social. O Bookings ou o Trip Advisor nunca se teriam tornado nos centros de marcação de hotéis e viagens sem a interação social dos seus utilizadores. Os jornais que não foram capazes de desenvolver as suas próprias redes sociais, viram-se obrigados a despejar os seus artigos no Facebook para que estes pudessem ganhar tração. Tendo o próprio Facebook assumindo proporções inimagináveis para um simples site de internet, possuindo neste momento nas suas base de dados, informação relativa a mais de mil milhões de utilizadores, ou seja mais do que os EUA, Europa e Brasil juntos.
A interação social toca em vários pontos daquilo que nos define como seres humanos, e é por isso que se tornou numa espécie de 'santo graal' do engajamento na internet. Um desses pontos é a necessidade de comparação com os outros, outro é de colaboração, outro é de partilha, outro de competição, outro de compreensão, no fundo tudo aquilo que nos define, e que podemos simplesmente ir buscar ao Interacionismo Simbólico de Mead, quando diz que nos definimos a partir do modo como interagimos com o outro. Ou seja, a interação social é tão fundamental para o ser humano como a comida, a água, ou o respirar, já que sem ela definhamos enquanto seres. Daí que não possamos admirar-nos com a quantidade de pessoas que admite passar tempo excessivo no Facebook, enquanto outros admitem mesmo não conseguir desligar.
No final do livro, Alter procura apresentar algumas ideias interessantes sobre como podemos aprender a lidar com tudo isto, ou sobre como as companhias poderiam rentabilizar as suas técnicas de design sem afetar tão intensamente os sujeitos. Mas não passam de um conjunto de dicas, que acredito que cada um poderá desenvolver melhor à medida que se for tornando mais e mais consciente das manipulações de que é alvo. O livro de Alter e o desvelar destas técnicas, é em si mesmo o melhor antídoto para lidar com tudo isto.
ADENDA, 4 maio 2017
Depois de algumas conversas a propósito deste texto, resolvi deixar aqui quatro notas que podem contribuir para o controlo dos efeitos do envolvimento com as tecnologias de comunicação. A primeira já a tinha aflorado no meio do texto como princípio.
1- Não permitir que sistemas, aplicações, ou sítios web notifiquem, bloquear ou desativar tudo. Sei que dá jeito, mas refletindo sobre os prós e contras, é muito mais nefasto que benéfico. Ou seja, eu não quero os outros a determinar quando é que eu devo ler, aceder ou fazer algo, quero ser eu a decidir, sou eu quem determina o meu tempo. O meu pensamento não pode ser capturado por outros, mesmo que tenham coisas importantes a dizer-me, porque cada interrupção contribui apenas para me retirar daquilo em que estou empenhado no momento. Considero todos os sistemas de notificações como profundamente invasivos, e por isso não os permito no meu espaço.
2 - Uso de ferramentas guilhotina. Tendo em conta o poder de atração de muitos sítios web, passei a utilizar a ferramenta SelfControl (existem muitas outras) que me permite desativar o acesso a uma lista de links criada por mim. Quando ativa, durante o período de tempo escolhido, todos esses sites ficam impossíveis de ser acedidos, mesmo que se apague a ferramenta. Uso-a de momento para vedar o acesso ao Facebook, Twitter, GoogleNews, GoodReads —mas posso ir adicionando o que quiser. Deste modo, o que estou a fazer é a criar uma barreira ao alimento da procrastinação que assenta muitas vezes na sedução criada pela informação infinita presente nestes sítios.
3 - Privilegiar o e-mail em detrimento do telemóvel. Ou seja, o e-mail é uma ferramenta de comunicação assíncrona, permite-me gerir o momento em que recebo e respondo, enquanto o telemóvel pela sua sincronia tende a atuar como as notificações, a invadir o meu espaço mesmo que eu não esteja naquele momento disposto a tal. Deste modo, o que faço é não atender muitas chamadas, na maior parte do tempo porque não tenho ativa a notificação sonora, mas muitas vezes porque não as quero atender naquele momento. Comunico posteriormente às pessoas que é preferível tentarem contactar-me por e-mail.
4 - Limitação das redes sociais no telemóvel. Não uso aplicações de redes sociais no telemóvel — Facebook, Twitter, GoodReads — a única excepção é o Instagram, porque apenas a uso no telemóvel. Deste modo reduzo o uso do sistema à gestão do meu tempo — telefone, e-mail, calendário, agenda e tarefas — e algum entretenimento.