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janeiro 25, 2021

Vitalina Varela

O filme de Pedro Costa, “Vitalina Varela” (2019), fez-me viajar no tempo até ao dia que vi o seu “Casa de Lava” no cinema, em 1994, e que me deixou uma impressão fortíssima de Cabo Verde. Daí viajei até ao Bairro das Fontaínhas, onde passei 3 horas “No Quarto de Vanda”, em 2000, e de onde saí com um nó interior. “Vitalina Varela” junta partes desses dois mundos, filtra-os pelo olhar pessoalíssimo de Costa, e esmaga-nos completamente pela dureza das realidades apresentadas, a exterior e a interior. 


fevereiro 12, 2017

Todos os Oscars de Melhor Cinematografia, desde 1927

É uma viagem alucinante este supercut que nos dá a ver, em 7 minutos, imagens de todos os filmes premiados com o Oscar de Melhor Cinematografia, desde 1927. Sente-se a história passar, sentem-se as décadas fluir, mas sente-se também a força da arte visual que se imprime em nós e nos extasia. O filme foi criado por Andy Schneider e Jonathan Britnell para o canal Burger Fiction.

"Sunrise ― a song of two humans" (1927) de
F.W. Murnau com cinematografia de Charles Rosher & Karl Struss

Abaixo deixo a lista completa de todos os filme mencionados, ano e os respetivos nomes dos cinematógrafos. No fim da lista continua a impressionar-me o feito conseguido por Lubezki.

Every Best Cinematography Winner Ever (1927-2016 Oscars)

Listagem: 
Sunrise: A Song Of Two Humans (1927/28) - Charles Rosher & Karl Struss
White Shadows In The South Seas (1928/29) - Clyde De Vinna
With Byrd At The South Pole (1929/30) - Joseph T. Rucker & Willard Van der Veer
Tabu: A Story Of The South Seas (1930/31) - Floyd Crosby
Shanghai Express (1931/32) - Lee Garmes
A Farewell To Arms (1932/33) - Charles Lang
Cleopatra (1934) - Victor Milner
A Midsummer Night’s Dream (1935) - Hal Mohr
Anthony Adverse (1936 B&W) - Tony Gaudio
The Garden Of Allah (1936 COLOR) - W. Howard Greene & Harold Rosson
The Good Earth (1937 B&W) - Karl Freund
A Star Is Born (1937 COLOR) - W. Howard Greene
The Great Waltz (1938 B&W) - Joseph Ruttenberg
Sweethearts (1938 COLOR) - Oliver T. Marsh & Allen Davey
Wuthering Heights (1939 B&W) - Gregg Toland
Gone With The Wind (1939 COLOR) - Ernest Haller & Ray Rennahan
Rebecca (1940 B&W) - George Barnes
The Thief Of Bagdad (1940 COLOR) - Georges Perinal
How Green Was My Valley (1941 B&W) - Arthur C. Miller
Blood And Sand (1941 COLOR) - Ernest Palmer & Ray Rennahan
Mrs. Miniver (1942 B&W) - Joseph Ruttenberg
The Black Swan (1942 COLOR) - Leon Shamroy
The Song Of Bernadette (1943 B&W) - Arthur C. Miller
Phantom Of The Opera (1943 COLOR) - Hal Mohr & W. Howard Greene
Laura (1944 B&W) - Joseph LaShelle
Wilson (1944 COLOR) - Leon Shamroy
The Picture Of Dorian Gray (1945 B&W) - Harry Stradling
Leave Her To Heaven (1945 COLOR) - Leon Shamroy
Anna And The King Of Siam (1945 B&W) - Arthur C. Miller
The Yearling (1946 COLOR) - Charles Rosher, Leonard Smith & Arthur E. Arling
Great Expectations (1947 B&W) - Guy Green
Black Narcissus (1947 COLOR) - Jack Cardiff
The Naked City (1948 B&W) - William H. Daniels
Joan Of Arc (1948 COLOR) - Joseph A. Valentine, William V. Skall & Winton Hoch
Battleground (1949 B&W) - Paul C. Vogel
She Wore A Yellow Ribbon (1949 COLOR) - Winton Hoch
The Third Man (1950 B&W) - Robert Krasker
King Solomon’s Mines (1950 COLOR) - Robert Surtees
A Place In The Sun (1951 B&W) - William C. Mellor
An American In Paris (1951 COLOR) - Alfred Gilks & John Alton
The Bad And The Beautiful (1952 B&W) - Robert Surtees
The Quiet Man (1952 COLOR) - Winton Hoch & Archie Stout
From Here To Eternity (1953 B&W) - Burnett Guffey
Shane (1953 COLOR) - Loyal Griggs
On The Waterfront (1954 B&W) - Boris Kaufman
Three Coins In The Fountain (1954 COLOR) - Milton R. Krasner
The Rose Tattoo (1955 B&W) - James Wong Howe
To Catch A Thief (1955 COLOR) - Robert Burks
Somebody Up There Likes Me (1956 B&W) - Joseph Ruttenberg
Around The World In 80 Days (1956 COLOR) - Lionel Lindon
The Bridge On The River Kwai (1957) - Jack Hildyard
The Defiant Ones (1958 B&W) - Sam Leavitt
Gigi (1958 COLOR) - Joseph Ruttenberg
The Diary Of Anne Frank (1959 B&W) - William C. Mellor
Ben-Hur (1959 COLOR) - Robert Surtees
Sons And Lovers (1960 B&W) - Freddie Francis
Spartacus (1960 COLOR) - Russel Metty
The Hustler (1961 B&W) - Eugen Schufftan
West Side Story (1961 COLOR) - Daniel L. Fapp
The Longest Day (1962 B&W) - Jean Bourgoin & Walter Wottitz
Lawrence Of Arabia (1962 COLOR) - Freddie Young
Hud (1963 B&W) - James Wong Howe
Cleopatra (1963 COLOR) - Leon Shamroy
Zorba The Greek (1964 B&W) - Walter Lassally
My Fair Lady (1964 COLOR) - Harry Stradling
Ship Of Fools (1965 B&W) - Ernest Laszlo
Doctor Zhivago (1965 COLOR) - Freddie Young
Who’s Afraid Of Virginia Woolf? (1966 B&W) - Haskell Wexler
A Man For All Seasons (1966 COLOR) - Ted Moore
Bonnie And Clyde (1967) - Burnett Guffey
Romeo And Juliet (1968) - Pasqualino De Santis
Butch Cassidy And The Sundance Kid (1969) - Conrad L. Hall
Ryan’s Daughter (1970) - Freddie Young
Fiddler On The Roof (1971) - Oswald Morris
Cabaret (1972) - Geoffrey Unsworth
Cries And Whispers (1973) - Sven Nykvist
The Towering Inferno (1974) - Fred J. Koenekamp & Joseph F. Biroc
Barry Lyndon (1975) - John Alcott
Bound For Glory (1976) - Haskell Wexler
Close Encounters Of The Third Kind (1977) - Vilmos Zsigmond
Days Of Heaven (1978) - Nestor Almendros
Apocalypse Now (1979) - Vittorio Storaro
Tess (1980) - Geoffrey Unsworth & Ghislain Cloquet
Reds (1981) - Vittorio Storaro
Gandhi (1982) - Billy Williams & Ronnie Taylor
Fanny And Alexander (1983) - Sven Nykvist
The Killing Fields (1984) - Chris Menges
Out Of Africa (1985) - David Watkin
The Mission (1986) - Chris Menges
The Last Emperor (1987) - Vittorio Storaro
Mississippi Burning (1988) - Peter Biziou
Glory (1989) - Freddie Francis
Dances With Wolves (1990) - Dean Semler
JFK (1991) - Robert Richardson
A River Runs Through It (1992) - Philippe Rousselot
Schindler’s List (1993) - Janusz Kaminski
Legends Of The Fall (1994) - John Toll
Braveheart (1995) - John Toll
The English Patient (1996) - John Seale
Titanic (1997) - Russell Carpenter
Saving Private Ryan (1998) - Janusz Kaminski
American Beauty (1999) - Conrad L. Hall
Crouching Tiger, Hidden Dragon (2000) - Peter Pau
The Lord Of The Rings: The Fellowship Of The Ring (2001) - Andrew Lesnie
Road To Perdition (2002) - Conrad L. Hall
Master And Commander: The Far Side Of The World (2003) - Russell Boyd
The Aviator (2004) - Robert Richardson
Memoirs Of A Geisha (2005) - Dion Beebe
Pan’s Labyrinth (2006) - Guillermo Navarro
There Will Be Blood (2007) - Robert Elswit
Slumdog Millionaire (2008) - Anthony Dod Mantle
Avatar (2009) - Mauro Fiore
Inception (2010) - Wally Pfister
Hugo (2011) - Robert Richardson
Life Of Pi (2012) - Claudio Miranda
Gravity (2013) - Emmanuel Lubezki
Birdman (2014) - Emmanuel Lubezki
The Revenant (2015) - Emmanuel Lubezki

janeiro 13, 2017

Como filmar o pensamento

O Nerdwriter traz-nos esta semana mais um brilhante ensaio, "Sherlock: How To Film Thought", no qual dá conta cabal do modo como as séries de televisão ombreiam com o cinema. Se até aqui falávamos do modo como estas dominavam a arte do storytelling, passámos agora a falar da arte completa do audiovisual, do uso e avanço da linguagem que torna o audiovisual um meio expressivo. O cinema deixou de ser o farol e passou a ser apenas mais um dos imensos suportes. O cinema é hoje o mesmo que televisão, vídeo, web, móvel, tudo suportes. É a linguagem do audiovisual que fundamenta todos estes canais, a arte da fusão entre imagem em movimento e som.




Neste ensaio é dissecada uma cena de 3m42s de um recente episódio da série "Sherlock" (2010-..), no qual Nerdwriter demonstra algo verdadeiramente importante. O cinema, o audiovisual, sempre teve dificuldade em dar a ver o pensamento, essa capacidade esteve durante imenso tempo resguardada para a literatura. A razão é simples, o pensamento é algo interno, introspectivo e subjetivo, enquanto o audiovisual é uma arte especializada em mostrar o externo e o objetivo, ou seja é uma forma expressiva dada à extroversão. Por isso de cada vez que este tem de mostrar o que alguém está a pensar, sentir, ou refletir, é complicado. Invariavelmente as ideias acabam sendo traduzidas em ações, sequências externas, que possam dar a compreender o que sente aquele personagem, porque reage como reage, e assim passar a ideia do que está a pensar a pessoa.

Ora neste episódio de Sherlock, procurou-se antes dar a ver o pensamento. Pegou-se na mente de Sherlock, naquele momento em que ele está prestes a descobrir, a ter a revelação, e pegou-se no melhor que a arte audiovisual tem — a montagem e a cinematografia — e plasmou-se no ecrã, literalmente, aquilo que lhe está a passar pela mente. O Nerdwriter termina dizendo que esta é uma das sequência original e admirável.

"A Requiem for a Dream" (2000) Darren Aranofski

É claro que o Nerdwriter se deixa levar pelo entusiasmo, desde logo quando diz que não há CGI, quando várias das sequências estão prenhes de efeitos visuais, mas especialmente porque isto não é novo. Mais uma vez o cinema já lá tinha chegado antes, e o tinha mostrado, e até de forma mais efetiva. Se gostaram desta sequência, recomendo-vos vivamente "A Requiem for a Dream" (2000) do brilhante Darren Aranofski. A mim contudo, resta-me uma questão, porque razão só se procura mostrar o interior da mente dos personagens quando eles estão sob efeito de drogas!?

"Sherlock: How To Film Thought" (2017) de Nerdwriter

junho 04, 2016

Fragmento e detalhe no title design de Filipe Carvalho

Filipe Carvalho é uma das referências internacionais no mundo do title design (design de genéricos) e esteve recentemente no Semi Permanent 2016 em Sydney, para o qual criou também o genérico promocional do evento que podemos ver abaixo, agora disponibilizado pelo Art of Title.






O seu mais recente trabalho está nas salas de cinema e serve a abertura e fecho de “Alice Through the Looking Glass” (2016). Se quiserem mais, podem seguir o seu trabalho a partir do seu site Random Thought Pattern. É verdade que o Filipe não se dedica apenas ao title design como poderão ver na página, e também como se pode ver desde já neste filme para a Semi Permanent, o seu trabalho distribui-se por todas as áreas relacionadas com a imagem em movimento, desde a realização à edição, passando pela cinematografia, produção e inevitavelmente o design.

Este filme é paradigmático de toda essa versatilidade de Filipe Carvalho, e por isso é também tão relevante na análise do seu percurso já que dá conta do amadurecimento, da capacidade de conduzir o todo da experiência plástica audiovisual para o conceito visionado. Sendo o title design, tal como grande parte do motion design, uma espécie de arte de fusão, pela apropriação de conceitos e objetos, sua colagem e mistura, é-o sem parecer um mero compilar de elementos, e é talvez por isso mesmo que se tem destacado tanto, e ganho tanta importância nos últimos anos.

Podemos ver como, ao longo destes 2 minutos, são trazidos à liça, a narração de Tom Waits, o texto de Charles Bukowski, as imagens de Toros Kose, a música de Tiago Benzinho, tudo (excepto a música) é servido em fragmentos, recortes, partes incompletas, desconectas, e como Filipe Carvalho reconstrói nexo, narrativiza. E não estamos a falar de mera samplagem audiovisual porque tudo é envolvido por um conjunto de novas imagens criadas pelo próprio Filipe (ver making of).

"Semi Permanent 2016 Opening Titles" de Filipe Carvalho

Se a música nos parece ser a pauta que lima os desfasamentos, e mesmo reconhecendo a sua enorme mais valia, é a partir do trabalho de composição visual que o sentido emerge, pela sua produção de valor estético. O modo como se trabalha a fragmentação e o detalhe de todos os elementos, nomeadamente a tríade — movimento, espaço e conceitos — acaba sendo a responsável por garantir a expressividade e identidade de todo o texto audiovisual.

março 20, 2016

"Macbeth" (2015), do texto ao cinema

Não há muito para dizer sobre uma história que escrita há mais de 400 anos continua tão atual como então, mas diz muito sobre Shakespeare e a sua capacidade para perscrutar o interior da mente humana. Fazer um filme em 2015 depois de tantas encenações, adaptações, filmes e tudo o mais criado em redor do imaginário do personagem, parece mera redundância, contudo não tem de o ser e neste caso não é, nomeadamente pelo uso do texto direto, mas acima de tudo pela excelência dos envolvidos na feitura, desde os atores à realização, produção e cinematografia.





O uso do texto no inglês arcaico de Shakespeare foi alvo de críticas, contudo esquecem essas que a história é sobejamente conhecida, e que não é necessário compreender tudo para compreender a ideia, mas que ao usar o texto tal como escrito o filme ganhou, e muito, em poética. Talvez por isso não seja de admirar que Justin Kurzel tenha procurado dar às restantes vertentes do filme a mesma densidade e harmonia, na tentativa de uma reconstrução do original capaz de ombrear em impacto estético, nomeadamente criando em nós algo, pouco, daquilo que terão sentido aqueles que pela primeira vez assistiram à encenação do texto.





Sim, porque o texto de Shakespeare, apesar de poderosamente introspectivo, só atinge o seu auge quando encenado, e se a encenação teatral é o palco por definição, a sua transformação em filme, nomeadamente nesta visão de Kurzel, não se fica atrás. As ferramentas da literatura são suficientes para dar conta do interior humano, mas não é essa a forma usada por Shakespeare, que escolheu apegar-se ao diálogo, a base da peça teatral, e assim criar uma obra que só se ergue em plenitude quando em palco, quando os diálogos verbalizados se juntam à densidade expressiva do não-verbal dos atores.



Dito mais do que queria dizer, porque iniciei este texto apenas para deixar algumas imagens do filme, por toda a sumptuosidade da cinematografia de Adam Arkapaw, não quero contudo deixar de expressar a enorme admiração sentida por Michael Fassbender e Marion Cotillard, são monumentais na interpretação de Macbeth e Lady Macbeth.

fevereiro 18, 2016

tributo a Emmanuel Lubezki

Existem vários filmes na web feitos como tributo ao trabalho de Emmanuel Lubezki, mas ainda não encontrei um estudo em profundidade que dê conta da razão porque Lubezki é um dos mais importantes artistas da arte cinematográfica da atualidade. Olhando mesmo à história da arte será difícil encontrar comparável, não pela qualidade, mas pela quantidade de qualidade, com apenas 52 anos, as suas obras maiores já perfazem uma lista com mais de uma dezena, algumas dessas obras foram filmadas no mesmo ano, o que demonstra uma capacidade de trabalho absolutamente impressionante.



Dos vários que vi, escolhi um dos que mais gostei, embora não sendo perfeito, é apenas uma colagem de excertos, mas um dos mais bem compostos, faltando contudo muitos exemplos da mestria de Lubezki, nomeadamente pela brevidade como alguns deles são mostrados. De qualquer modo servirá para abrir o apetite para ver, ou voltar a ver, alguns destes filmes.

"Tribute to Emmanuel Lubezki" (2015) de Jorge Luengo Ruiz


Actualização a 1 Março 2016
Depois de ganhar o terceiro oscar seguido, um novo recorde n categoria de criadores de cinema, começam a surgir novos videos dedicados ao seu trabalho na web, dos quais este de Wolfcrow é bastante interessante pela forma como especifica as técnicas de lentes utilizadas por Lubezki.

"Understanding the Cinematography of Emmanuel Lubezki" (2016) Wolfcrow

setembro 10, 2015

Criatividade em remix no “Hell’s Club”

Antonio Maria Da Silva, provável lusodescente, residente em Paris, criou um trabalho brilhante de montagem e composição vídeo a partir de dezenas de sequências de diferentes filmes chave de Hollywood. O filme conta com quase 10 minutos, nos quais somos convidados a viajar até ao “Hell’s Club”, um clube ficcional criado por Antonio Maria Da Silva, por meio de uma edição e correcção de cor tão perfeitas que tudo parece ter sido verdadeiramente filmado para este filme.



A base do trabalho consiste num apanhado de sequências cinematográficas passadas em discotecas, retiradas de filmes como: “Star Wars", "Saturday Night Fever", "Hellraiser", "Scarface," "Carlito's Way", “The Terminator", "Matrix", “Trainspotting” "Pulp Fiction", "Robocop”, “Collateral Damage” entre outros. Com as sequências em mão o autor terá procurado uma linha condutora de acção e conflito, que acaba por resultar plenamente, ao contrário de muitos outros trabalhos de remix que se ficam pelas simples piadas ou fragmentos narrativos.

Para tornar credível todo o cenário de "Hell’s Club” foi necessário proceder a um enorme trabalho de correcção de cor, já que as luzes da discoteca de "The Matrix" são completamente distintas das de "Saturday Night Fever", e mesmo quando aproximadas, são-no apenas na nossas recordações, já que o clube de Tony Montana sendo filmado nos anos 1970 não tem qualquer afinidade com um clube filmado nos anos 2000, para parecer um futuro distante em "Star Wars Episode II: Attack of the Clones". Sobre tudo isto existe toda uma quantidade de pequenas composições internas nas imagens, com sequências de filmes a surgirem em reflexões de outras sequências, com personagens a surgirem em profundidade de campo, ou ainda no uso de sombras que simulam personagens que passam por outras que nos mantêm ali fixados, seduzidos, e crentes na existência do Hell's Club.



Se a edição de cor é o garante da unidade audiovisual, aquilo que verdadeiramente garante a cola narrativa de todo o filme é o trabalho de enorme minúcia realizado sobre o "gaze" (o olhar de cada personagem no enquadramento). Toda a história é construída com base nos olhares dos personagens de cada filme, com Antonio Maria Da Silva a trabalhar cirurgicamente o cruzamento constante de olhares entre os diferentes actores, indo mesmo além, quando coloca o mesmo actor mas em diferentes filmes, como que a olhar para si próprio, sem dúvida daqueles momentos que marcam qualquer trabalho na mente do espectadores.

"Hell's Club" (2015) de Antonio Maria da Silva

Analisando o canal YouTube de Antonio Maria Da Silva podemos verificar como tudo isto pode ser novo para nós, mas não é algo recente, nos seus trabalhos anteriores podemos notar que há vários anos que ele vem trabalhando a imaginação de conflitos cinematográficos por meio de remontagens e remisturas de filmes tais como Bruce Lee vs. Bruce Lee (2013), ou Terminator vs. Robocop (2010). Aliás, o seu canal Youtube revela-se interessantíssimo para compreendermos o processo evolutivo das suas competências de edição e composição audiovisual. São várias dezenas de vídeos, essencialmente mashups, que podemos aí encontrar, criados ao longo dos últimos sete anos, que funcionam como uma evidência clara de o talento resulta da prática, da persistência, da vontade de continuar a fazer mais, e sempre melhor.

janeiro 25, 2015

A estética emocional do ponto-de-vista

Confusion Through Sand” (2014) é uma animação magistral. Financiada no Kickstarter, chegou em ante-estreia ao Festival SXSW, e estreou este mês no canal PBS. “Confusion Through Sand” é um trabalho que começa por nos impactar pelo ponto de vista, em constante mudança de perspectiva, apesar de realizado em desenho em papel, e pelo storytelling audiovisual, com a sua capacidade para nos transportar para o cenário representado, e nos colocar literalmente dentro da cabeça do seu personagem.




Vejam o filme e depois vejam o making-of (abaixo), vale a pena para perceberem como foi conseguido o trabalho do ponto-de-vista, que nos impressiona tanto. Em poucos segundos o filme agarra-nos, e não mais nos deixa até que surgem os créditos finais, tal é o ritmo imposto, não apenas visual mas sonoro e narrativo.

Em certa medida sinto que esta forma de trabalhar a apresentação da acção, como se tivéssemos uma câmara em cima do personagem, colada a ele, com tremuras, imitando a atenção de um soldado em cenário de guerra, ou seja com movimentos rápidos, sacadas e saltos, é central para nos transportar para o interior do soldado. Em certa medida esta animação faz-me pensar, em termos de linguagem audiovisual, que mais eficaz do que a câmara subjectiva, ou em primeira-pessoa, é a câmara que imita os personagens, aliás algo que se tem vindo a tornar norma, se pensarmos que nos anos recentes os planos estáticos praticamente desapareceram, temos quase sempre câmara ao ombro em movimento constante. Por outro lado a câmara subjectiva nunca funcionou muito bem, como continua a não funcionar nos videojogos. Aqui temos uma câmara como se fosse um personagem, mas temos o nosso personagem sempre em cena, empatizamos com ele, mas empatizamos através de uma mímica visual que parece servir de intensificador da expressividade desse personagem.

Confusion Through Sand” (2014) de Danny Madden (Ornana)

Nos momentos de maior tensão, ajuda imenso o minimalismo visual, e a ocupação do ecrã pelo indefinido, que gera confusão em nós, e impacto na tensão, isto é algo que a animação faz muito bem, porque o seu material plástico se presta muito bem a tal. Ainda assim mesmo aqui, o facto do ponto-de-vista nunca parar e entrar em círculo, imita mais uma vez muito bem o que se está a passar com a visão do nosso personagem, e nós que só vemos através da câmara, vemos o que ele vê, e como ele vê, que é pouco ou nada, com a confusão a enfatizar toda a tensão do momento.

Todo este trabalho fez-me agora recordar o magnífico plano sequência da série "True Detective". Interessante como aí me liguei mais aos problemas logísticos, e menos estéticos. Talvez porque sendo uma câmara real, filmado em tão pouco tempo, apesar de seguir os personagens e forçar a tal perspectiva mimica de que falo aqui acima, sente-se menos que aqui. Aí a câmara parece mais limitar-se a seguir os personagens, falta-lhe raio de acção, falta manobra, para nos transportar para dentro de Matthew McConaughey. Ainda assim é um claro movimento da linguagem audiovisual neste sentido da mimica, menos do que no sentido do cinema clássico, como dei a entender nesse texto que fiz.

É muito bom ver como a linguagem vai evoluindo, e como continuamos a conseguir surpreender-nos com uma arte que tem mais de um século.

Making-of

novembro 08, 2014

escrevendo com câmara

Nuri Bilge Ceylan confirma-me mais uma vez, com "Three Monkeys" (2008), porque é um dos meus realizadores preferidos da atualidade. O seu cinema tem um poder absolutamente literário, mais até... tanto do que se sente em frente da tela me questiona se o poderia sentir em face da palavra escrita… Cada enquadramento traz consigo um grau de humanismo tão denso, fazendo sofrer ali com os seus personagens… por breves momentos senti na pele um questionamento profundamente camusiano emergir das suas personagens…


É uma obra rara e forte, uma jóia da arte cinematográfica. É um portento por tudo o que consegue dizer sem verbalizar, sem descrever, encenando, colando na linguagem à pele dos actores tudo o que quer dizer, exponenciando tudo com uma câmara que mais parece uma caneta, por tudo aquilo que expressa, como se estivesse escrevendo directamente em cada quadro, cada movimento, cada evento...


Nada mais me apetece dizer, é um filme para se ver, para cada um sentir, as palavras cabem a cada um, dentro de si…


Nota: o título refere-se ao provérbio, "see no evil, hear no evil, speak no evil".

outubro 07, 2014

Aprender com Soderbergh e Spielberg

Steven Soderbergh resolveu dar uma masterclass brilhante sobre encenação (“staging”) no seu blog. Como ele diz, a encenação como arte de colocar em cena provém do teatro, e se no cinema também se pode assim chamar, esta representa mais do que colocar em cena. Nesse sentido temos de perceber que aquilo que Soderbergh aqui acaba por definir como encenação, é no fundo a direcção cinematográfica. Ou seja, a composição da cena, a escolha dos planos e os padrões de edição fazem tudo parte do trabalho de plastificação da ideia em imagem.




Assim a particularidade desta aula assenta nas ferramentas escolhidas por Soderbergh para explicar a encenação. Soderbergh pegou numa cópia de “Raiders of the Lost Ark” (1981), o primeiro filme da série Indiana Jones, e retirou-lhe o som e a cor, e colocou-o online. Pode parecer algo simples, básico e banal, mas longe disso. O resultado desta operação, diga-se original, é o de permitir aos interessados na arte, o focar-se sobre a sua essência. No caso do som, Soderbergh acabou por lhe adicionar uma banda sonora ambiente, mas posso dizer que das várias cenas que estive a analisar, acabei por preferir retirar o som completamente, já que por vezes me sentia a ser levado pela música. Ficam as instruções para visionamento, muito simples e claras:
“So I want you to watch this movie and think only about staging, how the shots are built and laid out, what the rules of movement are, what the cutting patterns are. See if you can reproduce the thought process that resulted in these choices by asking yourself: why was each shot—whether short or long—held for that exact length of time and placed in that order?
Claro que se Soderbergh escolheu este filme, não foi ao acaso. Spielberg não é um mero realizador de Hollywood, foi durante muitos anos considerado um mago de hollywood, e a razão para tal não se prende com a capacidade para fazer dinheiro, embora também, mas essencialmente com a sua capacidade para plasmar na perfeição, ideias na tela. Como refere Soderbergh, o trabalho de encenação de Spielberg neste filme é "matemática visual de alto-nível". Contudo não deixa de referir que Spielberg, com o tempo, foi perdendo parte destas capacidades.

Um outro apontamento muito relevante deste exercício acaba por surgir mais por acaso, do efeito de retirada da cor, que nos permite assim ganhar uma noção muito mais cristalina da qualidade da fotografia de Douglas Slocombe.

O filme completo só pode ser visto na página do Soderbergh, o seu embebimento noutros sites está bloqueado por razões de copyright.