novembro 22, 2021

Divertindo-nos até à Morte

"Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business" é um livro de 1985, considerado um clássico dos estudos dos média, tendo servido para elevar Neil Postman ao nível de McLuhan, ambos visionários e profetas dos média. Por esse lado, tendo a concordar, a abordagem é próxima, ainda que Postman seja mais organizado e regrado, ambos tendem para uma escrita que tem mais de épico e menos de académico. Mas se a capacidade de criar boas metáforas é importante, porque ajuda à compreensão do complexo por um maior número de pessoas, não é condição suficiente de análise e criação de conhecimento. Por isso, não admira que os legados maiores de ambos sejam os títulos dos seus livros.

Postman é mais regrado que McLuhan, mas isso apenas serve para organizar um discurso mais coerente, menos aforístico, e mais empenhado no aprofundar das questões que o vão assaltando. Contudo, fica-se por aí. "Amusing Ourselves to Death" apresenta toda uma tese sobre o discurso televisivo, mas fá-lo sem qualquer suporte, empírico ou ensaístico. Não querendo falar partir dos dados, que os havia, era preciso pelo menos uma metodologia, e nem isso aqui temos. Postman limita a sua base de conhecimento ao anedotário pessoal e alguns textos de jornal e entrevistas de televisão, que usa para suportar os seus devaneios. Escolhe um ponto e disserta, deambula, escrevendo bem e apresentando ideias credíveis, mas não chega a passar do nível da coluna de jornal.

Naturalmente que ler este livro em 2021 é muito distinto de o fazer em 1986. Vivia-se a época de ouro dos conteúdos televisivos, o presidente dos EUA era uma estrela proveniente do ecrã. Hoje sabemos muito mais sobre o comportamento das sociedades, percebemos melhor como funcionam os média, vemos como a internet tomou o lugar da televisão sem que tenham ocorrido grandes alterações de fundo. O média não é o problema, o média é apenas o nosso reflexo. Talvez por isso mesmo sinta uma maior empatia pela obra de David Foster Wallace que de algum modo surge a partir do título desta obra, "Infinite Jest" (1996) (análise VI).

Em defesa de Postman, temos o facto de o meio de Televisão ser um meio muito difícil de trabalhar. Não existe um discurso televisivo, quase cada género de programa tem o seu. Não é possível generalizar um discurso quando este se distribui por séries de ficção, anúncios publicitários, telejornais, concursos, programas religiosos, debates políticos. Sim, está tudo concentrado na mesma caixa, mas os parâmetros discursivos são totalmente distintos, desde logo porque os contextos e os públicos são muito diferentes. Não existe homogeneidade, como Postman nos quer fazer entender, e talvez essa seja a grande razão pela qual a academia tende a furtar-se ao aprofundar do estudo da televisão, tendendo no campo do audiovisual a refugiar-se no cinema. Diga-se que esta ideia do Entretenimento como resposta para tudo o que se desconhece, também assaltou o início dos estudos de jogos digitais, continuando a surgir aqui e ali, chegou mesmo a cunhar-se uma "funology", mas ainda bem que está também a desaparecer.

Por fim, e pensando em tantos outros livros que vou lendo sobre áreas que não detenho conhecimento aprofundado, da Astronomia à Grécia Antiga, talvez não seja um livro para académicos, e sirva apenas e só, mas talvez bem, o público em geral. As generalizações aqui apresentadas podem ajudar a que um público mais vasto se interesse e por isso mesmo tenha vontade de ir mais longe.


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