Ontem foi dia de estreia da performance
Strings of Thought na CEC Guimarães 2012. Um trabalho criado por Lígia Teixeira e Ivan Franco do colectivo
Milliways. A performance apresentada resultou da combinação de dança contemporânea, cenografia interactiva e media digitais.
Imagem de Liza Wade Green
Em termos de conceito, a coreografia e o cenário evocam uma metáfora das ligações neuronais, da construção de pensamento, derivado dos processos contínuos de tomada de decisão. As bifurcações nas escolhas, os avanços e os recuos, as pausas e as suspensões para a reflexão, as acelerações e travagens nas respostas. Segundo a sinopse,
"No diálogo com a consciência cruzam-se argumentos baseados em valores morais, personalidade, razão e emoção, resultando muitas vezes em dilemas difíceis de resolver. Este olhar para dentro representa o diálogo com o “eu”, a personalidade alternativa que faz parte da condição humana e que tantas vezes induz uma luta interior."
Do conceito surge a obra, e dessa, outra ideia salta à vista, a questão insurgida com Damásio, da luta entre o corpo e a razão, entre a emoção e a cognição. Da performance podemos denotar toda esta tensão como um contínuo da nossa vivência. Quando a mente procura ser o centro de controlo, mas o corpo reage e nem sempre da forma esperada, acabando muitas vezes por ser este a moldar a nossa atitude, a nossa reacção, a nossa decisão. Porque na tomada de decisões, não existe apenas razão, nem apenas emoção, coexistem, dialogam e entram em acordos de compromisso.
Imagem de Radek Konopka
Em termos de cenário e media interactivos, o espetáculo é muito interessante porque explora algumas ideias novas. A performer está presa por uns cabos, e esses cabos por sua vez estão ligados a um sistema de produção sonora/musical. Mas a interacção não é meramente reactiva, Ivan Franco diz-nos que optou por desenvolver sistemas de resposta embebidos em algoritmos generativos para gerar incerteza na reactividade, o que em meu entender evoca um pouco o contínuo caos do pensamento de cada um de nós. Passamos assim parte do espectáculo a tentar perceber quem controla quem.
Na área da dança, Ligia Teixeira não é puxada pelos cabos antes o contrário, é ela quem controla todo o sistema. Daí que o seu trabalho seja ainda mais interessante porque a forma como esta expressa o conceito através do movimento do seu corpo, consegue criar em nós a ilusão de que ela está de certo modo e em vários momentos, a ser literalmente arrastada pelos cabos, ou seja pelos pensamentos e devaneios, e que o corpo ora domina, ora se submete.
Imagem de Liza Wade Green
Visualmente o trabalho funciona com grande impacto visual, não só pela estranheza dos cabos, mas também do guarda-roupa, uma saia comprida em material semi-rígido escuro lembrando códigos de indumentária industrial futura. As luzes que sustentam o peso da escuridão em plena sintonia com o movimento do corpo e as reacções dos "pensamentos" (os cabos). Senti que estávamos perante um cenário de ficção-científica distópico, não só visual mas conceptual também, atirado para as questões do controlo do pensamento, da imobilidade em face do desconhecido promovido pela escuridão e "nevoeiro".
Ainda podem ver hoje e amanhã no
CAAA, Guimarães.