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setembro 12, 2013

"The Craftsman", ou O Artesão

Esta é uma obra prima sobre a filosofia da educação. Sennett vai além do conhecimento atual sobre a criatividade, a arte, o jogo, o valor da educação e do conhecimento tácito. Este livro é um manifesto, cheio de conhecimento, conhecimento pragmático aqui teorizado pela primeira vez.

"A mão é a janela para a nossa mente." Immanuel Kant

1. Análise Geral 

O mantra que guia Richard Sennett em “The Craftsman” é simples, e resume-se à constatação de que "fazer, é pensar". Sennett passa a maior parte do livro a demonstrar exatamente isto, como é que fazendo, nos transformamos, evoluímos. Um dos exemplos mais arriscados, mas mais interessantes, é dado com Wittgenstein, que segundo Sennett mudaria a sua abordagem filosófica do mundo, depois de se ter envolvido na arquitetura da casa da sua irmã. Mas o livro está carregado destes exemplos, que se esforçam por iluminar como a "mão" tem poder sobre a "mente". Como a mão, não é apenas uma ferramenta ao serviço da superioridade do intelecto, mas antes trabalham num conjunto, criando uma dialética que permite à pessoa evoluir e transformar-se. Sennett apresenta-nos aqui uma espécie de neo-iluminismo no qual a mente não é mais o centro, e cita Kant “The hand is the window on to the mind”.

O livro em si, não é fácil de seguir, começa de forma muito apetitosa, revelando factos e atividades sobre os modos de transmissão de conhecimento desde a Idade Média. Depois o miolo do livro está carregado de discussões que se enredam, sem um propósito claramente definido, pelo menos para o leitor. Sennett atira em várias direcções desde a política à psicologia, passando pela história de arte. É no final, após as várias digressões, que Sennett entra de novo no espírito, e discute em profundidade, a Mão, a Preensão, a Percepção e as Competências.

Sennett segue as pisadas de Morris e Ruskin, na defesa dos valores do artesanato, nas competências e saberes do artesão, enaltecendo os seus impactos sobre o ser humano, a comunidade e a sociedade. Mas diferentemente, não dirige a sua raiva para com a máquina, a revolução industrial do séc. XIX, mas antes para a sociedade como um todo, que não tem sabido, ideologicamente, respeitar o trabalho manual. Criaram-se na sociedade métricas que hierarquizaram os sujeitos segundo coeficientes de intelectualidade. São as letras e a ciência que hoje mais se valorizam, enquanto o saber-fazer, fazer com as próprias mãos, é protelado para segundo plano, visto como algo de somenos, irrelevante.

Esta é uma discussão que trespassa todo o trabalho de Sennett, aluno de Hannah Arendt, responsável pelo tratado “A Condição Humana” (1958), no qual se eleva o estatuto do ser racional à condição de realização última do ser humano. Sennett faz aqui apologia do contrário, defendendo o “Animal Laborans” contra o que é defendido pela sua professora, acusando-a de ter contribuído para a criação de um discurso que subjugou a cultura do fazer, e a atirou para as franjas.
“Every good craftsman conducts a dialogue between concrete practices and thinking; this dialogue evolves into sustaining habits, and these habits establish a rhythm between problem solving and problem finding. The relation between hand and head appears in domains seemingly as different as bricklaying, cooking, designing a playground, or playing the cello…” (p. 9) For good craftsmen, routines are not static; they evolve, the craftsmen improve…” (p.266) This study has sought to rescue Animal laborans from the contempt with which Hannah Arendt treated him. The working human animal can be enriched by the skills and dignified by the spirit of craftsmanship.” (p.286)
Como diz Sennett é muito mais fácil conseguir donativos para Universidades de topo, do que para escolas vocacionais. A vocação é vista como uma antítese do iluminismo, do caminho "sagrado" da formação do ser. Porque, supostamente pré-existe, não precisa de ser construída. Um erro, um erro que só muito recentemente começou a ser corrigido. Um erro que se veio sobrepor ao conhecimento adquirido no passado através das Guildas (ver texto: Em Defesa das Guildas). Daí que as escolas vocacionais sejam absolutamente vitais, mas não só.
“[Weber] called the sustaining narrative a “vocation”. Weber’s German word for a vocation, Beruf, contains two resonances: the gradual accumulation of knowledge and skills and the ever-stronger conviction that one was meant to do this one particular thing in one’s life.”
Mas não são apenas as escolas do secundário. A Universidade ao ter-se alargado em termos de matérias, não pode continuar a pretender chegar a todos os assuntos da mesma forma. Sennett exemplifica com o curso de Medicina. Depois de 5 anos de estudos teóricos, nenhum médico, o é ainda, sem pelo menos 2 anos de prática sob orientação de um "mestre". O mesmo acontece na Advogacia e na Arquitectura. Não por acaso, que nestes domínios do saber não baste deter uma Licenciatura, mas seja necessário pertencer a uma Ordem, que não é mais do que uma Guilda.

O que eu me questiono, é porque é que isto não acontece com mais nenhum curso superior!!! Nas Artes, na Comunicação, no Design, na Informática... Serão estes cursos superiores, ou serão menos relevantes para a sociedade, ao ponto de não ser importante que quem ali se forme apresente verdadeiras competências? Porque é disso que se trata nas restantes licenciaturas. Algumas teorias vêm defendendo que a Universidade não deve preparar a pessoa para o fazer, mas antes para o pensar. Concordo com a ideia de que o essencial da base de um curso universitário deve ser o de preparar um sujeito para a autonomia, para "aprender a aprender". Mas não concordo que seja suficiente. Ainda que o conhecimento que o mercado hoje necessita, seja diferente daquele que vai precisar amanhã, o sujeito que atravessou 15 anos de estudo tem de saber fazer, não pode no final de tantos anos apenas saber aprender, porque corre o risco de cair num limbo de indefinição de si próprio. O saber-fazer, como Sennett nos diz aqui, trabalha exatamente esta componente, a construção do Eu, porque mais do que as competências do pensar, as competências do fazer formam-nos.

Claro que aqui joga-se um problema de fundo sobre o que deve ser uma Universidade. Mas no século XXI e após tantas modificações ocorridas no cenário da Universidade, mais do que nunca, esta tem de ser o centro de formação dos cidadãos, e não apenas de académicos.

Debato-me com este problema todos os anos nas cadeiras que lecciono, que compreendem uma fusão entre teoria e prática acentuada, por isso mesmo, as minhas cadeiras são denominadas de “Ateliers”. O problema é que o contacto em atelier com o docente, é demasiado reduzido. Não posso dizer que um semestre seja pouco tempo, mas é-o, quando falamos de 3 ou 4 horas semanais ao longo de 15 semanas. Estamos a falar de 45 horas, ou seja de uma semana intensiva de prática, nada mais. Além disso, numa relação de 1 para 20 (e já me devo regozijar) torna impossível qualquer aprendizagem por exemplo e imitação.

Sennet exemplifica como a arte de saber fazer melhora o sujeito, o torna autónomo,
  • através da negociação entre autoridade e autonomia, enquanto no processo de aprendizagem (no workshop do mestre)
  • através da construção de simbiose com a acção e objecto, trabalhando com as forças do objecto, usando a menor força e a melhor acção, antecipando o que fazer (exemplos detalhados no livro: construção de túneis por baixo do rio Thames; chefs de cozinha no corte; o vidreiro que antecipa o estado seguinte do vidro quente)
  • através do brincar, porque “in play, is the origin of the dialogue the craftsman conducts with materials (..) a school for learning to increase complexity.” (p.272)
Porque na verdade, apesar de termos sido capazes de proceder ao registo de muito do conhecimento tácito, continua a faltar-nos muito daquilo que está implícito nesse conhecimento. Começámos por registar o conhecimento sob linguagem escrita, e vimos quão difícil era fazê-lo. Sennett dedica um capítulo inteiro a este problema, “Expressive Instructions” (pp179-193), que é para mim um dos pontos mais altos do livro, capaz de exemplificar os problemas reais do conhecimento tácito, e da sua dificuldade de transmissão e apreensão. Como diz Sennett, é preciso "mostrar, não contar".
“Language struggles with depicting physical action, and nowhere is this struggle more evident than in language that tells us what to do. In the workshop or laboratory, the spoken word seems more effective than written instructions. Whenever a procedure becomes difficult, you can immediately ask someone else about it, discussing back and forth, whereas when reading a printed page you can discuss with yourself what you read but you cannot get another’s feedback. Yet simply privileging the speaking voice, face-to-face, is an incomplete solution. You both have to be in the same spot; learning becomes local. Display translates into a craft command frequently given young writers: ‘‘Show, don’t tell!’’ In developing a novel this means avoiding such declarations as ‘‘She was depressed,’’ writing instead something like ‘‘She moved slowly to the coffee pot, the cup heavy in her hand.’’ Now we are shown what depression is. The physical display conveys more than the label. Show, don’t tell occurs in workshops when the master demonstrates proper procedure through action; his or her display becomes the guide.” (p.179)
Neste capítulo um dos pontos mais altos na exemplificação dos problemas reais do conhecimento tácito, e da sua dificuldade de transmissão e apreensão, surge com as 4 receitas escritas por 4 chef's diferentes. Cada um dos chef's tenta explicar como se preparar o famoso prato francês “Poulet à la d’Albufera”, uma receita que implica desossar a galinha e depois levá-la ao forno. Sennett classifica cada uma das descrições da seguinte forma

1 – “Denotação Morta”, Chef Richard Olney (p.182)
Excerto descrição: “Sever the attachment of each shoulder blade at the wing joint and, holding it firmly between the thumb and forefinger of the left hand, pull it out of the flesh with the other hand...”

Análise de Sennett da receita: “Olney tells rather than shows. If the reader already knows how to bone, this description might be a useful review; for the neophyte it is no guide (..) The language itself harbors a particular cause for this looming disaster. Each verb in Olney’s instruction issues a command: sever, pull, loosen. These verbs name acts rather than explain the process of acting; this is why they tell rather than show. For instance, when Olney counsels, "Force the flesh loose from the breastbone, working along the crest", he cannot convey the dangers of tearing the chicken’s flesh just below the bone crest. In their sheer number and density the verbs cast an illusory spell; in reality, the verbs are at once specific and in- operative. The problem they represent is dead denotation.”

2 – “Ilustração por Simpatia”, Chef Julia Child (p.184)
A receita segundo Sennett: “Stretching over four printed pages, her recipe divides into six detailed steps (..) In each stage she expresses forebodings. For instance, she imagines the neophyte picking up the knife and counsels: "Always angle the cutting edge of knife against bone and not against flesh".”

Análise de Sennett da receita: “Child’s recipe reads quite differently than Olney’s precise direction because her story is structured around empathy for the cook; she focuses on the human protagonist rather than on the bird. The resulting language is indeed full of analogies, but these analogies are loose rather than exact, and for a reason. Cutting a chicken’s sinew is technically like cutting a piece of string, but it doesn’t feel quite the same. This is an instructional moment for her reader; ‘‘like’’ but not ‘‘exactly like’’ focuses the brain and the hand on the act of sinew cutting in it- self. There’s also an emotional point to loose analogies; the suggestion that a new gesture or act is roughly like something you have done before aims specifically to inspire confidence.”

3 - "Cena Narrativa", Chef Elizabeth David (p.187)
A receita segundo Sennett: “David describes the making of Poulet à la Berrichonne as though it were a tale from Ovid, the transforming journey from a tough old hen flopped on the butcher’s cutting board to the tender poached dish nestling inside its cushion of parsleyed rice (..) The long recipe works as a once-read procedure: it is an orienting short story one would read before cooking; one might then go to work without referring again to the book. It’s a safe bet that even now not one in a thousand of David’s readers had ever visited the province of Berry, where her recipe originates. But like her mentor the travel writer Norman Douglas, David believed you need to imagine first and fore- most what it’s like to be somewhere else in order to do the sorts of things people do there.”

Análise de Sennett da receita: “This is the scene narrative, in which "where" sets the scene for "how". If you have the estimable privilege of a Middle Eastern uncle (..), you will immediately understand the instructional point of the scene narrative. Words of advice are introduced with the phrase, "Let me tell you a story". The uncle wants to grab your attention, get you outside of yourself, rivet you in an arresting scene. (..)
Effective scene narratives are not perfect encapsulations of a point (..) the more he [your uncle] wants to drive home an indelible message, the less direct will be the connection between the scene he sets and the moral; you’ll work that out for yourself once the frame is set. This is the provocative function of any parable. (..)
In her defense it could be said that David’s purpose is to jolt the reader into thinking gastronomically. Gastronomy is a narrative, with a beginning (raw ingredients), a middle (their combination and cooking), and an end (eating).”

4 - "Instrução através de Metáforas", Chef Madame Benshaw (p. 189)
Receita completa: “Your dead child. Prepare him for new life. Fill him with the earth. Be careful! He should not overeat. Put on his golden coat. You bathe him. Warm him but be careful! A child dies from too much sun. Put on his jewels. This is my recipe.”

Análise de Sennett da receita: “This is a recipe conceived entirely in metaphors. ‘‘Your dead child’’ stands for a chicken straight from the butcher, but making this simple substitution takes away the gravity Madame Benshaw evidently wishes to convey about slaughtered animals; in classic Persian cuisine, animals have an inner being, an anima, no less than human beings. Certainly the command ‘‘Prepare him for new life’’ is a charged image...
Each of her metaphors is a tool to contemplate consciously and intensely the processes involved in stuffing, browning, or setting the oven. The meta- phors do not prompt us to retrace and reverse, step by step, the manner in which a repeated action has already become tacit knowledge. Instead, they add symbolic value; boning, cooking, and stuffing create together a new metaphor of reincarnation. They do so for a point: they clarify the essential objective the cook should strive for at each stage of the work.”

A grande questão que se nos colocam estas receitas, estas verbalizações do acto de fazer, é que a sua aprendizagem não é fácil de transmitir. Não basta apenas a informação, como já tinha aqui discutido antes, mas é necessária uma prática repetida, para que a informação se transforme finalmente em conhecimento, e depois em competência.

O livro de Sennett é de extrema relevância, porque o ser humano não é feito apenas de intelecto. Sem competência técnica, como é que se externaliza esse intelecto? Preocupa-me imenso todo este plano do ensino e aprendizagem, mais ainda quando ouço interesses defender uma universidade baseada no ensino à distância e para milhares de alunos em simultâneo. Porque se queremos que as pessoas internalizem processos, assumam a identidade da profissão, transformem essa profissão e a desenvolvam, não basta passar informação, é preciso mais do que isso. É preciso o contacto humano, a interacção humana, a imitação, a repetição, e o tempo. A criatividade não brota do nada, a formatação é necessária, porque é através dela que surge a educação, um nível de auto-controlo dos instintos. E é desse auto-controlo que surge o conhecimento de si, e do saber. É desse auto-controlo que surge a capacidade para ver além, e ser capaz de criativamente subverter processos. Mas tudo isto demora tempo, e o tempo é algo que a nossa sociedade cada vez menos preza. A propósito de tudo isto falei no texto sobre as Guildas da idade média.


2. Excertos
Tendo em conta a riqueza enorme do livro, deixo mais alguns excertos que sintetizam o que de mais importante, para mim, é dito por Sennett neste livro.

2.1 Competências e o Artesão 

2.1.1 Repetição e o logro da Inspiração (p.37..)
"Skill is a trained practice (..) The lure of inspiration lies in part in the conviction that raw talent can take the place of training. We should be suspicious of claims for innate, untrained talent. ‘‘I could write a good novel if only I had the time’’ or ‘‘if only I could pull myself together’’ is usually a narcissist’s fantasy. Going over an action again and again, by contrast, enables self-criticism. Modern education fears repetitive learning as mind-numbing. Afraid of boring children, avid to present ever-different stimulation, the enlightened teacher may avoid routine—but thus deprives children of the experience of studying their own ingrained practice and modulating it from within.Skill development depends on how repetition is organized. This is why in music, as in sports, the length of a practice session must be carefully judged: the number of times one repeats a piece can be no more than the individual’s attention span at a given stage. As skill expands, the capacity to sustain repetition increases. In music this is the so-called Isaac Stern rule, the great violinist declaring that the better your technique, the longer you can rehearse without becoming bored. There are ‘‘Eureka!’’ moments that turn the lock in a practice that has jammed, but they are embedded in routine."

2.1.2 Qualidade das competências (p.50)
"Embedding stands for a process essential to all skills, the conversion of information and practices into tacit knowledge. If a person had to think about each and every movement of waking up, she or he would take an hour to get out of bed. When we speak of doing something "instinctively", we are often referring to behavior we have so routinized that we don’t have to think about it. In learning a skill, we develop a complicated repertoire of such procedures. In the higher stages of skill, there is a constant interplay between tacit knowledge and self-conscious awareness, the tacit knowledge serving as an anchor, the explicit aware- ness serving as critique and corrective. Craft quality emerges from this higher stage, in judgments made on tacit habits and suppositions."

2.1.3 Artesãos e emoção (p.20)
"All craftsmanship is founded on skill developed to a high degree. By one commonly used measure, about ten thousand hours of experience are required to produce a master carpenter or musician. Various studies show that as skill progresses, it becomes more problem-attuned, like the lab technician worrying about procedure, whereas people with primitive levels of skill struggle more exclusively on getting things to work. At its higher reaches, technique is no longer a mechanical activity; people can feel fully and think deeply what they are doing once they do it well. It is at the level of mastery, I will show, that ethical problems of craft appear
The emotional rewards craftsmanship holds out for attaining skill are twofold: people are anchored in tangible reality, and they can take pride in their work. But society has stood in the way of these rewards in the past and continues to do so today. At different moments in Western history practical activity has been demeaned, divorced from supposedly higher pursuits. Technical skill has been removed from imagination, tangible reality doubted by religion, pride in one’s work treated as a luxury. If the craftsman is special because he or she is an engaged human being, still the craftsman’s aspirations and trials hold up a mirror to these larger issues past and present."

2.2 O Artesão transforma-se no Artista (p.65)
“Probably the most common question people ask about craft is how it differs from art. In terms of numbers this is a narrow question; professional artists form a mere speck of the population, whereas craftsmanship extends to all sorts of labors. In terms of practice, there is no art without craft; the idea for a painting is not a painting. The line between craft and art may seem to separate technique and expression, but as the poet James Merrill once told me, ‘‘If this line does exist, the poet himself shouldn’t draw it; he should focus only on making the poem happen.’’
The contrast still informs our thinking: art seems to draw attention to work that is unique or at least distinctive, whereas craft names a more anonymous, collective, and continued practice.
The two are distinguished, first, by agency: art has one guiding or dominant agent, craft has a collective agent. They are, next, distinguished by time: the sudden versus the slow. Last, they are indeed distinguished by autonomy, but surprisingly so: the lone, original artist may have had less autonomy, be more dependent on uncomprehending or willful power, and so be more vulnerable, than were the body of craftsmen.”
 2.3 A Mão (p.150)
“The Intelligent Hand” - “Frederick Wood Jones (1942) wrote, ‘It is not the hand that is perfect, but the whole nervous mechanism by which movements of the hand are evoked, coordinated, and controlled’’ which has enabled Homo sapiens to develop.
One of the myths that surround technique is that people who develop it to a high level must have unusual bodies to begin with. As concerns the hand, this is not quite true. For instance, the ability to move one’s fingers very rapidly is lodged in all human bodies, in the pyramidal tract in the brain. All hands can be stretched out through training so that the thumb forms a right angle to the first finger.
The fingers can engage in proactive, probing touch without conscious in- tent, as when the fingers search for some particular spot on an object that stimulates the brain to start thinking; this is called ‘‘localized’’ touch.”
2.3.1 Preensão (p.157)
“The technical name for movements in which the body anticipates and acts in advance of sense data is prehension. Prehension gives a particular cast to mental understanding as well as physical action: you don’t wait to think until all information is in hand, you anticipate the meaning.
Thomas Hobbes sent the young Cavendishes into a darkened room into which he’d placed all sorts of unfamiliar objects. After they’d groped about, he asked them to leave the room and describe to him what they ‘‘saw’’ with their hands. He noted that the children used sharper, more precise language than the words they used when they could see in a lit space. He explained this in part as a matter of them ‘‘grasping for sense’’ in the dark, a stimulus that served them to speak well later, in the light, when the immediate sensations had ‘‘decayed.’’
This is therefore also the moment when error becomes clear to the musician. As a performer, at my fingertips I experience error—error that I will seek to correct. I have a standard for what should be, but my truthfulness resides in the simple recognition that I make mistakes. Sometimes in discussions of science this recognition is reduced to the cliché of ‘‘learning from one’s mistakes.’’ Musical technique shows that the matter is not so simple. I have to be willing to commit error, to play wrong notes, in order eventually to get them right. 
In making music, the backward relationship between fingertip and palm has a curious consequence: it provides a solid foundation for developing physical security. Practicing that attends to momentary error at the fingertips actually increases confidence: once the musician can do something correctly more than once, he or she is no longer terrorized by that error. In turn, by making something happen more than once, we have an object to ponder; variations in that conjuring act permit exploration of sameness and difference; practicing becomes a narrative rather than mere digital repetition; hard-won movements be- come ever more deeply ingrained in the body; the player inches forward to greater skill.”

2.3.2 Mão e Olho (p.172)
“The Rhythm of Concentration (..) In learning to make a Barolo goblet, O’Connor passed through stages that resemble those we’ve explored among musicians and cooks. She had to ‘‘untape’’ habits she’d learnt in blowing simpler pieces in order to explore why she was failing, discovering, for instance, that the easy way that had become her habit meant that she scooped too little molten glass at the tip. She had to develop a better awareness of her body in relation to the viscous liquid, as though there were continuity between flesh and glass.
Barolo goblet
Now she was better positioned to make use of the triad of the ‘‘intelligent hand’’—coordination of hand, eye, and brain (..) But she still had to learn how to lengthen her concentration. (..) This stretch-out occurred in two phases. First, she lost awareness of her body making contact with the hot glass and became all-absorbed in the physical material as the end in itself: ‘‘My awareness of the blowpipe’s weight in my palm receded and in its stead advanced the sensation of the ledge’s edge at the blowpipe’s mid-point followed by the weight of the gathering glass on the blowpipe’s tip, and finally the gather towards a goblet.’’
The philosopher Maurice Merleau-Ponty describes what she experienced as ‘‘being as a thing”. The philosopher Michael Polanyi calls it ‘‘focal awareness’’ and recurs to the act of hammering a nail: ‘‘When we bring down the hammer we do not feel that its handle has struck our palm but that its head has struck the nail. . . . I have a subsidiary awareness of the feeling in the palm of my hand which is merged into my focal awareness of my driving in the nail.’’
If I may put this yet another way, we are now absorbed in something, no longer self-aware, even of our bodily self. We have be- come the thing on which we are working.
We might think, as did Adam Smith describing industrial labor, of routine as mindless, that a person doing something over and over goes missing mentally; we might equate routine and boredom. For people who develop sophisticated hand skills, it’s nothing like this. Doing something over and over is stimulating when organized as looking ahead. The substance of the routine may change, metamorphose, improve, but the emotional payoff is one’s experience of doing it again. There’s nothing strange about this experience. We all know it; it is rhythm. Built into the contractions of the human heart, the skilled craftsman has extended rhythm to the hand and the eye.
Rhythm has two components: stress on a beat and tempo, the speed of an action. In music, changing the tempo of a piece is a means of looking forward and anticipating. The markings ritardando and accelerando oblige the musician to prepare a change; these large shifts in tempo keep him or her alert. The same is true of rhythm in miniature.”

2.5. O Workshop Filosófico (p. 286)
Pragmatismo – O artesanato da experiência
"Craftsmanship finds a philosophical home within pragmatism (..) Philosophically, pragmatism has argued that to work well people need freedom from means-ends relationships. Underlying this philosophical conviction is a concept that, I think, unifies all of pragmatism. This is experience, a fuzzier word in English than in German, which divides it in two, Erlebnis and Erfahrung. The first names an event or relationship that makes an emotional inner impress, the second an event, action, or relationship that turns one outward and requires skill rather than sensitivity (..) craftwork, as presented in this book, emphasizes the realm of Erfahrung. Craftwork focuses on objects in themselves and on im- personal practices; craftwork depends on curiosity, it tempers obsession; craftwork turns the craftsman outward. Within the philosophical workshop of pragmatism, I want to argue for this stress more largely: the value of experience understood as a craft.
What does the "craft of experience" imply? We would focus on form and procedure—that is, on techniques of experience (..) the craft of making physical things provides insight into the techniques of experience that can shape our dealings with others (..) I recognize that the reader may balk at thinking of experience in terms of technique. But who we are arises directly from what our bodies can do. Social consequences are built into the structure and the functioning of the human body, as in the workings of the human hand. I argue no more and no less than that the capacities our bodies have to shape physical things are the same capacities we draw on in social relations."

julho 30, 2013

um hino à arte de criar

Foi em tempos tipógrafo, hoje com 97 anos e sérios problemas de visão, cria arte gráfica, com apenas o Microsoft Paint. Muito sinceramente, não sei com que me surpreenda mais, se a idade tão avançada, se a criação de arte visual por alguém com forte debilidade no campo da visão, ou o simples facto de se poder criar algo com qualidade a partir de uma ferramenta como o Paint. Falo de Hal Lasko, do Ohio, EUA.


O computador é aqui uma verdadeira ferramenta de acessibilidade, porque é o simples efeito de permitir o zoom da imagem que possibilita  Hal Lasko continuar a produzir trabalho visual. Ou seja, Lasko trabalha as imagens ao nível do pixel, tal como se produzisse uma ilustração através da técnica de pontilhismo. Claro que para o fazer, e tendo em conta todas as suas limitações de visão e próprias da idade, precisa de imenso tempo, chegando a levar 2 anos para criar uma imagem apenas.




Uma das coisas que mais me impressionou, foi o filho dizer que ele não pára de falar sobre o seu trabalho, que não gosta de ir ao estúdio dele porque depois não consegue sair de lá, o seu pai não pára de lhe mostrar coisas. Isto é deveras impressionante, porque mostra a tenacidade da sua motivação intrínseca. Mas mostra ainda o quão importante é a comunicação na arte. A necessidade do pai mostrar ao seu filho o que faz, e receber feedback, para que faça sentido continuar. Ou seja, a motivação é intrínseca, mas ainda assim precisa de se alimentar. Tal como o filho, o aluno, o aprendiz precisam continuamente de feedback para poder continuar a trilhar o seu caminho.
"he painted on the computer all. the. time. No one knew how important this program would become to Grandpa until he lost some of his vision in 2005 because of wet macular degeneration. Since then Hal has also lost the majority of his hearing. Despite these "setbacks" Grandpa wakes up everyday and is still inspired to create." [fonte]
Só uma motivação tão desmedida como aquela que podemos ver expressa no documentário permitiu que Hal Lasko tivesse claramente evoluído dos primeiros desenhos para os últimos. Podemos notar um claro aumento de complexidade visual, e como o incremento no domínio da técnica acabou por libertar Hal do figurativo realista, permitindo-lhe atingir uma vertente mais impressionista. É um verdadeiro hino à arte de criar.

The Pixel painter (2013) de Josh Bogdan e Ryan Lasko

[via Gizmodo]

fevereiro 28, 2013

a loucura do 3D Printing

O hype em redor do 3D Printing não pára, todos os dias chegam à rede novos vídeos e talks sobre o assunto. Ainda há umas semanas aqui tinha falado do livro de Chris Anderson, Makers que trata o assunto. Entretanto no final de Janeiro chegou à rede a talk da Catarina Mota que se foca sobre o 3d Printing. Depois foi a vez do pessoal do The Creators Project falar sobre 3D Printing. E hoje chega o novo vídeo da série OffBook também para nos questionar sobre 3D Printing.

Crania Revolutis (2012) de Joshua Harker

Começando pela Catarina Mota, especialista em práticas open-source e fundadora do altLab, ela esteve no TEDxStockholm em Outubro passado a falar sobre What we can learn from hackerspaces, a talk foi disponibilizada agora em Janeiro. Aqui fala-nos da cultura hacker no que toca a construção e disseminação de ideias no formato de modelos passíveis de serem depois reconstruídos por qualquer pessoa com acesso a uma impressora 3d.

What we can learn from hackerspaces (2013)

Depois o pessoal do The Creators Project lançou o video Leaders Of The 3D Printing Revolution no qual apresenta alguns projectos bastante interessantes, nomeadamente no campo da Moda.

Leaders Of The 3D Printing Revolution (2013)

Entretanto hoje a OffBook lançou um novo episódio inteiramente dedicado ao assunto, mas questionando diretamente, Will 3D Printing Change the World? O documentário repete um pouco o discurso da Catarina e o filme do grupo Creators Project, mas arrisca um pouco mais com os comentários de Joseph Flahertye da Wired no campo da impressao de orgãos humanos entre outras coisas. Uma das coisas menos interessantes de tudo fica a cargo de Michael Weinberg que vem acenar com a discussão do fim do copyright. Não vou estender o assunto agora, mas voltarei a esse tema num texto futuro em maior profundidade.

Will 3D Printing Change the World? (2013)

fevereiro 23, 2013

um vídeo DIY sobre criação DIY

Pequeno documentário brilhante sobre uma estilista brasileira que cria de modo totalmente independente e assente sobre os princípios do DIY. O documentário é em si mesmo uma homenagem a esses princípios da estilista buscando emular todo o lado manual, artesanal e bastante íntimo das técnicas criativas. A ver e a rever.


Helen Rodel diz, "quero desconstruir a ideia que as pessoas têm do tricô e do crochê" e com isto apenas lançou-se num modelo inovador criando uma nova corrente com recurso a duas técnicas manuais que tinham caído em desuso. Foi este detalhe, de repescar o antigo e torná-lo novo, que diferenciou o seu trabalho e lançou a sua carreira a nível internacional. O documentário apresenta estas ideias, e deixa-nos entrar um bocadinho adentro das ideias da estilista e do seu dia-a-dia marcadamente organizado em redor de aspectos criativos.

Helen Rödel (2011) de Estudos MMXI

janeiro 26, 2013

Makers (2012) de Chris Anderson

Tenho sentimentos mistos sobre o novo livro de Anderson, Makers: The New Industrial Revolution (2012). De um ponto de vista sou um crente nos Makers, nos que fazem acontecer, na motivação intrínseca, na criatividade pessoal. Mas a partir de outro ponto de vista, não posso aceitar a ideia simplista de que vamos transformar todo o modelo industrial num modelo caseiro. Porque apesar de Chris Anderson saber e dizer mais do que uma vez no livro que estamos a falar de nichos e não de todo o espectro da vida social, muitos dos seus argumentos acabam por entrar em paradoxo. Essencialmente porque para afirmar algumas das coisas que afirma tem de partir da condição de que o mundo inteiro vai passar a funcionar neste modelo, o que joga por terra várias das suas previsões futuras. Apesar disto este é um livro que todos aqueles que estudam e se interessam pelo futuro do trabalho, pela tecnologia e pela criatividade devem ler, ainda que com as devidas cautelas.


Chris Anderson foi editor da Wired ao longo de toda a primeira década de 2000 tendo saído no final de 2012 para se dedicar à gestão da sua empresa 3DRobotics, que usa aqui como um dos exemplos base para lançar a conceptualização de todo este livro. Depois de nos ter trazido dois livros imensamente discutidos, The Long Tail: Why the Future of Business Is Selling Less of More (2006) e Free: The Future of a Radical Price (2009) Anderson procura em Makers evoluir as suas ideias do virtual para o real, aplicando exatamente os mesmos princípios que desenhou nos dois livros anteriores: "a cauda longa da distribuição online" e o "modelo de criação grátis". Gostei de ambos os seus livros anteriores que tal como este apresentam como objectivo primário a previsão do futuro dos impactos e efeitos da tecnologia. Mas tanto esses como este sofrem do facto de se apresentarem mais como extensos artigos de revista, baseados em pequenas histórias, do que de estudos em profundidade, tendo em conta tratarem assuntos de grande complexidade.

Em Makers Anderson apresenta-nos o impacto da internet sobre a mudança que está a acontecer dos bits para os átomos. Essencialmente demonstra como os processos de manufactura à escala global estão a mudar drasticamente os modos de produção de bens, e como isso está a produzir impactos acentuados sobre o empreendedorismo, a inovação e a criatividade. O centro da sua discussão baseia-se sobre o aparecimento de duas máquinas - impressão 3d e corte a laser – e de dois modelos de produção/distribuição – conhecimento aberto e crowdfunding. Com estes quatro elementos Chris Anderson assume que é possível mudar todo o modelo industrial, e assim construir a tal Nova Revolução Industrial.

Peças criadas com uma impressora 3d

Assim o que Anderson nos diz é que estes quatro elementos serão capazes de transformar a indústria de produção em massa, que custa milhões e serve milhões, numa nova indústria que produz produtos com supostamente a mesma qualidade dos produtos de massa, mas com as vantagens de poderem ser produzidos em pequenas quantidades (1 a 10 mil) e logo altamente personalizáveis. Deste modo esta nova revolução responderá duplamente às necessidades das pessoas: por um lado permitirá que todos possam construir as suas próprias "coisas" (DIY); por outro permitirá construir as "coisas" segundo os desejos individuais de cada um.

Exemplo dado no livro: Armas da 2ª Guerra Mundial criadas pela BrickArms para preencher o vazio deixado pela LEGO que se recusa a criar armamento contemporâneo para as suas colecções.

O problema que vejo aqui é exatamente o facto de falarmos de “coisas”. Na sua generalidade aquilo que foi apresentado por Anderson ao longo de todo o livro não passa de pequenos exemplos de bens supérfluos, que realmente preenchem buracos deixados vagos pela grande produção, mas que a sua existência per se raramente produz alterações com impacto no mundo, o nas nossas vidas. Aliás ao longo do livro e à medida que vamos ouvindo os exemplos, vou ficando com a ideia que esta nova comunidade de que nos fala Anderson, já existe, aliás sempre existiu, e chama-se de comunidade de inventores. São pessoas que se dedicam a bricolar com ferramentas e tecnologia e dessa forma vão encontrando novas soluções para pequenos problemas. Sempre tivemos comunidades criadas por essas pessoas, e além disso existem empresas que já se especializaram na comercialização dessas ideias como por exemplo a DMail, ou aqueles canais de vendas na TV.

Mas não podemos confundir, como Anderson faz aqui, estes modos de invenção criativa com a investigação científica que é necessária realizar para se poder chegar a processos e modelos capazes de dar origem a um Airbus A380, a uma placa gráfica de alto desempenho, a um motor de combustão eléctrica, etc. Aliás tem até uma certa piada ver Anderson assumir que como os carros estão a deixar de ser mecânicos e estão a passar a funcionar por via eléctrica e digital, estes serão muito rapidamente tomados em mãos pelos novos makers!!! Isto são ideias peregrinas e até perigosas, porque assumem que o desenvolvimento e o engenho humano têm limites. Ou seja que depois de desenvolvido o carro eléctrico, já não vamos mais precisar de ciência para os continuar a melhorar e a evoluir, apenas será preciso trabalhar em cima dos modelos já desenvolvidos realizando pequenas modificações ou pequenos incrementos.

Examine-se a complexidade do motor de um avião a jacto.

Eu sei que não é bem isto que Anderson quer dizer, mas é esse caminho que trilha, quando afirma o fim da grande indústria baseada na colaboração muito estreita e responsável de equipas altamente especializadas para a substituir por comunidades online que dão feedback quando podem, ou quando lhes interessa. Quando afirma o fim da proteção de ideias (conhecimento aberto) e impede que estas possam pagar o esforço de quem tem de parar para pensar. Quando afirma a produção apenas em função daquilo que as multidões estão interessadas (crowdfunding) e esquece que a maior parte da tecnologia que hoje suporta a sociedade não é sequer compreendida pelas multidões. Quando afirma que vamos buscar empregos à China através da automação, e esquece que os que são criados cá, são uma ínfima parte das nossas necessidades, uma vez que usamos robôs porque ficam mais baratos do que a mão de obra na China.

Apesar de toda esta minha análise crítica, julgo que existe algo em que Anderson tem razão, e é sobre os novos modos de vida e trabalho do futuro. Estas tecnologias existem, estão aí e não vão parar o seu processo natural de aumento de automação. Ou seja, com a ajuda da robótica cada vez mais será possível empregar menos pessoas porque 1 pessoa poderá fazer o trabalho de 5, 10 ou 20. Isto aumenta enormemente a produtividade das empresas, a produtividade de um país. Aliás acredito que quando comparamos a produtividade nacional com a de países mais desenvolvidos, o factor essencial que diferencia, não é propriamente a qualidade dos seus trabalhadores, embora a Educação pese bastante, mas pesa ainda mais a quantidade de tecnologia e automação introduzida nas indústrias dos países.

Mas mais robótica implica menos empregos, não? Não propriamente, se conseguirmos fazer evoluir a legislação laboral e fazê-la acompanhar a evolução tecnológica. Não podemos continuar com jornadas de 8 horas. Não é aceitável de um ponto de vista social, que uma empresa empregue 1/4 das pessoas, mas realize lucros 4 vezes superiores. Aliás estou em crer que muito da distorção provocada nos últimos 50 anos entre a classe média e o 1% de milionários se deve exatamente a isto. Nesse sentido a solução está à vista, vai requerer políticos fortes para o fazer, e passa por reduzir a jornada de 8 para 4 horas máximas. Poderemos empregar mais do dobro das pessoas por cada empresa/instituição. A empresa continuará a ser lucrativa, as pessoas continuarão a ter um meio de subsistência. Mas a pergunta que se coloca é, o que farão as pessoas com tanto tempo livre?

A resposta está exatamente neste livro de Anderson, as pessoas passarão a poder construir coisas fora do tempo em que estão no seu emprego diário e chato. Sim porque os empregos chatos e stressantes não deixarão de existir. Ao contrário do que por vezes Anderson parece acreditar, vamos continuar a precisar de canalizadores, de lixeiros, de limpezas, de manutenção de máquinas, de guardas prisionais assim como vamos continuar a precisar de juízes, de professores e formadores, de enfermeiros e assistentes na doença, velhice e deficiência, etc. O mundo está cheio de necessidades que só o ser humano consegue cumprir. E quando a tecnologia evolui, esta não pode ser vista como algo mau para o ser humano. Ela é boa para nós, a única coisa que precisamos de fazer é garantir que exista regulação capaz de impedir grupos restritos de se aproveitarem do avanço desta para ignorar a restante população.

Com a maior parte do tempo por nossa conta, todos poderemos fazer aquilo que nos dá verdadeiro prazer, que nos emociona, que nos garante autoestima, que alimenta a nossa vontade de viver dia após dia. Porque só a condição de Maker, seja através de um processo de criação material ou de criação social, é capaz de nos garantir os meios para atingir o equilíbrio na felicidade.


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janeiro 14, 2013

Toy Story em imagem real

Foi lançado na rede um remake completo de Toy Story (1995) em imagem real criado através dos bonecos de merchandising, fios de pesca, arames, stop-motion, chroma-keying, e muita, muita dedicação. O filme foi criado por Jonason Pauley de 21 anos e Jesse Perrotta de 19, ambos do Arizona, EUA. O remake é quase perfeito, plano a plano, durante 1h20m, impressionante.


Live Action Toy Story (2013) demorou dois anos a criar, o que só por si demonstra todo o empenho depositado por estes dois rapazes. Existe quem fale em obsessão ou fanatismo. Eu vejo para além disso, e encontro aqui algo excepcionalmente bom. Ao fazerem isto, estes dois rapazes criaram algo que é uma obra deles, ainda que sendo um remake completo do filme, está carregado do seu empenho e motivação pessoal. Mas além disso, o trabalho que tiveram durante dois anos está longe de ter sido em vão. Para o fazer tiveram de aprender muito, mas mesmo muito sobre a linguagem cinematográfica, sobre animação, sobre visualização de ideias, sobre a criação de cenários, etc. etc. e o mais interessante é que o fizeram sem se terem dado conta disso. Através de um simples projecto tiveram a oportunidade de aprender mais do que se tivessem apenas escolhido fazer uma cadeira semestral teórico-prática de cinema.

Live Action Toy Story (2013) de Jonason Pauley e Jesse Perrotta

O filme foi lançado ontem no YouTube e já conta com mais de 1 Milhão de visualizações. Mas antes de o fazerem resolveram ir à Pixar mostrar o filme e receber uma espécie de aprovação do estúdio, para evitar que pudessem ser atacados em termos de direitos de autor.

Sobre o potencial criativo do merchandising, e especialmente o do Toy Story já aqui tinha falado anteriormente. Aproveito no entanto para deixar algumas imagens cá de casa, como homenagem à dedicação colocada na construção deste filme.




novembro 13, 2011

Comando (2010), uma produção impressionante a custo zero

Trago uma curta nacional, Comando (2010), realizada por Patrício Faisca e Sonat Duyar com orçamento zero, o que não impediu de arrecadar prémios no Festival de Cinema de Arouca, no Shortcutz Porto e no Shortcutz Lisboa.


Apesar de ter sido noticiado que o orçamento teria sido de 27 euros, supostamente valores gastos na aquisição de arame farpado e materiais de criação de sangue artificial, o projeto encaixa-se no campo dos filmes sem orçamento. Isto porque se fizéssemos uma análise do custo real de produção do filme chegaríamos à conclusão que este ultrapassa vários milhares de euros. O custo reparte-se por três grandes categorias, (1) materiais utilizados (câmaras, microfones, gravadores de som, perches, iluminação, estabilizadores de imagem, defletores, maquilhagem, guarda-roupa, material elétrico, eletricidade, computadores, licenças de software, material de escavação), (2) os locais de filmagem (terrenos, salas de filmagem, salas de arrecadação de materiais, salas de edição), e (3) recursos humanos (atores, figurantes, operadores e produtores). Claro que tudo isto é conseguido a um custo zero graças à capacidade de Patrício Faisca para convocar tudo e todos para a criação de um projeto comum, o que demonstra desde logo o seu enorme talento como produtor cinematográfico.


Para mim mais importante que ter conseguido realizar o filme a custo zero, é ter conseguido criar o projecto e ter conseguido levá-lo até ao fim. Demonstra uma vontade, um empreendedorismo, uma auto-motivação criadora rara no nosso país. Portugal precisa de mais criadores como o Patrício Faisca, que não desistem, que persistem, que levam até ao fim os seus sonhos. Não sendo caso único, felizmente, é de louvar. Aliás o filme fez-me lembrar um outro projeto a custo zero, neste caso de uma equipa americana, que aqui analisei, Killzone: Extraction (2011).


Deixando a produção, em termos de conceção o filme atinge marcas bastante elevadas em termos de realização, cinematografia, montagem e mesmo efeitos. Toda a primeira parte até à entrega da carta ao soldado, está muitíssimo bem desenhada e transposta para o ecrã, não há muito para dizer mas o filme transporta-nos, não nos dá informação sobre o que se passa, mas visualmente comunica-nos que algo de grave se está a passar. Socorre-se de alguns clichés, o que também faz parte do filme de género.


A segunda parte é a que mais impressiona em termos de produção - a trincheira real e os efeitos visuais - mas também o trabalho de cinematografia, montagem e até alguma direção de atores. Esta parte acaba por ser contudo aquela que apresenta maiores fragilidades nomeadamente ao nível do guião o que acaba por fragilizar a realização. A cena é demasiado longa, percebe-se que se queira criar a sensação de desespero no soldado, mas faltam elementos narrativos que a sustentem. A cena é uma colagem completa de uma cena de Apocalipse Now (1979), com a desvantagem de lhe faltar motivação do enredo, ou seja não sabemos o que está em luta, o que motiva aquela trincheira. E isso depois afeta fortemente o fechamento que se transforma em algo pouco gratificante, porque sem substrato.


Apesar de tudo isto é um excelente trabalho, criado por uma equipa com uma motivação extraordinária e que deve ser enaltecida. Esperemos que este projeto abra portas para outras aventuras cinematográficas. Vejam o filme completo aqui abaixo, e depois vejam o excelente making of também.


novembro 12, 2011

Rosa (2011), um hino ao talento criativo

Rosa (2011) foi ontem, 11.11.11, lançado online pelo próprio autor, depois de ter estreado em Maio deste ano no Seattle International Film Festival e ter sido selecionado oficialmente para os festivais Screamfest, Toronto After Dark, Anima Mundi, Los Angeles Shorts Film Festival, tendo sido ainda escolhido para abertura oficial do Sitges International Film Festival neste Outubro de 2011. O filme entretanto gerou tanto buzz internacional que o realizador foi já abordado por alguns estúdios americanos para que se realize uma longa-metragem a partir da curta.


A primeira grande contestação a realizar é que Rosa foi feito integralmente por apenas uma pessoa, o espanhol de 30 anos, Jesús Orellana, com um orçamento de zero euros. Estamos a falar de uma curta de 10 minutos em animação 3d com níveis de produção que estão ao nível de um qualquer estúdio de Hollywood ou do Japão. Orellana terá trabalhado durante um ano inteiro na criação do filme. Apesar de nos revelar que não é um grande aficionado de animação, o seu talento e trabalho de partida, a banda desenhada para a Les Humanoides Associés, está aqui em total evidência.


Rosa apresenta uma narrativa de FC colada a Ghost in the Shell (1995) de Mamoru Oshii, mas num universo próprio criado por Orellana. Impressiona sentir toda a atmosfera criada, as texturas, a iluminação, os ambientes. Sente-se o grafismo sujo, dar vida a um mundo distópico, mas quente. Ao contrário de Ghost não estamos num universo azulado frio, mas alaranjado bastante quente, como que adocicado. Sentimos o calor dos personagens apesar de percebermos que possuem pouco de humano.


O filme é tão perfeito que parece quase um crime falar dos problemas. Antes disso dizer que ter um objeto destes integralmente criado apenas por um ser humano, é deveras espantoso. Quando o filme termina e vemos apenas 1 nome surgir nos créditos é quase inacreditável. Estamos a falar de muitas funções necessárias para criar um filme destes, das quais o guião, personagens, texturas, modelação, animação, ambientes, iluminação, música, cinematografia, montagem, efeitos visuais, efeitos sonoros são algumas das mais evidentes. Nesse sentido diria que de todas as que sinto que precisariam de algum trabalho extra são a animação dos personagens e a montagem, ainda assim estou a falar de pequenos ajustes para ficar perfeito. Mas vejam o filme, experienciem e sintam-se inspirados para os vossos projetos.
En un futuro cercano, la humanidad ha desaparecido, dejando tras de sí un enorme megalópolis carente de vida natural. De la destrucción despierta ROSA, un robot parta del proyecto KERNEL, el último intento de la humanidad de restaurar el ecosistema terrestre recuperando las plantas extinguidas desde largo tiempo atrás. Vagabundeando por las ruinas de la ciudad muerta, Rosa pronto descubrirá que no es la única parte del KERNEL que ha despertado.


ROSA
Autor: Jesús Orellana
Ano: 2011
País: Espanha
Duração: 9min 50sec
Aspect Ratio: 2:35 (Scope)
Digital 2K. Dolby Stereo
385 shots (ASL: 1'6 seconds)


Atualização 22:05, 20.11.2011
O site Short of the Week realizou uma pequena entrevista com o autor, Jesús Orellana, que vale a pena ler. Ficámos a saber que o 3d foi feito com recurso ao Blender e ao Daz Studio. Mas o que continua a impressionar-me é Orellana ter feito um filme deste calibre integralmente sozinho, e sem qualquer experiência em animação ou 3d.
When I first started I had absolutely no idea about animation or video editing, so as a graphic-novel artist, the plan was to make a smaller 2D short film with drawings and very limited animation. Then I started experimenting with some 3D software I used previously for reference in my drawings. I did some rough animations and was very happy with the results. The rest was a lot of tutorials, time, and hard work. I worked on the short full-time, all day, all year. The first six months were mainly a trial and error process.

novembro 04, 2011

Um filme, 5 min, 6 mil pinturas

Khoda (2008) é uma curta de animação premiada que já tem alguns anos mas que apenas agora conheci. Se a trago aqui é porque para além do seu valor enquanto filme, fiquei maravilhado com as notas de produção do mesmo, e julgo que isso merece ser enaltecido, mesmo que seja passado todo este tempo. Khoda foi criado por Reza Dolatabadi como projecto de fim de curso quando estudava na School of Media Arts & Imaging, University of Dundee em 2008. O projecto do filme foi apresentado por Reza a partir de uma premissa simples:
What if you watch a film and whenever you pause it, you face a painting? 
(clicar para ver em HD)

Esta premissa implicaria que cada frame correspondesse a uma pintura. Ou seja, tendo em conta que cada segundo fílmico precisa de 24 frames, então seriam precisos 1440 quadros por cada minuto de filme. Como o filme tem quase 5 minutos, descontando os genéricos, Reza diz-nos que foram criados ao todo, 6 mil pinturas, num processo que se arrastou por dois anos.

(clicar para ver em HD)

Não consigo ter certezas sobre o meio de produção das pinturas. Apesar de me parecerem pinturas a óleo pelos efeitos criados na animação, quando analisadas as imagens em HD disponibilizadas pelo próprio no Flickr fico com dúvidas. Apesar de não ter dúvida quanto ao facto de serem imagens todas elas criadas manualmente, julgo tratar-se não de óleo, mas sim pintura digital. Aliás o que faz mais sentido tendo em conta a natureza do curso para o qual este projeto foi criado. Isto não faz menos do trabalho porque não é pelo facto de ser criado em computador que é um trabalho menor. Como digo, não tenho dúvidas que se trata de quadros todos eles criados à mão, um a um.

The Old Man and the Sea (1999) de Aleksandr Petrov

Já agora para ver um filme integralmente concebido a óleo sobre vidro, e porque nunca é demais citar esta obra-prima, The Old Man and the Sea (1999) de Aleksandr Petrov. Um filme com 19 minutos, para o qual foram criadas mais de 29 mil pinturas, durante dois anos por Aleksandr Petrov e o seu filho Dmitri Petrov. Pode ser visto na íntegra no YouTube.

(clicar para ver em HD)

Ainda em relação ao Reza é muito interessante saber que tem trabalhado para a Axis Animation um dos mais importantes estúdios de animação digital europeus, responsáveis por filmes como o cinemático de Under Siege ou o de Dead Island. Entretanto na Axis foi responsável pelos backgrounds da fabulosa mini-série de filmes promocionais de Sucker Punch.



Khoda (2008) de Reza Dolatabadi


Update 22:00, 4.11.2011: Em conversa no Facebook a Catarina Carneiro de Sousa fez-me chegar a textura, Backblech 02 criada por Sandra Wollberg, que entretanto confirmei ter sido utilizada na composição das pinturas do filme, o que vem reforçar a ideia de que se trata de pintura digital.

setembro 03, 2011

Kingdom Rush (2011)

Kingdom Rush é um dos melhores, se não mesmo o melhor jogo de Tower Defense lançado na plataforma Flash em free-to-play de sempre. O que o torna tão interessante é a enorme variabilidade - de inimigos, torres, upgrades e conquistas - conseguida no gameplay face ao que o género está habituado.


Para além da variabilidade, o sentido de progressão que o ritmo do gameplay consegue incutir na experiência é muito claro e aditivo. Claro que ajuda imenso o facto de terem optado por não tornar o jogo muito difícil, o que não quer dizer que não tenhamos níveis bem complicados de resolver (mas nada que a ajuda por via de excelentes vídeos de estratégias não possa solucionar).





Por outro lado o jogo possui uma arte de excelência tanto gráfica como sonora. Todo o trabalho 2d é apresentado sob um traço perfeito de comic com uma excelente seleção de cor tudo sob um tom alegre e bem disposto. Desde os personagens aos mapas, sente-se o trabalho colocado em cada elemento, o enorme detalhe que cada figura apresenta. A música confere o sentido épico e de progressão necessário ao ritmo do jogo.



É extremamente interessante ver que Kindom Rush foi desenvolvido pela Ironhide Game Studio que não é mais do que um pequeno estúdio do Uruguai criado, em 2010, por três pessoas: Alvaro Azofra, Pablo Realini e Gonzalo Sande. Não sendo este o seu primeiro jogo, já tinham lançado em 2010 Clash of the Olympians e Soccer Challenge 2010.


Kingdom Rush sendo um jogo free-to-play foi lançado sob licenciamento da Armor Games e desse modo o único site onde é possível jogar é no site da própria Armor Games. Para além disso e dada a qualidade do jogo podemos ver que entretanto os seus criadores já acrescentaram uma componente de Premium Content, ou seja mais uma forma de fazer dinheiro com o jogo, mas mais do que isso, uma forma de garantir o contínuo desenvolvimento do mesmo.


E para demonstrar o quanto gostei deste jogo, aqui fica o ecrã final do mesmo. Dos poucos jogos Flash que terminei.


agosto 22, 2011

A melancolia de Grey

Grey (2011) pertence a todo um novo mundo de jogos independentes, mais preocupados com a mensagem, a ideia, a história, do que com a originalidade do gameplay. O gameplay aqui serve o propósito de levar o jogador a participar do mundo do jogo, a tornar-se íntimo da relação entre um rapaz e uma rapariga.


É um jogo pequeno, rápido, sem grandes dificuldades, que vale pela mensagem que passa. É adorável no sentido em que se bate por trabalhar áreas emocionais pouco comuns nos videojogos, como a tristeza e a melancolia.


Grey de Kevin McGrath apresenta-se sob uma capa de simplicidade passada pela ação do menino que percorre o mundo em busca dos objetos perdidos da menina. A cada objeto encontrado o menino tem de o levar de volta. À medida que a menina vai recebendo os objetos o mundo vai-se transformando. É um jogo no qual podemos sentir a progressão narrativa a acontecer, no final faz-se luz sobre toda a simplicidade apresentada.


Aqui abaixo podem ler uma interpretação da história por detrás do jogo. Deixo-a a cinza para que leiam apenas depois de jogarem. Joguem, não leva mais de 15 minutos, e depois voltem aqui para ler e ver se concordam.

**SPOILER de Little Hat**
It seems that the boy you play as is a dead one who exists only in the girl's memories. As first, the world is void of colour in the mind of the girl, who cannot let go because of her sadness. As you give her the things that she like, you give colour to her empty world. Once you help her let go of her sadness, and let go of your death, then she can finally be happy and live her life full of colour; grey no more.