O jornal The Guardian fez ao longo das últimas semanas
um balanço destas primeiras duas décadas do século XXI em termos da cultura criada no domínio específico das artes e entretenimento — em 11 áreas:
Livros, Filmes, Videojogos, Teatro, Programas/Séries TV, Arte, Dança, Álbuns, Obras de Música Clássica, Comediantes e Arquitetura. Para apresentar esse balanço, recorreu ao comum meio de listas ordenadas que são sempre responsáveis por gerar celeuma, mas continuam a ser o melhor método para efeitos de catalogação. O melhor, não pela sua natureza avaliativa, algo que em cultura e artes deixa sempre muito a desejar, mas pelo modo como apresenta à sociedade um apanhado daquilo que um conjunto de especialistas considera ser digno de continuar experienciar, e que é imensamente relevante porque
é destas listas que se geram os cânones, sem os quais nos perderíamos na imensidão de produção que o globo que habitamos produz num único dia. Estas vão servindo ainda para manipular o viés internacional cultural que está hoje completamente inquinado pelos EUA e UK, não apenas por causa do inglês, mas também porque a sua cultura mais competitiva tende a privilegiar a produção continuada destas listas. Diga-se que não é um trabalho fácil, e nos tempos que correm e num jornal aberto e gratuito, absolutamente impressionante.
Começar pelo todo das áreas escolhidas, percebe-se um enfoque na arte e na narrativa, notando-se a inclusão de duas áreas que apenas recentemente começaram a ganhar projeção: os Programas de TV e os Comediantes. Os primeiros claramente pela enorme força das séries de televisão que se têm vindo a transformar no grande meio de cultura de massas, lugar que já tinha pertencido à televisão, passou para o cinema, e agora parece estar a voltar à televisão. Interessante recapitular como os videojogos tinham sido anunciados como o meio do século XXI, mas até ao momento ainda não conseguiu nada que se aproxime das demografias das séries de televisão. Os comediantes sendo também uma novidade, surgem também pela força da televisão, seja por cabo ou stream ou simplesmente na rede, eles surgem enquanto programa de televisão. E ainda que possam encher teatros e auditórios, a sua força de atração e relevância social é emanado por esses programas, o que nos alerta para mais uma das muitas visões que os futuristas nos deram no passado, o fim da televisão.
Ainda no campo das áreas, e apesar de serem já bastantes, e nem saber se o Guardian não irá continuar a publicar mais listas, estranha-se a não presença de Banda Desenhada, ainda que alguns livros surjam no meio da lista de Livros, e podíamos dizer o mesmo da Pintura ou Escultura que desapareceram no meio das Artes, engolidas pela Arte Contemporânea, assim como a Animação e as Curtas-metragens. Ainda assim notamos também a falta de uma maior atenção às obras Multimédia — Webdocs, Filmes Interativos, Realidade Virtual e Aumentada, Instalações, Transmedia — que parece quase sempre existir por via dos videojogos, pela simples razão do dinheiro que movimentam.
Sobre as listas, comento apenas 3 —
Filmes,
Livros e
Videojogos — por serem aquelas que sigo com maior proximidade a produção de cânone. Não discordando de nenhuma das primeiras obras de cada lista, estranhei o facto de discordar bastante do resto dos Top 5, nomeadamente todos apresentam pelo menos 2 obras que não figurariam no meu Top 50 ou mesmo 100. No cinema — "12 Years a Slave" e "Under the Skin". No caso dos jogos — "Legend of Zelda: Breath of the Wild" e "Dark Souls". No caso dos livros, "Gilead" e "Never Let Me Go". Estranhei esta minha reação, algo visceral, porque como disse acima os cânones são importantes, e por isso sentir-me em desacordo tão profundo deverá querer dizer algo. Talvez a única explicação seja apenas e só que estou a ficar velho, e desfasado do tempo em que as modas são definidas. Não é a primeira vez que o sinto, já o senti antes ainda que seja algo mais recente. Como se nós fossemos envelhecendo e os mais novos fossem tomando o nosso lugar no domínio das correntes culturais e de entretenimento e os gostos gerais fossem naturalmente sendo atualizados.
Como criticar é sempre mais fácil do que fazer, e porque fazer listas limitadas apenas ao século XXI no caso da literatura é altamente complicado pelo que não pode ser equacionado pela data de produção, e no caso dos videojogos porque praticamente tudo cai dentro deste período. Deixo assim as minhas três lista de 5 obras em cada uma das áreas:
LIVROS
1.
A Mancha Humana, Philip Roth, 2000, EUA
2.
Liberdade, Jonathan Franzen, 2010, EUA
3.
Os Dias do Abandono, Elena Ferrante, 2002, Itália
4.
Uma Questão de Beleza, Zadie Smith, 2005, UK
5.
A Estrada, Cormac McCarthy, 2007, EUA
FILMES
1.
In the Mood for Love, Wong Kar-Wai, 2000, China
2.
The Turin Horse, Béla Tarr, 2011, Hungria
3.
A Separation, Asghar Farhadi, 2011, Irão
4.
The Return, Andrey Zvyagintsev, 2003, Rússia
5.
Three Monkeys, Nuri Bilge Ceylan, 2008, Turquia
VIDEOJOGOS
1.
Ico, Fumito Ueda, 2001, Japão
2.
The Last of Us, Bruce Straley & Neil Druckmann, 2013, EUA
3.
Papers, Please, Lucas Pope, 2013, EUA
4.
Her Story, Sam Barlow, 2015, EUA
5.
Brothers: A Tale of Two Sons, Josef Fares, 2013, Suécia
Como disse, os grandes videojogos foram todos feitos já neste século, por isso é muito difícil fazer uma mera lista de 5. Adiciono aqui mais alguns que podiam ter entrado: The Witcher 3: Wild Hunt (2015), Max Payne (2001), Mass Effect Trilogy (2007-2012), The Stanley Parable (2013), Soma (2015), Inside (2016), The Sims (2000), Gris (2018), This War of Mine (2014), Gone Home (2013), The Walking Dead (2012), Thomas Was Alone (2012), Life is Strange (2015), Minecraft (2009),
entre outros. Já agora, reparo que tenho 3 jogos de 2013 nos 5, mais 2 referenciados neste lista alargada, algo para analisar e refletir posteriormente.