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janeiro 01, 2023

A metáfora em Lobo Antunes

Não é bem uma novela, é mais um poema em prosa sobre as memórias de um ex-combatente da Guerra Colonial Portuguesa, um militar médico português enviado para Angola. Neste perfil encaixa o próprio autor, António Lobo Antunes, que tendo terminado a licenciatura em medicina (a especialização em psiquiatra só viria depois) foi destacado para guerra colonial em Angola, entre 1971 e 1973. Neste sentido, podemos dizer que se trata de uma obra autobiográfica, carregada de emocionalidade, transposta na forma de uma escrita profundamente poética.

dezembro 24, 2022

A Torre dos Segredos (2022)

O título original — "A History of Water" — não faz muito sentido, porque não explicando do que trata, também não aproxima o leitor do sentimento geral da obra. Ainda que se possa dizer que a obra se foca em dois viajantes da era dourada das descobertas marítimas portuguesas: Luís de Camões (1524 - 1580) e Damião de Góis (1502-1574). Mas o sentimento é claramente melhor captado pelo título português — "A Torre dos Segredos" —, que não só evoca o relato das particularidades das vidas desses dois viajantes, mas denota também a presença central da Torre do Tombo, a torre onde desde 1378 a história de Portugal foi sendo escrita.

dezembro 27, 2020

O Mito de uma Revolução sem Sangue

As histórias que contamos e a História nem sempre estão em sintonia. Prevalecem as teorias que queremos, a verdade distorcida pela preferência do como deveria ter acontecido, desprezando-se os elementos que possam perturbar essa visão una e coerente, mesmo que longe da verdade. O caso dos mortos do 25 de Abril 1974 é um caso paradigmático disso mesmo. Se perguntarem à grande maioria dos portugueses, residente ou não no nosso país, eles responderão como esta Guia ou este Polícia responderam em julho 2015:

Guia em Lisboa: "Desculpe, mas deve estar enganada. Não morreu ninguém no 25 de Abril."

Polícia em Lisboa: "Mortes no 25 de Abril? Aqui? Só pode estar enganada."

E no entanto, os mortos existiram, mas mais importante ainda, as pessoas existiram, tinham famílias que deixaram para trás em nome de uma Revolução. Famílias que os continuam a recordar, apesar de lhes dizermos na cara, enquanto país, que os seus entes nunca existiram. 

"Seis nomes sem biografia, encontrados no virar de uma página, são como seis cadáveres desconhecidos, nos quais por pouco não se tropeça ao cruzar uma esquina (...) João Guilherme de Rego Arruda, José James Harteley Barneto, Fernando Luís Barreiros dos Reis, Fernando Carvalho Giesteira, António Lage e Manuel Cândido Martins Costa (...) Há 45 anos, foi aqui que eles morreram e de imediato começaram a ser esquecidos."

Isto impressiona mais quando o que se diz a seguir se continua a viver nas nossas livrarias em 2020:

"Este livro não falará de personalidades e vedetas da Revolução de 1974 ou, em particular, do Estado Novo; já há tomos suficientes nas livrarias dedicados ao assunto. Só biografias do ditador de Santa Comba Dão encontram-se pelo menos cinco no mercado – as personalidades canhestras da História sempre foram objeto de contemplação."

Fábio Monteiro tenta traçar nestas páginas um conjunto de biografias dos nomes que deram a vida pela nossa liberdade, mas faz mais do que isso, presta um Serviço Público ao país pela Homenagem que realiza aos 6 cidadãos portugueses, fazendo aquilo que o nosso Estado em quase 50 anos nunca teve coragem de fazer. A história do estudante de filosofia açoriano, João Arruda, é particularmente dolorosa de ler, mas não é menos a de Fernando Giesteira, de José Barneto e Fernando Reis, e sim também as daqueles que todos desejam apagar: António Lage e Manuel Costa.

A placa colocada na Rua António Maria Cardoso, não é um reconhecimento do Estado Português, mas de um conjunto de cidadãos anónimos

Apesar de ser um livro de tom jornalístico, Monteiro não se limita a descrever o que aconteceu e suportar com factos da época, relatos escritos ou fotografias, juntando-lhes o essencial que são as entrevistas realizadas com família sobrevivente, ao longo de todo o livro, o autor procura compreender as razões, dá corpo à interpretação do sucedido, não apenas do esquecimento nacional, mas também do esquecimento de cada nome em particular, das suas implicações familiares, mas também políticas.

“Ninguém neste país se lembra do meu pai e dos outros que, como ele, morreram no dia 25 de Abril. As pessoas da minha idade não sabem sequer que houve mortos naquele dia.” Filho de José Barneto

E é isto que continuamos a contar uns aos outros como fica claro nesta citação que Fábio retira da revista Visão Júnior, de 2016, responsável por moldar as crenças dos mais novos:

“Durante o dia, a população de Lisboa foi-se juntando aos militares. E o que era um golpe de Estado transformou-se numa verdadeira revolução. A certa altura, uma vendedora de flores começou a distribuir cravos. Os soldados enfiavam o pé do seu cravo no cano da espingarda e os civis punham a flor ao peito. Por isso se falava de Revolução dos Cravos. Foram dados alguns tiros para o ar, mas ninguém morreu nem foi ferido.”

Uma nota final. Não se pretende com este reavivar de memórias esquecer muitas outras mortes, à mão dos subalternos do Ditador que governou este território por mais de 40 anos. Essas mortes, serão para sempre lembradas, mesmo quando certas franjas da nossa sociedade se erguem para enaltecer alegadas de virtudes de quem ignorou completamente o povo que julgava para si, e para os seus, estar a governar. Nem, também, se pretende apontar o dedo a quem ousou levantar-se e por fim a tão pérfida governação, porque com ou sem mortos, fizeram aquilo que foi necessário para recuperar a Liberdade para todos os portugueses.

fevereiro 10, 2019

A particularidade de Agustina Bessa-Luís

As primeiras páginas, de "A Sibila" (1954), desanimam a leitura, não parece um livro escrito em pleno século XX, recorda a escrita entrelaçada do início do século XIX que colada à ruralidade nacional apela inevitavelmente a Almeida Garrett. Cada frase surge trabalhada num detalhe e labor minuciosos, que provocam uma quebra na leitura, não apenas porque exigem foco e atenção, mas porque clamam sobre si importância e isolamento do todo. Eduardo Lourenço falou em neo-romantismo [1], tendi a concordar, já que se socorre da forma romântica de sobrecarregar as descrições com detalhe, impedindo o acesso imediato ao que se conta, mas fá-lo numa dimensão de atualidade, ainda que sobre uma realidade rural. Por isso senti que existia aqui algo distinto, não se tratava de mero romantismo, nem neo-romantismo, daí a dificuldade que a crítica tem tido no rotular da obra [2]. Repare-se como em oposição, Vitorino Nemésio com “Mau tempo no Canal” (1944), apenas uma década antes e também colado ao romantismo do século anterior, não se consegue desprender dos seus “tiques”, deslumbrando-se com a sua poética, da qual Agustina claramente se afasta. Não que me surpreenda, Nemésio foi um académico que escreveu um único romance, experimentou o modelo que tanto estudou, já Agustina é uma escritora que escreveria mais de cinquenta, em busca do definir da sua própria voz.


Agustina quebra propositadamente a fluidez do contar de histórias, obrigando a uma leitura racional em vez de emocional. Agustina nunca embeleza o texto, nem o ritmo, nunca procura a emoção do leitor, que é aquilo que Nemésio tanto objetiva, a marca impressiva de todo o Romantismo, no entanto tendo em conta o virtuosismo da escrita da autora, isso estava claramente ao seu alcance. Por outro lado, essa quebra criada não almeja à mera subversão narrativa, Agustina não destrói sentido, não fragmenta o fio narrativo nem nodifica os seus personagens, apesar de buscar a racionalidade tão cara ao modernismo. No entanto, os seus personagens são psicologicamente povoados, o realismo está presente com todo o seu savoir faire. Ou seja, Agustina constrói uma mescla entre romantismo, usando os largos caudais de detalhe, o modernismo, afastando o sentimento de cena, e o realismo, por via da ciência do sentir humano.
Sinopse:“No norte de Portugal, em finais do século xix, na propriedade da Vessada, há já muito tempo que são as mulheres que, perante a indolência e os sonhos de evasão que os homens alimentam, asseguram como podem a gestão da propriedade. Quina era uma adolescente franzina e inculta, que desde cedo participava nos trabalhos do campo ao lado dos trabalhadores. Com a morte do pai, com a propriedade quase em abandono, Quina passa a ter que ter uma ainda maior responsabilidade na administração da mesma. Graças ao seu esforço a todos os níveis, começa a acumular de novo a riqueza que seu pai desperdiçara, o que lhe vale a admiração da sociedade. Quina era uma pessoa lúcida, astuta e sempre em demandas, o que faz com que esta se torne conhecida por Sibila…”
 Temos então uma obra distinta, não admira o reconhecimento imediato por parte da comunidade de escritores e críticos portugueses. Contudo, nada disto torna o texto mais fácil. É uma leitura que requer atenção e dedicação. Sendo um livro pequeno, 250 páginas, acaba consumindo-nos tanto como um livro com o dobro das páginas. Acredito que se avisado, o leitor consiga dele extrair tudo o que tem para dar. Nesse sentido, é um excelente livro para trabalhar na escola, ainda que apenas nos anos finais do liceu, ou primeiros anos universitários, dada a exigência. Para os que defendem que a leitura deve ser apenas prazerosa, e que estes livros afastam os alunos da escola e da leitura, recordo que no caso de quem segue ciências — foi o meu caso — "ninguém" defende que o cálculo da derivada de uma função matemática ou da energia cinética na Física, devam ser prazerosas. A escrita é um processo, é um labor, e como tal deve ser estudada e compreendida nas suas diversas possibilidades, nomeadamente naquelas que o estudante sozinho tenderia a desconsiderar.


Para os mais impacientes, posso dizer que a primeira parte é mais descritiva, típica do início do realismo, quase naturalismo, com Agustina a contextualizar todo o porvir da protagonista, Quina, o seu ecossistema — espacial, familiar e condições psicológicas. Muitas personagens são introduzidas, cada uma com os seus detalhes, o que provoca algum desespero, e quase me fez desistir do livro, por o considerar arcaico. No entanto, a meio do livro Quina, a Sibilia de Agustina, assume o centro da narrativa e o grande conflito apresenta-se, conduzindo daí em diante o enredo até à moral final da obra. Se na primeira parte o arcaísmo era mais aparente, na segunda parte compreendemos que esta não é uma obra qualquer, a densidade do que se apresenta é fruto da forma de escrever única [3]. O que se conta não é extraordinário, mas o modo como se conta é singular, e por isso Agustina Bessa-Luís será sempre uma das grandes vozes das letras nacionais.


Referências
[1] Eduardo Lourenço (1963) “Agustina Bessa-Luís ou o neo-romantismo”, Colóquio. Revista de Artes e Letras , nº 26, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, Dezembro de 1963, pp. 43-52 (CS), http://coloquio.gulbenkian.pt/al/sirius.exe/artigo?740
[2] A Sibila, de Agustina Bessa-Luís, in PasseiWeb, https://www.passeiweb.com/estudos/livros/a_sibila
[3] A Sibila, de Agustina Bessa-Luís, in RTP Ensina, http://ensina.rtp.pt/artigo/a-sibila-de-agustina-bessa-luis/

fevereiro 07, 2019

A Criação do Mundo de Torga

Confesso que por vezes me custava largar as páginas de "A Criação do Mundo" (1937-1981), abandonar as descrições dos espaços e histórias, porque dava por mim transportado para uma realidade alternativa, feita de paisagens de Torga mescladas com as nostalgias de um mundo vivido e já esquecido por mim. Elevava-se uma melancolia interior, um sentir de realidade passada, plasmada, estanque e inalterável e por isso mais saborosa do que a que se vai vivendo dia após dia, na incerteza do amanhã. Queria dizer apenas estas palavras e calar-me, mas não posso, Torga merece que nos detenhamos, que sobre ele falemos, que não deixemos calar o seu legado, porque é uma das melhores ilustrações escritas do Portugal do século XX.


Torga era médico e poeta, mas o sentido da sua vida foram as letras, sempre o seu primeiro amor, desde que na escola entrou até que no túmulo nos disse adeus. Dedicou-se de corpo e alma à poesia, mas o seu maior legado é diarista, tendo publicado entre 1941 e 1993 nada menos que 16 volumes, à média de um por cada três anos. São milhares de páginas com registos sobre tudo o que lhe ia na alma, o seu modo de ver que sofregamente passava para o papel. A este juntam-se algumas novelas em prosa, muitos contos e centenas de poemas publicados em revistas e livros que foi editando.


Torga foi sempre o seu próprio editor, criou várias revistas de poesia e editou praticamente todos os seus livros como "Edições de Autor", o que nos diz muito sobre a pessoa e o seu círculo próximo. A honra e a dignidade acima de tudo, valores provindos da força telúrica de se seu pai, mas que elevou a pontos de total obstinação que o foram afastando de tudo e todos enquanto viveu. Passou 4 meses na prisão, metade dos quais em isolamento por não ceder nunca à ideologia política, incapaz do agachamento intelectual a que praticamente todo o país se votou, incluindo a Universidade portuguesa. Lendo Torga, senti por várias vezes que se em Portugal alguém lançasse mãos à obra para construir uma Auschwitz, teria acontecido cá como lá (a verdade é que tínhamos já expulso praticamente toda a comunidade judia em 1496 sob as ordens de Dom Manuel I e Isabel de Espanha).

Ler XVI volumes de um diário não é tarefa que me atraia. Gosto de conhecer autores e criadores por dentro, mas não considero necessário perscrutar todo o seu mundo para deles me aproximar, respeitar e até amar. Por isso considero este livro, "A Criação do Mundo", tão importante, porque em certa medida funciona como síntese de todos esses diários. O registo aqui não é diarista nem sequer confessional, ainda que o texto transpire autenticidade, mas mais pela personalidade e ser do autor. O que temos nestas páginas é romance puro, com laivos de realidade, mas contado a partir de um olhar com sentido idealizante do mundo. Nomes e lugares são por vezes alterados, mas o sentido está lá, como histórias que se contam, e produzem em nós o efeito esperado. É o próprio Torga que define o sentido da obra, no modo como vivemos, dia após dia, o modo como criamos o nosso real, e criamos o nosso mundo, um mundo que é diferente de indivíduo para indivíduo, e daí a enorme riqueza da espécie humana.
Todos nós criamos o mundo à nossa medida. O mundo longo dos Longevos e curto dos que partem prematuramente. O mundo simples dos simples e o complexo dos complicados. Criamo-lo na consciência, dando a cada acidente, facto ou comportamento a significação intelectual ou afectiva que a nossa mente ou a nossa sensibilidade consentem. E o certo é que há tantos mundos como criaturas. Luminosos uns, brumosos outros, e todos singulares. O meu tinha de ser como é, uma torrente de emoções, volições, paixões e intelecções a correr desde a infância à velhice no chão duro de uma realidade proteica, convulsionada por guerras, catástrofes, tiranias e abominações, e também rica de mil potencialidades, que ficará na História como paradigma do mais infausto e nefasto que a humanidade conheceu, a par do mais promissor.” In Prefácio "A Criação do Mundo"
Morreu Fernando Pessoa. Mal acabei de ler a notícia no jornal, fechei a porta do consultório e meti-me pelos montes a cabo. Fui chorar com os pinheiros e com as fragas a morte do nosso maior poeta de hoje, que Portugal viu passar num caixão para a eternidade sem ao menos perguntar quem era”. in "Diário I", Data de entrada: 3.12.1935
Ler esta obra é entrar por Portugal adentro, um Portugal rural, telúrico, pleno de sentimento, ligação à terra e à natureza, um Portugal pequeno mas ligado ao mundo, pela lusofonia, pela arte e filosofia, posicionado ideologicamente nos acontecimentos ocorridos ao longo da maior parte do século XX, sempre em total ligação com a História de uma nação mas com o povo e as gentes como principais atores. Claro que tudo isto se torna apenas tão interessante, e verdadeiramente absorvente, por graça da majestosa fluidez lírica de Torga, que por vezes parece querer puxar os nossos olhos a ler mais rápido do que a mente consegue absorver. Não que não tenha momentos menos conseguidos, sentindo-se pequenas faltas — excesso de embelezamento ou abstração excessiva — que uma edição feita a partir de um olhar de fora teria, com certeza, ajudado. Ajuda à leitura conhecer a história de Portugal, conhecer o país do século XX, nomeadamente Trás-os-Montes e a região centro — Coimbra —, assim como conhecer um pouco sobre as principais datas da vida de Torga, e claro sobre os acontecimentos políticos a acontecer em Portugal, no Brasil, mas também em Espanha e Itália, e claro Alemanha, assim como Angola, Cabo Verde, e Moçambique. Mas talvez ajude mais o gosto pela poética, o gosto pela literatura, mas acima de tudo o amor ao conhecimento de si e da espécie humana.
“— Não os prendam. Só quando de todo não puder deixar de ser... Façam-lhes a vida difícil... Façam-lhes a vida difícil... E faziam. Quem não acertava o passo pelo chouto do rebanho, ou apodrecia num calabouço ou morria de fome. A nação inteira era agora uma tumba de silêncio e abulia. Nos campos, nas fábricas, nas escolas e nas repartições, o perfil duro do ditador [Salazar] parecia escutar a voz das próprias consciências. E as consciências calavam-se no mais fundo das funduras, temerosas de qualquer expressão reveladora. Nenhum lugar, do mais alto ao mais rasteiro, era preenchido sem o aval da polícia política. Cada ministro, cada funcionário, cada varredor, tinha de ter a sua ficha em dia, limpa de qualquer mácula discordante. Se um caso ou outro passava pelas malhas apertadas dessa vigilância aturada, que não deixava recanto de cada vida por vasculhar, no dia seguinte, como acontecera agora comigo, o lapso era corrigido.", in “A Criação do Mundo (O Sexto Dia)", 1981
A obra está dividida em seis grandes capítulos que representam os volumes que foram sendo publicados no tempo. O livro a que hoje temos acesso é uma coletânea de todos esses volumes. Ou seja, esta não é uma obra escrita com sentido retrospectivo, mas antes escrita em quase-tempo-real, entre 1937 e 1981 (1ª edição conjunta de 1991). Os sentires são-no dos momentos em que foram acontecendo, e por isso talvez, se sintam com tanta mais força, realidade e autenticidade.

Capítulo 1º Dia - Publicado em 1937
Escola primária até aos 13 anos. Natureza e inocência.

Capítulo 2º Dia - Publicado em 1937
Dos 13 aos 17 anos. Ida para o Brasil e o choque com a realidade.

Capítulo 3º Dia - Publicado em 1938
Dos 17 aos 30 anos. Vinda para Coimbra, onde completa os três ciclos do liceu em três anos, estuda medicina para ser formar em 1933.

Capítulo 4º Dia - Publicado em 1939.
Dezembro de 1937 a Janeiro de 1938. Viagem pela Europa, sendo preso pela PIDE no regresso por causa do livro que sobre essa viagem escreve, e o livro apreendido.

Capítulo 5º Dia - Publicado em 1974
Só se publica em 1974, porque tal como o 4º, foi censurado. Fala-nos da prisão, em 1939, e do Portugal sob regime ditatorial.

Capítulo 6º Dia - Publicado em 1981
É o derradeiro capítulo, com vários momentos de reflexão sobre si, os seus e o mundo, e o que resta ou restará de si: “Nada há de permanente debaixo do sol..."


Miguel Torga morreu a 17 Janeiro 1995, com 87 anos, um ano antes tinha escrito:


REQUIEM POR MIM


Aproxima-se o fim. 
E tenho pena de acabar assim, 
Em vez de natureza consumada,
Ruína humana. 
Inválido de corpo 
E tolhido da alma.
Morto em todos os órgãos e sentidos. 
Longo foi o caminho e desmedidos 
Os sonhos que nele tive. 
Mas ninguém vive 
Contra as leis do destino. 
E o destino não quis
Que eu me cumprisse como porfiei,
E caísse de pé, num desafio. 
Rio feliz a ir de encontro ao mar 
Desaguar, 
E, em largo oceano, eternizar 
O seu esplendor torrencial de rio.
 
Coimbra, 10 de Dezembro de 1993


Sinto-me agradecido por ter lido esta Criação do Mundo.

outubro 05, 2018

Portugal em 1941 segundo a literatura

Não é um grande livro, mas é uma grande obra. “Esteiros” foi publicado em 1941, como primeiro e único romance de Soeiro Pereira Gomes, num país em que a produção cultural era um luxo reservado a poucos, criava-se muito pouco e o que se criava focava-se mais na arte pela arte do que na realidade. A isso não era também alheio o facto de se viver sob um regime ditatorial que controlava a elite intelectual e todos os canais de veiculação cultural. Deste modo, se artisticamente podemos apontar várias falhas estilísticas à prosa de Soeiro, a sua audácia e inovação no plano nacional assim como o resultado que se imprime na leitura, fazem deste livro mais do que um documento vivo de um tempo da nossa história.

“Esteiros” (1941) relata a história de cinco meninos, entre os 10 e os 12 anos, na zona ribeirinha do Tejo, que deixam a escola para trabalhar e ajudar à sobrevivência familiar.

Saliento que Soeiro tinha até à data apenas escrito pequenos contos e crónicas para jornais. O estilo realista foi construindo-o pela escrita praticada para esses jornais, mas um romance não é mera crónica, é preciso algo mais do que o simples relato do que se vê. Por outro lado, Soeiro já tinha tido uma má experiência com um relato demasiado rente à realidade com o conto “O Capataz” (1935) proibido pela censura de então. Daí que “Esteiros” acabe por não se agarrar aos gritos de pobreza, nem às ideologias que a provocava, mas antes se fixe num grupo de crianças que viviam por sua conta, apontando aos seus sonhos sem contudo deixar de ilustrar o mundo e as condições em que viviam. O resultado é um romance neorrealista, uma tradição artística muito em voga na época, tanto na literatura como no cinema, e que procurava dar a ver e sentir a realidade mas do ponto de vista das comunidades mais pobres, ou sem voz na produção cultural. Uma espécie de tentativa de abrir uma janela sobre uma realidade que a sociedade em geral ignorava de forma consciente e muitas vezes até sem qualquer noção da sua existência.

Soeiro viria a ingressar no Partido Comunista Português pouco depois, daí que o partido sempre se tenha achado no direito de usar a obra em defesa dos seus valores, contudo “Esteiros” está longe de ser um panfleto partidário. A obra vale por si, desenvolve todo um mundo próprio, dotado de uma visão pessoal do autor, sem laivos de luta ideológica, algo que Soeiro poderá ter feito para evitar a censura. Na verdade, o romance apesar de dotado de um sentido de missão, socorre-se de todo o convencionalismo estético que define um romance, desde a definição dos personagens e sua progressão, aos conflitos vitais para a construção do clímax, e aos cenários que tudo acompanham e enchem de densidade a viagem na imaginação do leitor. Soeiro segue o movimento neorealista da época, que ia beber ao realismo da pintura e ao naturalismo de Zola, forçando agora o sentimento realista pela forma. Enquanto o cinema italiano neorealista usava pessoas reais em vez de atores, Soeiro trabalha a escrita das falas dos personagens de modo a aproximarem-se da pronúncia efetiva, perdendo em qualidade escrita do português mas ganhando, pelo efeito realista, maior proximidade do sentir daquelas crianças.

No entanto, sente-se a falta de alguma uniformização discursiva, desde logo a narração apresenta momentos de descrição muito elaborada, quase poética, que se opõem aos diálogos bastante mais rasos das gentes. Por outro lado, o português mal-falado escrito parece elaborado um tanto ad-hoc sem estrutura nem padrão, denotando alguma falta de estudo e análise da linguagem que se tenta captar e apresentar. Juntam-se ainda algumas dificuldades de ligar quadros narrativos ou cenas inseridas sem relação no tempo da obra, que por vezes nos deixam pendurados sem perceber para onde ou porque se moveu o narrador. Mesmo a interessante divisão em quatro secções marcadas pelas estações do ano, são exclusivamente usadas para definir a cronologia das ações, servindo pouco a estética narrativa não se sentindo na escrita nem nos modos descritivos. Tudo isto não nos surpreende tendo em conta ser uma primeira obra, e num cenário histórico como o descrito acima.

Voltando ao histórico e político, Salazar não é parte do romance, mas está lá na figura do Sr. Castro, sempre condescendente com os mais fracos, mas levando as suas ideias por diante, porque assim tinha de ser, o progresso económico assim o exigiria. Não incorro, contudo, no facilitismo de atirar para as costas de Salazar todas as condições de vida dos personagens do texto. Em 1941, o mundo ao tentar sair de uma terrível crise económica, 1929 (compare-se estes personagens com o de “As Vinhas da Ira” (1939) de Steinbeck), tinha chegado ao auge de uma devastadora 2ª Grande Guerra Mundial (1939-1945), o nosso principal parceiro económico e vizinho, a Espanha, acabava de sair destroçada de uma Guerra Civil (1936-1939), e por isso por mais "mago de finanças" que fosse Salazar e pela neutralidade advogada, só podia contar consigo e com o que ia extorquindo às colónias. Foram tempos terríveis em toda a Europa, e Portugal não teria sido exceção com qualquer outro governo. O que teria sido exceção foi o que se seguiu, pois a seguir ao final da 2ª Grande Guerra Mundial, a Europa, graças ao Plano Marshall, entrou em total ebulição para repor muito do que tinha sido destruído, e renovar a esperança num mundo novo, mas Portugal fechado na ideologia do “Orgulhosamente Sós” permitiu que o Chefe de Estado conduzisse o país para um fosso inimaginável.

A Mocidade Portuguesa numa saudação Nazi e a cruz das Cruzadas, por Bernard Hoffman* em 1940

Alegadamente até os pobres iam à escola, como se vê nesta imagem de Bernard Hoffman* de 1940, mas o livro de Soeiro mostra todo um outro cenário.

“Esteiros” é um relato imensamente importante por colocar o dedo na ferida aberta na Educação. Portugal era pobre, mas tinha por sua conta colónias dotadas de grande valor pelas matérias-primas que possuíam, no entanto Salazar em vez de apostar na massa cinzenta do país, acreditou que a salvação estava na indústria e na facilitação da sua edificação. Cerceou a liberdade a quem se opôs, fomentou o crescimento de quem se subjugou, e esqueceu o resto do povo, assim conduziu o país sob a sua visão única durante quatro décadas A leitura desta Obra de Soeiro mostra que não havia alternativa, nem sequer para o Gaitinhas que era excelente aluno e os pais tanto queriam que fosse “doutor”. O único trabalho que sobrava para quem nada sabia fazer era o temporário e de força bruta.  Como crianças sem proteção familiar ou de qualquer outra ordem e num país em que o Estado se coibia de impor qualquer regulação laboral, eram submetidas a tratamento escravo, do qual não podiam escapar por precisarem desesperadamente do pouco que ganhavam.


* As fotos pertencem a uma reportagem da revista Life feita em Portugal a convite de Salazar. A reportagem é completamente submissa, apresentando Salazar como o líder visionário que salvou o país da bancarrota, indo a ponto de afirmar que "a maioria do que é bom no Portugal moderno deve-se a Salazar", já o povo português não passa de uma cambada de "sonhadores" e "incapazes" que gostam de "negros" e "vinho". Uma reportagem encomendada, feita de interesses de parte a parte, aos EUA também interessava criar e manter boas relações com Portugal para ter acesso facilitado à Europa.

outubro 06, 2017

O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984)

Este foi o oitavo livro de Saramago que li, comparativamente é talvez a sua melhor obra literária, não fazendo isso deste o seu melhor livro. A escrita, a investigação, a estrutura e a intertextualidade fazem deste trabalho uma obra de grande valor no domínio da arte das letras, contudo à história falta enredo e essencialmente conflito, o que torna a sua leitura um tanto espessa, por vezes penosa até, para o leitor.


“O Ano da Morte de Ricardo Reis” é apenas o quinto romance do autor, sendo precedido em dois anos pelo não menos relevante “Memorial do Convento” (1982), e claro suportado por toda uma experiência acumulada por Saramago nos seus, até à publicação do texto, 62 anos. Visto deste modo, espanta menos a complexidade apresentada, ainda que o que aqui temos não esteja ao alcance de qualquer escritor. Neste sentido, para se poder verdadeiramente apreciar a obra é necessário realizar algum esforço de análise e estudo, para o que tentarei apontar aqui algumas linhas que facilitem essa análise e entrada no texto.

Primeiramente, e talvez o mais sobejamente conhecido, cabe identificar quem é, ou foi, Ricardo Reis. Um dos quatro mais reconhecidos heterónimos de Fernando Pessoa, com uma faceta marcada pela poesia clássica da Roma Antiga, nomeadamente Horácio (65 a.c. - 8 a.c.), daí que o estilo de Reis seguisse de perto as estruturas das Odes, com uma queda para os temas amorosos. Saramago escolheu-o por gosto pessoal, mas em especial por ter verificado que Reis era o único dos quatro que Pessoa não tinha morto, tendo resolvido-se a terminar o trabalho iniciado por Pessoa.

Como nenhum dos heterónimos de Pessoa era totalmente autónomo de si, Saramago opta por construir uma escrita que apesar de suportada em alguns temas de Reis, segue mais de perto o estilo geral de Pessoa. Basta ler algumas passagens da obra, para se perceber que sendo Saramago quem escreve, parece ser Pessoa quem dita, e é desde logo aqui que a obra começa a ganhar a sua relevância, dando conta da capacidade de Saramago para incorporar e elaborar diferentes estilísticas. Ao mesmo tempo que esta fusão entre Saramago e Pessoa é, talvez, do ponto de vista do prazer da leitura, o que de melhor a obra tem para nos dar.
“Vivem em nós inúmeros, se penso ou sinto, ignoro quem é que pensa ou sente, sou somente o lugar onde se pensa e sente, e, não acabando aqui, é como se acabasse, uma vez que para além de pensar e sentir não há mais nada. ”
“Estás só, ninguém o sabe, cale e finge, murmurou estas palavras em outro tempo escritas, e desprezou-as por não exprimirem a solidão, só o dizê-la, também ao silêncio e fingimento, por não serem capazes de mais que dizer, porque elas não são, as palavras, aquilo que declaram, estar só, caro senhor, é muito mais que conseguir dizê-lo e tê-lo dito.”
“Não é Ricardo Reis quem pensa estes pensamentos nem um daqueles inúmeros que dentro de si moram, é talvez o próprio pensamento que se vai pensando, ou apenas pensando, enquanto ele assiste, surpreendido, ao desenrolar de um fio que o leva por caminhos e corredores ignotos (..)”  
Saramago, José. “O Ano da Morte de Ricardo Reis.” 1984
Em termos da narração, apesar de termos apenas um narrador, Reis, ele não é apenas ele, ou seja não temos poesia na forma de odes, como nunca o poderia ser sendo heterónimo de Pessoa, que enquanto tal nos vai tocando com as suas preocupações mais profundas sobre o devir, mas também não é apenas Pessoa, sendo Saramago quem romanceia, desde logo por toda a acidez política que se vai desvelando ao longo da obra, assim como pela sexualidade que emerge, estranha a Reis e Pessoa. Ou seja, ler este romance é viver o mundo simultaneamente pela experiência de três distintas personalidades.

Refletindo agora, não sei até que ponto a complexidade implícita neste narrador não terá servido de motivação a Saramago para aplanar o enredo, e assim garantir tempo, mas acima de tudo espaço para o acesso a cada uma das três experiências nele presentes. O que ajuda a compreender toda a relevância, detalhe e investigação sobre a geografia de Lisboa apresentada na obra por Saramago, nomeadamente quando se representa uma Lisboa de 1935, a partir de linhas escritas quase 50 anos depois. Este trabalho é tão minucioso e relevante, que a Porto Editora se prepara, pelas mãos de Ricardo Cruz, para lançar um livro sobre os espaços do livro em 2017, contrastados com os dos anos 1930.

Rua do Alecrim, Lisboa, por volta dos anos 1930

O ano de 1935 não é fruto do acaso, é o ano da morte de Pessoa, como tal é aí que Saramago resolve voltar na sua viagem no tempo. E se Reis estava no Brasil exilado, é a Lisboa que resolve voltar para saber mais sobre a morte de Pessoa. E se Saramago apresenta uma Lisboa de 1935 tão detalhada, não faz menos pela História, tanto nacional como internacional. Relembrar que o livro foi escrito apenas dez anos após a nossa revolução de 1974, vive-se ainda com o sentir muito colado a um ditador que marcou a História do país por mais de 40 anos, e chegou ao poder apenas três anos antes de Pessoa se despedir. Por outro lado a Europa vive tempos muito atribulados com Mussolini em Itália, Hitler na Alemanha, e Espanha em plena guerra civil.

Mais uma vez refletindo, não deixa de ser algo excêntrico a contundente crítica de Saramago ao nacionalismo do Estado Novo, à sua ânsia por estimular os valores nacionais, relembrando o prémio de Ferro a Pessoa pelo poema “Mensagem” ou a referência ao “Dia da Raça”, e no entanto todo este “O Ano da Morte de Ricardo Reis” ser um autêntico hino às letras nacionais. Se o espaço é Lisboa, Saramago usa-o para nos conduzir, pela mão de Reis, até à estátua de Camões, mantendo o poeta presente ao longo de quase toda a narrativa, não se ficando por aí, levando-nos também até Eça e ao Adamastor. Assim se Saramago nos obriga a respirar as letras nacionais, ler esta obra hoje, depois de tudo o que alcançou como escritor, leva-me a interrogar sobre o que mais se poderia pedir a uma obra de enaltecimento do nosso país? Teria Saramago consciência de tal? Mesmo no campo da intertextualidade parece haver uma certa fixação, já que se a grande extensão das citações e referências se fazem para com Reis, Pessoa e Camões, ou ainda Eça, o facto de se ir buscar Jorge Luís Borges para autor do livro que acompanha Reis durante a sua estadia em Portugal, não é inocente. Borges foi uma das várias mentes brilhantes que proveio de famílias judias expulsas de Portugal no século XVIII.

No campo das personagens, Saramago junta a Reis duas mulheres, Lídia e Marcenda. Lídia assume o primeiro plano, apesar de sempre atirada para um papel secundário, mas o que é ainda mais interessante é o facto de Lídia ser o principal amor das Odes de Ricardo Reis, tendo Pessoa ido buscá-la às Odes de Horácio, e não foi o único. Contudo como diz António Manuel Ferreira, ao contrário de outras personagens históricas ou ficcionais — como “Adriano, Efigénia, Antígona, Cassandra, Ganimedes, Antínoo, ou Ofélia” — Lídia é alguém não só praticamente desconhecida, como não detém especificidade, e assim talvez se perceba melhor o modo como Saramago a trata, secundarizando-a. Em certa medida, Lídia lembra Ofélia Queiroz, a única namorada conhecida de Pessoa, que tendo-o sido, foi-o quase sem o ser, e talvez seja mesmo este ponto que justifica a opção de Saramago.
“Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos).”
 
Pessoa, Fernando. “Poesia Completa de Ricardo Reis.” 12-6-1914
O enredo acaba sendo o parente mais pobre de toda a obra. Saramago parte com uma excelente premissa, “como teria morrido Reis se Pessoa tivesse tido tempo para o matar?”. Contudo, e apesar de apimentado com um triângulo amoroso, apesar da presença fantástica de Pessoa fantasma, que visita Reis nos nove meses após a sua morte, o enredo é quase inexistente. Reis limita-se a chegar a Lisboa e a nela deixar-se viver, segue um dia para Fátima, que Saramago aproveita para dissertar sobre a religião, mas de resto não arreda pé, nem do espaço, nem da pessoa que é. É certo que o niilismo de Reis e Pessoa nunca se dariam muito facilmente aos artifícios romanescos, em especial o conflito, que serve de alavanca à progressão, evolução e transformação, mas Saramago soube dar a volta a tantas outras componentes, não ficando claro porque aqui não o fez. Não é uma incapacidade de Saramago, basta atentar na obra anterior — “Memorial…” —, no entanto temos de admitir que é uma forma de enredo que apesar de funcionar em pequenos poemas, perde em fluidez no modo romance, tornando a leitura bastante lenta e difícil.
"Nada fica de nada. Nada somos.
Um pouco ao sol e ao ar nos atrasamos
Da irrespirável treva que nos pese
          Da húmida terra imposta,
Cadáveres adiados que procriam.
Leis feitas, estátuas vistas, odes findas -
Tudo tem cova sua. Se nós, carnes
A que um íntimo sol dá sangue, temos
        Poente, porque não elas?
Somos contos contando contos, nada"
Pessoa, Fernando. “Poesia Completa de Ricardo Reis.” 28-9-1932
Tendo em conta a dificuldade de leitura, sou obrigado a questionar as razões que levaram o Ministério da Educação a tornar obrigatória a leitura desta obra no 12º ano nos anos lectivos de 2017/18 e 2018/19, sendo depois destes permitida a opcionalidade com “Memorial do Convento”. Como fica claro deste texto, considero as duas obras do melhor que Saramago nos deu, mas tendo em conta a dificuldade de leitura apresentada por “Ricardo Reis…” não consigo compreender a obrigatoriedade tendo em conta a idade dos leitores. Não é assim que garantimos motivação para a leitura nas camadas jovens.

Para fechar, deixo-vos com a máxima de Saramago, em entrevista, a propósito deste livro: "Neste livro nada é verdade e nada é mentira".

dezembro 05, 2013

Entrevista sobre o livro "Videojogos em Portugal"

Dei uma entrevista para a revista Eurogamer Portugal a propósito do livro "Videojogos em Portugal. História, Tecnologia e Arte". Nesta falo um pouco do livro, do processo da escrita, dos objetivos, do público alvo e de alguns dos problemas da criação de jogos em Portugal. Podem ver aqui.

setembro 23, 2013

o rádio-documentário

Numa destas noites de sábado, estava eu deitado na cama, com os auscultadores à procura de uma estação de rádio que me ajudasse a adormecer, e parei na Antena 1... uma senhora falava, muito emocionada, do tempo em que era angolana, antes de Angola ser um país independente... o programa de rádio chamava-se “Começar de Novo”.


Não tenho sido um grande defensor do meio da rádio, passei uma fase em que não percebia já a sua utilidade, questionava-me porque continuava a existir... Hoje, e cada vez mais, acredito na máxima dos Estudos dos Media que diz, "os media não morrem, apenas se transformam". Este programa da RDP é uma prova disso mesmo.

"Começar de Novo", apresenta-se como uma dramatização para rádio dos eventos ocorridos entre 1975 e 1976, com a deportação de milhares de pessoas das colónias portuguesas – Angola, Moçambique, Timor, Cabo Verde - para Portugal. Muitas destas pessoas nunca tinham estado em Portugal, nem sequer portuguesas se consideravam. Na verdade, se os meus pais, e avós tivessem nascido noutro país, provavelmente sentiria o mesmo. Os portugueses não foram para as colónias no século XX, antes começaram a chegar ali no século XVI. É natural que, para muitos dos que se viram envolvidos na confusão destes anos, não se tratou de qualquer regresso à pátria, mas antes, apenas e só, de fugir à guerra, de ser expulso de um país em guerra.


Durante décadas ouvi, em surdina, a palavra Retornados. Hoje, e depois de conhecer este programa de Rádio, fiquei a compreender melhor, o que se passou nesta fase da história de Portugal. Na generalidade, estas pessoas de retornados tinham pouco, eram antes refugiados de guerra, que Portugal, enquanto responsável pelas colónias, necessitou de acolher.


"Começar de Novo" é um programa da RDP criado por Iolanda Ferreira, Inês Lopes Gonçalves, Madalena Balça e Manuela Silva Reis. São 15 26 rádio-documentários, de uma hora cada um, muito emocionantes e informativos. Cada episódio assenta a sua base na entrevista de uma pessoa, que revive os momentos mais marcantes do processo de vir para Portugal, deixando aquilo que possuía numa das ex-colónias. A construção sonora em redor da entrevista, é bastante rica, tanto utilizando música da época, como sons marcantes que acompanham cada um dos relatos. As revelações dos entrevistados são confrontadas com fatos da história, e ainda com historiadores a quem se pede confirmação e reflexão sobre essas revelações, enriquecendo assim tremendamente cada um dos episódios. É um trabalho de excelência que merece ser aplaudido, e discutido.

Todos os 15 26 episódios podem ser ouvidos na página da RDP e mais informação pode ser obtida na página Facebook do programa.
"Mais de meio milhão de pessoas chegou, de repente, a Portugal. Essas pessoas, porém, de uma forma notável,  conseguiram integrar-se na sociedade portuguesa sem conflitos de maior. Do número de retornados recenseados pelo INE em 1981, 61% eram oriundos de Angola, 34% de Moçambique e apenas 5% das restantes colónias."

agosto 05, 2010

Documentário sobre a Geração de 70

Uma na Bravo Outra na Ditadura (2010) é um "documentário retrato da geração nascida em Portugal pela revolução de Abril", de André Valentim Almeida* acabado de estrear na Web, com cerca de uma hora e de acesso integralmente gratuito.

Conta com mais de uma dezena de entrevistas, entre as quais, algumas figuras do panorama criativo nacional: Fernando Alvim, Gonçalo M. Tavares, Filipe Pedro, Inês Fonseca Santos, Inês Nadais, Jacinto Lucas Pires, Joana Vasconcelos, João Bonifácio, Jorge Guerra e Paz, JP Coutinho, JP Simões, Nuno Cardinho, Pedro Mexia, Pedro Ribeiro, Raquel Bulha, Raquel Vieira da Silva, Valter Hugo Mãe, Vanessa Granja.

Técnica e criativamente muito bom. O autor demonstra ao longo de todo o trabalho um sentido analítico bastante apurado na justaposição e inserção de imagens que apelam à construção de abrangentes contextos polissémicos. Apesar do recurso visceral à montagem paralela, de base eisensteiniana, este é um trabalho clássico de construção narrativa audiovisual que se socorre de uma dupla de narradores para nos levar ao longo de uma viagem no tempo atravessando palavras, esgares e sorrisos de mais de uma dezena de entrevistados, com progressão e arcos narrativos perfeitamente delineados. Ao longo de 60 minutos somos brindados com imagens, sons e textos que deram forma à paisagem dos últimos 35 anos, embora com uma maior preponderância para a década dos anos 80.

Segundo o autor**,
“O documentário não foi o resultado de nenhuma encomenda mas sim da vontade de trabalhar um tema que, a meu ver, estava estranhamente sub-representado no espaço documental português.”
É verdade que o tema está muito ausente da nossa esfera mediática. Tirando as datas comemorativas, o nosso cinema, música e arte pouco falam dos factos. Existem muitos medos reprimidos, e julgo que em parte o trabalho de José Gil, Portugal, Hoje - O Medo de Existir (2004) teve o sucesso que teve porque as pessoas se revêem nesse mesmo medo. Agora a ideia não é totalmente nova. Traçar um perfil da geração do 25 de Abril é algo que vem sendo feito nas datas comemorativas pelos canais de televisão, foi quando fizemos 30 anos, quando fizemos 35, e voltará a ser quando fizermos 40. Digo fizermos porque eu próprio nasci nesse ano de cisão da nossa história. Algo mais abrangente foi no entanto feito pelo António Barreto num documentário realizado pela Joana Pontes, Portugal Um retrato social (2007) com condições completamente distintas, não só de produção mas de preparação do tema. A ver nomeadamente o primeiro episódio.


As diferenças são claras nos objectivos e mais ainda nos meios de produção, se pensarmos que este documentário com todas as características de um produto profissional foi desenvolvido por uma pessoa apenas. Que os custos foram suportados inteiramente pelo autor e que este nos disponibiliza agora de forma inteiramente gratuita a obra completa na web. Para percebermos melhor os meandros da produção deste documentário nada melhor que seguir as palavras do André,
“foi um processo muito individual, caseiro, com as contrariedades e alegrias de qualquer processo de produção multimédia. Não é fácil, realmente, entrevistar pessoas e teres a teu cargo todo o processo: mochila às costas com a câmara e micro, tripé e foco de luz sob o braço, montar tudo em tempo recorde -luz, câmara, microfone de lapela-, sentar e fazer a entrevista, arrumar tudo de novo. Difícil mas possível, e o documentário pronto é a prova disso. Posso dizer que os entrevistados mais conhecidos da praça pública foram todos muito acessíveis, mais do que eu esperaria, não colocaram restrições à realização do documentário mesmo sem perceber a que espécie pertencia. Posso também acrescentar que é muito difícil seleccionar arquivo de entre milhões de opções que existem, e todas tão sedutoras: entre filmes, séries, publicidade, são incontáveis as referências que apetece incorporar mas é totalmente impossível fazê-lo.!"
Em termos técnicos é muito importante este factor do one-man-show que nos faz reflectir sobre todo o processo de construção da linguagem audiovisual na actualidade.
“toda a produção e distribuição despoletou (e continua a despoletar) uma série de reflexões, nomeadamente o facto de ter conseguido fazer um documentário praticamente sozinho - nos dias de hoje continuo ainda a fascinar-me com o potencial da tecnologia - ou a distribuição viral possível através da Internet”
Não podemos esquecer o facto de falarmos de um produto com características técnicas e estéticas profissionais e não de apenas um pequeno filme para YouTube. Não que as tecnologias sejam diferentes, como podemos ver na sua enumeração aqui abaixo, estas estão alcance da maior parte de nós,
“Utilizei o Final Cut Pro para a edição de vídeo, com algumas escapadelas ao Soundtrack Pro para alguns trabalhos de áudio mais específicos; o Compressor e o MPEG streamclip para transcodificações (MAC, claro está). A câmara foi uma Panasonic AG-HMC150.”
Poderíamos então questionar que o factor “tempo dedicado” aqui seria determinante, alguém que se dedique a tempo inteiro à execução de um trabalho. No entanto atente-se à duração e timings de execução do projecto,
“O trabalho foi feito nos tempos livres e nem sempre de forma contínua. As entrevistas foram realizadas entre o final de 2008 e início de 2009 (alguma pesquisa no mesmo período); a recolha de arquivo decorreu entre Março e Maio de 2009; a escrita do argumento nalguns dias de Maio (1 semana, provavelmente); a rodagem das sessões com o Jorge e o João ocorreram em 2/3 dias algures entre Junho/Julho de 2009; a pós-produção entre Julho-Setembro de 2009, com pequenas afinações até ao início de 2010.”
Impressionante. Ver como tecnologia acessível e com recurso ao pouco tempo não-útil se pode chegar a um produto deste nível. Por outro lado levantam-se outras questões como a duração de um documentário que vai ser distribuído pela Web, não será uma hora de filme demasiado? Mas a questão é o próprio tema e a sua dimensão, que no caso do António Barreto custou sete documentários de uma hora, aqui o autor diz-nos,
“Inicialmente tinha uma versão com 2 horas (um bocado esquizofrénica com tantas referências) e considerava impossível reduzi-la... tive de dar tempo a mim mesmo para conseguir ter a coragem de a ir cortando.”
Esta necessidade de tanto dizer, e tanto para dizer deve questionar-nos a nós e a todos os que se dedicam à comunicação e expressão artística, que está na hora de começarem a falar, de criarem e trabalharem sobre algo que é nosso que nos pertence e que é importante que nunca esqueçamos. Basta pensar no que se passou em Portugal em 1928, ver quem tomou o controlo e porque razões e depois para onde isso nos levou (atente-se no anúncio abaixo que ganhou o Leão de Ouro de Cannes em 1988). Existe uma clara necessidade de não esquecermos o que se passou e que de algum modo se está por aí a começar a redesenhar, é só ver as recentes tentativas de alteração da nossa Constituição.


E porque é à politica que somos conduzidos por um documentário destes que é também inevitável que analisemos o que nos diz parte da nossa geração. Sim parte, porque esta não é, e digamos que dificilmente o poderia ser, representativa de todos nós. Esta é uma selecção do autor do texto,
“As pessoas entrevistadas nasceram, como escrevi na sinopse do filme, "pelo 25 de Abril", tanto pouco antes como pouco depois. Indivíduos que cresceram com a Revolução. Tentei cobrir um leque o mais diversificado possível de áreas: profissionais da rádio, dos media, literatura, jornalismo, teatro, artes plásticas, música, cinema, necessariamente com boa capacidade de comunicação e expressão por razões evidentes. Foi necessário, também, encontrar perfis e feitos diferentes para que encontrasse leituras diferentes daquilo que é a geração: pessimistas, optimistas, cínicos, revivalistas...”
Temos aqui um recorte claro da nossa sociedade, o espectro criativo da mesma, que por sinal é o que mais domina a nossa paisagem cultural. Mas talvez por isso não fosse mau ter tentado ouvir outras vertentes, os agricultores, as classes operárias, as pessoas que nos atendem todos os dias nos serviços, os médicos e enfermeiros que tratam os problemas do corpo (e alma) da população, os juízes e advogados da barra do tribunal que são conduzidos pelas tragédias humanas, os técnicos e engenheiros que inovam todos os dias, no fundo todos aqueles profissionais que fazem de Portugal o país que é hoje.

Porque no final é com alguma tristeza que sinto na maioria dos discursos um claro desprezo por tudo o que foi aquela revolução, e principalmente por tudo o que representam as pessoas que a construíram. Para além de que esse desprezo claramente só poderia conduzir à falta de perspectivas para o futuro da geração aqui em causa. Este é um claro problema de uma parte da nossa sociedade, mais problemático que seja daquela que mais se dedica a interpretar o que somos, pois são estes os que criam as novas realidades, as novas ideologias (ver texto sobre o ensaio audiovisual Versions (2010)).

Existe muita reflexão, da parte dos entrevistados, ao longo do documentário completamente decalcada dos discursos vigentes nos media. O que não admira uma vez que grande parte deles são actores dessa arena. Mas não são só as frases feitas, pior que isso, são conceitos feitos sobre os quais pouco se reflectiu, ou noutros casos se reflectiu mas a partir de uma Torre de Marfim sem contacto, sem noção das texturas da realidade.

Talvez agora deva perguntar, sendo um documentário retrato, e sabendo nós que qualquer objecto de comunicação audiovisual é sempre uma interpretação do mundo realizado pelos olhos de alguém, não caberia ao autor criar mais sentido de tudo isto? Se poderia ter ido mais longe nas questões, pergunto também porquê atribuir um papel tão de superfície e passivo aos narradores? Por outro lado questiono-me a mim próprio se não é mesmo este lado menos bom, em minha opinião negativo, que faz do documentário uma peça tão importante no panorama audiovisual nacional. Sei bem que o autor está ciente disto, o título é claro em dizer ao que vem.

Vejamos então agora em maior detalhe o pior dos discursos propagados pelo documentário. À semelhança da opção deliberada do André em não rotular os entrevistados, dado o seu desejo de representação de uma "massa anónima" em detrimento das "individualização", não referenciarei os autores das frases aqui transcritas. Mais ainda, neste caso servirá de estímulo a quem ainda não viu, para ver e procurar descobrir quem disse o quê. Assim e de uma forma geral é sistematicamente dito que a culpa é dos outros, da geração anterior,
“A geração anterior entalou-nos”
“Não nos foi transmitido um modelo uma fórmula para transportar o país”
E alguém lhes transmitiu a eles um modelo para fazer uma revolução?
“As gerações anteriores dizem que davam mais valor às coisas... não davam nenhum valor às coisas... há esse mito... nos casos mais honestos olham para a geração de 70 com Inveja.”
Mas então o que dizer da abundância em que se vive hoje face a toda a escassez em que se viveu, em Ditadura e com duas Grandes Guerras?
“[A nossa geração] é uma geração traída, a quem foi prometido muita coisa...”
“E o que se está a verificar é uma grande injustiça. A geração que teve todos os direitos... sociais, laborais, etc., e a geração que não tem esses direitos”
Mas afinal eles têm inveja de nós, ou nós é que temos inveja deles?
E se essa geração viveu debaixo de uma ditadura como é que teve todos esses direitos?
“O nosso futuro é uma treta... ainda há um ou dois que passados 15 anos de faculdade, ainda não fazem nada... Temos que andar mais anos na escola para conseguir o mesmo que os nossos pais”
Não será natural e desejável que tenhamos que estudar mais do que a geração anterior?

Existem no entanto algumas reflexões inspiradoras, porque nos fazem questionar e olhar para o futuro,
A “confusão entre a moralidade e a legalidade” é algo que nos impede de nos revoltar contra as más leis e regozijar as boas leis.

“Seres livre para fazeres as tuas decisões, sobre o teu corpo, sobre o teu intelecto, sobre a tua vida... é um luxo que muitas mulheres durante muitas gerações não tiveram ”.

“Nós estamos onde está a nossa atenção” em relação ao poder dos media, da informação globalizada.

“Nós somos mais tolerantes, porque não estamos a seguir o modelo dos nossos pais, se assim fossem seriamos conservadores, e não, nós somos criadores, isto é um Privilégio”
Se quisermos resumir o retrato maioritariamente plasmado neste documentário, duas frases de dois entrevistados são suficientes,
“Geração dada à nostalgia precoce”
A evidência desta afirmação verifica-se de forma acentuada em programas nos media que dado o seu sucesso têm inclusive conseguido recuperar para o mercado actual produtos descontinuados há muito.
“Uma geração um pouco mimada do ‘eu tenho direito a tudo’”
Eu diria que a geração aqui representada é a da adoração ao monólito que nos entrou pela casa adentro nos anos 80. Que viveu toda uma década de ilusão emanada desse monólito e que hoje sente uma nostalgia melancólica dos tempos em que a mensagem era apenas um alinhamento, numa só direcção e partilhada, por igual, por toda a comunidade.


Agora a questão é se toda esta geração de 70 é realmente assim? Ou falamos da geração que conseguiu vingar na vida da que está hoje nos media, que escreve, que filma, que fala. De uma classe urbana e licenciada que ocupa posições dominantes na produção de representações do país?


Porque muito do que vemos neste documentário é os entrevistados falarem sobre os outros. Os outros do passado, os vilões (as representações que têm dos pais) e os outros do presente, os desgraçados (a representação que têm da suposta geração que não eles). A falta de reflexão sobre o Portugal real, sobre o objecto em si e não sobre a interpretação do mesmo pelos media, leva a que não exista aqui muita reflexão para o futuro.




[*] Conheço o André há muitos anos, passámos pela mesma licenciatura, no entanto optei por realizar uma análise do documentário distanciada dessa relação, ainda que admita que esta possa ter algum impacto sobre as minhas palavras.
[**] As palavras do autor transcritas neste texto foram retiradas de uma entrevista realizada por e-mail no início de Agosto 2010.

agosto 10, 2009

Português na Pixar

Troy (2004) de Wolfgang Petersen

Afonso Salcedo foi-nos apresentado pelo Mário Augusto no 35mm numa pequena entrevista. Afonso trabalha há alguns anos como artista de iluminação digital na Pixar e antes disso esteve na, tão ou mais importante, Framestore, CFC. No IMDB podemos ver que a sua carreira começou bem por cima no campo dos Efeitos Visuais, a dar apoio de rendering ao filme Troy (2004). Afonso é mais um caso de formação no exterior, fez apenas o liceu em Portugal, licenciou-se em Southampton em Eng. Informática e depois fez o mestrado em Computação no Imperial College em Londres.

Cars (2006) de John Lasseter

Sobre o seu trabalho na especificidade, sabemos apenas que trabalha na área da iluminação e pouco mais, não temos acesso a reels, e pela entrevista que tinha dado ao fórum Dimensão3 em 2005 percebe-se que mesmo que quisesse não poderia usar os trabalhos da Framestore ou Pixar nos seus reels públicos. Algo que se compreende pela competição industrial da área mas que deixa a desejar quando queremos conhecer mais sobre um determinado artista da área. Podem ainda obter mais detalhes acompanhando os seus posts, neste fórum, sob fonziewonzie.

UP (2009) de Pete Docter e Bob Peterson

julho 26, 2009

IAMCR 2010 em Portugal

A IAMCR2009 terminou esta sexta-feira, na cidade do México, com a apresentação da universidade e do país que, em 2010, receberá a mais internacional das reuniões académicas na área da Comunicação. O director do CECS, Manuel Pinto, e a directora do DCC, Helena Sousa (acompanhados pela presidente da associação, Anabelle Sreberny – à esquerda na foto), apresentaram a proposta de tema genérico, Comunicação e Cidadania, indicações logísticas e detalhes sobre a imagem da conferência.

A apresentação terminou com um vídeo do Ministério da Economia e Inovação - Turismo Portugal - e que serve muito bem o intuito de sintetizar Portugal para uma plateia de nacionalidades fortemente diversificada.



Detalhes sobre a conferência da IAMCR em 2010 vão poder, de agora em diante, ser consultados no site oficial.

julho 22, 2009

Jogo português para PS3, parte II

Depois de já em Março aqui ter falado do novo jogo da Seed Studios, volto a trazer o assunto por razões de comunicação. É muito interessante ver que a Seed Studios está a seguir os padrões internacionais de marketing no que toca a promoção dos seus produtos. Este é o caminho aconselhado e necessário, ao contrário de praticamente toda a produção de jogos realizada em Portugal nos últimos anos. Para investimentos grandes são necessários também grandes promoções. E essas nem tem de ser em publicidade pura, mas podem e até devem ser em formatos de Relações Públicas atraindo a atenção dos media. Nos últimos meses muitas têm sido as entrevistas dadas pelo grupo e inclusive os convites para trabalharem em parceria com o ensino superior, o que pode ser visto como mais uma estratégia de RP. Entrevistas: TVI24, Gamerstek, TakeitGame, Exame Informática (Agosto), Revista Oficial Playstation (Julho)...

Diga-se que a estratégia do diário foi fabulosa uma vez que funciona como um autentico teaser de ligação contínua à fonte de criação. Faz os receptores sentirem-se mais próximos e como tal envolvem-se mesmo antes de começar a jogar. Este "antes de jogar" é essencial para que as pessoas passem a sentir o jogo como parte do seu universo de referências e como tal sintam que pertencem a um grupo (fãs) alargado de pessoas que também irá jogar aquele jogo.

E a verdade é que online pode-se sentir já o furor em redor do jogo, tanto ao nível do blog de produção em conjunto com a UndersiegeTV (canal YouTube onde são colocados os trailers) que têm tido milhares de visitas e centenas de comentários, como no resto da web foruns e blogs (alguns links encontrados com uma rápida pesquisa no google [1], [2], [3], [4], [5], [6], [7], [8]). A questão não é só pelo facto de ser a primeira publicação nacional para PS3, mas porque as pessoas sentem que o jogo tem potencial para ombrear com grandes produções internacionais, algo já tentado mas não conseguido em Portugal. E diga-se que a estratégia de marketing está também a funcionar e ainda bem.

Já agora e sobre algo menos jogo e mais audiovisual, o trailer em específico, funciona muito bem, consegue usar toda uma estratégia narrativa assente na figura de estilo do suspense, versado no mistério. Vão sendo revelados alguns detalhes, mas é dado a perceber que muita informação é ainda retida. Leva-se o espectador numa viagem (com a câmara a planar sobre a geografia) permitindo a recolha de pistas ao espectador, mas ao mesmo tempo retendo informação de promenor. Visualmente muito bom, e diria até que é ainda mais forte no plano sonoro, um verdadeiro objecto de campanha e de alta qualidade.


Em conclusão só esperamos que o jogo atinja o patamar atingido pelas expectativas entretanto criadas. As expectativas são essenciais para este tipo de estratégia que cultiva uma cultura de fãs, mas eleva a fasquia e a responsabilidade para com esses fãs e como tal obriga-nos a responder em padrões ainda mais elevados do que os entretanto estabelecidos.

julho 20, 2009

Rodrigo Leão & Cinema Ensemble


A Mãe (2009) é o último álbum de de Rodrigo Leão & Cinema Ensemble, arrepiantemente melancólico. Dedicado à sua mãe. O álbum português do ano, daquele que é um dos maiores talentos da criatividade nacional. Deixo a música Vida tão Estranha, com composição de Rodrigo Leão e voz de Ana Vieira.

São de veludo as palavras
Daquele que finge que ama
Ao desengano levo a vida
A sorte a mim já não me chama

Vida tão só
Vida tão estranha
Meu coração tão mal tratado
Já nem chorar me traz consolo
Resta-me só o triste fado

A gente vive na mentira
Já nem dá conta do que sente
Antes sozinha toda a vida
Que ter um coração que mente

Vida tão só
Vida tão estranha
Meu coração tão mal tratado
Já nem chorar me traz consolo
Resta-me só o triste fado


junho 28, 2009

Portugal recriado musicalmente

Irresistível. Acabo de ver na SIC Notícias o concerto dos Oquestrada dado no Tivoli em Maio de 2009, uma verdadeira reinvenção do fado filtrada pelo espírito da bohème à francesa que aqui é referenciada pelo espírito da Tasca Portuguesa. Sente-se Yann Tiersen no ar, mas respira-se um sentimento Português vindo das entranhas, de passear por entre as ruas de qualquer cidade portuguesa que se mistura com Goran Bregovic e um pouco de tinto da região alentejana, mais um pouco de The No Smoking Orchestra e encontramos a medida certa para um ritmo em passo acelerado, coerente e muito, mas muito criativo. Por momentos senti o corpo contorcer-se ao ritmo e a cabeça a fugir para as noites de Queima das Fitas dos tempos de estudante de Coimbra.

O primeiro álbum saiu em Abril deste ano e dá pelo nome de Tasca Beat - O Sonho Português. Se ainda não conhecem refresquem-se com esta centelha de inovação e criatividade nacionais no vídeo de Oxala te veja realizado pela Droid-i.d.

junho 15, 2009

comunicação visual interactiva portuguesa

Uma notícia que tinha visto há algum tempo e não consegui deixar aqui no blog, agora que encontrei uma excelente entrevista realizada pela digup.tv ao Manuel Lima, aproveito para deixar a notícia e ampliar a lista de bons exemplos portugueses. Desta vez trata-se de comunicação visual fortemente suportada na interactividade ao invés da audiovisual referenciada no post anterior.


Manuel Lima é autor do site Visual Complexity com o qual conseguiu o feito de ser nomeado pela revista americana CREATIVITY como "one of the 50 most creative and influential minds of 2009". Nesta lista aparecem nomes como Jeff Bezos fundador da Amazon; Sergey Brin e Larry Page fundadores da Google; David Axelrod e David Plouffe os cérebros por detrás da campanha online de Barack Obama; entre autores como David Fincher, David Byrne, Jean Nouvel, ou ainda os criadores de Little Big Planet para a PS3 ou de Braid para a Xbox; Carlos Ulloa criador de Papervision 3d entre outros.

Para Manuel Lima o seu trabalho representa
"Our ability to generate and acquire data has by far outpaced our ability to make sense of that data. Meaningful information is not a given fact, and particularly now, when our cultural artifacts are being measured in gigabytes and terabytes, organizing, sorting and displaying information in an efficient way is a crucial measure for knowledge and ultimately wisdom. This is where information visualization undertakes an important mission."
Licenciado em Design Industrial pela Faculdade de Arquitectura da UTL, Mestrado em Design & Technology, na Parsons School of Design de Nova Iorque é actualmente Senior User Experience Designer na Nokia's NextGen Software & Services baseada em Londres.

Vejam a entrevista concedida por ele à digup.tv e apreciem a visão de Manuel Lima.