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abril 18, 2014

Videojogos no "Sociedade Civil"

Ontem passei pelo Sociedade Civil para participar numa mesa de discussão sobre o "vício" em videojogos, com Jorge Loureiro, editor da Eurogamer.pt, Rogério Ribeiro, fundador do Game Studio 78 e produtor de Hush, Maria Carmo Carvalho, professora da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Porto, moderada pela Eduarda Maio. O debate foi interessante e produtivo, apesar do potencial de polémica que o assunto encerra. Julgo que de uma forma geral se conseguiu passar informação no sentido da desmistificação do assunto.

Sociedade Civil: Nelson Zagalo, Rogério Ribeiro, Eduarda Maio, Maria Carvalho e Jorge Loureiro [17.4.2014]

Em síntese, procurei passar a ideia de que o "vício" em videojogos, apesar de real, não é diferente do "vício" em séries de televisão, ou em telenovelas. Existem no entanto algumas diferenças no acesso a este tipo de artefactos que contribuem para que a sociedade sinta que os jogos podem ser mais viciantes, nomeadamente o facto das pessoas não controlarem o tempo que podem estar a ver uma série ou telenovela. Quando acaba um episódio que está a passar na televisão, são obrigadas a desligar. Por outro lado quem já viu séries em caixas de DVD sabe bem o quanto custa parar de ver uns episódios atrás dos outros, muitas vezes pela noite dentro.

Este tipo de vício pode ser desenvolvido também com livros, e em menor grau com o cinema (o cinema tem uma menor capacidade para exercer este vício porque não se estende no tempo). Existem vários casos de miúdos que passam dias inteiros mergulhados em livros, mas aí as pessoas não recriminam, porque a atividade de leitura é vista pela sociedade como uma atividade nobre. E esse é o outro problema dos videojogos,  é que são ainda considerados um media menor. Duas questões concorrem para esta visão, a associação com a brincadeira de crianças, algo que os pais querem afastar dos filhos à medida que crescem, e por outro lado os jogos de casino ou de azar, vistos como um lado negro do ser humano.

Ora os videojogos, apesar de serem relevantes para as crianças, não são um meio usado apenas por crianças. Tal como a banda desenhada, são meios que servem a comunicação humana, e a comunicação pode ser dirigida a qualquer faixa etária. No caso dos jogos, o seu público majoritário está neste momento situado na faixa dos 30 anos. Relativamente aos casinos, não existe qualquer relação, já que os videojogos se situam no terreno do chamado “círculo mágico”, ou seja aquilo que acontece ali não pode ter efeitos na realidade, como acontece num casino em que se pode perder ou ganhar dinheiro real.

No fundo, os videojogos devem ser vistos, como são vistas as séries de televisão, os filmes no cinema ou os livros da literatura. Se me preocupo com aquilo que os meus filhos veem na televisão, também tenho de me preocupar com aquilo que jogam. Se não quero que o meu filho passe o dia em caso fechado a ver filmes, também não devo querer que passe o dia jogar. Todos estes media/artes servem os seres humanos de forma fundamental, informando-os e agilizando-os socialmente, são importantes para a regulação da vida em sociedade, mas todos eles precisam de ser consumidos com moderação, e de forma suficientemente diversificada. Um livro não dá o mesmo que um jogo, nem um jogo dá o mesmo que um filme. Mas na vida, a maior parte daquilo que precisamos e aprendemos, é com os outros seres humanos, por isso os media devem ser usados com moderação, é preciso dar tempo aos que nos rodeiam, eles precisam de nós, mas nós também precisamos deles para crescermos.

O programa pode ser visto na íntegra no RTP Play.

dezembro 05, 2013

Entrevista sobre o livro "Videojogos em Portugal"

Dei uma entrevista para a revista Eurogamer Portugal a propósito do livro "Videojogos em Portugal. História, Tecnologia e Arte". Nesta falo um pouco do livro, do processo da escrita, dos objetivos, do público alvo e de alguns dos problemas da criação de jogos em Portugal. Podem ver aqui.

novembro 12, 2012

Entrevista sobre festival "Caminhos do Cinema Português"

Na semana passada o jornal universitário de Coimbra, A Cabra, enviou-me um entrevista por e-mail sobre o festival Caminhos do Cinema Português que decorre em Coimbra há várias décadas e que entra agora na sua XIX edição. O interesse prendia-se com o facto de eu ter participado na re-fundação do festival em 1997. Entretanto o artigo foi publicado no sítio do jornal, mas muito do que disse ficou naturalmente de fora da peça, e por isso aqui publico as minhas respostas integrais. Os filmes apresentados em imagens ao longo do texto estiveram todos presentes no festival desse ano de 1997.

Cartaz e capa do catálogo da reedição de 1997

1 - Como foi o processo de reativação do festival, depois do interregno de sete anos?
:: Foi complicado e muito duro porque tinham passado já alguns anos depois da última edição, e já não existiam ligações às instituições nem pessoas, tendo sido preciso fazer tudo do zero como se a mostra nunca tivesse existido. Estou a falar do ICA (na altura tinha a designação de IPACA) e do TAGV, mas também dos apoios de financiamento necessários e vitais para garantir um festival desta natureza, assim como dos realizadores, dos atores, dos produtores, diretores de fotografia, entre muitos outros.
Foi um ano completo a trabalhar, com vários dos elementos da comissão executiva a trabalhar full-time no evento, deixando os cursos de lado, deixando tudo de lado para que o evento se tornasse real. Foi uma luta até ao último dia, mas conseguiu-se recriar um evento que é fundamental em Portugal e que muito me agrada que se tenha mantido até hoje, e esperemos que continue por muito mais tempo.

TAGV (foto de Pedro Medeiros)

2 - Quantas pessoas estiveram envolvidas nesse processo?
:: Estiveram envolvidas diretamente e ao longo de toda a produção oito pessoas: Nelson Zagalo, Manuel Nunes, Jaime Rodrigues, Bruno Dias, Carlos Pinto, Sara Seabra, Osvaldo Mota e Adelino Rocha. Tudo elementos que pertenciam nessa altura à direção do CEC. É claro que estiveram envolvidas muitas mais pessoas, desde os sócios a elementos de outras secções culturais, da DG/AAC, do TAGV, da UC o que no total deverá ter ultrapassado as 40.

Má Sina (1996) de Saguenail

3 - Quais foram as novidades que essa edição trouxe relativamente às mostras realizadas antigamente?
:: A primeira e mais evidente, foi a transformação de um evento que era uma Mostra, num Festival o que implicou várias dimensões além do mero ciclo de filmes, como mesas redondas, workshops, prémios, convidados, filmes de abertura e encerramento, etc. Uma das grandes atrações desta reedição foi tentar trazer filmes que tinham sido financiados com dinheiros públicos mas ainda não tinham sido estreados em Portugal, algo que era comum nos anos 1990. No campo das curtas tivemos linhas dedicadas: à Escola Superior de Teatro e Cinema; à Animação nacional; à Video Arte; e ainda uma extensão da Mostra de Vídeo Português Contemporâneo da Videoteca de Lisboa. Além disso criámos o primeiro prémio dedicado a uma figura de relevo cinematográfico nacional e não mediática, o Ardenter Imagine. Foi também neste ano que conseguimos que o evento fosse reconhecido pelo Ministério da Cultura como sendo de “Manifesto Interesse Cultural”.

Kilas, O Mau da Fita (1980) de José Fonseca e Costa

4 - Nesse ano, quais foram os principais destaques cinematográficos?
:: Abrimos o Festival com a estreia de Mortinho por Chegar a Casa (1996) de Carlos Silva e George Sluizer, contando com a presença do Carlos Silva. E depois fizemos o encerramento com Kilas, o Mau da Fita (1980) que se tornou num dos grandes momentos desse festival.

Mortinho por Chegar a Casa (1996) de Carlos Silva e George Sluizer

5 - Qual foi o feedback que tiveram? Houve incentivos para que ficassem motivados a continuar?
:: Sim, sem dúvida, sentimos no final, nomeadamente da parte da comunidade nacional cinematográfica um carinho especial por aquilo que se tinha conseguido fazer ali, e muita vontade de continuar a colaborar para que o evento se tornasse num evento central do cinema nacional.

Três Irmãos (1994) de Teresa Villaverde

6 - Ficou na organização do festival durante quanto tempo?
:: Fiquei apenas nesse ano, era já o meu segundo ano na direcção do CEC. Como expliquei acima foi esgotante, mas não só, não se pode pedir que festivais com esta magnitude sejam feitos em mero regime de voluntariado. Era preciso retomar os estudos.

O Fim do Mundo (1993) de João Mário Grilo

7 - Que histórias guarda deste festival? Algum episódio caricato que tenha acontecido em alguma edição que queira partilhar...
:: Muitas histórias, muitos momentos que ficaram nas nossas memórias, de angústias e alegrias passadas em conjunto com as pessoas que formaram aquele fantástico grupo que levou este projeto de uma simples ideia e desejo ao evento em que ele se tornou.
Ao revisitar o catálogo dessa edição, relembrei o episódio de renderização e impressão do cartaz que serviria para espalhar pelos "mupis" de várias cidades nacionais (a imagem que está no topo deste texto). Foi uma aventura que passei com o autor do cartaz, o David Miguel Coimbra, um dia e uma noite completa à volta do 3d Studio em casa deste no Porto, para conseguir renderizar com os textos correctos, e conseguir chegar a horas a gráfica do Porto a tempo de poder ser imprimido e enviado às Câmaras. Passámos a noite a olhar para a barra de render em total desespero, só conseguindo terminar no dia seguinte quando era já quase meio-dia. O mesmo se passou com o catálogo, mas aqui quase sozinho, em que passei mais de 24h seguidas colado numa cadeira a terminar detalhes para depois fazer seguir para a gráfica, parece que ainda me lembro da cadeira em que estava sentado.

Oxalá (1980) de António Pedro Vasconcelos [excerto]

8 - Alguma exibição que o tenha marcado, seja enquanto espetador ou membro da organização?
:: Sim quando voltei ao festival como Júri passados alguns anos, em 2001, adorei ver a curta-metragem de Sandro Aguilar, Sem Movimento (2000), nunca mais a esqueci, apesar de nunca mais a ter conseguido rever. O seu trabalho de movimento visual nesta curta é magistral. Pena que como acontece como muito outro cinema português, as obras fiquem inacessíveis. Daí que festivais como os Caminhos adquiram uma ainda maior importância.

Passagem por Lisboa (1993) de Eduardo Geada

9 - Hoje ainda colabora com o CEC?
:: Apenas pontualmente. Por acaso encontro-me neste momento a colaborar com a segunda edição de Cinemalogia.

Cartaz da XIX Edição, 9 a 17 de Novembro 2012

10 - O que pensa do facto de existir apenas um festival exclusivo de cinema rodado em português?
:: Penso que é fundamental, que deve ser preservado, apoiado e acarinhado por todos. É um dos poucos momentos em que o amor à cultura cinematográfica nacional se abre sem rodeios e sem complexos.

dezembro 10, 2011

entrevista ao Nós da UMinho

Este mês de Dezembro aparece no Nós, Jornal On-line da Uminho uma entrevista minha a propósito do campo de estudos dos videojogos na academia. Mas mais do que isso a entrevista reflete sobre o trabalho que tenho andado a fazer sobre a história nacional dos videojogos e que espero ver publicada no ano de 2012. Ficam aqui alguns excertos,


Sobre a formação superior
A formação superior permite melhorar talentos inatos, dominar várias áreas, despertar a inovação e o empreendedorismo, gerar empregos; enfim, é aprender a aprender, ganhar bagagem cultural com professores e colegas, construir um novo mundo para melhor chegar às pessoas.
Sobre a história nacional,
Mal se sabe o que foi feito nos videojogos em Portugal e as pessoas não se conhecem. Podemos ter uma indústria mais sedimentada ao reunir a história e colocar todos no mesmo barco, mostrar que, juntos, podemos fazer melhor. Ao darmos conta deste potencial e do que já se conseguiu, perceberemos que é possível ir mais além.

Leiam a entrevista completa.

setembro 30, 2011

entrevista sobre arte e violência nos videojogos

Depois de ontem aqui ter deixado a entrevista realizada para a revista brasileira Época, deixo agora a entrevista para o jornal Público, realizada pelo João Pedro Pereira em Agosto, a propósito da decisão do tribunal da Califórnia a respeito da proibição da violência nos videojogos. A entrevista aparece no P2 por isso só lhe pode aceder online quem tem acesso ao Público pago. Aqui poderão ler a entrevista integral, não os comentários e as outras entrevistas realizadas pelos jornalista. Falei também deste tema num artigo que publiquei entretanto na Eurogamer.


P - Consideraria os jogos (ou, pelo menos alguns) uma criação artística?

R - Poderá ver num texto no meu blog o que penso e o que sinto. Mas a realidade é que nos últimos tempos apesar de todas as tentativas de descredibilização dos videojogos, os EUA tornaram-se num dos maiores apoiantes desta forma de arte. Em Maio deste ano, o National Endowment for the Arts do governo Americano passou a reconhecer os videojogos com o estatuto de arte, e assim permitindo que estes artefactos concorressem ao apoio para as artes do governo Americano. Ao mesmo tempo o Smithsonian American Art Museum de Washington tem uma exposição a decorrer até Setembro sobre exatamente a Arte dos Videojogos. Por isso o resultado do processo que agora terminou na Califórnia era expectável, o contrário seria um escândalo.

P - E porque tem havido resistência a colocar os videojogos no mesmo patamar dos outros produtos culturais, mesmo numa altura em que os valores de produção são já muito elevados?

R - Bem a questão de definir o que é arte e o que não é, não se mede propriamente pelo valor económico da atividade. A definição sobre o que é arte e o que não é, surge após um processo longo de debate na sociedade, de análise, estudos, trabalhos e artefactos criados.
A resistência à consideração dos videojogos como Arte não foi maior do que aquela que se realizou com o Cinema, que durante anos foi considerada como mero espetáculo de entretenimento de massas, incapaz de comunicar ideias com suficiente profundidade, ou incapaz de comunicar uma visão, uma ideia de um autor sobre o mundo. Os últimos 10 anos foram muito férteis na indústria dos videojogos, produziu-se muito, e quando se produz muito é natural que surjam trabalhos que se superam, e que ultrapassam as fronteiras do media, da arte que os envolve. Julgo que é nestes momentos que as pessoas começam a perceber que podem estar perante algo que não é mais um mero produto, uma mera atividade, mas é algo capaz de nos tocar, de nos demover, e até de alterar o modo como vemos o mundo.

P - Como nos filmes, há vários tipos de violência nos videojogos. Considera a existência de violência (num enquadramento em que o consumidor tem uma postura mais ativa do que a ver um filme) um problema?

R – Claro. Não é porque os videojogos ganharam o estatuto de arte que podem agora fazer e dizer o que quiserem. Aliás muito pelo contrário, esta medida só fará com que os criadores de videojogos tenham um maior respeito pela arte que produzem, e se sintam responsáveis pelas ideias que comunicam. É que agora fica consagrado na lei americana, não só que eles têm direito à liberdade de expressão como arte, mas também que eles são uma forma fundamental de expressão e de criação de envolvimento emocional e cognitivo com os seus jogadores.

P - E há algum caso em que se tenha deparado com violência que considerou excessiva ?

Sim, falei sobre o assunto longamente no meu blog em 2007 aquando da saída do videojogo Manhunt 2. Explico nesse texto que o fundamental está no modo como a violência é contextualizada no âmbito da obra. No fundo a ética que se assume na apresentação da violência. Até que ponto o artefacto, videojogo ou filme, mostram, defendem e exaltam a violência, ou por outro lado a assumem como algo que pode ser necessário, mas que não é necessariamente bom para as pessoas, para os espetadores e jogadores.

P - A violência nos videojogos é um tema que ocasionalmente irrompe nos media. Parece-lhe que é tratado de forma objectiva?

R - Não, de todo. Os videojogos têm sofrido ataques de todos os lados, principalmente por dois supostos grandes problemas, a violência e o vício. Em nenhum deles estas acusações fazem sentido, e a prova foi esta resolução do tribunal americano. A verdade é que qualquer meio de expressão, qualquer arte, não sendo inócua, tem efeitos sobre os seus seguidores. A sociedade e a arte transformam-se por meio de uma relação de pura simbiose, como tal é natural que existam efeitos. Mas daí a extrapolar esses efeitos para uma degeneração de comportamentos, ou destruição de funcionalidades cognitivas, vai um salto muito grande, que nenhuma arte tem poder para conseguir de modo isolado.

setembro 29, 2011

Sims Social no Facebook

A propósito do lançamento do The Sims Social em Agosto no Facebook a revista Época, editada pela Globo no Brasil, fez-me uma entrevista por e-mail e publicou um pequeno artigo com os meus comentários. Como sempre estes artigos são muito curtos e usam apenas metade daquilo que realmente dizemos, por isso aproveito para deixar aqui o que disse sobre o assunto na altura.


1 - O The Sims Social criou uma nova forma de interação no facebook, por meio de um avatar. Você acredita que isso seja uma tendência nas redes sociais?    

Sim sem dúvida. Os chamados jogos sociais ou jogos de redes sociais, tinham pouco de social até agora. A sociabilidade limitava-se a uma interação meramente material, ainda que feita de bens virtuais (falei disto aqui). The Sims Social parece apontar num novo caminho, e claramente que poderá abrir uma nova tendência nos jogos sociais.
Ainda andamos todos a tentar perceber como podemos potenciar toda a energia social presente nas redes, Sims Social não é totalmente inovador, porque o que faz é replicar a estratégia de jogo de The Sims. Ou seja criar um avatar, dar-lhe alguma autonomia, e colocá-lo à disposição do jogador. Enquanto jogador podemos controlar o avatar, mas este possui alguma liberdade de ação, aquilo que em The Sims designamos de "livre-arbítrio" dos avatares.
A inovação face a The Sims, é a ligação umbilical à nossa identidade projectada na rede social, e isso é diferente de tudo o que tínhamos até agora. Porque no antigo jogo de Sims Online podíamos criar uma identidade para o nosso avatar sem revelar quem éramos. Agora estamos condicionados pela ligação à nossa identidade no Facebook.
No futuro veremos mais jogos fazer uso deste conceito, e mesmo indo além disto. O objetivo é aumentar a ligação entre os jogadores, criar laços mais fortes, e isso faz-se pelo lado dos sentimentos, não da coisa material.


2 - O conceito do The Sims Social lembra o do Second Life, que acabou não dando certo e caindo no esquecimento. Você acredita que o The Sims possa ter o mesmo destino do Second Life? O que diferencia um do outro?

São diferentes. Em Second Life o nosso avatar é 100% controlado por nós, não tem qualquer autonomia. Mas mais do que isso, o nosso avatar em Second Life não é relacionável. Ou seja se eu não revelar quem sou, as pessoas não saberão qual a relação daquele avatar com o seu utilizador real. Aqui as coisas são diferentes porque o meu avatar é relacionável com a minha persona dentro do Facebook, e de seguida com a minha identidade real, uma vez que o Facebook a isso obriga.
Em Second Life o interesse inicial foi pela novidade, hoje Second Life ainda se mantém ativo, mas mais pelas pessoas que o usam como uma rede de comunicação. Um dos problemas de manutenção do interesse das pessoas em Second Life sempre foi a ausência de objectivos ou regras, ou seja de uma lógica de jogo. Deste modo o que aconteceu foi passar para uma lógica de mediador de comunicação com uma interface 3d. Isto não quer dizer que o Second Life acabou, muito pelo contrário, as pessoas que o usam amadureceram. Existem diferentes grupos, os que usam para comunicação mediada, os que usam para construção de ambientes tridimensionais, e os que investigam novas tecnologias e novos formatos sociais.
Quanto ao futuro do The Sims Social é difícil prever, mas tem tudo para dar certo. À semelhança de Second Life permite criar uma máscara (avatar) e com isso interagir mais facilmente com os outros. O que é muito interessante em Sims Social, que é jogado dentro de uma rede social, é que estamos a criar uma máscara dupla. Ou seja a nossa presença na rede social, é já em si uma máscara, se bem que mais real do que aquilo que existia antigamente nas redes, no tempo em que usávamos nicknames, porque o Facebook nos obriga a usar o nome real e os dados reais. Ainda assim construímos sempre toda uma identidade dentro do Facebook que é diferente da identidade que as pessoas veem no mundo real. Ora em Sims Social o que acontece é a reconstrução dessa identidade. Mas isto já foi explicado pelo Goffman, quando nos disse que em cada situação atuamos conforme o exigido. Ou seja temos uma capacidade inata para desempenhar múltiplos papéis, para executar performances sociais.


Deste modo o que vai acontecer é que enquanto utilizadores de redes sociais, vamos passar a ter dois papeis, a nossa persona no Facebook e a nossa persona em Sims Social. Mas estas personas estarão umbilicalmente ligadas, porque quem está do outro lado conhece ambas as personas, uma vez que o jogo fomenta essa relação. Por isso um comportamento tido em Sims Social, pode ter impactos na persona do Facebook mas mais interessante é que pode e ir além disso, ter impactos nas relações reais entre as pessoas que se conhecem fisicamente.
Diria que estamos perante um jogo que finalmente faz uso da componente social em profundidade, afetando verdadeiramente os laços da sociabilidade, para o bem ou para o mal dos mesmos. 

abril 20, 2011

a música e a criatividade na RUM

Na semana passada dei uma entrevista ao programa, The Burning List, um programa da Rádio Universitária do Minho dirigido por Ricardo Salbany Carvalho. O Burning List entrevista pessoas do mundo criativo com o objectivo de perceber a ligação que as pessoas fazem entre a música que ouvem e o trabalho que desenvolvem.


Foi um momento muito interessante porque me fez viajar no tempo, fez-me voltar a ouvir alguns sons que estavam trancados aqui dentro. Sons que guardam memórias e as tornam reais no momento em que ouvimos aqueles acordes. Fui ainda mais longe do que quando ouço estas melodias sozinho, porque falar sobre o que aquelas músicas representam, sobre o modo como as conheci, como as sinto e realizo, obrigou-me a trabalhar mentalmente os sons, dar-lhes nomes, e imagens. Muito interessante.


Ainda não há muito tempo falava com um colega meu sobre o poder da música para ativar em nós memórias, recordações e construções mentais, e nesse sentido recomendou-me a leitura de Musicophilia: Tales of Music and the Brain (2008) de Oliver Sacks, que ainda não tive tempo de ler, mas a julgar pela introdução vai neste sentido.
Fica aqui a lista das 5 músicas escolhidas por mim:
Tindersticks - Jism (Tindersticks I, 1993)
Goran Bregovic - Dreams (BSO Arizona Dream, 1993)
Tom Waits - Time (Raindogs, 1985)
Wim Mertens - Iris (Strategie de la Rupture, 1991)
Jóhann Jóhannsson - Karen Býr Til Engil - (Englabörn, 2002)
A entrevista pode ser ouvida na integra, assim como as músicas, no site do programa na RUM. A entrevista foi realizada via Skype por isso o som da entrevista nem sempre é perfeito.

julho 14, 2010

Facebook e o acasalamento

Na semana passada dei mais uma entrevista ao Diário Económico para um artigo relativo ao fenómeno do acasalamento via redes sociais que depois surgiu no artigo, "O que o Facebook unir o Facebook pode separar" na edição de 3.7.2010. O artigo, que é da autoria de Angela Marques com ilustração de Gonçalo Viana, começa assim,
"O mundo evoluiu muito: na hora da sedução, passámos do “posso pagar-te uma bebida” para o “posso escrever alguma coisa no teu mural? O “gosto” e “não gosto” do Facebook são os preliminares do século XXI e já ninguém pergunta se nos pode conhecer – passa-se logo para a amizade, para a partilha de fotografias, de vídeos e considerações mais ou menos inteligentes sobre a vida e amoda em geral.
Do meu lado o que dizer sobre estas constatações, entre muitas outras questões que se me levantam, a minha tendência para as perspectivas biológicas sugerem algo mais natural do que à partida possa parecer algo que assenta em princípios básicos de sobrevivência da espécie e como tal,
“A razão disto prende-se com a necessidade fundamental que temos de viver em grupo e de ter companhia. Como tal todas as possibilidades que se abrem à hipótese de construção de relações com o outro são aproveitadas. A parte benéfica das redes sociais é que aqui o contacto social possui uma rede de segurança que é a distância física e o assincronismo.”
Adam and Eve (1528) de Lucas Cranach the Elder

Claramente que aponto aqui apenas os vectores positivos deste novo modelo de propagação da espécie, mas deixo os negativos para outro momento.

maio 30, 2010

Entrevista na Folha: Mundos Virtuais

A semana passada fui entrevistado pelo Alexandre Orrico jornalista da Folha de São Paulo, para quem não sabe é o jornal de maior circulação no Brasil. O assunto versou sobre os mundos virtuais, e essencialmente sobre o potencial do uso das plataformas de mundos virtuais para analisar comportamentos da sociedade e prever desvios da mesma. Como sempre e dadas as limitações de espaço dado a estes conteúdos em jornais desta natureza, apenas uma parte do que dizemos é vertido para a publicação final. Assim fica aqui na integra a entrevista cedida, e para quem quiser ver o resultado publicado fica aqui o pdf, uma vez que o acesso ao conteúdo na Folha é pago.

AO: Seria legal que você falasse um pouco do seu campo de pesquisa. Qual a parte envolvida com games e por que você se interessou por esse tema?

NZ: O meu campo de pesquisa envolve os estudos sobre a comunicação afectiva e interactiva. Os games entram pelo lado do Design de Interacção e desenvolvem-se na minha pesquisa através da criação de novos modelos e paradigmas de comunicação e interacção que possam ser eficazes na criação de um maior envolvimento emocional ou afectivo entre o artefacto (jogos/objectos interactivos) e o sujeito.


AO: Você está editando um livro sobre ambientes virtuais? Fala um pouquinho dele também, por favor.

NZ: O livro tem um interesse muito especifico no que toca aos ambientes virtuais, uma vez que pretende apresentar uma abordagem da sua componente de comunicação. Ou seja interessa-nos perceber qual o alcance comunicativo dos ambientes virtuais e de que modo estes afectam a Identidade; a Emoção; o Entretenimento e a Colaboração. Podes ver mais aqui: http://sites.google.com/site/metaverseparadigms/

AO: A pergunta principal que eu gostaria de te fazer é: o que o comportamento das pessoas em jogos virtuais, tais como o World of Warcraft, podem dizer sobre o comportamento real? Existe um espelho, ou seja, podemos traçar um perfil do jogador analisando o jogo? Se sim, existem padrões?

NZ: O que acontece no ciberespaço não é muito diferente daquilo que acontece no mundo real, nomeadamente ao nível das relações sociais. Por isso se tivermos em conta jogos como o WoW que envolvem de forma muito forte os jogadores entre si, criando necessidades de partilha de objectivos e até credos no seio da narrativa do jogo é natural que os dados do modo como os jogadores se comportam nesse universo possam servir para estabelecer modelos sobre a evolução dos processos sociais.

Ou seja, o que acontece nos jogos de Massive Multiplayer Online e também nas Redes Sociais (Facebook, Orkut, etc) é que se estimulam as interdependências reais entre humanos. Ou seja eu só posso conseguir atingir determinados objectivos se me relacionar no jogo ou rede social. A partir daí abre-se espaço para toda e qualquer análise comportamental dos sujeitos no jogo. Para além disso o que estas redes e jogos têm de muito bom para este tipo de investigação é que registam tudo o que é feito naquele ambiente. Como tal os investigadores de ciências sociais têm um acesso privilegiado aos dados dos acontecimentos. Enquanto no mundo real temos de proceder à observação e gravação em vídeo captando apenas partes dos processos sociais, nestes ambientes digitais fica tudo gravado. Podemos seguir um jogador 24 sobre 24 horas, 7 sobre 7 dias e ter acesso a todas as suas reacções, quantificá-las e procurar padrões de comportamento, etc. etc.
Deste modo é fácil acreditar que estes ambientes se tornem muito apetecíveis para os estudos sociais que se pretendam realizar. E o facto de se tratar de um ambiente ficcional não tem de ser visto com um impacto completamente negativo nas análises, isto porque o que acontece nestes jogos é que o jogo funciona mais como mediador de comunicação inter-pessoal entre os sujeitos jogadores e não tanto como criador de envolvência com o jogo apenas e de forma desligada da realidade social.

AO: Temos acesso à um estudo norte-americano que diz que o World of Warcraft é muito valioso porque pode dar dicas sobre o comportamento da humanidade no futuro. Segundo ele, a Terra seria mais selvagem, com recursos naturais escassos e seres humanos brigando por alimento e espaço - como de certa forma acontece no mundo de WoW. Você acha que esse argumento tem fundamento?

NZ: O objectivo de qualquer estudo das ciências sociais é perceber o que se passa na sociedade que temos, para assim a entender melhor. Desse conhecimento podemos extrair padrões e modelos que podem perspectivar o que se passará em determinadas condições sociais ou em determinado momento em face de determinadas condições. Isto é o que vemos todos os dias acontecer com na área da Economia que é por natureza uma ciência social. Os mercados bolsistas funcionam com base em sinais positivos ou negativos enviados ao mercado pelos analistas que não fazem mais do que tentar prever o que se passará no futuro tendo em contas as transformações em curso no presente.


Ora o interessante do WoW é o que jogo se aproxima em parte de formatos de Simulação, à semelhança de Sims ou o Simcity. As ferramentas de simulação não são mais do que a base da chamada realidade virtual, porque potenciam algo que não existe, ou seja criam apenas a possibilidade para que a realidade se dê. Assim um investigador pode gerar condições num ambiente virtual que simulem determinadas condições como por exemplo os “recursos naturais escassos” e verificar como os sujeitos (jogadores/pessoas reais) reagem em face dessas condições.
Deste modo é como se criássemos em laboratório um sistema social controlado e fechado e pudéssemos analisá-lo de todos os ângulos sociais que interessem à investigação. Ou seja não é preciso provocar o acontecimento real, e assim incorrer em perigos para os eventuais sujeitos presentes na experiência uma vez que é tudo construído num ambiente seguro porque simulado.