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abril 26, 2019

Sobre o Mito: “desde que se leia”

Um dos grandes mitos que surgiu nas últimas décadas com a elevação do discurso pós-moderno a discurso popular e consequente queda de reconhecimento dos especialistas, foi o da colocação ao mesmo nível de qualquer texto, independentemente da sua forma ou conteúdo. Diz-se e lê-se um pouco por todo o lado: “o que é preciso é ler, desde que se leia, não importa o quê”. Nada podia ser mais erróneo. Vamos usar um modelo simples de análise textual para perceber porque importa e faz diferença aquilo que se escolhe para ler.


A desconstrução, simples, de texto pode ser feita nas suas três unidades básicas que funcionam como camadas: sintaxe, semântica e pragmática. Assim, temos:
1º nível – Sintaxe: conjunto de regras e princípios que governam a estrutura das frases (Ex. explica como se conjugam verbos, ou plural e singular, etc.); 
2º nível – Semântica: é onde se atribui sentido às palavras e frases (Ex. “bola”, quer dizer pedaço de borracha esférica; mas “bola de futebol americano” quer dizer pedaço de borracha oval).
3º nível – Pragmática: aqui elevamos a complexidade, é onde se atribui sentido às palavras e frases em função da relação que temos com os significados ou com a pessoa que as emite. (Ex. “cruz”, um católico pensará em Cristo, mas um matemático tenderá a pensar em sinal de multiplicação; se um professor e um médico nos dizem “que não estamos a ir bem”, apesar da mesma sintaxe e mesma semântica, não querem dizer o mesmo).
Quando iniciamos os nossos passos como leitores, perto dos 6 anos, começamos pela sintaxe. Aprender as letras, depois palavras, depois regras que nos permitem juntar palavras e formar frases. Quanto mais lermos, mais exemplos vamos conhecer sobre como juntar letras e palavras para criar frases. Depois disso, começamos a perceber que existem muito mais palavras do que aquelas que usamos no dia-a-dia e que exigem durante o processo de leitura o uso do dicionário, o que nos vai fazendo ampliar o vocabulário, assim como acrescentando novos significados a frases compostas que antes desconhecíamos. Depois disso, começamos a perceber que apesar de poderem ser as mesmas palavras ou frases, elas variam em função de quem está a falar, do contexto, do local ou momento em que estão a ser ditas, e por isso vamos ampliando a nossa bagagem das múltiplas interpretações possíveis da linguagem.

Tendo em conta estes processos, podemos dizer que ler sempre o mesmo, ou um conjunto restrito de estilos textuais, é suficiente para o domínio sintático. Ou seja, para uma criança pequena, a dar os primeiros passos, não interessa muito o que vai lendo, desde que leia. O que se pretende é que memorize as letras, palavras, frases as suas posições, organizações e usos. Mas a determinada altura, temos de começar a guiar as leituras, temos de lhes oferecer textos que eles compreendam para que se mantenham a ler, mas que ao mesmo tempo vão exigindo mais e mais conhecimento de significados, de forma a garantir que eles vão ampliando o vocabulário, os diferentes usos frásicos, assim como as noções de composição diferentes dessas mesmas frases. Chegados à terceira fase, temos de começar a ler aquilo que numa primeira leitura não nos atrai, por ser diferente do que estamos habituados, ou seja, "sair da zona de conforto". Porque já não chega ampliar o vocabulário, precisamos de ler diferentes versões da realidade para podermos começar a comparar, a confrontar e a contrastar, e assim começar a compreender porque as mesmas palavras, e as mesmas frases, e as mesmas ideias podem conter outros significados até aí desconhecidos.

É por isso que ler qualquer coisa não é indiferente. Se lermos todos os dias, mas a leitura for colocada sempre ao mesmo nível de desafio, ou seja, não forem apresentados significados novos de palavras, frases, ou dos seus diferentes usos, é como se não estivéssemos a ler nada. O texto está a servir apenas de condutor, de envelope, ao qual nem sequer prestamos atenção. É como passar todos os dias na mesma estrada, não aprendemos mais sobre ela depois de passar por ela 100 vezes, não é por acaso que na maior parte dos dias não nos lembramos sequer de ter feito a estrada para o trabalho, nada de novo chamou a nossa atenção, foi mera repetição, por isso nada ficou dessa passagem.

Ou seja, ler Dan Brown ou José Rodrigues Santos pode até saber-me bem pela intriga e aventura, pode funcionar como umas horas bem passadas de entretenimento, mas por mais horas que os passe a ler, as minhas competências tanto de compreensão textual como de escrita não vão melhorar em nada (a não ser que seja um adolescente, ou seja alguém que leu muito pouco, e ainda não tenha atingido um nível médio). Lê-los, será como passar pela mesma estrada para o trabalho todos os dias, com a vantagem de poder ser divertido.

Do mesmo modo, se for um livro de não-ficção — sobre Astronomia, Vinhos ou Cinema — aprendo sobre o assunto em questão, mas não devo esperar que essa leitura altere ou contribua para melhorar as minhas competências de leitura e escrita. Por outro lado, se não incrementar o nível de detalhe, aprofundamento e erudição dos tópicos sobre esses temas, pela ausência de variação continuarei apenas a solidificar o que já sei, não passando disso. É por isso que as novelas de amor e traição se revelam tão pouco relevantes para além do mero divertimento, não só são limitadas no uso das funções textuais, como não vão além do baralhar e voltar a dar das tramas amorosas, descurando toda a restante complexidade humana.

Nunca se leu tanto no planeta como hoje, porque nunca as pessoas viram a sua realidade tão mediada por ferramentas que operam com imagens e texto, sendo o texto o principal meio de que as pessoas dispõem para se fazer ouvir. Desde os jornais e suas caixas de comentários ao Facebook, Twitter ou WhatsApp, nunca nos vários milhares de anos que levamos como espécie, houve tanta pessoa alfabetizada e obrigada a ler todos os dias para poder levar a sua vida por diante, no entanto essa prática diária não alterou propriamente as competências de leitura e escrita das pessoas. Basta perder um pouco a ler essas mesmas caixas de comentários e deter-se sobre o uso dado ao texto, a sua sintaxe, semântica e pragmática.


Podia terminar com o último parágrafo, mas não estaria a dar um contributo completo, por isso deixo duas recomendações: The Greatest Books e PNL2027.

maio 24, 2015

Em Busca do Tempo Perdido - Volume V

Depois de no volume anterior Proust nos ter torrado a paciência com a 'snoberia' social, neste volume afunda totalmente em si, arrastando-nos para o interior de si. Por um fluxo de consciência escrito, abre-nos um acesso directo até à sua não-consciência. Temos quase todo o livro dedicado às interrogações de Marcel, a propósito do seu amor/ciúme (chegando ao sadismo) por Albertine, que passa todo o livro "prisioneira" em casa deste. Contudo, Proust consegue fazer deste quinto volume o mais agitado, criando mesmo verdadeiras sequências de suspense — gerando expectativa sobre o futuro de Charlus, ou sobre o futuro de Albertine — houve várias partes do livro em que não o conseguia pousar, as páginas sucediam-se e eu sentia a ânsia por saber o que ia acontecer aos personagens.

Em Busca do Tempo Perdido - Volume V - "A Prisioneira"

Uma das coisas mais relevantes em Proust, e que faz dele um dos mais importantes escritores de sempre, está no modo como ele produz essa ligação entre o não-consciente e o consciente, externalizando o pensamento por via do texto, para se dar a nós (para compreender melhor a ideia de consciência recomendo a leitura de um texto anterior). Não se trata de simplesmente descrever minuciosamente os estados de alma e os sentires, é verdade que Proust perscruta dentro de si de forma profunda e hábil, mas mais hábil e dotado é ainda na arte de transformar ideias mentais em palavras e frases.
What compels my admiration for M. Proust’s work is that it is great art based on analysis. . . . I don’t think there is in [all] creative literature an example of power of analysis such as this.” — Joseph Conrad
Na semana passada lia num blog, um comentário a propósito da nova geração, incapaz de descrever o real sem recorrer a expressões “tipo isto“, “tipo aquilo”, “a coisa”. Lia também, numa abordagem distinta, algumas ideias sobre a eliminação de palavras supérfluas para uma comunicação de ideias mais concreta. E lendo Proust, está ali tudo, uma enorme riqueza de vocabulário aliada a um virtuosismo na composição de ideias.

Sobre este ponto, que não se diga que as crianças não aprendem porque não se lhes explica, porque não se fala com elas. Esta capacidade de Proust, é verdade que desenvolvida a um ponto extremo, difícil de igualar, se existe, foi trabalhada por si, por duas formas apenas, a leitura e a escrita. Acredito que ajudou, como com muitos outros escritores, o facto de estar doente e recluso em casa que acabaria por lhe dar todo o tempo necessário à leitura. Não existe outra forma de desenvolver a externalização do pensamento que não seja  através da leitura e escrita. Ler para construir uma bagagem de vocabulário, de composição e potencial gramatical. Escrever para se construir o veio que conduz o pensamento do não-consciente ao consciente.
"Foi efectivamente uma morta que vi quando depois entrei no quarto dela. Adormecera logo que se deitara; os lençóis enrolados no corpo como um sudário haviam tomado, nas suas belas pregas, uma rigidez de pedra. Dir-se-ia que, como em certos Juízos Finais da Idade Média, apenas a cabeça surgia fora do túmulo, esperando no seu sono pela trombeta do Arcanjo. Aquela cabeça fora surpreendida pelo sono quase caída para trás, com o cabelo hirsuto. E ao ver aquele corpo insignificante ali deitado, perguntava a mim mesmo que tábua de logaritmos constituiria ele para que todas as acções em que pudesse ter estado envolvido, desde um gesto do cotovelo até um roçagar de vestido, pudessem, prolongadas até ao infinito de todos os pontos que ocupara no espaço e no tempo, e de vez em quando bruscamente revivificadas na minha memória, causar-me angústias tão dolorosas, e que porém eu sabia serem determinadas por movimentos, por desejos dela que, cinco anos antes, ou cinco anos depois, numa outra qualquer, ou nela própria, tão indiferentes me teriam sido. Era uma mentira, mas para a qual eu não tinha a coragem de procurar outra solução que não fosse a minha morte." (p.352)
Neste livro, e como já vem sendo hábito nos livros anteriores, o melhor fica guardado para a última parte, momento em que Marcel 'estica a corda' no relacionamento com Albertine, para descobrir mentiras que até aqui tinham feito parte da paisagem do livro como verdades. Já nas derradeiras linhas, também mais uma vez, Proust abre o motivo para o livro seguinte, deixando-nos ansiosos por prosseguir a leitura, ainda mais agora que já só faltam 2 volumes.


[Marcel Proust, (1923), “Em Busca do Tempo Perdido - Volume V - A Prisioneira”, Relógio D'Água, ISBN 9789727087792, trad. Pedro Tamen, 2004, p. 418]

Ler também
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume I
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume II
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume III
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume IV
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume V
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VI
"Em Busca do Tempo Perdido"- Volume VII

setembro 12, 2014

Kindle, um problema de materialidade

Anne Mangen da Universidade de Stavanger, Noruega, tem-se dedicado nos últimos anos a analisar e a comparar cognitivamente a leitura em ecrã e em papel. O seu foco de trabalho tem-se centrado sobre o chamado “deep reading”, ou seja a leitura em profundidade, que exige grande poder de absorção, interpretação e memorização. O seu mais recente estudo comparou a leitura entre o Kindle e o papel, e os resultados não foram muito animadores.


Num estudo anterior, “Reading linear texts on paper versus computer screen: Effects on reading comprehension” publicado no International Journal of Educational Research da Elsevier em 2013, Mange dava conta dos problemas dos ecrãs de computador, com conclusões muito claras.
“The results of this study indicate that reading linear narrative and expository texts on a computer screen leads to poorer reading comprehension than reading the same texts on paper. These results have several pedagogical implications. Firstly, we should not assume that changing the presentation format for even short texts used in reading assessments will not have a significant impact on reading performance. If texts are longer than a page, scrolling and the lack of spatiotemporal markers of the digital texts to aid memory and reading comprehension might impede reading performance.”, Anne Mangen no International Journal of Educational Research
Posteriormente Mange realizou novos estudos, trocando o PC por iPads, “Lost in the iPad: Immersive reading on paper and tablet” (a aguardar publicação), e os resultados não foram propriamente diferentes. Aliás Mangen refere que os resultados indicam que os aspectos emocionais sofrem na experiência,
"In this study, we found that paper readers did report higher on measures having to do with empathy and transportation and immersion, and narrative coherence, than iPad readers," Anne Mangen in The Guardian
Os ecrãs de computador sempre foram mal vistos, nomeadamente por causa do brilho e efeitos sobre os olhos, levando as pessoas a imprimir resmas de papel para poderem ler, algo que os iPads pouco fizeram para apaziguar, mesmo com o marketing dos “ecrãs retina”. Por outro lado, uma tecnologia que fez frente a esses problemas, e vingou, foi a E-ink desenvolvida pela Amazon Xerox e tornada popular pela Amazon e a sua plataforma Kindle. Esta tecnologia permite simular o papel ao ponto de não emitir luz, e ser melhor legível quanto mais luz sobre esta incide, à semelhança do que acontece com o papel. Nesse sentido, realizar um estudo comparativo entre o Kindle e o papel era o que realmente importava, e foi isso que Mangen fez.

Mangen juntou-se a Jean-Luc Velay da Universidade de Aix-Marseille e realizaram um estudo comparativo, Kindle DX versus papel, com 50 alunos de licenciatura, com hábitos de leitura próximos. A comparação centrou-se sobre aspectos da experiência de leitura, com questões que procuravam compreender o alcance emocional e cognitivo da experiência. Ou seja, a ideia passava por inquirir os leitores sobre factos concretos, racionalizados e memorizados, assim como sobre interpretações do que tinha sido lido, procurando chegar às emoções e à imaginação. Podemos ver abaixo, um esquema do inquérito, e ver claras diferenças entre os aspectos, mais cognitivos ("Time and events" & "Plot reconstruction") e os mais emocionais ("Characters" & "Settings").

“The haptic and tactile feedback of a Kindle does not provide the same support for mental reconstruction of a story as a print pocket book does… When you read on paper you can sense with your fingers a pile of pages on the left growing, and shrinking on the right… You have the tactile sense of progress, in addition to the visual ... [The differences for Kindle readers] might have something to do with the fact that the fixity of a text on paper, and this very gradual unfolding of paper as you progress through a story, is some kind of sensory offload, supporting the visual sense of progress when you're reading. Perhaps this somehow aids the reader, providing more fixity and solidity to the reader's sense of unfolding and progress of the text, and hence the story.” Explicação de Anne Mangen para as diferenças nos resultados, in The Guardian
O que posso eu dizer sobre estes estudos? Em primeiro lugar que não me surpreendem, já que corroboram uma imensidade de outros estudos que temos vindo a trabalhar no âmbito do projecto engageBook, e que de certo modo nos levaram ao desenvolvimento do BridgingBook. Por outro lado, e agora com carácter pessoal, posso dizer que todos estes estudos corroboram cabalmente a minha experiência pessoal - “PC, iPad e Kindle” versus “Papel” - dos últimos anos. Se nunca me habituei a ler no ecrã do computador, com o iPad consegui passar a fazê-lo, mas isso só se tornou um hábito a partir do momento em que adquiri um Kindle.

BridgingBook, uma ponte entre o papel e o digital

Em termos pessoais, este Verão realizei uma experiência que foi abdicar de todos os media e artes, e dedicar-me exclusivamente aos livros, tarefa que realizei em kindle e em papel. Alguns livros foram lidos integralmente em papel, outros integralmente em Kindle, e outros em ambos, lendo partes em papel e partes em Kindle. Destes, os lidos em ambos os formatos, quando terminada a leitura, não senti propriamente grande diferença. Apesar disso, e com o passar do tempo, fui notando a minha preferência a inclinar-se para o Kindle! Esta preferência agudizou-se quando este mês fui recuperar livros maiores para ler, clássicos de mil páginas. Isto porque nestes casos específicos o Kindle supera totalmente o papel em termos de conforto de leitura!

Leituras deste Verão (12 em Papel, 3 em Kindle, 3 em Kindle e Papel)

Mas relendo estes estudos, e analisando à distância do tempo a experiência deste Verão, fazendo uma introspecção honesta e sincera, preciso de confessar que a minha experiência de leitura, dos lidos apenas em Kindle, foi diferente. Acredito que da experiência gerada pelo Kindle restou menos da componente emocional, porque menos racional. Ou seja, com o tempo, a minha aparente incapacidade para recordar mais concretamente detalhes da história, retira-me acesso ao prazer emocional sentido aquando da leitura. Ou seja, a experiência no momento foi emocional, mas o alegado facto de os dados da leitura se perderem, fizeram com que algumas emoções sentidas também se tivessem perdido!

A minha explicação para isto está de certo modo espelhada no que Mangen também diz, e tem que ver com o modo como opera a nossa memória. Assim, o Kindle apesar de muito mais cómodo em termos de mobilidade, apresenta vários problemas em termos de multisensorialidade. Ou seja, não é possível para mim criar uma percepção somática da obra, enquanto um todo. O Kindle falha por não providenciar o toque individual de cada página, assim como o entre-páginas, falha por impedir a criação de uma mapa mental das diferentes secções e do todo do livro, e falha por não permitir a alocação das partes do livro (páginas, alto de páginas à esquerda, e à direita, etc.) aos momentos de leitura, impedindo assim a criação de selos temporais e sensoriais da leitura. É verdade que à medida que nos tornamos mais experientes no uso do Kindle passamos a utilizar melhor os dados de "Locations" e "Percentagens", mas estes são dados racionalizados, que não nos chegam via sentidos alternativos à visão.

Consequentemente, no final da leitura a nossa memória possui menos pistas e dicas que ajudem a colar os nós e os eventos da história. O nosso cérebro funciona num modelo associativo, e a nossa memória recupera informação, realizando triangulações de informações. Neste caso triangulando o que foi dito na história, com aquilo que eu inferenciei no momento para interpretar, juntamente com o mapa somático-sensorial vivido no momento. Ora é esse mapa somático-sensorial que se perde com o objecto digital, porque ausente de materialidade, de corpo.

Nada disto está fechado, continuaremos a ler cada vez mais em digital, mas os estudos não auguram grandes possibilidades para um mundo exclusivamente feito de bits e bytes. Concordo ainda com Mangen quando refere que esta não é uma mera questão de ser ou não ser nativo digital, pois vejo isto como algo muito mais essencial, é algo que lida com a nossa biologia, o nosso corpo. Habituados a colocar a intelectualidade no plano do imaterial, esquecemos que o saber se constrói e edifica de forma mais eficiente em nós, quando nos chega por via da acção material. Ora, estes estudos mostram que até a simples materialidade de um livro pode fazer diferença.


Nota final: Esta discussão levanta ainda outras problemáticas, nomeadamente a comparação da experiência cognitiva de uma história, quando realizada num livro físico versus um filme/série ou videojogo. Isto porque, tanto o filme/série como o videojogo são imateriais, ainda que no caso do jogo exista uma componente acção via interface física. Mas os estudos desta natureza são demasiado complexos, já que nem o filme/série nem o videojogo, podem apresentar exactamente a mesma experiência narrativa de um livro, serão sempre adaptações. Daí que realizar um estudo que consiga separar as variáveis da adaptação, das variáveis da materialidade, para não falar das variáveis da linguagem, é algo praticamente impossível de realizar. Isto não invalida que não possamos especular, teorizar e acima de tudo reflectir sobre tudo isto.