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novembro 04, 2016

"Piper" (2016)

A nova curta de animação da Pixar usa e abusa da emoção empática, sem necessitar de para isso antropomorfizar excessivamente os seus personagens, bastando o comportamento, os movimentos, sons e expressões para nos converter, nos colocar no lugar de Piper e compreender o que sente, e o que está prestes a descobrir. A Pixar é sobejamente reconhecida, e quando digo Pixar falo da empresa, e não de autores, porque falo do sistema criativo que eles têm montado e que lhes permite espremer ao máximo as nuances expressivas, e assim alavancar em 6 minutos, um leque diverso mas intenso de emoções.




Claro que para isso contribui muito a autonomia que se garante aos criadores, e o tempo reservado à investigação. A partir de um simples teste com escolopacídeos (os pássaros do filme), que Alan Barillaro costuma encontrar no caminho para o trabalho, veio a incitação por parte de John Lasseter e Andrew Stanton para que avançasse para a criação de uma curta. Aceite a indicação, Barillaro passou 3 anos a desenvolver esta mesma curta. Não são 3 meses, o que seria normal numa pequena empresa de VFx, aliás 3 meses passou Barillaro só a investigar as aves no local, a analisar os comportamentos, o modo como as penas se movimentam.

Podemos questionar o tempo dedicado, mas é totalmente compensado, a primeira vez que vi a imagem do pequeno pássaro depois de molhado, foi uma total surpresa, nada ali é cliché, mas antes imensamente detalhado, permitindo uma qualidade que se impregna na curta, elevando-a acima do mero contar de história.


Contudo deve-se dizer que a curta não foi criada apenas para bel-prazer de Barillaro, ou como capricho de Lasseter ou Stanton, muito menos como postal de preparação emocional para “Finding Dori” (2016), com o qual se estreou no cinema. O objetivo de fundo, e que garante o financiamento de algo tão caro, está relacionado com a necessidade da Pixar de desenvolver projetos que avancem a sua tecnologia de computação gráfica, neste caso concreto, os avanços desenvolvidos foram quase todos na área das penas, mas também da espuma da água do mar.


Trailer "Piper" (2016) da Pixar

Para fechar, e voltando ao início, o realismo, quase naturalismo, apresentado pela curta, é algo recente na Pixar, mas é algo que acaba funcionando muito bem. Tanto na exatidão dos comportamentos dos pássaros, na ausência de linguagem restringindo-se aos chilreios, ou na apresentação do ambiente, o mar, com a movimentação da ondas e das conchas submersas, ou ainda os detritos ambiente e as bolhas, como ainda, e aqui interessante por ser cópia de algo artificial que passou a convencionar o real, falo dos movimentos de câmara e montagem, que imitam na perfeição os tradicionais documentários de vida selvagem.


"Piper" (2016) da Pixar [Filme completo em streaming]

dezembro 21, 2015

O primeiro falhanço da Pixar

Pensei que o momento de escrever este título tinha chegado quando vi "Planes" em 2013, contudo mais tarde percebi que o filme não era uma produção da Pixar mas do DisneyToon Studios, o estúdio da Disney especializado na produção de spins para DVD, e que por ter ficado acima do normal desse mercado, segundo eles, tinha sido considerado para lançamento em sala. Nessa altura achei incorrecto, o filme era demasiado fraco, e ainda bem que quase desapareceu dos catálogos de animação, tanto da Pixar como da Disney. Mas parece que chegou o dia de escrever o título, com "The Good Dinosaur".




Imagens tiradas do trailer a 1080p

Contada esta primeira parte, quero dizer que enquanto via hoje o filme pensava que a Pixar se tinha decidido a seguir a lógica Disney, criar uma série B para filmes menores, mas qual não foi o meu espanto quando cheguei a casa e verifiquei que não, que o filme tinha sido apresentado como uma obra regular da Pixar, e que figura no seu site ao lado dos restantes. Isto espanta-me, muito mesmo, mais ainda depois de ter lido "Creativity Inc." (2014).

Uma análise séria de "The Good Dinosaur", sem levar em conta as qualidades do estúdio por detrás da obra, tem quase tudo de negativo a apontar, e muito pouco de positivo, sendo talvez o maior problema da obra o storytelling, que é o domínio por excelência da Pixar, e por isso torna tudo isto ainda mais decepcionante. A premissa de partida é a única coisa digna da Pixar — e se os dinossauros não se estivessem extinguido, o que seria dos humanos? —, mas desde logo o tratamento dado à mesma é um enorme desastre — com os dinossauros a surgirem enquadrados tais quais agricultores das grandes planícies do interior dos EUA, e os humanos a assumirem o lugar de cães, animais de estimação! Se é mau no geral, no detalhe piora ainda mais, porque uma vez invertidos os papéis, tanto os personagens como os eventos, não são apenas cópias de múltiplas outras histórias, são verdadeiros clichês, a darem conta de uma total ausência de criatividade. "The Good Dinosaur" parece uma espécie de "Patinho Feio" cruzado com "Rei Leão", mas contado a partir de um conjunto de boas-práticas da psicologia da relação entre pais e filhos.

Houve quem dissesse tratar-se do primeiro filme da Pixar dirigido apenas às crianças, discordo, até porque para além de levar os meus filhos que ainda são crianças, estavam grupos grandes de crianças de ATLs e infantários, e praticamente nunca os vi reagir, tirando os momentos mais fortes de tristeza, repetidos n vezes em busca de emocionar a audiência, e claro da violência, que me surpreendeu — colocar uma criança 6-7 anos a arrancar, graficamente, a cabeça de uma espécie de besouro, quase do seu tamanho — pode parecer engraçado nesta era de videojogos, mas foram várias as crianças a reagir negativamente, e mesmo a chorar na sala.

Vi outras análises a tentarem desculpar o filme puxando pela beleza do seu fotorrealismo, o que mais uma vez me vejo obrigado a discordar. Fotorrealismo não é sinónimo de qualidade, dá apenas conta de mestria técnica. Existem poucos momentos de qualidade artística visual ao longo da hora e meia, começando desde logo pelos personagens, nomeadamente os dinossauros muito fracos — verdadeiros clichês, baços, simétricos, rígidos e infantis — dos quais o pequeno humano se destaca pela positiva, nomeadamente na animação, sendo que todos os restantes são ainda mais fracos que os dinossauros. No campo dos ambientes, os momentos de fotorrealismo que acontecem em cenas de água ou paisagens em planos gerais largos, destoam e retiram-nos do universo ilustrado da animação, por outro lado os cenários são tão simplistas, nada daquilo a que a Pixar nos habituou, tanto no detalhe da modelação como na seleção de cores que servem a vida de todo aquele suposto mundo-história.

Não se trata aqui de estar a comparar com a anterior obra-prima da Pixar, "Inside Out", mas antes com toda a história da empresa modelo. Mesmo indo às sequelas mais fracas, "Cars 2" ou "Monsters University", é difícil encontrar algo tão fraco, tão manta de retalhos e tão pouco cuidado, talvez só mesmo um "Planes". Existem várias notícias online que dão conta de problemas ao longo de toda a produção, contudo a Pixar falhou ao não ter abandonado totalmente o projeto, como fez antes com outros filmes.

outubro 04, 2015

Pixar: E se, as Emoções tivessem Emoções

"Inside Out" é o resultado do deslumbramento final da Pixar com a arte do storytelling. Depois de terem otimizado toda a técnica e arte de contar histórias, restava apenas dar conta do modo como as histórias mexem com os seus ouvintes, leitores e espetadores. "Inside Out" é o resultado de mais de duas décadas a contar histórias com um elevado padrão de inteligência, capaz de tocar crianças e adultos.





Abaixo transcrevo um dos memes que começou a circular na rede, que foi entretanto melhorado, e acabei por traduzir e transformar ligeiramente também. A partir deste meme que resume todas as longas-metragens da Pixar, excetuando as sequelas, podemos entender a base de partida do storytelling da Pixar, e fundamentalmente uma das razões do seu sucesso ao longo de 20 anos. Tudo assenta na emoção, desde logo porque "animar é dar vida", mas também porque o sucesso do 3D esteve no seu inicio muito contaminado pela incapacidade expressiva, o que obrigou a que a Pixar tivesse especial cuidado com essa componente em toda a sua história. "Inside Out" funciona assim como uma espécie de coroação de tudo o que a Pixar representa, de tudo aquilo que importa para a Pixar no momento de contar uma nova história.
Pixar, 1995: E se, os Brinquedos tivessem emoções
Pixar, 1998: E se, os Insectos tivessem emoções
Pixar, 2001: E se, os Monstros tivessem emoções
Pixar, 2003: E se, os Peixes tivessem emoções
Pixar, 2004: E se, os Super-heróis tivessem emoções
Pixar, 2006: E se, os Carros tivessem emoções
Pixar, 2007: E se, os Ratos tivessem emoções
Pixar, 2008: E se, os Robôs tivessem emoções
Pixar, 2009: E se, as Casas tivessem emoções
Pixar, 2012: E se, a Mulher medieval tivesse emoções
Pixar, 2015: E se, as Emoções tivessem Emoções
Numa outra vertente de análise tocou-me profundamente o facto de Pixar ter, mais uma vez, realizado um enorme esforço de pesquisa e investigação sobre o assunto a ser tratado, para poder dar vida, atribuir representações visuais, a entidades puramente abstratas. Muito longe do registo documental, o filme vai mais longe do que muitos dos documentários sobre o assunto. Por meio de entretenimento, do desenho e da animação, construiu-se todo um universo capaz de dar conta das condições fundamentais que regulam a emocionalidade humana. "Inside Out" não pretende ser um paper científico sobre neurobiologia ou neurofisiologia, mas segue em toda a linha os princípios base das ciências cognitivas, suportadas por dados empíricos das neurociências, sobre o fundamento das emoções, memórias, personalidade e sono.

A Pixar sabia que não podia fazer um documentário, que a complexidade do funcionamento do interior do nosso cérebro comportaria demasiada informação para ser apresentada num filme de animação, e em menos de duas horas, ainda para mais com um público alvo maioritariamente composto por crianças. Por isso é natural que tenham sido utilizados alguns atalhos que passam ao lado daquilo que conhecemos do modo de funcionamento biológico do cérebro, nomeadamente os homunculus (personagens de cada emoção), a central de comando, as áreas do cérebro dedicadas, a individualização das emoções e dos contentores de memórias, etc.

Apesar de apresentadas de forma individual, na realidade o filme dá conta da necessidade das emoções trabalharem conjuntamente.


O que não é natural é ver colegas das neurociências a atacar o filme, por este não ter apresentado corretamente todos os modelos atuais de funcionamento do cérebro. Percebo que se possa realizar algum trabalho pedagógico na desmontagem do filme, no sentido de se evitar por parte da população um acreditar em tudo o que ali se representa. Mas isso não pode dar carta branca para deitar por terra tudo de bom que o filme alcança, nomeadamente no tornar mais claro para as crianças, e população em geral, as razões e funções das nossas emoções e memórias.

A Pixar vai aonde nenhum outro filme tinha ido antes no tratamento das emoções, e fá-lo mesmo contra os estereótipos mais marcantes da cultura americana, nomeadamente no tratamento dado à relação entre a Alegria e a Tristeza, que evolui ao longo do filme, de uma relação de dominância do objetivo único, a felicidade, para a compreensão da necessidade humana do conjunto das emoções. Algo que é bem espelhado na progressão da relação entre Alegria e Tristeza, assim como na exploração da sua ausência, mas que é feito de uma forma muito mais subtil, mas muito mais profunda, com as esferas de memórias emocionais, inicialmente marcadas por cores únicas que no final passam a ostentar mesclas de cores.

Este é o filme mais inteligente, ou seja elaborado e detalhado com conhecimento factual, da Pixar, assim como o mais relevante em termos formativos. "Inside Out" resulta muito concretamente num crescimento intelectual e emocional das crianças, que aprendem ao longo de duas horas a conhecer-se melhor a si próprias. No final do filme, as crianças passam a deter uma ideia muito mais clara do modo como funcionam, como agem e reagem em face do mundo externo. O filme é uma metáfora poderosa daquilo que nós somos, daquilo que faz de nós seres humanos, daquilo que nos torna seres individuais, mas também daquilo que partilhamos todos uns com os outros.

fevereiro 01, 2015

"Creativity Inc." (2014)

É um livro impressionantemente honesto e extremamente relevante, uma leitura inebriante da primeira à última página. As principais razões para tal: 1) é um dos livros mais importantes já escritos sobre gestão de criatividade, tendo-se já tornado um clássico obrigatório; 2) é um livro construído com base numa premissa fruto de validação científica; 3) é um livro sobre tecnologias CGI e Animação, sobre a Pixar e a Disney; 4) é um livro sobre a realização de um sonho, fruto de grande ambição, visão e muita humildade. Para que se compreenda a relevância deste livro é preciso compreender quem é o autor, e o que fez. O livro foi escrito por Ed Catmull, fundador da Pixar e seu actual presidente, a única empresa na história do Cinema a ter criado mais de uma dezena de filmes (14), sem nunca ter conhecido o falhanço, com todos os filmes a atingirem o 1º lugar do Box Office, metade conseguiu o Oscar de Melhor Animação (7). Não existe nenhuma outra empresa no ramo do cinema, dentro ou fora da animação, que se compare com a Pixar, e é por isso que se torna tão importante compreender o que constitui a estrutura desta empresa.


Catmull começa o livro discutindo a origem da sua paixão, nos anos 1950 quando via os desenhos animados da Disney na televisão percebeu que era aquilo que queria fazer na sua vida. Sinto aqui alguma sintonia, mas no meu caso não foi a Disney, foi a Pixar. Tal como “Snow White” tinha sido a primeira longa de animação em 1937, “Toy Story” tornou-se na primeira longa de animação 3d em 1995. Ambas estas duas conquistas estão ao nível do primeiro passo da humanidade na Lua, por tudo aquilo que exigiram do ser humano em duas frentes: arte e tecnologia.

Para termos “Toy Story” foi preciso juntar três pessoas - Ed Catmull, John Lasseter e Steve Jobs. Como Catmull frisa várias vezes ao longo do livro, não basta talento, muito esforço e dedicação, muito daquilo que fazemos nas nossas vidas é fruto de vários acasos. Neste caso, se Jobs não tivesse sido despedido da Apple, ou se Lasseter não tivesse sido despedido da Disney, nunca teria existido a Pixar, mas estas são apenas duas das imensas bifurcações que possibilitaram que algo que começou como um sonho na cabeça de Catmull se tivesse tornado em algo real.

Uma das dimensões que mais me interessou neste livro foi perceber de que era feito Catmull, e como é que alguém com formação tão tecnológica foi capaz de desenvolver tanta sensibilidade pelos aspectos criativos. A minha conclusão depois da leitura do livro, e é algo que o próprio refere, embora não o afirme, é que o seu modelo de gestão de criatividade é baseado no modelo de peer-reviewing académico. Catmull antes de ser empresário, licenciou-se e doutorou-se em Ciências da Computação na Universidade do Utah, onde teve mais uma vez a sorte de trabalhar num dos momentos, e com uma das equipas, mais importantes da Computação Gráfica e Interacção Humano-Computador, na qual se encontravam Ivan Sutherland e Alan Kay. A sua tese de doutoramento (“A subdivision algorithm for computer display of curved surfaces”, 1974) daria origem a um algoritmo de render. Aliás ainda hoje, para mim, Catmull soa a render porque foi dos primeiros que me recordo de usar na modelação e rendering 3d.

A experiência académica de Catmull revelou-se crucial no modo como este iria passar a lidar com o conhecimento e com os seus colegas de trabalho. O conhecimento é fruto da partilha, da humildade, do reconhecimento dos demais, de ouvir e construir sempre com os outros, sempre pela via da experimentação e validação junto dos pares. O mundo académico é um ambiente descentralizado, em que cada investigador tem grande autonomia, o que tem o seu lado bom, mas obriga a que este tenha de ser proativo, capaz de se orientar, de encontrar o seu caminho, ainda que o seu trabalho só possa evoluir com o reconhecimento dos seus pares. Foi exactamente este tipo de cultura que Catmull implementou na Pixar, é este o fundamento do "BrainTrust", a equipa, rotativa, que na Pixar analisa e discute regularmente as produções em curso (mais detalhe nos pontos 5 e 6 da análise de "Imagine").

Catmull professa assim uma gestão baseada na frontalidade e abertura, na descentralização e desierarquização, na autonomia e responsabilização de cada ser individual, tudo fundamentado em dois elementos centrais, a honestidade e a humildade. Se dúvidas houvesse quanto a estes dois elementos, basta pensar, quem seria o presidente de duas multinacionais envolvidas em milhões, que faria um livro abrindo e revelando todos os detalhes da sua forma de trabalho, dos seus sucessos, mas também dos seus falhanços? Mas este livro não é apenas uma confissão, ou diário, é muito mais do que isso e Catmull vai frisá-lo a meio do livro. A razão principal porque escreveu este livro foi porque teve hipótese de validar o método de gestão criado na Pixar. Em 2006, depois de se tornar presidente da Disney, implementou aí o mesmo método de gestão de cultura criativa, seguindo uma abordagem experimental científica, procurando evitar contaminar variáveis, e o método emergiu, com nuances mas com os resultados que hoje conhecemos (veja-se nomeadamente os filmes "Wreck-It Ralph" (2012) e "Big Hero 6" (2014)). A Disney mudou radicalmente o seu modelo de gestão ao bom estilo Fordiano, e tem hoje o seu próprio BrainTrust, batizado "StoryTrust".

Diga-se que o método não emerge apenas de Catmull, ele é fruto de um projecto a três cabeças - Catmull, Lasseter e Jobs. Catmull o especialista em computação gráfica, Lasseter o especialista em storytelling e Jobs o especialista em inovação pela arte e criatividade.  Foi a obsessão deste trio por cada um dos seus domínios que permitiu o surgimento de uma Pixar. À gestão criativa em modo de peer-reviewing de Catmull, juntou-se o brilhantismo do storytelling em animação de Lasseter (vejam ou revejam “Luxo Jr” (1986), já perdi a conta ao número de vezes que mostrei este filme em aulas), a estes juntou-se a obsessão de Jobs pela fusão entre arte e tecnologia, e pela qualidade, sendo capaz de preferir perder milhões cancelando um produto ou filme, a ter um fracasso comercial.

Da esq. para a dir.: Ed Catmull, Steve Jobs e John Lasseter

Existe muito mais que gostaria de dizer sobre este livro, sobre a Pixar, sobre os “três mosqueteiros”, mas isso também estragaria o interesse da leitura para quem ainda não leu. É verdade que me deixei inebriar com o livro, dado o meu amor pela Disney e Pixar e claro todo o reconhecimento que tenho pelo legado tecnológico de várias pessoas que são aqui centrais, o Steve Jobs e a Apple, mas também Ivan Sutherland e Alan Kay, e claro Catmull, que além de se ter tornado num gestor de topo, é antes de tudo um cientista da computação. E talvez mais importante ainda, nada disto existiria sem o fruto principal, o legado artístico de Walt Disney, Ollie Johnston e Frank Thomas, e do que ficará de criadores como John Lasseter, Andrew Stanton e Brad Bird.

Deixo aqui no final apenas algumas indicações do modelo de Catmull, mas são apenas isso, indicações. Leiam o livro, absorvam-no e tentem aplicar os seus ideais pelas empresas por onde passarem.
  1. As pessoas e os seus talentos, são mais importantes que as ideias.
  2. Contratem pessoas pelo seu potencial, não pelo seu passado.
  3. Contratem pessoas que sejam mais inteligentes que vocês.
  4. Todos devem sentir-se livres para contribuir com ideias. Todos.
  5. Eliminem o medo. 
  6. Não escondam os problemas, é o primeiro passo para o falhanço
  7. As primeiras conclusões, estão quase sempre erradas.
Para que estes princípios possam ser aplicados, é necessário seguir algumas lógicas de acção no seio da empresa:
  1. Honestidade e Candura. Centrais, sem honestidade a candura não emerge, e sem ela a crítica construtiva não surge.
  2. Medo e Falhanço. Preciso falhar para avançar, sendo que o medo de falhar é central, é preciso atacá-lo desde a raíz.
  3. A Mudança. Um ponto, que julgo muito relevante nestes tempos conturbados de crise, sobre a mudança, a sua necessidade, e formas de o fazer sem criar demasiados atritos, desconfiança e medo.
:: Why change?
“Many of the rules that people find onerous and bureaucratic were put in place to deal with real abuses, problems, or inconsistencies or as a way of managing complex environments. But while each rule may have been instituted for good reason, after a while a thicket of rules develops that may not make sense in the aggregate. The danger is that your company becomes overwhelmed by well-intended rules that only accomplish one thing: draining the creative impulse.”

:: How to approach change?

“Pete has a few methods he uses to help manage people through the fears brought on by pre-production chaos. “Sometimes in meetings, I sense people seizing up, not wanting to even talk about changes,” he says. “So I try to trick them. I’ll say, ‘This would be a big change if we were really going to do it, but just as a thought exercise, what if …’ Or, ‘I’m not actually suggesting this, but go with me for a minute …’ If people anticipate the production pressures, they’ll close the door to new ideas—so you have to pretend you’re not actually going to do anything, we’re just talking, just playing around. Then if you hit upon some new idea that clearly works, people are excited about it and are happier to act on the change.”
Por fim, fecho com o aspecto central de toda esta leitura, uma reiteração que vai surgindo ao longo do livro por Catmull:
To reiterate, it is the focus on people—their work habits, their talents, their values—that is absolutely central to any creative venture.


Ler também
O primeiro filme CGI, criado por Catmull há 40 anos
Como funciona a Criatividade, baseado no modelo da Pixar,
O storytelling por Andrew Stanton
O legado de Steve Jobs

Nota quantitativa no Goodreads.

Actualização 2.2.2015:
Descobri que o livro foi entretanto traduzido para português e lançado por estes dias, tendo mantido a mesma capa, mas com o título simplificado, "Criatividade" apenas.

novembro 21, 2013

Visualização do design de storytelling

No ano passado falei aqui da belíssima TED talk de Andrew Stanton, a propósito das "Pistas para uma grande história".  Stanton apresenta uma análise do processo de contar histórias instituído na Pixar, e deixa algumas dicas para quem se quiser aventurar na criação de histórias. Agora a jornalista Karin Hueck e o designer Rafael Quick da revista brasileira Super Interessante, criaram uma visualização das pistas lançadas por Andrew Stanton.

(clique para ampliar)
Faz-me sentir preocupado
Uma história precisa de saber criar na audiência um sentimento de simpatia por si.
Leva-me contigo
No coração da história está uma promessa - uma jornada, um mistério, um problema - que atiça a audiência e faz com que a história valha a pena.
Sê intencional
Os protagonistas devem ter uma motivação intrínseca que os conduza ao seu objetivo.
Deixa-me gostar de ti
A audiência precisa de se conseguir relacionar com os personagens
Delicia-me
Fascina a audiência. Faz com que se esqueçam de si próprios, nem que seja por um instante.
A descrição de Stanton é muito boa, mas o trabalho de visualização de Hueck e Quick não é de somenos. A ideia de juntar cinco pistas numa única imagem através de um caminho em espiral é verdadeiramente inspiradora. Através desta espiral podemos perceber como uma história é sempre um caminho que se inicia, complica, e se chega a algum lugar que liberta do problema inicial. Ao longo do caminho percebemos que tudo se passa em redor de um personagem que precisa de crescer para poder completar a sua jornada. É uma visualização simples mas que nos dá a ver a estrutura interna do design do storytelling.

julho 25, 2012

regras da Pixar

A Pixar é para além de todo um símbolo no mundo da computação gráfica no reino da animação, o único grande estúdio que ainda nunca enfrentou um flop. E estamos a falar de 11 longas-metragens em 17 anos, isto é algo que leva muitos de nós a questionar-se, sobre os métodos por detrás de tanto sucesso. Aliás o Jonah Lehrer tocou nisto no seu último livro, Imagine: How Creativity Works (2012).


Deste modo quando uma artista, Emma Coats, que trabalhou em filmes da Pixar resolve debitar no Twitter algumas ideias sobre os métodos de escrita para cinema de animação, muitos ouvem o que ela tem para dizer. Foram 22 as ideias lançadas, dessas escolhi as 10 que mais me parecem evidenciar o foco da arte de escrita de ficção para qualquer meio audiovisual.


Não são ideias revolucionárias, apenas julgo que vale a pena tentarmos perceber o que move o espírito criativo destas pessoas para daí procurar retirar algumas ideias, ou quanto mais não seja inspiração e motivação.

#1: You admire a character for trying more than for their successes.

#4: Once upon a time there was ___. Every day, ___. One day ___. Because of that, ___. Because of that, ___. Until finally ___.

#5: Simplify. Focus. Combine characters. Hop over detours. You’ll feel like you’re losing valuable stuff but it sets you free.

#6: What is your character good at, comfortable with? Throw the polar opposite at them. Challenge them. How do they deal?

#11: Putting it on paper lets you start fixing it. If it stays in your head, a perfect idea, you’ll never share it with anyone.

#13: Give your characters opinions. Passive/malleable might seem likable to you as you write, but it’s poison to the audience.

#14: Why must you tell THIS story? What’s the belief burning within you that your story feeds off of? That’s the heart of it.

#15: If you were your character, in this situation, how would you feel? Honesty lends credibility to unbelievable situations.

#17: No work is ever wasted. If it’s not working, let go and move on - it’ll come back around to be useful later.

#20: Exercise: take the building blocks of a movie you dislike. How d’you rearrange them into what you DO like?

Alguma destas regras foram entretanto traduzidas em conceitos visuais e ilustradas com Lego. Podem ser vistas no Slackstory.

fevereiro 10, 2012

a internet (blogs) a fazer História, 3d

Ainda aqui há algum tempo publiquei aqui um artigo que falava sobre o modo como a História do cinema tem vindo a ser rescrita graças à Internet, e muito graças à Wikipedia.


Entretanto o que agora encontrei é verdadeiramente fascinante, se por um lado a internet tornou possível que o mundo visse pela primeira vez um trecho de filme, filmado em 1972, há 40 anos atrás, o que me surpreendeu ainda mais, foi ler num blog os relatos em primeira mão, dos filhos e sobrinhos dos criadores desse filme.


Não estamos a falar de um filme qualquer, mas sim de um trecho de filme que reporta as primeiras experiências científicas de geração de imagens tridimensionais por computador na Universidade de Utah nos EUA. Neste filme podemos ver as primeiras experiências realizadas por nomes de culto da computação gráfica como Ed Catmull e Fred Parke. Nomes que eles próprios serviram para identificar algoritmos de rendering, e de shading.


O filme foi descoberto por Robby Ingebretsen, filho de Robert B. Ingebretsen o senhor que modelou os títulos iniciais e finais do filme. Este resolveu digitalizar o filme e colocá-lo online no seu próprio blog, depois de autorizado pelo Ed Catmull. As primeiras reacções ao filme não se fizeram esperar, e muitos foram os que apontaram o dedo e disseram que era falso, que não passava de mais um hoax da internet. E é aqui que o blog, mas mais ainda as caixas de comentário a esse post, ganham toda uma nova dimensão histórica.


Ver o filme e depois seguir os comentários no blog, é algo de maravilhoso em termos históricos. Quando comecei a ler os relatos das pessoas a dizer que eram filhos do Ivan Sutherland e Dave Evans, ou o próprio Fred Parke a escrever ali em discurso directo, senti uma espécie de calafrio, como se estivesse a tomar contacto directo com história viva.

Deixo aqui o filme de 6 minutos, que vale todos os segundos, a ver e a rever, e depois leiam a discussão nos comentários do blog.


dezembro 15, 2007

Iluminação virtual

Depois de ver Ratatouille confesso que fiquei surpreendido com o festim visual. A Pixar continua a conseguir dourar a forma, dar-lhe um toque de tal ordem que se torna impossível não ficar espantado na sua apreciação. Não estou a falar do realismo, estou sim a falar de pura estética no campo da iluminação. Sabemos perfeitamente que a Pixar consegue ter os melhores técnicos do mundo a trabalhar para eles, pois à semelhança da Google não tem concorrência à altura a uma escala planetária.

No entanto passados mais de 20 anos de evolução tecnológica já não esperava conseguir ser surpreendido pelo lado da forma. Como história, julgo que está imensos pontos abaixo de The Incredibles ou Toy Story, não chega pegar em elementos opostos (ratos e cozinhas) para que a criatividade brote, apesar de ser isso que os manuais apontam. As personagens são todas muito estereotipadas, o enredo está carregado de clichés fáceis e com uma progressão mais do que previsível. Os personagens chegam mesmo a tornar-se pouco verosímeis, no fundo julgo que o problema de Ratatouille é muito semelhante ao de Cars. E seguindo esta comparação é de evidenciar que ambos se destacam exactamente pelo lado do brilhantismo estetico-técnico, nomeadamente nos campos do environment design e lighting direction.

Não posso deixar de citar aqui Jeremy Birn responsável pelo lighting design em ambos os filmes. Brin que escreveu um dos melhores livros da área Digital Lighting & Rendering o qual utilizei e referenciei extensivamente na minha tese. Se quiserem perceber um pouco mais sobre os processos de lighting e rendering, nas suas valências estéticas, é sem dúvida a referência a seguir.

março 22, 2007

Pixar Storytelling

The Commandments from the Pixar team.
  • "Empathize with your main character

  • Unity of opposites. Each character must have clear goals that oppose each other.

  • You should have something to say.

  • Have a key image, almost like a visual logline, to encapsulate the essence of the story; that represents the emotional core on which everything hangs.

  • Know your world and the rules of it.

  • The crux of the story should be on inner, not outer, conflicts.

  • Developing the story is like an archeological dig.

  • Animation should be interpretive, not realistic.

  • "Just say no" to flashbacks. Only tell what's vital, and tell it linearly.

  • Consider music as a character to anchor the film. Music is a keeper of the emotional truth."

"Like telling a good joke, storytelling requires that you know where you're going with a tale. You must know the punchline, the end result, the goal. Then, in arriving there, it's not so much what you say, but how you say it."
Daqui podemos extrair que a emoção anda de mão dada com a linearidade narrativa...
(from AWN)