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março 08, 2019

Multimodalidade e expressividade nos videojogos

Acaba de ser publicado na revista científica Observatório o artigo "Multimodality and Expressivity in Videogames" no qual abordo a multimodalidade e expressividade nos jogos digitais, sob a perspectiva da comunicação audiovisual, discutindo dimensões críticas em relação à alfabetização e experiência dos videojogos. Começo por apresentar uma visão geral sobre como criamos sentido a partir dos media audiovisuais, para depois enquadrar o foco na natureza cognitiva multimodal dos jogos digitais. Segue-se uma discussão sobre as razões que fazem com que os jogos digitais se tenham tornando mais relevantes do que o vídeo, discutindo as diferenças dos dois meios em termos de aprendizagem, nomeadamente na distinção entre as representações vicárias e enativas.


Ao longo da discussão, realizada no artigo, dou conta das novas possibilidades abertas pela multimedia e jogos digitais, tanto na integração de diferentes modos, como pela oferta de um novo modo, a interatividade, que, como argumentou Bruner, abre novos espaços de representação pela enatividade. Além disso, demonstro como os jogos aproveitam a motivação para extrair comportamentos ativos dos jogadores, ou seja, as ações solicitadas pelo design de jogo que garantem o engajamento e interesse em continuar a jogar para além das abordagens simplistas (estímulos extrínsecos).

Aceder ao artigo completo que se encontra em acesso aberto.

novembro 13, 2013

texto na VIRAL sobre "Gone Home"

Esta semana publico o meu primeiro texto na revista VIRAL. O convite tinha chegado já no início deste ano, mas como outros convites do género que vão surgindo, vão ficando em stand by, já que não conseguimos responder a tudo, menos ainda produzir para todo o lado. Assim este texto acaba por surgir de uma conversa recente com o editor da revista, o Hugo Branco, que ficou interessado na ideia e me convenceu assim a escrever o primeiro texto para a VIRAL, em vez de o publicar aqui no blog.



O texto de que falo é Storytelling Espacial em “Gone Home”, que como se pode perceber do título, se dedica à análise do videojogo "Gone Home" (2013) de Steve Gaynor.

setembro 02, 2013

Eurogamer: artigos de Agosto

E depois dos filmes e livros, ficam os artigos de agosto escritos para a Eurogamer. Mês comprido, acabou por ficar com três textos. No primeiro texto do mês falei da crítica de videojogos, e tentei justificar alguns dos problemas que esta apresenta no momento atual. No segundo texto falei dos aspectos criativos, e seus dilemas, a partir de um texto de Adam Saltsman. E no último texto fui de encontro ao que instiga os criadores a desenvolverem um jogo, em termos de mensagem e ideia, dando conta de que os videojogos também podem servir a catarse autoral.

abril 30, 2013

Comunicação e as falácias da Sociedade de Informação (Copyright, MOOC, Democracia Directa, Open Access, Rankings)

No dia em que se comemoram 20 anos da WWW trago algumas reflexões sobre o impacto da internet no pensamento contemporâneo. Ao longo dos últimos meses envolvi-me em discussões mais ou menos acesas sobre o Copyright. As discussões sobre o copyright nunca foram pacíficas, mas acentuaram-se com a massificação do acesso à internet. De uma forma geral e a um nível internacional os detractores defendem a legalidade da partilha de conteúdos sob copyright desde o Napster aos torrents, até ao acesso aberto às publicações científicas. Em Portugal temos vários defensores desta ideologia, e nos últimos dois meses tive oportunidade de me debater com dois deles – Ludwig Krippahl, especialista em bioinformática na UNL e Eloy Rodrigues especialista em sistemas de documentação na UM.


Tive uma discussão no blog do Krippahl que se prolongou por dois textos seus - Um acidente histórico, 15.2.2013; Censura, 29.3.2013  - que nos serviram para discutir os fundamentos do copyright ao longo de mais de uma dezena de respostas e contra-respostas nas caixas de comentários. A discussão circulou à volta da defesa da inovação, criatividade, liberdade de expressão e censura. Ludwig Krippahl defende que o copyright confere aos criadores um direito monopolista sobre a informação, o que tem como consequência a transformação a lei do copyright numa lei censória, porque impossibilita as pessoas de poderem transmitir determinada informação. Nesse sentido defende que o copyright deve ser extinto, porque este não pode sobrepôr-se à liberdade expressão. Quanto ao modo como podem os criadores ganhar vida com aquilo que criam, não apresenta qualquer solução. Deixo um resumo daquilo que eu defendi nessa discussão,
- O que se pede à sociedade no respeito do copyright e das patentes está relacionado com um ponto único, o estímulo à inovação e criatividade humana.

- A internet será tão livre quanto tudo o resto nas nossas vidas em sociedade. 


- Sobre a Liberdade de Expressão, leia-se o ponto 2 do Artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sobre a Liberdade de Expressão. Não existe sociedade sem cedências de princípios, por muito que custe a cada um de nós.


- O fundamentalismo é mau, seja em que direcção for, para proteger seja o que for ou seja quem for. A vida é demasiada complexa, cheia de variáveis, e em constante transformação para estar sujeita a fundamentalismos.


- A grande questão é que terei muita dificuldade em incentivar jovens a investir 10 anos da sua vida (10 mil horas para atingir a mestria) para se tornarem músicos de excelência, ou escritores, ou desenhadores, etc. se souberem que todo esse investimento terá um retorno igual a zero. 


- Nem toda a arte é produzida por uma única pessoa... Fernando Pessoa foi um grande artista e não precisou do dinheiro de ninguém. Aliás podemos dizer o mesmo de Saramago. Mas não comparemos a escrita de um livro ao longo de anos em part-time, com a criação de um filme ou de um jogo que pode necessitar na sua produção de dezenas e até centenas de pessoas para ser criado, fora as tecnologias. Pessoas que não fazem nada genial e brilhante aos olhos comuns, mas são peças essenciais na engrenagem da criação do artefacto final, sem eles não existe um grande maestro, nem um grande realizador.


- Continuo a discordar da rotulagem de censura… A censura não quer saber da estrutura das palavras, quer saber das ideias. Já o copyright protege a estrutura, não as ideias… Ninguém é impedido de dizer o que pensa. Como já disse, para mim censura, é impedir alguém de expressar os seus pensamentos, ideias e visões. Um acto de censura implica impedir alguém de comunicar as suas ideias a outras pessoas. Isso não acontece, nunca. Mesmo que a sua ideia seja igual à do escritor A ou B, ele não é impedido de expressar a ideia, apenas de o dizer numa determinada organização de palavras. Basta ler o ponto 2 do artigo 1º do CDADC
 
- A investigação científica também é protegida, não com copyrights, mas com patentes. A indústria farmacêutica, a indústria automóvel, a indústria informática, etc. etc. está cheia de investigação protegida. Por isso não é porque nós que fazemos a nossa investigação com dinheiro público, que a investigação científica é toda pública. E o progresso aí não parou por estar protegido, antes aumentou, porque existem muitos mais meios para quem trabalha nesses laboratórios. É claro que a patente não dura o mesmo do copyright. Está entre os 15 e os 20 anos. Aliás como já tinha dito lá atrás, não concordo que o copyright possa durar uma vida. [Não concordo com várias coisas da Lei do Copyright, mas uma coisa é lutar por uma melhor lei, outra é procurar bani-la sem apresentar qualquer contra-solução. Fiquei contente com a decisão do tribunal americano de permitir a apropriação fotográfica, um sinal de que o remix deve ser respeitado.]

- Eu gostava de ver a sociedade viver sem cinema, literatura, música, pintura, escultura, videojogos, arquitectura, etc. etc. etc.
 
- Enfim. É tudo muito giro, mas é quando não nos toca a nós. Todo este discurso da partilha e da liberdade é muito giro, mas qualquer pessoa que tenha de viver do que cria, sabe bem do que falo aqui. [Para se perceber melhor o que acontece quando não existe forma de rentabilizar os produtos que se criam aconselho jogarem a versão pirata do Game Dev Tycoon]
Numa segunda discussão online no Facebook com o Eloy trabalhou-se os fundamentos do Open Access na publicação científica. A ideia de que não faz sentido vedar o acesso a informação produzida pelos investigadores, até porque muita desta já foi antes paga pelos próprios contribuintes. Eloy defende uma abertura do acesso ao conhecimento, propondo como ideal a atingir, o fim das revistas científicas internacionais, vistas como os grandes promotores do fechamento do conhecimento. A ideia passa por colocar toda a produção científica em repositórios públicos, sistemas de disponibilização de artigos com custos reduzidos para as instituições, e deste modo garantir que a informação fica disponível para todos de modo gratuito.
- O mundo da comunicação todos para todos é muito bonito na teoria, mas quando enfrenta a realidade das nossas limitações de gestão de tanta interacção, percebe-se que afinal, existem outras razões por detrás de estruturas [editoras, gatekeeping, etc.] que se criaram no passado.
- Resta algo mais problemático. O conhecimento de que a informação existe, e mais importante ainda, de que essa informação é credível. Ou seja os repositórios são interessantes, enquanto eu souber que o que lá está foi triado antes por Revistas e Conferências de renome que garantem a credibilidade, pagando-se por isso. A partir do momento que um repositório passe a aceitar todo e qualquer artigo sem discriminação, perde o interesse para a comunidade. Obriga-me a investir mais tempo na filtragem do material.
- O que me preocupa em toda a discussão à volta do acesso aberto, e também do copyright, é aquela crença de que Editar e Distribuir, é algo menor, ou algo sem custos. As pessoas esquecem que a informação a que acedem, antes de lhes chegar, foi triada, preparada e disponibilizada nos sítios certos para que as pessoas dela ganhassem conhecimento. Existe todo um processo social que demora tempo, em que as pessoas vão ganhando respeito, em que a credibilidade se joga. É um pouco como a "confiança dos mercados", para falar na linguagem corrente.”
Simplificando. Se não existissem revistas, e cada Universidade tivesse um repositório de todos os artigos publicados pelos seus investigadores, como é que eu poderia triar o que é novo? Triaria apenas o que é do MIT, de Harvard e mais meia-dúzia de universidades respeitadas mundialmente. E os investigadores de universidade menores passariam à história. Mais valeria dedicarem-se só às aulas. As revistas apesar de parecerem pouco democráticas, são-no muito mais do que se possa pensar.

Contra mim existem os argumentos suportados por pessoas como Lawrence Lessig catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard. Ou Aaron Swartz a pessoa que ousou pôr à prova as revistas científicas, tendo instalado um computador dentro do MIT e feito o download de milhões de artigos para depois os disponibilizar em modo aberto. Swartz era uma mente brilhante, mas com sérios problemas de gestão de emoções, tendo recentemente posto fim à vida e assim tornando-se num mártir da causa. Lessig e Swartz trabalharam juntos na criação dos Creative Commons, vale a pena ver a palestra de Lessig no dia do início da sua cátedra, como homenagem a Aaron Swartz (vídeo e transcrição). Sobre Swartz vale a pena ler os artigos Requiem for a Dream da New Yorker e ainda A cidade e o futuro do mundo, segundo Aaron Swartz. Além destes temos Cory Doctorow um escritor de ficção-científica, conhecido pelo seu blog Boing Boing, e que num artigo no mês passado no Guardian, Copyright wars are damaging the health of the internet, resume tudo aquilo que Kripahl defende, propondo o fim do copyright em nome da liberdade expressão, nem que para isso tenha de trucidar todos aqueles que vivem das indústrias criativas.
"Oh, sure, I worry about the income of artists, too, but that's a secondary concern. After all, practically everyone who ever set out to earn a living from the arts has failed – indeed, a substantial portion of those who try end up losing money in the bargain. That's nothing to do with the internet: the arts are a terrible business..." Cory Doctorow
E se já era ridículo dizer isto, uma vez que as indústrias criativas são reconhecidas como um dos braços mais relevante das economias desenvolvidas, a alucinação de Doctorow em redor da sacrossanta liberdade da internet vai ao ponto de propôr que se termine com todo o tipo de vigilância da rede desde o terrorismo à pedofília. Aqui a única coisa que posso dizer é que Doctorow não tem a menor ideia do que está a falar. Aconselhava-o a fazer uma visita a uma qualquer conferência sobre a temática e ver responsáveis por brigadas falar, ouvir algumas histórias reais sobre o submundo da internet, para perceber o quão ingénuo e perigoso é aquilo que afirma. Na verdade é aqui que chegamos, quando optamos por defender ideias de modo extremista. Nada se pode intrometer no nosso caminho, seja o que for, tudo é tratado pela mesma bitola.

Mas perguntam, como posso eu não defender a Liberdade de Expressão, como posso eu não defender o Acesso ao Conhecimento para todos? Como posso ir contra fundamentos que considero basilares? A primeira constatação está relacionada com o facto de que nada no mundo é sagrado, e tudo pode e deve ser questionado sempre. Nesse sentido as nossas posições devem ser casuísticas, e não de princípio. Tão importante como a liberdade de expressão, é a liberdade de pensar. Enredar o pensamento em fundamentalismos cega a nossa capacidade de apreender o diferente, e condiciona o nosso pensamento.

Neste sentido julgo que estamos perante um discurso que apenas consegue ver uma parte da problemática, querendo resolver essa parte, sem se preocupar com todas as variáveis que lhe dizem respeito. E se resolvi escrever este artigo foi para me ajudar a mim próprio a compreender as razões que toldam o pensamento desta abordagem. É algo que comecei a perceber apenas a partir da última discussão sobre os repositórios de conhecimento, quando comecei a notar paralelos com os discursos dos defensores dos cursos universitários massivos online (MOOCs), dos rankings de publicações científicas, dos rankings de escolas e os exames nacionais, entre outras coisas. Venho-me debatendo internamente e em discussões online contra aquilo que considero serem acções de uma minoria que pretende passar a "gerir" a sociedade através de verdades estatísticas, económicas e quantitativas em desfavor da singularidade individual e da criatividade humana. Considero que isto é em parte resultante do deslumbramento com a chamada "sociedade de informação" que choca com algumas teorias sobre o embebimento de conhecimento em Tecnologias Criativas que venho estudando.

As tecnologias criativas têm sido o meu pet project dos últimos anos, para o qual tenho trabalhado conceitos muito abrangentes como a criatividade, a tecnologia, a internet, o artesanato, a revolução industrial, o conhecimento, etc. Muitos dos discursos que vou lendo nestes domínios estão a maior parte do tempo apenas concentrados num único assunto: os impactos da internet nos sistemas de informação. Muito desses impactos têm-nos levado a discutir a suposta gratuitidade do digital, as modificações das massas, dos processos de distribuição, dos processos de produção. Muitas destas discussões têm vindo a promover a crença em teorias que comparam o funcionamento da internet com o funcionamento do nosso cérebro, como Doctorow diz, nós precisamos de "acknowledge that the internet is the nervous system of the information age."

Por outro lado toda uma outra barricada se começou a levantar do lado oposto e tem acusado os defensores da internet e das ideologias subjacentes, de fundamentalistas e crentes, defensores cegos da tecnologia a qualquer custo. Um dos mais conhecidos detractores e que se tem afirmado internacionalmente é Evgeny Morozov que no campo da ciência política tem procurado demonstrar a falácia por detrás destes pensamento hegemónico com The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom  e To Save Everything, Click Here: Technology, Solutionism, and the Urge to Fix Problems that Don’t Exist (2013). Mas mesmo no campo da própria tecnologia temos visto vozes a levantar-se. Jaron Lanier um dos principais mentores da Realidade Virtual escreveu o manifesto, You Are Not a Gadget (2010) nesse sentido. Ou ainda Andrew Keen um dos maiores evangelistas de Silicon Valley que a uma dada altura começou a escrever a propósito do assunto, The Cult of the Amateur: How Today's Internet Is Killing Our Culture (2007) e Digital Vertigo: How Today's Online Social Revolution Is Dividing, Diminishing, and Disorienting Us (2012). E vão aparecendo já alguns artigos mais honestos sobre as limitações dos MOOCs. Alguns acusam este lado da barricada de mero “ludditismo”. Não aceito porque ao colocar-me deste lado da barricada, não estou de modo algum a apontar o dedo à tecnologia. Para mim as grandes questões subjacentes ao copyright e ao acesso ao conhecimento científico não estão condicionadas pelo surgimento da internet ou qualquer outra tecnologia. Antes pelo contrário, esta tem servido para ajudar a promover tudo o que defendo no campo da criatividade.

Posto tudo isto os problemas que eu identifico e que estão na base da minha rejeição da abordagem Messiânica da Internet, grande responsável pelas ideias subjacentes ao fim do copyright, fim das revistas científicas, e fim das Universidades, não se relacionam com a tecnologia, mas com a forma como concebemos o seu uso. As tecnologias da comunicação se bem utilizadas podem servir o ser humano, se mal utilizadas colocarão o humano ao serviço da tecnologia a médio prazo. Muito já se ouve falar sobre a escrita de poemas por máquinas, a criação de filmes por algoritmos, a mais recente é a correcção de exames por máquinas. Deixo apenas uma nota a todos os crentes nestes sistemas: Só as máquinas não erram, mas é o erro que nos torna únicos, é do erro que brota a nossa criatividade. Dizer ainda que a internet não se assemelha, de forma alguma, ao nosso sistema neuronal. É uma falácia, e é uma clara tentativa de colar uma metáfora de fácil compreensão no sentido de lhe garantir maior credibilidade. O nosso cérebro funciona de forma muito diferente, acima de tudo porque a informação não circula apenas orientada pela cognição, é também trabalhada pela emoção.

Assim a grande questão por detrás de todas as discussões sobre o copyright e o acesso gratuito à informação está ligado à confusão que existe entre os processos de Comunicação e os processos de Informação. Ao longo dos últimos anos assistimos a uma tentativa de colagem da Informação à Comunicação. Desde da aceitação internacional do termo “Tecnologias de Informação e Comunicação”, à integração nas mesmas áreas científicas das Ciências da Comunicação e Ciências da Informação. Para quem está de fora, não existe diferença. Apercebi-me disto apenas após discutir intensamente com pessoas que claramente dominam os pressupostos das Ciências da Informação, mas a quem falta conhecimento sobre as Ciências da Comunicação. Esta discussão colocou bem em evidência as diferenças fundamentais entre ambas. Mais sobre estas diferenças pode ser visto no texto que publiquei aqui a propósito do livro de Dominique Wolton, "Informar não é Comunicar".

Primeiro modelo de comunicação, de Claude Shannon (1948)

Deste modo ao longo de todas estas discussões percebi que os defensores do fim dos modelos atuais -  copyright, revistas especializadas, universidades - baseavam toda a sua argumentação num processo simplificado de comunicação, ou seja no primeiro modelo de comunicação de Claude Shannon de 1948. Nesta altura a comunicação encerrava-se sob um mero processo de transmissão de um produto, a informação. Estes modelos surgidos no pós-guerra procuravam melhorar os processos de transmissão de informação, daí que a sua preocupação fosse o meio ou canal. O relevante da discussão reduzia-se aos modelos de redução dos ruídos do canal. Assim os Emissores e Receptores não eram tidos em conta, eram meros recipientes, variáveis independentes, sem condicionantes sociais, psicológicas ou de competências.

Modelo unificado do processo de comunicação (Foulger, 2004)

Mas o conhecimento sobre a Comunicação evoluiu, transformou-se, e hoje sabemos muito mais sobre o que está em jogo. Quando comunicamos não estamos apenas a emitir ou a receber informação através de um canal, estamos a calcular uma imensidade de outras variáveis, que por vezes têm tanta ou mais importância que a própria mensagem que se quer transmitir. Ou seja, para além daquilo que é dito, importa a forma como é dito, mas sobretudo o contexto no qual é dito, e o contexto no qual é recebido. Tudo isto cria um processo complexo, que precisa de ser trabalhado para que a mensagem chegue verdadeiramente a ser compreendida e partilhada. Como dizia Watzlawick já em 1968, o processo de comunicação é relacional, ou seja cada mensagem partilhada contém em si mesma metacomunicação que diz respeito ao modo como deve ser lida pelo receptor. No diagrama acima apresenta-se um modelo unificado da comunicação de Davis Foulger que apresenta algumas, ainda que de modo introdutório, das questões que normalmente preocupam os investigadores das ciências da comunicação.

Deste modo torna-se inevitável pensar que toda esta discussão é fruto de um ressuscitar de modelos de comunicação há muito defuntos. Um novo meio de comunicação surgiu, com novas potencialidades, e de repente esquecemos tudo o que aprendemos. Fazemos tábua rasa do conhecimento acumulado, e assumimos a internet como um novo messias da comunicação. O meio que tudo coloca em causa, que tudo pode, que tudo revoluciona. Assume-se uma sociedade que se adapta ao modelo desenhado pela internet, e não o seu contrário. Para os crentes na salvação pela internet, a sociedade passa a ser definida tal qual uma rede perfeita de relações (a internet) entre vários nós (as pessoas), desconsiderando os parâmetros da natureza humana que promovem a acção dos nós, responsáveis pelo estabelecimento dos laços do conhecimento. Deste modo toda a informação passa a ser livre e grátis, o copyright deixa de fazer sentido, e o ensino à distância substitui a necessidade de contacto interpessoal. Mas vai ainda mais longe, os países passam a ser governados por democracia directa, a salvação da democracia trazida pela internet, que abre caminho a que todas as decisões sejam tomadas por referendos. Do mesmo modo que as escolas já passaram a ser medidas em função das notas que os alunos tiram em exames nacionais, e a ciência passou a medir-se em função do número de publicações que os cientistas publicam. O que conta é apenas e só o resultado medível da quantidade de informação que é passada de um ponto A para um ponto B.

No final, tudo isto seria perfeito, e um gestor do alto do seu pedestal, conectado à internet, recebendo os dados em tempo real, directamente na sua folha de excel que tudo filtra através de algoritmos perfeitamente calibrados, poderia finalmente descansar, porque a sociedade estaria a funcionar tal qual uma grande fábrica de produtos em série, fruto da grande revolução industrial. Seria tudo assim, se os laços da comunicação humana, se pudessem criar desse modo. O problema é que não criam, não emergem e sem eles o Conhecimento não se constrói, não acontece. Transmite-se informação, acumula-se informação, transacciona-se informação, mas isso muda pouco os sujeitos envolvidos.

Ao longo de milhares de anos desde a criação da escrita, mais acentuadamente desde o aparecimento dos métodos de impressão, desenvolvemos sistemas de gestão de informação, envolvidos em sistemas humanos de comunicação, que foram evoluindo e sendo aperfeiçoados à medida que fomos compreendendo como construímos o conhecimento. Não massificámos as escolas para servirem a mera transmissão de informação, elas surgiram para estimular a criação de competências cognitivas nas pessoas de modo a permitir-lhes chegar ao conhecimento autonomamente. Não criámos a ciência para produzir mais informação, a descoberta científica não se traduz em qualquer artigo ou citação, o seu impacto só pode ser medido pelo avanço que provoca no nosso auto-conhecimento. Do mesmo modo não criámos editores nem copyrights para serem meros gestores de informação, eles existem porque têm uma função específica na cadeia de construção do conhecimento humano.

Podemos mudar, devemos evoluir, mas não devemos pôr tudo em causa simplesmente porque descobrimos um novo meio de comunicação. Para quem ainda pensa que a Internet veio para salvar o mundo, imagine-se em 1895 numa sala às escuras, ver um comboio em andamento vindo em direcção a si, a partir de um rectângulo de luz projectado numa parede! Imagine as ideias fantásticas que não passaram pela cabeça de muitos quando viram como a realidade podia a partir daquele momento ser registada e preservada para todo o sempre e ser mostrada em qualquer parte do mundo. A verdade é que a sociedade humana é bastante mais complexa, e as faculdades cognitivas do ser humano não mudam à velocidade do surgimento de cada nova tecnologia. Olhemos para a nossa história, temos conseguido criar muita tecnologia nova, mas a nossa biologia continua quase intacta passados vários milénios. Deixemo-nos de ilusões quanto a definir os tempos que se vivem como diferentes de tudo o que já passou, alguns colam-lhes adjectivos fortes como revolucionários ou de velocidade vertiginosa. Mas o passado será sempre visto como algo mais simples que o futuro, não porque verdadeiramente o foi, mas apenas e só porque é agora certo e imutável, sem as variáveis impossíveis de quantificar que o futuro nos reserva.

O ser humano é criativo por natureza, mas a capacidade de criar conhecimento pode ser posta em causa se deixar de interessar o processo e a descoberta, e passar a interessar apenas o produto resultante.