junho 05, 2022

Na Terra Somos Brevemente Magníficos

O título, "Na Terra Somos Brevemente Magníficos" (2019), atraiu-me desde que o vi pela primeira vez, talvez por produzir um sentimento paradoxal, no sentido em que soa a pedante e simultaneamente humilde. A experiência de leitura correspondeu, definindo-se como desassossegada, num sentido pessoano, pela profundidade a que o autor consegue levar a descrição do sentir que vai edificando numa escrita de enorme beleza.

Do lado do conteúdo, Vuong fez-me viajar aos filmes do Vietname, dos anos 1980, para, e à semelhança da belíssima novela gráfica "The Best We Could Do" (2017) de Thi Bui, voltar a re-equacionar tudo o que vi, a partir da perspectiva do povo que verdadeiramente sofreu as consequências daquela guerra. À guerra, vivida pelos seus avós, Vuong acrescenta agora a sua agonia na busca por uma identidade sexual, de raça e lugar.

Deixo um excerto:

"Tenho vinte e oito anos, um metro e sessenta e três, cinquenta e um quilos. Sou bonito de três ângulos apenas e horrível de todos os outros. Escrevo-te do interior de um corpo que já foi teu. Ou seja, escrevo como filho."

(...)

Quero dizer-te tanta coisa, Mãe. Já fui suficientemente ingénuo para acreditar que o conhecimento traria clareza, mas há coisas tão encobertas atrás de camadas de sintaxe e semântica, atrás de dias e horas, nomes esquecidos, recuperados e abandonados, que o conhecimento de que a ferida existe não basta para a revelar.

Não me sei explicar. Acho que o quero dizer é que, por vezes, não sei o que somos, ou quem somos. Há dias em que me sinto um ser humano, outros em que me sinto mais um som. Toco no mundo, não como eu próprio, mas como um eco. Ainda me consegues ouvir? Consegues ler-me?"

Uma nota final sobre a belíssima tradução de Inês Dias. Sem esta tradução, eu, que não tenho o inglês como língua materna, não consguiria chegar ao sentir intenso que perpassa muito do livro. A evidência ficou para mim clara quando li o excerto acima em português, depois busquei o excerto no livro original em inglês para partilhar no Facebook, mas o sentimento que resultava depois na partilha era distinto. Por isso, resolvi transcrever da versão em papel que tinha e partilhar novamente, agora nas palavras da tradutora portuguesa.

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