fevereiro 27, 2021

"Oresteia" (458 a.C.)

A “Oresteia” é uma peça relevante enquanto extensão do universo de Tróia, já que dá conta dos eventos que se sucedem à chegada a casa do vitorioso Agamémnon, o rei grego que partiu para vingar a honra do irmão Menelau. Tendo a guerra durado 10 anos, no regresso tinha à sua espera a esposa e o seu povo, mas tinha também uma provação. Agamémnon regressa na posse de Cassandra, uma das filhas do rei de Tróia, Príamo. Mas aquando da sua partida, seguindo as profecias, aceitou sacrificar a sua filha Ifigénia, algo que a sua esposa, Clitemnestra, nunca lhe perdoou. 

fevereiro 26, 2021

A academia e o problema da mente-corpo

Rebecca Goldstein é uma académica da área da Filosofia, tendo começado a sua carreira no domínio da Física, acabaria por mudar-se para a Filosofia e seguir o ramo da Filosofia da Ciência. Isto é importante, porque este seu primeiro romance — "The Mind-Body Problem" (1983) — contém enormes traços autobiográficos. Um dos seu livros posteriores — "Incompletude: A Demonstração e o Paradoxo de Kurt Gödel" (2005) — dá conta da relação entre Godel e Einstein em Princeton, tendo-o lido antes, serviu-me aqui para compreender em muito maior detalhe o mundo e a cultura da autora. Mas, para primeira obra, o que verdadeiramente impressiona, não é o caráter conceptual,  é a audácia. A capacidade de criar uma voz familiar que não se acanha, que se expõe sem constrangimentos.

fevereiro 22, 2021

A resposta é: 42

Foi publicado há dias, 19 fevereiro, um artigo na Science sobre a crise ambiental ocorrida há 42 mil anos, motivada pela inversão dos polos magnéticos da Terra que produziu alterações no campo de forças que protege o planeta da influência de raios cósmicos. A equipa australiana, liderada por Alan Cooper e Chris S. M. Turney, batizaram o evento como “Adams event”, como homenagem a Douglas Adams que escreveu "The Hitchhikers Guide to the Galaxy" no qual inscreveu o nº42 como fonte da vida. Mas o mais importante são os três grandes efeitos referenciados: o desaparecimento de megafauna; a extinção dos Neandertais; e por último, e que mais me interessou, o surgimento das pinturas nas cavernas.

Imagem retirada do vídeo produzido pela Universidade Nova South-Wales, Sydney (ver abaixo)

fevereiro 10, 2021

Clássicos: O Livro de Jó

“O Livro de Jó” faz parte dos “Livros poéticos e sapienciais” do Antigo Testamento, e terá sido escrito entre o VII e o IV séculos a.C., sendo um dos livros da Bíblia cristã mais amplamente citados dentro e fora do contexto religioso. Santo Agostinho cita-o, Tomás Aquino declara a história verdadeira, Martinho Lutero usa-o para definir a santidade. Na literatura, cita-se como a primeira grande obra existencial servindo depois, ao longo de séculos, a múltiplos autores na evocação do significado do humano — de John Milton (“Paraíso Perdido”) a Carl Jung (“A Resposta a Jó”), passando por Dostoiévski (“Os Irmãos Karamazov”) ou Kafka (“O Processo”) ou mais recentemente Terrence Malick (“A Árvore da Vida”). O núcleo do texto assenta no questionar da justiça ou moral divinas, ou como a teologia prefere definir: “o problema do mal” que se equaciona segundo a questão: “Por que sofrem os justos?"

"Filhos e Filhas de Jó desiludidos por Satanás" (1826) gravura de William Blake 

fevereiro 04, 2021

A luta de quem o quiser ler

Estou a ler “A Minha Luta”, paro e fecho o livro, levanto-me vou à cozinha e olho pela janela, vejo a oliveira ainda jovem a querer dar ares de si. Abro o armário tiro uma caneca branca alta e esguia, encho-a com água até meio, coloco-a no micro-ondas. Abro o frigorífico tiro o leite, apanho o vidro de café, pouso ambos na mesa. O micro-ondas toca, abro a porta tiro a caneca ouço o borbulhar da água que se evapora da fervura, pouso-a na mesa. Aparece a Cookie, abana o rabo, dou-lhe uma festa na cabeça enquanto abro o vidro de café. Ela não parece satisfeita, viro o café sobre a taça batendo ligeiramente com o dedo no fundo do vidro para que entorne a quantidade certa. Olho novamente para ela, ela olha para mim, quer dizer-me algo. Vou até à janela ela segue-me contente, abro-a e ela sai a correr, ladra para a árvore alta do vizinho de onde saem chilreios. Está frio, volto a fechar a janela bebo um gole de café, sinto o calor da taça nas mãos, volto ao escritório. Sento-me no sofá, duas almofadas de cada lado, olho para a capa de “A Minha Luta” volto a pegar-lhe leio mais algumas páginas volto a parar e a fechar. Olho pela janela e interrogo-me, "porque continuo a ler-te?"