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janeiro 21, 2019

Regresso a "Choose Your Own Adventure"

Voltei a este formato de livros apenas para poder analisar melhor as técnicas e o design por detrás das escolhas oferecidas ao leitor. Para quem não conhece, "Mystery of the Maya" pertence a uma série que dá pelo nome de "Escolha a Sua Própria Aventura" criada por Edward Packard, que consiste em fazer desenrolar uma aventura base que se diversifica por meio de escolhas conducentes a uma miríade de diferentes desenlaces. O leitor é personagem da própria história e as decisões do personagem são as suas.


A nostalgia que tinha destes livros era fraca. As vezes em que lhes peguei nunca me convenceram. Sempre que chegava ao final da página e surgiam as escolhas desistia. Durante anos convenci-me que este modo de gerar interação com histórias era ridículo. Quando vi os primeiros filmes — "I'm Your Man" (1992) — com este sistema de escolhas, fiquei ainda mais certo disso. As escolhas pareciam ser mais dirigidas a quem escreve o livro ou realiza o filme, e menos a quem vive uma história. É verdade que as histórias se alteravam com grande impacto, mas eu não sentia as escolhas como algo pessoal, mas antes como algo distante, fora de mim. Ou seja, escolhia apenas para ver no que dava, eram escolhas de lógica e não emocionais. Por mais emotivo que o enredo fosse, as escolhas pareciam surgir como meros nós de definição do desenrolar dos eventos, e não como uma verdadeira ação minha. As consequências eram enormes, mas não eram motivadas por mim, apesar de supostamente ter sido eu a escolher. Era como se eu estivesse apenas a tentar aceder às diferentes opções que o autor me dava, nada mais.


Isto mudou com os videojogos, mas apenas neste milénio, já que nos anos 1980 e 1990 tivemos muitos que se socorriam do mesmo paradigma de escolhas e sem sucesso. Foi com videojogos como "Heavy Rain" (2010), "Mass Effect" (2007), "Life is Strange" (2015) ou ainda "The Walking Dead" (2012) que pela primeira vez experimentámos escolhas emocionais. O personagem existe, tem vida própria na história, mas em certos momentos somos chamados a decidir por ele, e desse modo, as escolhas acabam por estranhamente tornar-se pessoais. Ou seja, constrói-se um modelo empático entre o leitor e o personagem, e depois então inserem-se as escolhas, deste modo, vemo-nos numa relação de obrigação para com o personagem. Por meio da empatia gerada, sentimos como ele e por ele, e por isso as escolhas que fizermos fazem-nos sentir aquilo que acontece ao personagem no desenrolar da narrativa.


Ao ler este pequeno livro, “Mystery of the Maya” (1981), voltei a viajar no tempo das técnicas de escolhas. A série tem cerca de 60 livros, mas este é um dos 4 ou 5 mais citados, nomeadamente por ter bastantes finais, 39, alguns bastante alucinantes. Mas como disse, as nossas escolhas não impactam o sentimento narrativo, elas são como nós lógicos que nos permitem ver variantes de um universo, como se fossem máquinas do tempo que nos permitem aceder a: “e se fosse assim”. Claramente que isto pode ser atrativo para um público juvenil, até aos 10 anos, nomeadamente aquele público mais dedicado à experimentação e a sistemas, que gosta de perceber como funcionam as coisas e o mundo. Estes livros dão-se muito bem a esse público porque lhes permite visualizar todo o sistema narrativo como mapa de nós, e perscrutar assim todos os caminhos possíveis. Já para o público que tenha adquirido o gosto pelo contar de histórias, que tenha encontrado o acesso aos sentires dos personagens e suas interdependências com os mundos-história, estes livros dirão muito pouco.


Artigos de interesse sobre a série:
These Maps Reveal the Hidden Structures of ‘Choose Your Own Adventure’ Books, Atlas Obscura
One Book, Many Readings, Christian Swinehart
A Brief History of Choose Your Own Adventure, Edward Packard
A Brief History of "Choose Your Own Adventure", Jack Rossen

dezembro 14, 2017

Bury me, My Love (2017)

Um dos jogos que ficará deste ano será sem dúvida “Bury me, My Love” (2017) de Florent Maurin do estúdio francês The Pixel Hunt, que já nos tinha dado o interessantíssimo jogo de gestão de crises de comunicação. É apenas uma ficção interativa baseada em mensagens, com meia-dúzia de ilustrações, no entanto com tão pouco consegue fazer muito, consegue dar a sentir, em parte, o que sentem os refugiados sírios que partem para a Europa e os seus familiares que ficam a vê-los partir. O título é baseado num ditado popular árabe, usado por quem parte, para frisar “Nem penses em morrer antes de mim”. Como referência da jogabilidade temos "Lifeline" (2016), um dos jogos sensação do ano passado.



No campo da ideia e conceito, o autor realizou um extenso e interessantíssimo post-mortem que aconselho a ler depois de jogarem. Interessou-me particularmente a inspiração para o jogo que adveio por meio de um artigo no Le Monde “Le voyage d’une migrante syrienne à travers son fil WhatsApp" que usa uma abordagem na apresentação da informação muito próxima daquilo que viria a ser o jogo. Nesse sentido, Maurin refere mesmo que recorreu depois à jornalista para encontrar pessoas reais que tivessem passado pela situação, no sentido de desenvolver um guião o mais credível possível.

"Bury me, My Love" conta a história de Nour, durante a sua fuga da Síria para a Europa, colocando-nos no lugar de Majd, o seu namorado, que fica na Síria e vai comunicando com ela por SMS.

Relativamente ao desenho de mecânicas e experiência, apesar de ser ficção interativa, Maurin não se limitou a criar uma linha de diálogo com pontos de morte ou desistência, foi desenvolvida toda uma estrutura lógica de suporte ao jogo assente em quatro grandes variáveis: Moral, Relacionamento, Orçamento e Inventário. Desta forma, cada nova vez que jogamos, ou reiniciamos o jogo, podemos passar por eventos diferentes, mas mais importante é sentirmos o evoluir da nossa relação em função das nossas escolhas, o que contribui para nos aproximar do casal, tanto de Majd como de Nour. Sobre tudo isto, o jogo (se jogado no modo normal) condiciona a jogabilidade a tempo real, ou seja, vamos interagindo com Nour à medida que ela vai progredindo no terreno, o que pode levar horas ou dias.

No campo da narrativa, consegue conduzir-nos a estabelecer uma ligação com as personagens, enfatizada pelas nossas escolhas interativas que nos vão fazendo compreender melhor quem são aqueles personagens, e porque fazem aquilo que fazem. O mais relevante de tudo para mim, acabou por ser a proximidade que se desenvolve, obrigando-nos a "abrir os olhos" e a sentir aqueles refugiados como nós mesmos, porque apesar de virem de outro continente, pouco ou nada diferem de nós, partilhando culturas tão pouco diferentes das europeias. O jogo acaba assim por funcionar como um excelente medium na comunicação das diferenças mas acima de tudo das semelhanças, fazendo mais pela compreensão dos refugiados do que muito do jornalismo que vimos ao longo destes últimos anos.

setembro 12, 2016

No ciclo infinito da interatividade

Depois de se ter estreado no Tribeca Film Festival 2014, onde ganhou o Future of Storytelling 2014 – Grand Prize, é finalmente possível experienciar na web, um dos filmes mais estimulantes do cinema interativo dos anos recentes, “Possibilia” (2014) de Daniel Kwan e Daniel Scheinert, ou simplesmente Daniels.





Possibilia” apresenta uma premissa comum, diria mesmo já saturada, que passa por explorar as diferentes possibilidades à volta de um casal que se está a separar. Já vimos isto no drama interativo “Façade” (2005), mas vimos também no cinema com “Sliding Doors” (1998), e imensas vezes na literatura. Quando a interatividade está presente, o primeiro impulso passa por colocar o espetador no controlo, implicá-lo no decorrer dos eventos, obrigar a tomar partido, mas “Possibilia”, apesar de se valer da interatividade, não segue a cartilha “Choose Your Own Adventure” e não permite verdadeiramente que o interator participe, no sentido de tomar decisões sobre o futuro daqueles personagens.

“Possibilia” pega num tema gasto e nas fórmulas até aqui usadas pelos designers de interação narrativa, e como que joga tudo pela janela fora. O mundo de possibilidades que uma potencial separação pode conter, é aqui, e graças à multilinearidade permitida pela interatividade, apresentada como totalmente real. Na nossa frente, aos poucos, vão surgindo cada uma dessas possibilidades, até podermos seguir em simultâneo 16 fluxos, podendo saltar entre eles à nossa vontade. O mais interessante é que algo que à partida seria banal, uma mera possibilidade tecnológica, ganha enorme significado no contexto da história que se conta.

A fragmentação em fluxos filmícos é o reflexo da fragmentação daquele casal, das múltiplas realidades que atravessam as suas cabeças, e de um mundo que se desmorona. A história perde o foco porque aqueles personagens perderam o foco, tudo fica confuso, tal como confusos se sentem os personagens. Mas não se trata apenas de apresentar os diferentes fluxos possíveis, no detalhe podemos ver como esses vão incrementando o texto com os efeitos desses "mundos possíveis", e como depois tudo entra em regressão. Ou seja, a forma interativa fílmica reflete aqui de forma impressionante, mais ainda pela enorme dinâmica cinematográfica e da direção de atores conseguida, o que se quer exprimir, tornando a obra num objeto artístico integralmente coeso.

Como se não bastasse, o facto de o filme poder ser visto em ciclo infinito, ganha não só a história que parece de repente voltar a receber uma réstia de esperança, como reflete no seu sentido mais essencial a arte da interatividade, já que o ciclo ao não se findar, eterniza a necessária relação cíclica entre obra e interator.

"Possibilia" (2014) de Daniel Kwan e Daniel Scheinert

Os Daniels deram várias entrevistas desde então, dessas repesquei a dada à Dissolve, e extraí algumas das ideias mais relevantes explicitadas por Daniel Kwan:


Como convencer os outros da relevância da narrativa interativa?
“‘What if something like Game Of Thrones had an interactive element?’ Obviously, that’s the most marketable thing ever, but impossible to actually execute, because no one knows what that is.”
“Honestly, the pitching process for any of these things is impossible. No one understands it, no matter how we do it. You could do a traditional treatment written out with all the images, the producers won’t get it. You can send them a map of the storyline, they wont get it. Nothing gets to them until they actually play with it.

O mais interessante é que mesmo pessoas como George Lucas, que já estiveram na frente de companhias de videojogos, continuam a não aceitar o medium, tendo mesmo dito aos criadores deste filme: “What you guys do is a circus. What I do is poetry.”


O que se pretendia com "Possibilia”?
“Possibilia” (..) specifically, our goal was to make sure it was not videogame-y. Your actions don’t create a reaction or consequence."
“A lot of people got hung up on the lack of consequences with “Possibilia,” because it’s a clean, perfect loop that has no resolution. It’s more about exploration. The narrative, and its thematic elements, are tied into what’s happening with interactive, because of this idea that “Possibilia” is kind of this weird, fruitless cycle. We try so hard, we explore everything, we go down all these different paths, we’re constantly wondering if we’re watching the best version, we’re constantly wondering if we should be looking at everything else. Much like in any relationship, you’re constantly wondering, “Am I in the best relationship I could be? Could I go out and be somewhere else with someone else?”
“It’s not completely hopeless, obviously, because it starts all over again. There’s this little glimmer of hope, and a desire to explore more, as well. I think how the interactive is going to work, as far as how videogame-y it’s going to be, depends on the story, and what you’re trying to mirror thematically. The form should never be divorced from the theme.”
“I think interactive films are the worst when you have 10 different endings, because every time you tell a story, you’re just tricking your brain into believing you have something real to empathize with. The moment you give me more than one ending, you’re diluting that, you’re actually breaking the trick, ruining the illusion.”

janeiro 22, 2016

A linha da vida

Quando se começa a jogar “Lifeline” tem-se a sensação de se ter entrado no mundo de “The Martian” e ter começado a conversar com Mark Watney por SMS. “Lifeline” estabelece uma linha de contacto, via texto, entre nós e um astronauta perdido numa lua distante, pondo-nos na posição de assistente científico, moral e guarda-costas do mesmo.



Nos últimos dois anos o género de ficção interativa (jogos em texto) não tem parado de aumentar, desde “Device 6” a “80 Days” passando pelo "The Writer Will Do Something" de que aqui falei recentemente, são muitos os artefactos que têm sido criados, mais ainda desde que foi lançada a ferramenta open-source Twine, que está também por detrás deste “Lifeline”.

A história de “Lifeline” não é propriamente inovadora, e apesar dum personagem rico peca por alguns eventos menos conseguidos, mas aquilo que a destaca das demais é a premissa interativa, o modo como a narração foi modelada para a criação de agência dramática. Ou seja, o facto de colocar o personagem ficcional numa situação de total isolamento, em que o jogador é o seu único contacto humano, colocando o âmbito ficcional do artefacto sob uma dependência do jogador extremamente credível e imersiva.

Em termos de interface podemos ficar com a ideia de que já vimos algo parecido, os chatbots, a diferença é que isto não é nenhum sistema de inteligência artificial tentando convencer-nos da sua humanidade, mas antes uma narrativa desenhada para nos convencer da existência de um espaço/tempo, convencer da ocorrência de um conjunto de eventos. O personagem com quem aqui interagimos não se limita a conversar connosco, está numa situação particular e tem objetivos que estão enredados por obstáculos, cabendo-nos oferecer apoio na sua ultrapassagem.

Deste modo temos um modelo narrativo capaz de desenvolver agência no plano existencial de cada jogador, porque no mundo ficcional em que participa continua a existir um protagonista que  por sua vez se relaciona com o jogador no seu mundo real. Ou seja, o protagonista depende do jogador mas o jogador não assume o seu lugar, o que permite ao herói continuar a existir, exercendo a sua personalidade, discordando por exemplo das decisões do jogador. Assim conseguimos não apenas criar envolvimento com o mundo narrativo, mas convencer o jogador a assumir a sua participação real, não meramente projetada numa qualquer identidade, mas sendo ele mesmo.

"Lifeline" apresenta ainda um último atributo (ou defeito), em parte responsável pelo seu sucesso, que é o facto de ter sido desenhado para o Apple Watch. Assim sendo a interação com o jogo acontece fundamentalmente por via do sistema de notificação, ou seja, o facto de o jogo estabelecer o tempo como variável real, obriga a que jogador tenha de esperar pelas respostas do personagem sempre que este tem de realizar uma atividade mais demorada, como por exemplo dormir. Aqui sou obrigado a discordar da abordagem, se no Apple Watch, e enquanto factor novidade, pode ser interessante, num telemóvel e mais ainda num tablet, este atributo transforma-se num problema porque a narrativa passa a controlar o tempo do jogador, fazendo-o sentir-se aprisionado, resultando em possível frustração. Ou seja, se enquanto jogador retiro tempo para me concentrar na obra, e depois esta não me permite a participação porque está em modo stand by, não existe realismo que salve a relação (o que fez sentir-me imensamente agradecido assim que o "fast mode" foi desbloqueado).

janeiro 10, 2016

O escritor desenrasca qualquer coisa

Se quiserem saber como decorrem as reuniões de trabalho durante a produção de um videojogo AAA (embora sirva de exemplo para reuniões de trabalho em múltiplos outros contextos), recomendo vivamente que experienciem a ficção interativa "The Writer Will Do Something" (2015).

"The year is 2012. You are the lead writer for the third game in the wildly popular ShatterGate™ franchise. Expectations are through the roof: fans of the series are waiting for the biggest, most bad-ass entry in the series yet, and your publisher is expecting the best-selling title in its history. But the game's development hasn't gone as smoothly as planned. One morning, just a couple months before E3 and six months before ship, an emergency meeting is called..."

É um artefacto simples, mais focado no relato do que na participação do leitor, ou seja os aspectos de agência são um tanto descurados, e se podemos por vezes sentir que somos ouvidos, nas poucas vezes que somos chamados a decidir, o efeito sobre o progresso narrativo é reduzido. Ainda assim, vale pelo conteúdo do relato, pelo modo como dá conta do vazio de que são feitas tantas reuniões de alto-nível, quando não se sabe propriamente o que se está a tentar fazer, porque já tudo saiu do controlo dos envolvidos.

Talvez, e aqui já sou eu em regime de interpretação do artefacto, os autores tenham desejado fazer-nos sentir alguma da importância do escritor nestas reuniões, do modo como não é ouvido, como procura a maior parte do tempo responder afirmativamente aos desejos de cada um dos responsáveis, para no final se ver como bode expiatório. Não sei se foi pensado assim, mas se o foi, é de génio, já que é isto que acabo por sentir no final por falta de mais agência.


Criado no Twine por Tom Bissel e Matthew S. Burns, ambos com experiência de escrita e produção em vários jogos AAA. Já aqui referenciei várias vezes Bissel, mais recentemente a propósito do seu livro "Extra Lives". Para quem não sabe o que é o Twine, é uma ferramenta open-source de criação rápida de ficção interativa, altamente recomendada para todos os que desejam iniciar-se na exploração da escrita interativa.


Experienciar "The Writer Will Do Something"

fevereiro 13, 2011

a arte de Recortar e dar a Escolher

A Analogue teve uma ideia interessantíssima: pegar num filme, que pertence ao domínio público em termos de copyright; recortar esse filme em pequenas unidades; utilizar as unidades de filme para construir uma narrativa interactiva.
O filme escolhido é nada menos que o clássico "Night of the Living Dead" (1968) de George A. Romero. O modelo narrativo de interactividade também não podia ser diferente do clássico Choose Your Own Adventure, isto porque qualquer outro modelo implicaria o desenvolvimento de cenas adicionais.

Como cereja em cima do bolo, toda a obra, Editing the Dead (2011), foi criada (authored) no YouTube, e está assim disponível para que todos a possam apreciar. Aliás dentro do género Zombie e da narrativa interactiva, o YouTube já tinha sido palco para uma outra obra de carácter comercial Hell Pizza. criada pela littlesisterfilms.

novembro 16, 2009

uma obra, muitos enredos e muita Motivação

É um projecto fenomenal, grandioso e mesmo como diz



Leitura de The Cavern of Doom, feita por mim. Por cima da página pode ver-se o gráfico que vai sendo desenhado em tempo real à medida que vou fazendo escolhas na leitura.