O título original — "A History of Water" — não faz muito sentido, porque não explicando do que trata, também não aproxima o leitor do sentimento geral da obra. Ainda que se possa dizer que a obra se foca em dois viajantes da era dourada das descobertas marítimas portuguesas: Luís de Camões (1524 - 1580) e Damião de Góis (1502-1574). Mas o sentimento é claramente melhor captado pelo título português — "A Torre dos Segredos" —, que não só evoca o relato das particularidades das vidas desses dois viajantes, mas denota também a presença central da Torre do Tombo, a torre onde desde 1378 a história de Portugal foi sendo escrita.
O livro é extremamente interessante por nos apresentar um olhar de fora, o de Edward Wilson-Lee, um académico de Cambridge, recordando um outro livro de outro britânico, "A Primeira Aldeia Global – Como Portugal mudou o Mundo" (2008) de Martin Page, também sobre o renascentismo português. Contudo, o trabalho de Wilson-Lee destaca-se por se focar em dois personagens muito particulares da nossa história raramente antes colocados lado a lado.
Dos dois, Camões é o mais popular, Damião é o mais académico. Ambos lidaram com o mundo exterior, com as novas e distintas culturas, e cada um à sua maneira teve de aprender a lidar com o embate das diferenças, sendo sobre esse embate que este livro se foca. Damião bateu de frente com o reformismo da igreja pela Europa e África afora. Camões encontrou todo um novo mundo de deuses e morais, da India à China. Ambos acabariam por se aproximar na forma como iriam interiorizar esse novo mundo com as visões ditadas no seu país, fazendo-o de forma profundamente dissimulada para evitar represálias ao voltar a Portugal.
O livro apresenta algumas fragilidades na escrita, com frases que por vezes nos perdem, porque iniciam a falar de algo que só será detalhado mais à frente. Funcionaria bem se o contexto apresentado fosse suficiente, mas não o é, também porque se trata de um livro pequeno para descrever tanto mundo. Ainda assim, o essencial da mensagem é não só extremamente relevante para compreender melhor aqueles tempos, mas também para compreender como se constrói a verdade que vamos encontrando nos livros de história que vamos lendo.
Não posso deixar de dizer que me surpreendeu, em parte, a descrição da pessoa de Camões, alguém que raramente é apresentado em Portugal como rufia, mas que tornou mais claro para mim o modo como surgiu a audácia para criar uma obra tão arrojada. Por outro lado, Damião sai um pouco menos bem tratado, ainda que imensamente respeitado pela elite intelectual europeia, falta algo sobre a sua dimensão criativa, parecendo não ter conseguido nunca sair de baixo dessa elite.
Obrigado Nelson pelas suas resenhas, quando versam livros, procuro não perder uma.
ResponderEliminar1) Acho que já lhe tinha dado conta da minha admiração sobre a sua capacidade de leitura. E da velocidade com que lê. O Nelson já me disse que aproveita muito o tempo dispendido em transportes, para ouvir audio-books. Em tom de brincadeira, acho que à noite quando se deita, põe os auscultadores e o seu cérebro ou o subconsciente processa os livros durante o sono :)
2) É gratificante ver intelectuais estrangeiros produzirem obras e dissertarem sobre vultos portugueses da nossa história. Sobre Pessoa, então, há imensos. E interrogo-me se os nossos vultos da actualidade também serão objeto de semelhantes trabalhos e interesse no futuro. Tenho dúvidas... mas vai-me dizer que há exceções. Em que temáticas? Neurociência? Literatura? Talvez.
Desejo-lhe um Bom Natal, para si e família.
Vou lendo, não tanto como queria. Não tem muito que ver com velocidade, tem mais que ver com planeamento e gestão de tempo.
EliminarSim temos o António Damásio que é um desses vultos nas Neurociências. Temos o Saramago na literatura. O Guterres na ONU. A Paula Rego nas artes. A atual ministra da Ciênca, a Elvira Fortunato. Etc. etc.
Desculpe, esqueci o futebol, claro.
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