Mostrar mensagens com a etiqueta publicidade. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta publicidade. Mostrar todas as mensagens

fevereiro 06, 2017

Publicidade cinematográfica e ideológica contra Trump

As últimas semanas foram muito férteis em anúncios com temas de fundo sobre união, cooperação, colaboração (Coca-Cola, Corona, Budweiser) tudo contra os instintos individualistas, xenófobos e racistas promovidos por Trump. Mas nada supera a campanha criada pela 84 Lumber, uma empresa de construção civil americana familiar. O filme é tão forte, ideologicamente, que a Fox e a NFL proibiram o anúncio. Em resposta, a empresa dividiu o anúncio em duas partes, colocando na televisão apenas a primeira parte, introdutória, e a segunda, de desenvolvimento e clímax, passou para o online. Resultado, o site da empresa não consegue ser acessado com a quantidade de pessoas que quer ver o filme, e quer saber mais sobre a empresa.



Em termos narrativos, nada podia ter sido melhor feito. O filme introdutório que surge nos ecrãs de televisão é excelente no modo como apresenta ao que vem, e cria uma necessidade atroz no espetador de querer saber o que vai acontecer àqueles personagens. O facto de o anúncio ter sido banido ajuda ainda mais à causa, criando a vontade de saber o porquê, conhecer e estar a par. Nada é mais apetecível que o proibido ou banido.

Primeira parte. Anúncio passado na televisão durante o Super Bowl 2017.

E tudo seria apenas isso, uma boa campanha de teasing, recorrendo ao melhor do suspense e mistério para captar a atenção, mas não é apenas isso. Aquilo que a 84 Lumber faz, o fechamento da narrativa, o clímax, e tudo aquilo que ele representa politicamente, é simplesmente brutal. É uma chapada na cara de Trump, Bannon e toda a ala da extrema direita republicana.

Segunda parte. Anúncio apenas disponível online.


Fica também o link para o anúncio completo "The Entire Journey".

dezembro 01, 2016

Natal com Wes Anderson

Wes Anderson volta à publicidade para criar uma curta de Natal absolutamente deliciosa, para a H&M. Neste pequeno trabalho o que mais me impressiona é ver como a marca autoral de Anderson transpira em toda a estilística do trabalho, desde a direcção dos atores ao design dos ambientes, passando pelo design de som e claro, todo o tratamento do tema.




A curta conta com Adrian Brody como chefe maquinista e líder de um grupo de pessoas sui generis que se dirigem para as suas festas de Natal, mas que por motivos de um atraso inesperado terão de o passar juntos no comboio. São apenas 4 minutos, mas Anderson consegue a nossa atenção durante todos os segundos, fazendo esquecer totalmente a marca publicitária. Mas será mesmo assim? Na verdade a marca surge apenas no início e no final, mas até que ponto não perdurará nas nossas cabeças, como a marca que permitiu a criação desta belíssima obra? E se assim é, não servirá na manipulação dos nossos sentimentos da próxima vez que tivermos de escolher entrar na H&M ou noutra qualquer loja de roupa?!

"Come Together" (2016) de Wes Anderson

novembro 17, 2015

No interior de uma mente autista

A brasileira Lobo criou mais um anúncio social brilhante para a ONG Autism Speaks. Recorrendo a uma mescla muito interessante de materiais ("mixed-media"), foi criada uma animação que consegue dar conta do mundo interior vivido por uma criança com autismo, de forma muito explícita e direta.




Se o resultado final é brilhante, todo o processo de design para chegar até ali não é menos, já que apesar de falarmos de um trabalho de foro artístico, ele é profundamente baseado numa lógica centrada no utilizador. No pequeno making of percebemos como decorreu o processo e a partir de onde surgiram as ideias centrais para o desenho daquilo que podemos ver ao longo do curto minuto de duração, algo que o próprio realizador confirma em entrevista ao Motiongrapher.

Toda a informação recolhida foi depois trabalhada em termos visuais e materiais, sobre os quais se desenhou então uma pequena história que desse coerência ao interior do mundo da criança, e conseguisse num breve minuto conferir uma experiência completa (com princípio, meio e fim) aos espectador, como se pode ver na imagem abaixo.

Design do fluxo emocional do anúncio [fonte]

Todos os cenários são reais, fabricados em estúdio, apenas os personagens foram criados em 3D por razões de tempo. Existe uma clara tentativa de misturar diferentes materiais, procurando assim dar vida à diversidade intrínseca da mente de cada um de nós. Neste minuto estiveram envolvidas 50 pessoas ao longo de 2 meses.

"Autism Speaks" (2015) da Lobo

maio 23, 2015

A visceralidade da imagem em movimento [adultos apenas]

O novo anúncio, "Coco de Mer: X" (2015), para salas de cinema, da marca de lingerie britânica, Coco de Mer, está nas bocas da imprensa pela ousadia, questionando a sociedade se a agência TBWA não terá ido longe demais no campo do eroticismo. Acabei de ver o anúncio de dois minutos e meio e ainda estou algo entorpecido, efeito do embate... podem ver abaixo.





Se resolvi falar aqui de "Coco de Mer: X", não foi pelo seu lado sexual, mas pelo seu lado audiovisual, emocional e experiencial. O fotógrafo Rankin, criativo por detrás deste trabalho, criou um objeto verdadeiramente portentoso. Usando de todo o seu know-how sobre o impacto da imagem, do seu movimento e velocidades, produziu um trabalho em toda linha sensorial. "Coco de Mer: X" não se destina a ser compreendido, apenas e só sentido. É de sexo que se fala, mas é por meio de imagem, som e movimento que se comunica. Aqui a palavra é irrelevante, porque apenas se procura atingir os sensores sensitivos. O filme não tem nada para dizer, antes busca gerar uma experiência capaz de produzir uma alteração do nosso estado emocional, e consegue-o.




Nas palavras do criador,
definitely the best thing that I have done in film. … It has layers of meaning, and to get that in advertising is rare. Doing something like this is about creating an experience. We’re putting it on a different level. Putting it on a level with enjoying a film. People call it content marketing, but it’s just about making something people want to watch.” Rankin, in AdWeek
É verdade que isto é o que busca muito cinema de Hollywood, mostrar, não contar, mas é algo que está longe de ser fácil de fazer. Muitas vezes podemos até procurar dar a ver, mas sem adicionar diálogo aqui ou ali, ou uma voz-off que contextualize a imagem, torna-se tudo muito difuso, perdendo-se antes de chegar à cognição do receptor. Rankin tem aqui bastante mais liberdade, é um filme curto, e o objecto de comunicação é apenas um conceito, nada mais há para dizer, por isso joga toda a força das imagens na exposição da ideia, criando redundâncias sobre redundâncias, até que se torne impossível ao espectador escapar do que lhe está a ser transmitido. Os nossos sensores são completamente anestesiados, não apenas pela 'inexpectabilidade' dos conteúdos das imagens, mas ainda mais pela velocidade estonteante a que se sucedem, não dando tempo para que se interprete o que se está a ver, limitando-nos a acolher o que nos está a atingir.

"Coco de Mer: X" (2015) de Rankin

dezembro 23, 2014

Interagindo com o tempo

Five Minutes” (2014) é um filme interactivo, inicialmente desenvolvido como protótipo por Maximilian Niemann e Felix Faißt, enquanto estudantes de Cinema na Filmakademie Baden-Württemberg, tendo apenas sido transformado no produto final depois de apresentado à Casio e obtido o financiamento para a sua produção completa. Ou seja, é branded content, mas funciona de modo quase independente desse aspecto, nomeadamente se não conhecermos o objecto da marca quase nem damos conta da componente publicitária.




Enquanto objecto fílmico está muito conseguido, com excelente storytelling, muito bons planos e desenho de sequências, os actores não são de topo, mas funcionam bastante bem. Temos uma curta de cinco minutos que nos mantém agarrados e com vontade de saber o que vai acontecer a seguir até ao último segundo.

Em termos de conteúdo, é mais uma historieta de zombies, nada de novo, apenas os sintomas são distintos e daí refrescantes, sendo o principal a perda de memória e o tempo até que isto suceda que acaba por ser aproveitado de forma brilhante pelo guião, e nomeadamente pela camada interativa. Inevitável pensar na influência estética de “The Last of Us” (2013) que muito me satisfaz, dando conta do impacto cultural dos videojogos.

A componente interactiva, que era aquela que mais me interessava, fica-se por uma simples camada de ações gráficas no ecrã, claramente desenhadas para interacção em tablet, que pouco acrescenta à história, contribuindo apenas para trabalhar a questão do tempo, o que não deixa de ser interessante tendo em conta que o objecto da acção de branded content é um relógio. Sentimo-nos a seguir o filme, surgindo a interacção num modo algo intrusivo, acabando nós por percepcionar a interacção como um dilatar do tempo que contribui para a elevação da tensão da experiência. Ou seja, a interatividade aqui destina-se a construir uma percepção mais acentuada da pressão do tempo, aproximando-nos dos sentires dos nossos protagonista, em sintonia com os objectivos dos criadores, como nos diz Maximilian Niemann
“The core idea was to add another emotional dimension to the medium of film by putting the viewer in the main character’s perspective and exposing him to the same time pressure. In our opinion it is ultimately important to immerse the viewer in the story completely, thus he should feel that his interaction makes all the difference. We wanted to create an experience, where it’s not about collecting some abstract points, but a game in which you have to succeed to see the end of the film.” [ShortoftheWeek]
Podemos dizer que cumpriram plenamente com o que pretendiam, essencialmente a camada interactiva acaba por enfatizar o tempo, e pressionar-nos tal como o protagonista se sente pressionado. Contudo e apesar de bem excetuado, sabe a pouco, acabando por gerar alguma frustração uma vez que de todas as vezes que não conseguimos cumprir, simplesmente morremos sendo levados a repetir a mesma acção, nunca existindo alternativa. Tirando o final, com a escolha das cores, tudo o resto acaba por não ir além do mero artifício interactivo, acabando por não surgir o esperado “diálogo” entre o espectador e a obra.

Para ver seguir para Five Minutes.

julho 03, 2014

Problemas do marketing digital

Hoffman é autor de "101 Contrarian Ideas About Advertising" (2011) e do blog Ad Contrarian, é ainda CEO da agência americana Hoffman/Lewis, tendo desenvolvido campanhas para a McDonald's, Toyota, Shell, Nestle, etc. Com formação de base em ciências e sendo assistente especial da California Academy of Sciences, parte do seu discurso move-se no sentido da obtenção de fundamento e evidência científica. E é por isso que esta palestra dada em Março na Advertising Week Europe 2014, intitulada, “The Golden Age of Bullshit” é extremamente interessante.

Bob Hoffman

Bob Hoffman procura ao longo de uma hora de palestra desmontar alguns mitos do mundo da publicidade e do marketing digital, com base num estudo comparado entre aquilo que os Marketeers e Publicitários foram dizendo ao longo dos anos e aquilo que verdadeiramente foi acontecendo no mundo real. Um dos maiores criadores desses mitos tem sido Seth Godin, um dos grandes gurus dos novos paradigmas de marketing, e em quem eu tenho vindo a confiar cada vez menos, nomeadamente desde que resolveu começar a aplicar as suas ideias sobre marketing, como grande martelo para tudo, como é o caso do livro autopublicado “Stop Stealing Dreams: What is School For?”. Esta crença nos gurus não acontece por acaso, mas porque como diz Hoffman no final da palestra, e citando Daniel Kahneman, "People don't believe in facts, they believe in experts."

Assim algo concreto de que tenho desconfiado no marketing contemporâneo, é o hype em redor do storytelling e dos videojogos. Ideias que têm sido vendidas como uma necessidade para criar relações com os consumidores. Ora, se é verdade que estas duas formas de construir experiências trabalham sob o desígnio do engajamento e envolvimento, ligando as pessoas às obras, não é claro que isso seja facilmente trespassável para o mundo do marketing ou branding. Mais, se tem sido imensamente difícil passar estas abordagens para o mundo da educação, porque é que haveria de ser tudo fácil no mundo do consumo? Deste modo Hoffman abre a palestra dizendo, o seguinte,
“We’re so drunk on this stuff that we’re starting to believe our own bullshit.
There are people in our business who believe that consumers are in love with brands! They believe consumers want to have relationships with brands. They want to have brand experiences and be personally engaged with brands. This people actually believe in this. You go to their Twitter profiles,
- “I’m passionate about brands”
- “You’re what? Dude get a fucking girlfriend”
There are people in our business who believe that consumers are going on Facebook and Twitter and having conversations with each other about  brands. All you have to do is going to your Facebook page, and if you can read, you can see that people are having conversations about everything in the universe, except brands.
And yet the bullshit we tell ourselves is apparently so powerful that it supersedes the evidence of our own eyes.”
Esta é a dura realidade que o marketing digital ainda não quis encarar de frente. Ninguém online fala das marcas, nem sequer está importado com as páginas das marcas, a não ser quando elas fazem asneira, tendo assim uma espécie de canal directo para lançar algum fel. As pessoas procuram outros seres humanos, não procuram objectos, artefactos, e menos ainda marcas. Quem tem página online de uma empresa, associação ou blog de certeza que já percebeu a diferença entre publicar algo no facebook sob o nome da página ou sob nome individual. As pessoas clicam mais quando a partilha é feita por uma pessoa, do que por uma marca, uma identidade abstracta desprovida de sentir. As pessoas querem a garantia que do outro lado está alguém capaz de interpretar aquele clique, aquele like. Clicar num like não é uma mera acção abstracta, é um acto de comunicação, é um acto de aceitação do outro.

Bob Hoffman, "The Golden Age of Bullshit" na Advertising Week Europe 2014

Isto não quer dizer que o marketing não está a mudar, que o digital não lhe serve. Serve sim, mas serve essencialmente para compreender melhor para quem se fala, e como se deve falar. O Facebook é muito útil para conseguirem compreender melhor o que move as pessoas, e conseguirem assim criar e desenhar para as suas verdadeiras necessidades. Mas não esperem que porque têm um discurso mais próximo, até mais humano, as pessoas desatem a envolver-se com as marcas, ou como diz o Hoffman, “amem as marcas”, isso não vai acontecer.

Plágio Castello

Esta semana estalou a polémica em redor de uma campanha da Agua Castello, tendo na altura escrito sobre o assunto no facebook, aproveito apenas para colocar o texto aqui sem alterações, como forma de registo. O artigo do Dinheiro Vivo saiu no dia 30 Junho, por volta do meio-dia, eu publiquei o meu texto no facebook com o título "Não é Strat. É Charles Burns" por volta das 14h00, no final desse mesmo dia, por volta das 19h00, a Água Castello retirava a campanha. Apesar disso a Fantagraphics tinha exposto a campanha três dias antes, a 27 de Junho.


A Água Castello portuguesa foi exposta internacionalmente à vergonha do plágio. A culpa não é sua, mas da agência que contratou para criar a nova campanha baseada em quadros de banda desenhada. Quem acusa é a Fantagraphics editora do trabalho de Charles Burns, autor dos alegados desenhos originais.

Inicialmente tive dúvidas, mesmo depois de ver algumas imagens da editora, principalmente porque não gosto de embandeirar com ataques de plágio no mundo das artes visuais já que tenho visto demasiado trabalho ser atacado injustamente. Mas vista a composição de desmontagem visual realizada pela Fantagraphics (imagem acima) as minhas dúvidas desvaneceram-se por completo (a cara do topo da garrafa é composta a partir da parte inferior da cara de um desenho, e da parte superior da cara de outro desenho). Estamos perante um trabalho de remix muito bem feito, o que para mim não teria nenhum problema caso fosse para ser usado sem fins lucrativos. Mas a ser usado deste modo, é mau, é muito mau.

Da análise do trabalho da Strat, a agência que criou a campanha, verifico que são muito bons em manipulação de fotografia. Ora é isso que temos nas garrafas da Castello, quadros de desenhos de Charles Burns manipulados (redimensionar ou rodar imagens, adicionar traços ou pontos, sobreposição de diferentes imagens para formar outras, etc.). Por isso vir dizer que meramente se “serviram de referências” é altamente abusivo, pois não estão cá referências, mas antes o trabalho em concreto de outro autor.

Sei bem porque a Strat diz isto, porque à partida não existe cobertura legal para que a Strat possa ser processada, uma vez que a manipulação deste tipo é muito usada exactamente para fugir aos direitos de autor. Ou seja em vez de pagar os direitos, alteram-se os trabalhos originais para ficarem ligeiramente diferentes, e assim passarem no crivo.

Mas se isto pode ser “aceitável” na faculdade ou em trabalhos sem componente comercial, desde que citadas as fontes, não é, nem pode ser, tolerado a uma empresa que quer trabalhar a este nível. Porque o que vemos aqui é simplesmente o cortar de custos. Não se contrata um ilustrador, nem se quer pagar quem desenhou o que se encontra online, mas pretende-se receber por um trabalho não realizado.

A Água Castello deve mandar retirar a campanha sem demoras, realizar um pedido de desculpas a Charles Burns, e pedir a total devolução da verba paga à Strat.


Fica a mensagem da Água Castello, deixada no Facebook, e que não me satisfaz, no sentido em que não realiza um claro pedido de desculpas ao autor e de certa forma quase protege a agência responsável pela campanha:
Declaração: A Água Castello enquanto marca portuguesa sempre se guiou por valores de responsabilidade, qualidade e transparência o que lhe grangeou a admiração e o respeito dos seus inúmeros consumidores.
A Água Castello quer acreditar que a Agência de Publicidade que desenvolveu a campanha “Não é Água. É Castello” se pautou pelos mesmos princípios como tem reiterado.
No entanto, para que nenhuma dúvida subsista e como prova de boa fé, a Água Castello vai dar por terminada esta campanha. A Água Castello quer continuar a merecer o respeito dos seus consumidores, dos criadores e de todos os que amam a verdade.
Água Castello

maio 29, 2014

A moralidade da publicidade online

Por estes dias recebi uma chamada “proposta de colaboração” que passava por publicar aqui no Virtual Illusion, um texto do proponente que conteria um link para uma empresa que pretendia promover. A empresa em questão era um site de jogos de azar online.


O que começou por me espantar foi que a colaboração era paga, 70 euros, apenas para eu colar o texto no meu blog! Ou seja, eu não tinha de fazer absolutamente nada, apenas pegar no texto, publicá-lo aqui, sob algumas condições: o texto teria de ficar ativo durante 12 meses; e não poderia ter qualquer referência ao patrocínio em si, nem ser apresentado como texto convidado, pago, ou outro. Podia no entanto, se achasse melhor ser eu a fazer o texto, desde que colasse o link da dita empresa, numa qualquer zona do texto, independentemente do que diria o link.

Percebi o que se pretendia, e não era propriamente o número de visitantes do Virtual Illusion que interessava ao promotor desta colaboração. A relevância destes links reveste-se pela criação de fluxos distintos para os sites, promovendo assim os sites nos motores de pesquisa mundial.

Fiquei a pensar no assunto. 70 euros davam jeito para encher um depósito de gasóleo, mas e o resto, o lado moral? Poderia eu ficar bem comigo próprio, com o facto de estar literalmente a enganar as pessoas que iriam ler esse texto?! Não sendo permitido qualquer identificação do objectivo do texto em si, do link aí presente, como é que eu poderia lidar com a ideia de estar a pactuar com essa manipulação?

Já o disse várias vezes aqui, e tenho-o dito às pessoas que comentam o blog comigo, eu não produzo este blog na esperança de ganhar qualquer recompensa com ele. Quando o criei, foi com a ideia de me servir a mim próprio na melhoria de várias coisas, entre as quais a escrita, a análise, o registo, as memórias, a verbalização, etc. São essas recompensas internas que têm mantido viva a minha motivação para continuar a escrever aqui. Se aceitasse esta proposta, estaria inevitavelmente a colocar em causa tudo isto, porque estaria a alimentar a ideia de que poderia existir uma recompensa externa. Não quero dizer que não me interessasse, mas sei que se por algum motivo isso acontecesse (naturalmente não deste modo camuflado) o caminho de volta seria muito complicado.

Ou seja, não só estaria a enganar todas as pessoas que normalmente passam por aqui em busca de alguma informação ou ideia para os seus trabalhos, levando-os a ler algo completamente vazio de interesse, e profundamente manipulativo, como estaria a destruir tudo aquilo em que acredito e que me motiva dia após dia a vir até aqui escrever, expressar e partilhar ideias com todos vós. Por isso não aceitei a proposta.

Apaguei no final o e-mail, apesar do Gmail o ter rotulado como “Important mainly because of the words in the message”, o que só por si, dá bem conta do conhecimento detalhado que estas empresas detêm sobre o funcionamento de toda a "maquinaria" online, e do quão manipulados podemos ser na rede, se não detivermos literacia para lidar com todo este novo mundo.

abril 26, 2014

a interacção é a mensagem

A empresa Guy Cotten, especializada em roupas para trabalho no mar, produziu um anúncio de serviço público (PSA) a propósito da necessidade do uso de coletes em alto mar, simplesmente brilhante. O anúncio só pode ser acedido online, uma vez que o centro da sua mensagem só é compreensível através da interactividade. O conceito foi desenvolvido pela agência CLM BBDO, sendo a produção feita pela Wanda Productions e dirigido por Ben Strebel. Se ainda não experimentaram o mesmo, façam-no agora, antes de continuar a ler, em Sortie en Mer (em ecrã pleno e som alto).



O brilho deste trabalho advém do modo como se trabalhou a linguagem de interactividade para expressar o sentir da mensagem. Ou seja, temos um filme com um excelente cenário que nos transporta para uma atmosfera calma, preparando-nos para um choque, mas quando esse choque chega, deixamos de ser meras testemunhas do mesmo, passamos a agir, a participar, e com isso a sentir o choque de forma muito mais memorável. 

Mas não se fica por aqui, tudo isto poderia ter sido desenhado apenas para nos colocar no lugar, mas a forma como a interacção foi concebida, não nos coloca apenas no lugar, vai muito mais longe do que isso, porque nos faz sentir a principal sensação que sente o protagonista, o cansaço. Não conseguindo transmitir a sensação de frio do mar, o facto de termos de desesperadamente continuar a fazer scroll para nos mantermos à tona, exerce sobre nós uma pressão que aos poucos nos vai aproximando mais e mais da realidade do evento. Se juntarmos a isto o facto da experiência ser bastante aberta, ou seja a morte não chega para todos, nem de todas as vezes, ao mesmo tempo, e o tempo que investimos a resistir ser recompensado em progressão narrativa, torna este trabalho num dos melhores anúncios interactivos que alguma vez experienciei.


Em termos gerais, o anúncio situa-se no âmbito dos comuns PSA que usam o choque como prevenção. Temos visto trabalhos só em video, sem interactividade, que são capazes de ser mais aterradores que este. Mas é aí que julgo que estará a diferença deste anúncio, que não se preocupa com o mero choque ou terror, mas antes com o fazer passar pela sensação real, ainda que simulada. Apesar de curta, fico com a ideia de que quem passar por esta experiência dificilmente se esquecerá dela, nomeadamente quando da próxima vez estiver para entrar num catamarã para rumar ao alto mar. A simulação, a participação interactiva desenhada para atingir as nossas emoções, dificilmente descolará das nossas impressões somáticas nos próximos tempos.

Se ainda aqui estão, e ainda não experienciaram, sigam para Sortie en Mer

fevereiro 17, 2014

Seis factores da comunicação viral

Jonah Berger passou a última década a fazer investigação na área do marketing digital, tendo publicado “Contagious: Why Things Catch On” (2013) como um sumário dos resultados da sua investigação. O cerne do seu trabalho esteve centrado sobre o aspecto viral das mensagens online, algo que já existia no mundo analógico, mas que se acentuou, ou melhor dizendo, percebemos melhor a partir do momento em que passámos a quantificar o que acontece com as mensagens. Nesse sentido Berger desenvolve e apresenta uma metodologia de análise da viralidade da comunicação.


Tenho a dizer, ainda antes de entrar no detalhe, que me parece de grande relevo o trabalho realizado por Berger, não pelo foco em si, mas pela abordagem realizada ao foco. Ou seja, Berger não se focou sobre aquilo que as pessoas mais gostam ou detestam, mas antes centrou todo o seu trabalho na tentativa de perceber o que leva uma pessoa a partilhar uma informação. Ou seja, estamos a falar de um agenciamento, que implica consciência e ação, alguém que decide que uma informação deve ser partilhada ou não. Berger começou esta investigação exatamente depois de ter comparado durante vários meses os “Artigos Mais Lidos” e os “Artigos Mais Partilhados” no Wall Street Journal, e ter compreendido que na maior parte das vezes eles não coincidiam. A partilha parece assim ser diferente do simples gostar, achar interessante ou irrelevante, porque é algo que exige uma persuasão que vai para além do gosto, a persuasão tem de ser suficientemente forte para fazer agir, colocando o sujeito no início de um processo que pressupõe autoria, ainda que apenas através da mera curadoria.

Ou seja, quando leio/vejo uma mensagem posso gostar ou não desta, mas a decisão de a partilhar, é completamente distinta do juízo moral ou estético que faço da mesma. O simples processo de partilha insinua o meu suporte ao que é dito nessa mensagem, empresto-lhe a minha identidade no momento em que a partilho. Não existe apenas a implicância de se dar ao trabalho de partilhar, por fácil que seja, mas ainda a responsabilidade de o fazer. Tomo uma posição quando partilho, ajo sobre o mundo que me rodeia, e daí posso retirar benefícios, mas também ganhar novos problemas ou até perder amigos, que poderia ter evitado mantendo-me apenas quieto! O ato de partilha é assim um processo de agenciamento da nossa parte perante o mundo, ao contrário do ato de leitura ou consumo. A grande questão que se coloca então é, sabendo das implicações que a partilha acarreta, o quê e como é que se conduz alguém a partilhar algo? Ou seja no fundo, como é que se cria e mantém uma corrente viral?

Para dar resposta a esta questão Berger passou alguns anos a fazer pesquisas sobre partilhas feitas por milhares de pessoas, incluindo uma das mais faladas que foi realizada a partir do estudo do top dos artigos do NYT mais partilhados por e-mail. Os vários estudos conduziram Berger à definição de um conjunto de factores que potenciam a partilha, e que são apresentados neste livro, os STEPPS: Moeda Social, Gatilhos, Emoção, Público, Valor Prático, Histórias.


1. Moeda Social
O primeiro factor está intimamente ligado ao ato de partilha, o que ele representa. Na verdade a partilha é um processo social que tem custos e benefícios, ainda que possamos não estar conscientes do facto, quando o fazemos. Não partilhamos algo que possa ser negativo para nós, que possa danificar a imagem que os outros têm de nós. Ou seja, a partilha é feita em função da imagem que queremos dar de nós próprios. Por isso tendemos a partilhar aquilo que possa contribuir para uma imagem mais prestigiante, como pessoa inteligente, “cool” e que está por dentro dos assuntos. A partilha de algo permite que a pessoa se afirme como sabedora, sem ter de o dizer explicitamente, daí também que as empresas explorem os atributos da gamificação, como prémios, medalhas, posições em rankings que garantam uma partilha imediata do status (ou seja atribuem uma representação imediata ao valor social) de cada um dentro do sistema.

As pessoas tendem a partilhar a novidade, o diferente, o surpreendente e notável, aquilo que contribui para gerar status. E se isto é fácil de ser conseguido com um novo iPhone, ou um novo filme do Batman, pode já não ser tão simples de fazer com o lançamento de um novo modelo de frigoríficos, etc. Mas Berger dá o exemplo do papel higiénico preto, por acaso inventado pela Renova portuguesa, mas que como ele diz, sendo algo nunca visto e impressionante, dá vontade imediata de partilhar.

2. Gatilhos 
O segundo factor tem que ver com os gatilhos que conduzem as pessoas a associar diferentes ideias, ou diferentes produtos. Os gatilhos são como lembranças ambientais porque atuam sobre as nossas memórias. Por exemplo uma música no rádio pode recordar-nos um amigo ou namorado, o cheiro de pão quente pode recordar-nos a nossa avó, etc. Assim mesmo que não tenhamos visto o objecto em questão, vemo-lo na nossa cabeça. E estes gatilhos podem também podem contribuir para incrementar a partilha. Ou seja, o facto de nos recordar algo, faz com que fique presente na nossa mente, e nos leve a partilhar mais facilmente.


Este factor explica por exemplo o sucesso das listas online, que nos recordam imensas experiências vividas, sugerindo imediatamente a partilha, com a ideia de que possamos levar os outros a viver também aquelas experiências. Ou por exemplo o facto das barras de chocolate Mars terem aumentado vertiginosamente as suas vendas aquando da chegada da Missão Rover ao planeta Marte (em inglês Mars), mesmo sem a marca ter promovido qualquer campanha publicitária nessa altura. Ainda no campo dos chocolates uma ideia inteligente, foi a associação do chocolate Kit-Kat à pausa para café, que faz associar o chocolate a uma recompensa que todos conhecemos e desejamos. Ou por exemplo uma música que aparentemente ninguém daria nada por ela, mas porque se chama "Friday", acabou sendo altamente partilhada quando saiu, particularmente todas as sextas-feiras.

3. Emoção 
O caso da emoção, é um dos mais estudados nas últimas duas décadas, tendo sido altamente explorada em todas as suas dimensões, fisiológica, cognitiva, comportamental, etc. Aqui Berger vai socorrer-se da perspectiva fisiológica, que define as intensidades de atividade fisiológica que cada emoção requer. Assim nas emoções intensas positivas temos a – Euforia e Alegria – e nas negativas – Raiva e Nojo. Nas emoções pouco intensas fisiologicamente, positivas temos – tranquilidade e relax – e nas negativas - tristeza e melancolia.

Berger a partir dos seus estudos conclui que temos uma maior tendência para partilhar emoções positivas, porque estas contribuem diretamente para a Moeda Social. Ou seja, partilhamos que fomos promovidos no emprego, mas não partilhamos que o nosso filho teve negativa num exame. Por outro lado somos capazes de partilhar as negativas, quando isso pode contribuir para repor algum sentido de justiça (crianças magoadas, cães abandonados, pessoas em grande sofrimento, etc.). Já quando as histórias apresentam apenas a tristeza, sem um culpado não há lugar a canalização de raiva, logo não há partilha. O mesmo sucede as histórias de mero relaxamento ou tranquilidade, sem um motivo que exalte esse estado, torna-se em algo sem potencial agenciador.

Modelo Circumplexo de Russell (1980), tal como apresentado no livro Emoções Interactivas (2009:51)

No fundo o que Berger nos diz, é o mesmo que eu acabei encontrando a propósito da interactividade nos videojogos, que aquilo que nos leva agir são as emoções que despoletam excitação e ação, e não as que despoletam repouso ou inação. Ou seja, o acto de partilha é um acto de acção tal como o de interacção, requerendo ambos agenciamento da nossa parte, daí que as emoções mais intensas fisiologicamente, nos predisponham a realizar o esforço da partilha, o assumir de responsabilidades, o querer agir, o querer mudar o rumo dos eventos.

4. Público 
Este factor não traz propriamente nada de novo já que se limita a ser um dos factores da persuasão social mais amplamente estudados, conhecido como “Prova Social”. Um exemplo clássico é escolhermos o restaurante que está cheio para jantar, e não o vazio. Neste sentido temos tendência para imitar o outro, embora só o possamos fazer quando o vemos. Ou seja, é necessário tornar as coisas públicas, para que estas possam ser imitadas.


O exemplo dos auscultadores do iPod serem brancos foi uma das jogadas mais bem elaboradas, já que conseguiu tornar público algo que normalmente estava escondido. Outro exemplo que Berger fala é o das campanhas de donativos para várias lutas, e uma que fez uso do tornar público, foi uma campanha que ficou conhecida como Movember, deixar crescer o bigode como suporte aos problemas de saúde dos homens. O bigode faz as pessoas lembrarem-se que devem contribuir para a causa.

5. Valor Prático 
Este é um dos factores mais óbvios e naturais no suporte da partilha, e que tem que ver com o real valor que aquela informação pode ter para os outros. Partilhamos para ajudar os outros, por isso escolhemos a informação que partilhamos em função daquilo que pode ajudar o próximo. Por isso partilhamos bons negócios, ofertas, descontos, promoções. Por outro lado isto explica porque razão uma grande parte dos artigos mais partilhados são sobre Saúde (novos tratamentos, novos resultados, etc) e Educação (TED, Courseras, etc).


6. Histórias
O último factor é bem conhecido de quem segue este blog, já que o tenho aqui trazido vezes sem conta, ainda recentemente a propósito do livro The Storytelling Animal de Gottschall ou a propósito das ideias de Ira Glass sobre o Storytelling e a Criatividade. E o que sabemos é que a forma de organização narrativa é vital na transmissão de informação, logo é também vital na motivação para a partilha. Se formos capazes de embrulhar a nossa ideia ou produto numa boa história, mais facilmente ele tenderá a espalhar-se. Aliás Berger fala mesmo no Cavalo de Tróia, a história é o nosso cavalo de Tróia para chegar aos outros.



Berger fala em detalhe sobre os anúncios da Dove, nomeadamente do Dove Evolution parte da campanha iniciada em 2004, Real Beauty. Aliás o sucesso desta abordagem ao mundo dos cosméticos foi tão forte que em 2013 a Dove voltou a conseguir outro gigantesco viral com o anúncio Dove Real Beauty SketchesOu seja, as pessoas precisam de boas histórias, porque são as boas histórias que as fazem mover, que as fazem desejar continuar a agir sobre o mundo em que vivem.

Para quem não quiser o ler o livro, ou quiser mais um pouco de informação sobre cada um destes pontos dados pelo próprio autor, deixo a lista de seis vídeos que Jonah Berger gravou sobre cada um dos Factores.

Para terminar quero falar rapidamente de um assunto próximo que tem andado a circular nos últimos tempos, e que diz respeito aos anúncios pagos no Facebook, e ao modo como muitas das partilhas que fazemos não chegam a ser vistas pelos nossos amigos. Num vídeo recente do canal Veritasium, os anúncios pagos no Facebook são desmontados como sendo uma autêntica fraude. Ou seja, as pessoas pagam para ter mais likes, e eles aparecem, mas isso não quer dizer que se traduza em mais engagamento com a nossa página. Aliás, se assim fosse esta metodologia proposta por Berger não faria qualquer sentido, bastaria comprar likes na loja do Facebook!


Serve este assunto de fecho para alertar para o facto de termos de começar a interiorizar a ideia de que mais likes no facebook, ou mais seguidores no twitter, etc. está longe de ser sinónimo de verdadeira popularidade, interesse, e menos ainda relevância. Disseminar ideias, mensagens, produtos, exige esforço, pode ser um esforço metódico e premeditado, mas está longe de se limitar a uma mera compra de espaço para anunciar, ou de likes.

setembro 24, 2013

Moonbot, publicidade, e comida biológica

A Moonbot Studios, estúdio responsável por obras como "The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore" (2011) e "Numberlys" (2012), traz-nos mais uma belíssima animação 3D. Scarecrow (2013) pretende ser um PSA (public service announcement), mas é aqui suportado por uma grande empresa privada, a Chipotle, o que desencadeou toda uma reação online contra o filme da Moonbot. Embora esta não seja a primeira animação da Chipotle sobre o tema. Para quem anda atento ao universo da animação online, ainda não se deve ter esquecido de "Back to the Start" (2011) com música dos Coldplay, interpretada pelo Willie Nelson.



The Scarecrow apresenta-se como uma animação belíssima, denotando claramente a marca dos criativos da Moonbot, ex-Pixar, tanto na leveza e suavidade dos cenários e personagens, como na forma como conta a história, com muito cuidado e detalhe. Não estando ao nível de Fantastic Flying Books, para anúncio publicitário tem uma qualidade extraordinária. A Moonbot lançou ainda um pequeno making of que vale a pena ver. Mas para não ficar por aqui, o filme utiliza como banda sonora, a música “Pure Imagination”, do filme “Willy Wonka & the Chocolate Factory” (1971), interpretada por Fiona Apple. E ainda... para suportar e fazer durar a ideia foi feito um pequeno jogo para iPad, algo em que a Moonbot se especializou. Sempre que realiza uma curta, lança em conjunto um artefacto interactivo de suporte, ou vice-versa.

The Scarecrow (2013) Moonbot para a Chipotle

No campo do tema, o assunto que aqui é trazido, é novamente o da produção biológica versus produção industrial. O filme mostra o lado negro da industrialização, das condições de produção, do processamento da comida, algo que neste momento já ninguém pode ignorar, e muito mais haveria a explorar sobre tudo isto. Fá-lo de um modo bastante informativo, mas procura atingir sobretudo o lado sentimental da questão, explorando a nossa empatia pela natureza. Ao ponto de alguns críticos acharem que se foi longe demais, e que o filme pode acabar por não conseguir promover o que se pretende, mas antes afastar as pessoas e levá-las a pensar em tornar-se vegetarianas. Por outro lado, outros alertam, que se queremos verdadeiramente mudar as coisas, não é substituindo uma alimentação por outra que vamos lá, precisamos de mudar os nossos comportamentos em termos de alimentação a um nível bem mais profundo que isso.

Outra grande questão que se colocou na rede, logo após o lançamento do filme, foi o facto de que a Chipotle pouco se diferencia das demais marcas que pretende aqui criticar, utilizando a mesma linguagem que estas, apenas subvertendo algumas ideias aqui e ali para assim procurar convencer um nicho específico de público. Ou seja, a sua preocupação não é a natureza, como nos quer fazer crer, mas a faturação. Por isso em poucos dias surgiu na rede um filme, Honest Scarecrow, que realiza uma paródia a The Scarecrow.


Honest Scarecrow (2013) de Funny or Die

Seja como for, a comida processada e alterada geneticamente é uma realidade com que temos de viver nos dias de hoje, e tudo o que pudermos fazer para nos afastar dela, será em nosso proveito. Basta ver a incidência de cancro, com Sobrinho Simões um dos mais respeitados especialistas internacionais na área do cancro, a apontar que nos próximos anos em Portugal, um em cada três portugueses sofrerão de um qualquer tido desta doença! Outro exemplo que lia agora pela manhã, os adoçantes provocam uma perturbação do modo como os nossos corpos reagem ao mundo externo em termos de gratificação. A ilusão do doce, é apenas isso uma ilusão da percepção, mas tal como acontece ao nível de todos as ilusões da percepção, podem acarretar enormes problemas para nós.

Ou seja, quando mudamos algo no universo natural, é sempre impossível prever todas as consequências dessas nossas ações. Na natureza é tudo de tal forma interligado e interdependente, que a mais pequena variação, provoca ondas de transformação onde menos se espera. Por vezes estas ondas são sofríveis, outras vezes são superáveis, mas quase sempre acarretam custos para alguém, que tem de sofrer para dar os primeiros sinais de alerta.

abril 30, 2013

os livros contra as séries e jogos

Ainda ontem aqui falei dos problemas da enorme duração das experiências das séries TV e dos jogos. Agora trago uma belíssima campanha da Asociación De Editores De Madrid que se foca sobre isso mesmo, com o objetivo de alertar as pessoas de que é preciso salvar a leitura!


Esta é a realidade, por muito que aos jogadores e amantes das séries lhes custe. O tempo que se gasta com séries e jogos intermináveis é valioso, e pelo meio muito fica para trás. Não coloco aqui em questão deixar de jogar ou ver séries para ir ler, apenas relembro que como em tudo, é preciso moderação. É preciso conseguir distribuir melhor o tempo que se investe em cultura. E queiramos ou não, entre ler Dom Quixote ou jogar centenas de horas de Angry Birds, ou ver centenas de horas de Lost, existe uma clara diferença no retorno cognitivo. Aliás, além destes consumidores de horas, como muito bem diz o Carlos Merigo do Brainstorm9, era bom ter visto um cartaz destes com o Facebook como "assassino" de tempo.



A campanha é constituída de três cartazes em que personagens clássicos da literatura morrem: Dom Quixote por Angry Birds, O Pequeno Príncipe por Call of Duty, e Moby Dick por Lost.

abril 18, 2013

Retratos da auto-estima

Não é um experimento científico, longe disso, faltam aqui muitos ingredientes, nomeadamente a experimentação com homens ou a experimentação com pessoas que conhecem há mais tempo as pessoas, além do facto de o desenho não poder ser equacionado como um dado completamente objectivo, já que se socorre da subjectivade do desenhador e do receptor. Apesar disso é um experimento poderoso, e capaz de lançar algumas luzes sobre a a construção que cada um de nós faz sobre a identidade.



O experimento é simples e consiste em ter um profissional de desenho criminal a desenhar dois retratos de uma mesma pessoa. Um dos retratos descrito pela própria, e outro descrito por uma pessoa desconhecida que teve apenas uma pequena conversa com esta antes de fazer o retrato. O resultado final expõe as retratadas à imagem que fazem de si, e à imagem que os outros concebem de si. Os retratos finais são completamente díspares.

Retratos da Beleza Real (2013) Ogilvy Brazil

A campanha concentra-se na beleza, é uma campanha feita pela Ogilvy Brazil, aliás por isso mesmo se forem ao site da campanha poderão ver o filme com legendas em português. O objectivo passava por dar às mulheres uma demonstração mais objectiva da sua beleza. Algo dentro do estilo de campanhas anteriores da Dove (Ogilvy Toronto, The Evolution of Beauty), mas nos casos anteriores pretendia-se passar a ideia através da desconstrução professional das imagens de beleza que pululam nos media. Aqui foi seguido um caminho diferente, em vez de atacar o criativo, atacar directamente a fonte do problema, a ideia que cada sujeito faz de si.

Julgo que esta campanha é muito conseguida, não propriamente do ponto de vista da beleza, mas antes mais da identidade. A beleza diz apenas respeito à nossa aparência, e o que podemos ver nestes retratos vai muito para além da diferença de aparências. Os retratos criados por Gil Zamora estão na medida do possível despojados de emoção, embora quando vemos o filme não pareça, porque a montagem fílmica entre o retrato e a retratada confere propriedades ao desenho que este não tem (vejam depois os desenhos isoladamente abaixo).  Apesar do esforço de neutralidade emocional (nomeadamente manutenção de mesma posição da boca e dos olhos/sobrancelhas) quando realizamos a comparação é inevitável ler emoções porque elas servem-nos para caracterizar e diferenciar os retratos. Neste sentido o que se pode identificar nos retratos e que me parece mais relevante são as questões relacionadas com a jovialidade e a força interior.

Existe uma tendência para ser mais crítico de si, para exagerar os traços pessoais, por exemplo se a mulher se considera mais forte aparece com uma cara muito redonda, se se considera muito magra aparece com uma cara cadavérica. O problema acaba por emergir desta exacerbação dos defeitos que cada um vê em si que por sua vez acabam por contribuir para criar uma imagem de si mais triste e sem vida. E isto não será imune ao modo como as pessoas se vão descrevendo, claramente que quando me descrevo de modo crítico o faço com algum pesar e tristeza porque a crítica está imbuída desse espírito, e claramente esse tom foi passado para o desenho final. Por outro lado as imagens criadas a partir daquilo que as outras viram, estão desprovidas de tom crítico já que a interação entre as pessoas foi mínima, por isso o modo como se descreve é carregado de um tom mais positivo, reforçando a ideia de jovialidade, alegria, simpatia, ou amizade. Por isso falava no início que seria interessante fazer este retrato com pessoas que se conhecem desde pequenas, ou ainda com pessoas que gostam da pessoa e pessoas que não gostam, para vermos como as diferenças seriam ainda mais carregadas.

Tudo isto apenas para concluir que precisamos não propriamente de nos preocupar mais ou menos com a nossa beleza, mas precisamos sim, e muito de nos preocupar com a nossa auto-estima. Muito mais importante do que ter capacidade para ver em nós uma pessoa bonita, é a capacidade para reconhecer em nós, uma pessoa de que gostamos, independentemente da beleza.




fevereiro 07, 2013

o pesadelo da Nikon

Terá a Nikon metido os pés pelas mãos com o filme produzido para promover a D800? Se começarmos pelos créditos será impossível acreditar nisso. Broken Night (2012) conta com a realização e o guião de Guillermo Arriaga, escritor de filmes como Amores Perros, 21 Grams ou Babel. Na cinematografia temos Janusz Kaminski, responsável por mais de 30 grandes produções e dois Oscars, um para Schindler's List e outro para Saving Private Ryan. Como se não bastasse temos na composição musical ainda Philip Glass. Com estes créditos ainda acreditam que é possível errar?

The Nikon D800 produces video so extraordinarily cinematic it can find beauty anywhere—even in a nightmare... The challenge? Push the limits of the ultimate movie-making HD-SLR to create a short movie as frightening as it is drop dead beautiful.
Pois parece que nem uma coisa nem outra. Nem o filme é visualmente extraordinário, nem a história é excepcionalmente envolvente, seja do género horror ou não. A minha primeira conclusão quando acabei de ver o filme foi apenas e só, Iñárritu tinha razão. Guillermo Arriaga pode escrever bem, mas não chega para fazer um bom filme. E aqui temos vários problemas e de várias ordens, desde o guião à cinematografia, até à ideia ridícula da Nikon de promover uma câmara com um filme de terror.


Começando pela cinematografia, esta deixa muito a desejar. A tremura inicial da câmara fixada na miúda pode até ser propositada para demonstrar as qualidades da câmara mas ou estamos a fazer um filme, ou estamos a fazer um cardápio de técnicas. Depois as cenas da noite são completamente ridículas em termos de verosimilidade. Se a câmara é tão boa porque é que precisa de tanta luz artificial para se ver o que se está a passar. Então a cena em que mãe consegue sair do carro, por momentos pensei que já fosse manhã. Nem sequer podemos pensar que é o efeito do luar porque a luz sente-se a ser projectada pelos lados e com uma intensidade sem sentido.

As interpretações são medianas, para não dizer algo pior. Tirando os irmãos que se aproximam do carro, a mãe e a miúda foram um terrível erro de casting. A cena em que a mãe exige a filha de volta no final está totalmente desprovida de vida, de crença no que diz.


Finalmente, o pior de tudo é mesmo o guião. Porque se até concordo com a ideia de finais abertos e que o espectador também deve trabalhar, imaginar e enriquecer o potencial do filme, A realidade é que o espectador "paga" para que lhe seja facultada uma experiência, e o que aqui temos é quando muito uma meia-experiência. E se o tema já era o que era, dar-lhes uma meia-experiência só serviu para enfurecer ainda mais os seguidores da Nikon.

A Nikon foi muito além do simples filme de terror, a Nikon criou toda uma campanha de promoção assente no sadismo. Feriu-nos os sentimentos, deixou-nos indispostos, e depois largou-nos ali, desamparados sem fechamento, nem alívio. Se forem até à página da Vimeo vão perceber o que quero dizer com experiência sádica. Ali no comentário directo, fica bem expresso o que a grande maioria de espectadores achou do filme, e uma boa parte deles também fala muito sobre os seus novos sentimentos face à Nikon desencadeados por uma simples curta de 10 minutos. Podemos agora dizer que apesar de não termos amadores a trabalhar, como no caso da Pepa e da Samsung, os profissionais da Nikon não conseguiram fazer melhor.


Broken Night (2012) de Guillermo Arriaga



Actualização: 8.2.2013 
Não escrevi este post com o intuito de reclamar um final para o filme, nem de reclamar outra abordagem à história. Acredito na liberdade de expressão, e a arte é, e deve continuar a ser, o expoente máximo dessa liberdade. Nada me move contra os criadores, que têm realizado trabalhos geniais ao longo das suas carreiras. Tomaram estas opções, são livres de o fazer, e eu sou livre de não gostar.

A razão pela qual escrevi este texto, foi apenas e só, porque acredito que quando um filme promove uma marca, a liberdade intelectual deixa de ser total. Não adianta defender a total liberdade dada pela Nikon, quando sabemos que uma campanha destas tem de ter o inevitável acordo dos marketeers da empresa, ainda para mais uma empresa com esta dimensão.

A única conclusão a que posso chegar é que neste momento, para um marketeer, a única coisa que verdadeiramente interessa é que se fale, nem que seja mal! É o vale tudo para manter a marca viva nas memórias das pessoas!

dezembro 08, 2012

curta, demasiado curta

Trago um pequeno filme que saiu há cinco meses, por altura dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Já o tinha visto antes, mas no seu formato curto de um minuto, só agora descobri que existia uma versão estendida, ou melhor que a versão original tinha 2m40.



Quando vi a versão curta, adorei o 3d, essencialmente a luz e a cor, mas enquanto filme não me pareceu suficientemente forte para perder tempo a partilhar, o que em certa medida explica porque razão um filme tão bom não conseguiu tornar-se viral. Mas vendo agora a versão completa, percebi o que se passava com o filme curto, a animação parecia ser um mero sucedâneo dos vários desportos, sem qualquer contextualização, sem detalhe do ambiente, nem espaço para respirar o ritmo do filme. Esta versão de 2min40 mostra bem porque a Passion Pictures é uma das empresas mais conceituadas internacionalmente no campo dos VFx para publicidade, o filme completo é um verdadeiro deleite.


Comparem com a versão curta.

setembro 27, 2012

audiência e marketing de Psycho em 1960

Hitchcock foi um génio no campo da criação e manipulação de expectativas. O que eu não sabia apesar de existirem evidências, nomeadamente toda a imagem de culto que este ajudou a construir sobre si próprio, é que a sua capacidade não se tinha limitado à linguagem cinematográfica, mas que tinha transbordado para os domínios do marketing.


A Academia de Cinema americana colocou este ano na rede um filme raro que foi criado pela Paramount para explicar aos distribuidores das salas de cinema como deveriam proceder durante a exibição de Psycho. No filme explica-se em detalhe a regra de ouro - ninguém poderá entrar na sala depois da hora - e são dados detalhes sobre o modo como devem ser anunciadas as horas, como devem entrar e sair as pessoas das salas, os cartazes que devem ser afixados e o que devem dizer. E no final o mais importante para as salas, o retorno garantido que tudo isto trará. 



Na verdade Psycho era um filme de pequeno orçamento, em 1960 nada o distinguia particularmente de muitos outros filmes, aparte a brilhante cena do chuveiro e claro o twist psicológico. Não há ali nada que pudesse fazer deste filme à partida, um grande blockbuster, ainda para mais tratando-se de um thriller de choque que elimina logo uma enorme franja de público mais novo. 

"If you can't keep a secret, please stay away from people after you see Psycho."
"After you see Psycho Don't give away the ending. It's the only one we have."
Este documento abre-nos novas interpretações sobre a recepção de Psycho em 1960. E questiona-nos sobre o modo como hoje os filmes nos chegam. Se bem que hoje temos outros instrumentos, teasers, trailers, páginas na internet, jogos, comics, entrevistas da equipa, posters, e merchandising. É verdade que o cinema nunca deixou a gestão de expectativas ao acaso, e a indústria em que se transformou os filmes de trailers é disso um bom exemplo.