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agosto 27, 2023

Pessoa, o professor universitário

O heterónimo de Pessoa, Alexander Search, tinha um caderno de endereços assinado por si, datado de 1906 (Pessoa tinha 18 anos), em que a partir das correspondentes letras de busca, listou uma imensa bibliografia, cerca de meio milhar de livros, multilíngue — inglês, francês, espanhol e português — maioritariamente sobre filosofia, mas também psicologia, sociologia e religião, que pretendia ler nos tempos próximos. Pessoa leu muitos deles.


Como diz Richard Zenith, na biografia, se Pessoa em 1905 em Durban tivesse ido estudar, com uma bolsa, para Oxford em vez de voltar para Lisboa, é provável que o maior génio das letras portuguesas se tivesse perdido, mas em seu lugar teria dado "um professor universitário brilhante".
 

O caderno completo foi catalagado pela BNP como E3/144H, o PDF integral está acessível online.

janeiro 14, 2023

Humanos e Máquinas: métricas da mediania

O título “The Tyranny of Metrics” do professor Jerry Z. Muller é indissociável do título “The Tyranny of Merit” do imensamente mais conhecido professor Michael J. Sandel. Mas em defesa de Muller, o seu livro é de 2018, e o de Sandel de 2020. Mas a aproximação não se fica pelos títulos, vai ao fundo dos dois tópicos eleitos: mérito e métricas. Não as colocando lado a lado, mas antes em lados opostos, diga-se lados políticos. Porque se o “mérito” é o santo graal da esquerda, o motor da crença messiânica de que todos podemos ser tudo e fazer tudo desde que nos esforcemos. As métricas são o Santo Graal da direita, em que tudo tem de ser medido para que tudo possa ser transparente, porque só quando ajustado pela medida objetiva se pode eliminar qualquer vestígio de viés humano.

As métricas que nos transformam em máquinas

setembro 07, 2022

Uma Internet na sua Cabeça

Daniel Graham é professor de Psicologia, especializado no estudo do cérebro humano e mamífero. Neste livro, "An Internet in Your Head: A New Paradigm for How the Brain Works" (2021), apresenta uma nova metáfora para a compreendermos o cérebro: e se este funcionasse como a internet? Graham propõe uma autêntica revolução na compreensão do funcionamento do nosso cérebro que até aqui se tem servido do computador como metáfora, deixando para trás a ideia do funcionamento cerebral como um processo de Computação, para passar a interpretar o mesmo como um processo de Comunicação. A ideia base passa por interpretar menos o cérebro como um processador central de informação, e mais como uma estrutura de interconexões entre secções especializadas, usando protocolos de roteamento partilhados. Ou seja, assumir o cérebro menos como um sistema de computação rígido, e mais como uma estrutura flexível e dinâmica, capaz de se adaptar e transformar ao que se lhe vai exigindo.

junho 10, 2022

O Cérebro em Busca de Si Mesmo (2022)

O livro "The Brain in Search of Itself" (2022) presta uma necessária homenagem a uma importante figura da ciência do início do século passado, o espanhol Santiago Ramón Y Cajal (1852-1934), responsável pela descoberta da célula base do nosso cérebro, o neurónio. Considerado um dos pais da disciplina das neurociências, foi agraciado com o Nobel em 1906, com o que contribuiu para uma revolução no reconhecimento das ciências espanholas. Ao longo das curtas 450 páginas, Benjamin Ehrlich dá-nos a conhecer não apenas a vida de Cajal, o seu amor pela ciência e arte, mas também a vida em Espanha — de Zaragoza a Madrid, passando por Valencia e Barcelona — no fim do século XIX e início do século XX, assim como as principais teorias que conduziram à descoberta da fisiologia do nosso sistema nervoso. 

junho 05, 2022

Call for special issue on ‘Hybrid Games and Interaction Design’

Call for a special issue on ‘Hybrid Games and Interaction Design’, for the Journal IxD&A (Interaction Design and Architecture), indexed by SCOPUS and ESCI.

Important dates

Deadline: January 15, 2023
Notification to the authors: February 20, 2023
Camera ready papers: March 15, 2023
Publication: begin of April, 2023


Overview

Board games gained significant momentum throughout the past two decades, with some of the best creations earning millions of dollars in funding platforms during 2021, in spite of the Covid-19 pandemic. Additionally, digital games have surpassed all other media, from film to music, in investments and returns. Board and digital games are two forms of play which use the same base of design – the game design – so it was without surprise that a new hybrid approach, that mixed both media, would appear.

Through the past five years we have seen games with Augmented Reality, board games using smartphones as assisting tools, and tablets being used as boards, or even games using real food – edible games. This combination of digital and physical components and strategies in games contribute to a new experience of play which enhance not only the player’s immersion and interaction, but also the contents, presentation, atmosphere, and control of the game. There are some questions emerging in this discussion, namely about the complementary relationship between physical and digital games: What are the borderlines between real and virtual dimensions in hybrid games? How can hybrid games provide more participatory gaming experience while players become engaged with digital and physical components at the same time? Which model of interaction design of hybrid games best favors player experience, communication and engagement?

In this special issue we want not only to present the current state-of-the-art of the hybrid games, as the possibilities beyond current days, making use of speculative approaches to design, as design fiction, but we want to dig deeper through the lenses of interaction design, in order to understand the new needs in the realm of technologies. Furthermore, we want to understand the full impacts and effects of this move on human interaction with game artefacts and consequently find out what should we expect from the discipline of interaction design while using ludic approaches in the next decade.

Topics of Interest

The indicative list of topics of interest for this special issue devoted to Hybrid Games and Interaction Design’ includes, but is not limited to: 

Hybrid digital/physical games

Methods of hybrid game design 

Design Fiction and Hybrid Interaction Design

Interaction design relation with game design

Play Hybridism 

Hybrid systems;

Hybrid design models;

Hybrid game mechanics and patterns;

Hybrid storytelling models;

Hybrid Game interaction models;

Cognition and game design;

Aesthetics of Hybrid Digital/Physical Games;

Board-games and Digital Games;

Hybrid-games design;

Hybrid game User Experience;

Players physical/digital behaviour modelling;

NPC behaviour and Physical Characters.


Guest editors

Nelson Zagalo, DigiMedia, University of Aveiro, Portugal
Fotis Liarokapis, University of Technology, Cyprus
Micael Sousa, University of Coimbra, Portugal
Ana Patrícia Oliveira, University of Aveiro, Portugal


Submission procedure 

All submissions must be original and may not be under review by another publication.

The manuscripts should be submitted anonymized either in .doc or in .pdf format. 

All papers will be blindly peer-reviewed by at least two reviewers. Perspective participants are invited to submit a 8-20 pages paper (including authors' information, abstract, all tables, figures, references, etc.). 

The paper should be written according to the IxD&A authors' guidelines (http://www.mifav.uniroma2.it/inevent/events/idea2010/index.php ).

Submission page -> https://www-2020.ixdea.uniroma2.it/ojs/ixdea   

(when submitting the paper please choose the section: 'SI: Hybrid Games and Interaction ')

Online call link, for scientific advices and for any query please contact the guest-editor: nzagalo [at] ua [dot] pt, marking the subject as: 'IxD&A Hybrid’.


maio 29, 2022

As Universidades não são centros de formação são centros de criação de conhecimento

Algumas das notícias mais badaladas sobre a irrelevância das universidades nos dias de hoje costumam focar-se em jovens brilhantes que desistiram da universidade para criar empresas tecnológicas e se tornaram milionários. Exemplos não faltam, de Bill Gates a Steve Jobs, passando por Mark Zuckerberg ou Jack Dorsey, ao mais recente Alexandr Wang. Se esse for o vosso propósito, ser milionário, nada contra. Mas o exemplo de Dexter Holland, vocalista dos The Offspring, que desistiu da Universidade para projetar a banda e afirmar a sua carreira internacional, tendo depois voltado para terminar o seu Doutoramento em Biologia Molecular, com uma tese em HIV, serve para demonstrar que a universidade é, antes de qualquer outra coisa, um centro de criação de conhecimento, não de dinheiro.

Dexter Holland, fundador dos The Offspring nos anos 1980, doutorou-se em Biologia Molecular em 2017

maio 15, 2022

“Vladimir” (2022) de Julia May Jonas

“Vladimir” (2022) faz parecer que Philip Roth voltou para escrever sobre os efeitos do MeToo na academia e na arte, mas agora como mulher. Esta primeira obra de Julia May Jonas é irrepreensível na escrita, estrutura e erudição. Sob uma capa de aparente simplicidade narrativa — evocando "Misery" de King, "Rebecca" de Du Maurier e "Lolita" de Nabokov (autor que inevitavelmente se liga ao título) — Jonas vai lançando todo um questionamento avassalador sobre aquilo que somos em cada momento. Motivada pelos ataques institucionais do MeToo, Jonas coloca-nos na pele de uma professora universitária de 58 anos, muito certa do seu lugar, mas com fortes assaltos de dúvida sobre esse lugar. Entre a identidade que arquitetou com base no mundo para o qual erigiu as suas defesas, e o novo mundo que coloca em causa a existência dessas mesmas defesas, acaba colocando em causa a sua própria pessoa. Mas tudo isto é trabalhado num tom de comédia-negra, com a leveza entremeada por rasgos de incisiva análise do que fazemos e porque fazemos. É um ‘campus novel’ totalmente atual, capaz de ir além da crítica interna da academia, colocando o dedo no embate do MeToo com o Status Quo, não em defesa, nem contra, mas sim como provocação a ambos os lados.
"'Vladimir' contains far too many uncomfortable truths to be merely fun, but — especially for those of us with feet in the worlds of academia and literature — it remains, by turns, cathartic, devious and terrifically entertaining." Jean Hanff Korelitz, in New York Times

abril 24, 2022

O último abraço

"Mama's Last Hug" (2018) é uma defesa, apoiada por décadas de ciência empírica, da existência efectiva de emoções nos animais não-humanos. Contudo, como livro, não vai além de uma conversa ligeira sobre o assunto, serve mais quem apenas quiser introduzir-se ao tema. O título do livro surgiu a De Wall pela visita realizada pelo professor Jan van Hooff à chimpanzé Mama, quando esta estava às portas da morte, originando um reencontro intensamente emocional, um momento mágico e profundamente humano entre seres de duas espécies.


"Jan van Hooff visits chimpanzee Mama" (YouTube)

fevereiro 26, 2022

Composição em anel na arte narrativa

"Three Rings: A Tale of Exile, Narrative, and Fate" (2020) é um trabalho académico experimental que mistura memórias, crítica, clássicos e teoria narrativa. Conhecia Daniel Mendelsohn de um anterior trabalho de memórias criado a partir da estrutura de Homero, "Uma Odisseia. Um pai, um filho e uma epopeia" (2017) do qual gostei particularmente. Neste seu mais recente trabalho criou uma espécie de sucessor, realizando um trabalho maior de auto-crítica e análise do que foram as suas obras anteriores de memórias, e essa ideia de sucessão fica desde logo patente pelo trabalho de análise que dedica a "Les Aventures de Télémaque" (1699) em que François Fénelon tentou escrever uma continuação da "Odisseia".

janeiro 16, 2022

O Triunfo do Cristianismo. Como uma Religião Proibida Mudou o Mundo

Não é um tema que me tenha atraído nos últimos anos, contudo a leitura de "Heaven and Hell" (2020) de Bart Ehrman despertou-me o interesse, diga-se também que combinado com o meu crescente interesse pelos clássicos. Neste livro, "O Triunfo do Cristianismo" (2017), Ehrman situa a análise da afirmação do cristianismo entre o século I e o século V, levando-nos pela mão, permitindo que aprendamos imenso, fazendo da leitura uma experiência imensamente compensadora. Apesar da complexidade das questões, Ehrman partindo do trabalho de muitos outros académicos e seu, apresenta uma teorização credível sobre o modo como o cristianismo suplantou não só o judaísmo, mas em particular o paganismo, e como se afirmou e tornou na religião de facto de  todo um império.

janeiro 09, 2022

"A Perspetiva Científica" de Bertrand Russell

"The Scientific Outlook" foi publicado em 1931 e está hoje um pouco datado. Apesar de ter sido reeditado em 1949, com pequenas alterações pelo autor no domínio histórico, permanecem problemas científicos como o otimismo para com o behaviorismo, a fazer lembrar "Walden Two" (1948) de Skinner, e a psicanálise de Freud, assim como apresenta dúvidas quanto ao darwinismo. Mas mais importante do que essas falhas, explicáveis pela época, é todo o trabalho especulativo realizado ao redor da sociedade científica do futuro, pelo modo como abre caminho a todo uma forma de olhar a realidade que nos obriga a questionar o lugar da ciência.

janeiro 04, 2022

História Íntima da Humanidade

Confesso que parti para este livro cheio de expectativas. O que procurava era a vida vivida por pessoas reais e comuns. Em termos históricos, estou um pouco cansado de ler sobre imperadores, reis, filósofos, artistas ou heróis de guerra. Queria saber mais sobre o modo como viveram as pessoas comuns ao longo do tempo, e como se têm alterado as vivências. Sei que isto não é um modo de historiar muito convencional porque naturalmente existe menos material sobre as pessoas comuns do que sobre os que a História decidiu imortalizar, mas é algo que se vai fazendo em obras como "A History of Private Life" (1987) assim como em muitos outro livros sobre a "everyday life". Contudo, não foi nada disso que encontrei em "História Íntima da Humanidade" (1994) de Theodore Zeldin.

dezembro 31, 2021

Quando Deixamos de Entender ou o Terrível Verdor

"When We Cease to Understand the World" (2020) começa como um normal livro de divulgação de ciência — química, física e matemática —, mas imensamente estimulante, apresentando muitos factos excêntricos e pouco conhecidos. À medida que se avança vamos sentindo que o descritivo do mundo científico se vai deixando contaminar pelo narrativo da ficção criada pelo autor como modo de intensificação daquilo que parece querer dizer-nos. Depois, no epílogo, somos brindados com uma pequena história que de tão realista, ainda que mantendo a excentricidade, se lê como metáfora de tudo o que foi apresentado antes, deixando-nos com uma forte ideia filosófica sobre o sentido da espécie. Labatut agradece no final a vários autores, de entre os quais W. G. Sebald, mas não seria preciso, esta é uma obra totalmente sebaldiana, pelo modo como fusiona ficção com não-ficção.

Edição da New York Review Books de 2021

outubro 05, 2021

"Mil Cérebros" (2021), sem Emoção

"A Thousand Brains: A New Theory of Intelligence" (2021), tinha tudo para ser um grande livro, acaba por ser mera montra de ideias, e algumas delas com sérias deficiências. Apesar disso, a teorização proposta por Jeff Hawkins é interessantíssima, só requer que se leia com uma boa bagagem sobre o cérebro, consciência e emoção por forma a garantir suficientes competências ao pensamento crítico necessário à leitura. Aliás, essa mesma bagagem acaba por se revelar em falta em Hawkins o que responde por alguns dos problemas da sua discussão. Hawkins é uma pessoa peculiar, foi capaz de fundar a Palm em 1992 e criar o antecessor do smartphone, mas ao mesmo tempo nunca conseguiu integrar-se na academia, justificando que esta nunca foi capaz de compreender a sua visão. Mais recentemente fundou a sua própria empresa de neurociências e IA, a Numenta.

abril 18, 2021

Escritores falando sobre si

Cheguei a "The Way of the Writer: Reflections on the Art and Craft of Storytelling" (2016) de Charles Johnson (1948) por via de várias resenhas que o identificavam como um dos livros mais interessantes sobre a produção criativa, nomeadamente por toda paixão e abordagem filosófica ao mundo da arte e da escrita. Contudo, pouco depois de iniciar a leitura surgiram as primeiras suspeitas de estar perante alguém que, apesar de ter feito algumas coisas relevantes na sua vida, longe de alcançar um reconhecimento internacional, demonstrava uma enorme falta de humildade. A meio do livro, não conseguia deixar de pensar noutro livro que segue exatamente a mesma fórmula — memórias-instrutivas-na-forma-de-romance-inspiracional —, escrito por um autor de fama mundial, com um volume de produção ímpar, ainda que nem tudo de qualidade inquestionável, mas oferecendo-se em toda a sua simplicidade, como se não tivesse publicado mais do que um livro que poucos leram, falo de "On Writing: A Memoir of the Craft" (2000) de Stephen King (1947). Isto diria quase tudo o que haveria para dizer sobre o livro, e em sua vez recomendaria a leitura duas ou três vezes do livro de King, mesmo que, como eu, não o considerem um dos vossos escritores preferidos. Mas, existe uma outra coisa que me incomodou tanto ou mais na leitura, e como tal não consigo deixar de o referir, assim como também existem um conjunto de notas muitíssimo interessantes.

março 13, 2021

Perdidos no Pensamento (2020)

Memórias desencantadas sobre a academia, em que se procuram pistas para continuar a acreditar no valor da reflexão, da edificação da vida interior. A questão que move Zena Hitz em "Lost in Thought: The Hidden Pleasures of an Intellectual Life" (2020) é: para que serve uma vida intelectual? O que a leva a questionar o valor da dedicação à construção do pensar. E mais iminente ainda, se o pensamento é o fim, ou é apenas um meio? Hitz não dá lições do alto da cátedra, à lá Séneca. Ela subiu todos os degraus académicos, chegou ao topo, numa universidade de elite americana, e depois resolveu abandonar tudo.

fevereiro 26, 2021

A academia e o problema da mente-corpo

Rebecca Goldstein é uma académica da área da Filosofia, tendo começado a sua carreira no domínio da Física, acabaria por mudar-se para a Filosofia e seguir o ramo da Filosofia da Ciência. Isto é importante, porque este seu primeiro romance — "The Mind-Body Problem" (1983) — contém enormes traços autobiográficos. Um dos seu livros posteriores — "Incompletude: A Demonstração e o Paradoxo de Kurt Gödel" (2005) — dá conta da relação entre Godel e Einstein em Princeton, tendo-o lido antes, serviu-me aqui para compreender em muito maior detalhe o mundo e a cultura da autora. Mas, para primeira obra, o que verdadeiramente impressiona, não é o caráter conceptual,  é a audácia. A capacidade de criar uma voz familiar que não se acanha, que se expõe sem constrangimentos.

novembro 22, 2020

a mecânica da ficção

"A Mecânica da Ficção", ou "How Fiction Works" (2008) de James Wood, não é um livro sobre escrita, nem sobre os processos de criação ficcional, é antes um livro sobre elementos da escrita que despoletam mundos de ficção, pelo que devemos partir para a leitura percebendo que a ficção acontece na interação entre o texto e a imaginação de quem lê. Assim, o que Wood faz é uma discussão sobre aquilo que o leitor e crítico leem, veem e sentem quando tornam em ficção as palavras presentes numa folha de papel. Não é uma obra sobre os processo psicológicos de criação dessa ficção porque se cinge ao que está escrito, ao que vem no papel, não elaborando sobre os processos pelo meio dos quais, nós leitores, efabulamos a ficção. Dito isto, é um texto sobre estética, ou seja, a experiência da obra de arte, na sua assunção direta, na interpretação do que vemos, lemos e sentimos, sem procurar compreender o como, ou seja, a psicologia do autor, no modo como ele age e cria a escrita, e do leitor, no modo como ele infere e cria o imaginário. Funciona como boa introdução à análise literária, mas não deve ser visto como compêndio de técnicas de escrita nem de percepção narrativa.

Exposto o alerta, o texto de Wood é excelente para quem deseja compreender melhor a análise da ficção, nomeadamente da ficção criada por meio de texto. A sua leitura ajuda-nos a entender porque certas obras são consideradas melhores do que outras, além de nos ajudar a compreender a evolução histórica da arte literária, assim como o modo como se processa essa evolução. 

Deixo alguns excertos que considero excecionais e nos ajudam a ser melhor leitores. Apesar de ter lido a versão portuguesa da Quetzal, numa tradução do Rogério Casanova, os excertos provêm da edição digital brasileira da SESI-SP, com tradução de Denise Bottman.


Narração e estilo indireto livre

“A casa da ficção tem muitas janelas, mas só duas ou três portas. Posso contar uma história na primeira ou na terceira pessoa, e talvez na segunda pessoa do singular e na primeira do plural, mesmo sendo raríssimos os exemplos de casos que deram certo. E é só. Qualquer outra coisa não vai parecer muito uma narração, e pode estar mais perto da poesia ou do poema em prosa. (...) Na verdade, estamos presos à narração em primeira e terceira pessoa. A ideia comum é de que existe um contraste entre a narração confiável (a onisciência da terceira pessoa) e a narração não confiável (o narrador não confiável na primeira pessoa, que sabe menos de si do que o leitor acaba sabendo).” (cap. 1)

“Uma vez W. G. Sebald me disse: “Para mim, a literatura que não admite a incerteza do narrador é uma forma de impostura muito, muito difícil de tolerar. Acho meio inaceitável qualquer forma de escrita em que o narrador se estabelece como operário, diretor, juiz e testamenteiro. Não aguento ler esse tipo de livro”.”

“A chamada onisciência é quase impossível. Na mesma hora em que alguém conta uma história sobre um personagem, a narrativa parece querer se concentrar em volta daquele personagem, parece querer se fundir com ele, assumir seu modo de pensar e de falar. A onisciência de um romancista logo se torna algo como compartilhar segredos; isso se chama estilo indireto livre, expressão que possui diversos apelidos entre os romancistas − “terceira pessoa íntima” ou “entrar no personagem”"

Graças ao estilo indireto livre, vemos coisas através dos olhos e da linguagem do personagem, mas também através dos olhos e da linguagem do autor. Habitamos, simultaneamente, a onisciência e a parcialidade. Abre-se uma lacuna entre autor e personagem, e a ponte entre eles − que é o próprio estilo indireto livre − fecha essa lacuna, ao mesmo tempo que chama atenção para a distância."

"Esta é apenas outra definição da ironia dramática: ver através dos olhos de um personagem enquanto somos incentivados a ver mais do que ele mesmo consegue ver (uma não confiabilidade idêntica à do narrador não confiável em primeira pessoa).”


Flaubert, a revolução da forma e do detalhe

“Os romancistas deveriam agradecer a Flaubert como os poetas agradecem à primavera: tudo começa com ele. Realmente existe um antes e um depois de Flaubert. Foi ele que estabeleceu o que a maioria dos leitores e escritores entende como narrativa realista moderna, e sua influência é tão grande que se faz quase invisível. Quando falamos de uma boa prosa, raramente comentamos que ela realça o detalhe expressivo e brilhante; que privilegia um alto grau de percepção visual; que mantém uma compostura não sentimental e que se abstém, qual bom criado, de comentários supérfluos; que é neutra ao julgar o bem e o mal; que procura a verdade, mesmo que seja sórdida; e que traz em si as marcas do autor, que, embora perceptíveis, paradoxalmente não se deixam ver. ” (cap. 29)

De início, não notamos o cuidado com que Flaubert escolhe os detalhes, porque ele se esforça em nos ocultar esse trabalho, e é zeloso em esconder a questão sobre quem está notando todas essas coisas: Flaubert ou Frédéric? Flaubert foi muito claro a respeito. Ele queria que o leitor ficasse diante do que chamava de parede lisa de prosa aparentemente impessoal, os detalhes apenas se acumulando, como na vida. “Um autor em sua obra deve ser como Deus no universo, presente em toda parte e visível em parte alguma”, disse numa frase famosa numa carta de 1852. “Como a arte é uma segunda natureza, o criador dessa natureza deve operar com procedimentos semelhantes: que se sinta em cada átomo, em cada aspecto, uma impassibilidade oculta, infinita. O efeito no espectador deve ser uma espécie de assombro. Como surgiu tudo isso!” (cap .30)

Flaubert baseia esse novo estilo realista no uso do olhar − o olhar do autor e o olhar do personagem (...) Essa figura é, em essência, um substituto do autor, é seu explorador permeável, irremediavelmente transbordando de impressões (...) O surgimento do explorador permeável está intimamente ligado ao surgimento do urbanismo, ao fato de que imensas aglomerações de seres humanos lançam ao escritor − ou ao substituto designado para isso − quantidades imensas e atordoantes de detalhes variados. Jane Austen é, basicamente, uma romancista rural” (cap. 33)

Se podemos narrar a história do romance como o desenvolvimento do estilo indireto livre, também podemos narrá-la como o surgimento do detalhe. É até difícil dizer por quanto tempo a narrativa de ficção foi escrava dos ideais neoclássicos, que preferiam a fórmula e a imitação ao individual e à originalidade.” (cap. 49)

Podemos ler Dom Quixote, Tom Jones ou os romances de Austen e encontrar pouquíssimos daqueles detalhes recomendados por Flaubert. Austen não nos dá nada dos aparatos visuais que encontramos em Balzac ou Joyce e quase nunca se detém em descrever sequer o rosto de um personagem. Roupa, clima, interior, tudo está comprimido e afinado com elegância. Os personagens secundários em Cervantes, Fielding e Austen são teatrais, muitas vezes estereotipados, e passam quase desapercebidos no sentido visual.” (cap. 50)

“Como ocorre tantas vezes, a herança flaubertiana é uma bênção ambígua. Surgem de novo aquele estranho peso da “seletividade” que sentimos nos detalhes de Flaubert e a consequência dessa seletividade para os personagens do romancista − nossa sensação de que a escolha do detalhe se tornou o tormento obsessivo de um poeta, e não a leve alegria de um romancista.” (cap. 50)

“Assim, durante o século XIX, o romance se tornou mais pictórico.” (cap. 51)

“Não podemos escrever sobre ritmo sem falar de Flaubert, e assim, mais uma vez, como alguém que vive relendo as velhas cartas de um antigo amor, volto a ele. Claro que, antes de Flaubert, outros autores se mortificaram com o estilo. Mas nenhum romancista se preocupou tanto ou tão publicamente, nenhum romancista fez da poética “da frase” um fetiche no mesmo grau que ele, nenhum romancista levou a tais extremos a potencial separação entre forma e conteúdo (Flaubert sonhava em escrever, como dizia, um “livro sobre nada”). E, antes dele, nenhum romancista se compenetrou tanto em refletir sobre questões técnicas. Com Flaubert, a literatura se tornou “essencialmente problemática”, como definiu um estudioso. Ou apenas moderna?” (cap. 103)

“E o que Flaubert entendia por estilo, por musicalidade de uma frase? Esta é de Madame Bovary − Charles se sente estupidamente orgulhoso por ter engravidado Emma: “L’idée d’avoir engendré le délectait”. Tão compacta, tão precisa, tão rítmica. A tradução literal é: “A ideia de ter engendrado deliciava-o”. Geoffrey Wall, em sua tradução para a Penguin, escreve assim: “The thought of having impregnated her was delectable to him” [O pensamento de tê-la engravidado lhe era deleitável]. Isso é bom, mas coitado do pobre tradutor. Pois o inglês é um primo pobre do francês.” (cap. 103)


Metáfora

“A metáfora é análoga à ficção porque sugere uma realidade rival. É o processo imaginativo inteiro numa única ação. (...) “Estou lhes pedindo que imaginem outra dimensão, que concebam uma semelhança. Toda metáfora ou símile é uma pequena explosão de ficção dentro da ficção maior do conto ou do romance. (...) E é claro que essa explosão da ficção-dentro-da-ficção não é exclusivamente visual, assim como nenhum detalhe na literatura é exclusivamente visual.” (cap. 107)

“O tipo de metáfora que mais me agrada, porém, como as citadas sobre o fogo, é aquela que cria um estranhamento e logo em seguida faz uma conexão, e, ao fazer tão bem esta última, oculta o primeiro. O resultado é um pequeno choque de surpresa, seguido por uma sensação de inevitabilidade. Em Rumo ao farol, a sra. Ramsay dá boa-noite aos filhos e fecha cuidadosamente a porta do quarto, deixando "a língua da porta se estender devagar na fechadura”. A metáfora nessa frase não consiste tanto na “língua”, que é bastante convencional (pois as pessoas falam nas linguetas das fechaduras), mas está secretamente enterrada no verbo “estender”. Esse verbo estende o procedimento inteiro: não é a melhor descrição que vocês já leram de alguém virando muito devagar a maçaneta da porta para não acordar as crianças? ” (cap. 108)


Se comecei este texto por dizer que o livro tratava a análise literária e não a escrita, foi porque muito daquilo que aqui se descreve não está presente, pelo menos de forma consciente, na mente de quem escreve. O processo criativo, seja na escrita, pintura ou outra arte qualquer não se compadece de formulas nem guiões, a não ser quando se trabalha por encomenda. O modo como escolhemos as palavras, ou a palete de cores, em cada momento é determinado pelo imenso turbilhão de desejos e tensões que ocupam o nosso não-consciente na interação com o consciente. O criador, cria algo novo, porque se deixa levar pelo processo, e não porque se senta dizendo: "hoje vou criar uma metáfora capaz de..." ou "vou colocar o narrador depois do autor e antes do personagem". Se assim fosse, nada fluiria, apenas estruturas e mapas emergiriam em resposta à vontade predeterminada de criar. Isto é algo que se sente muito ao longo da leitura do texto, em que por vezes parece que Wood faz o criador ter a intenção de, quando na verdade, o criador é levado pelo próprio processo criativo. Nós, na análise é que podemos depois depurar o quê e o como, mas isto não serve a quem cria, apenas a quem analisa.

Isto é tanto mais evidente em dois capitulos que considerei mais fracos, "Personagens" e "Diálogo", porque Wood se deixa levar inteiramente pela subjectividade da sua experiência sem perceber que aquilo que interpretamos num texto, não é igual para todos. Ou seja, se o criador segue um processo interno próprio, o leitor não deixa também de o seguir. A imagimação criada na minha mente, a partir de uma frase lida num livro, não depende tanto daquilo que Wood aqui desconstrói, mas bem mais do meu processo de inferência, um processo completamente dependente da minha história experiencial enquanto dono de uma consciência humana. Por isso, ser um leitor europeu ou americano (mais nova-iorquino), com formação superior, vivendo no século XXI, com a leitura do cânone ocidental clássico realizada, permite-nos chegar muito mais próximo da Ficção imaginada por Wood do que falhando qualquer um destes elementos definidores do leitor.

Uma nota final sobre Flaubert. Agradeço a Wood todo esta desconstrução literária e análise histórica do impacto do trabalho de Flaubert, sem o que eu teria tido dificuldade em compreender o porquê de tantos grandes nomes da literatura se curvarem perante o mesmo. Compreendi e passei a respeitar muito mais Flaubert e a sua obra, ainda que julgue que tal não altere, em profundidade, ambas as interpretações que fiz dos dois livros seus que li"Madame Bovary" (1857) e "Educação Sentimental" (1869). Em ambos, foquei-me quase exclusivamente no conteúdo, a história, por me faltar este enquadramento histórico-literário apresentado por Wood. Mas como fiquei a saber por Wood, Flaubert era um formalista, à semelhança de Hitchcock, ambos sempre desprezaram o que se contava, interessava-lhes apenas a forma como se contava.

Wood termina com um capítulo intitulado "Verdade, convenção, realismo", no qual se dedica ao mais velho problema da arte — ilusão ou realidade; verdade ou viés. É uma questão cíclica, e ainda que sempre instigante, mas na verdade apenas relevante quando se analisa a estética desprendida da psicologia.

agosto 13, 2020

Seleção natural e felicidade

 “The Social Leap” (2018) é um livro de divulgação científica sobre psicologia evolucionária, escrito por William von Hippel, professor da Universidade de Queensland, Australia, reconhecido especialista da área. Enquanto livro de divulgação serve de introdução à área, trazendo pouco de novo a quem estuda ou segue o domínio. Talvez a parte mais interessante, ou com alguma novidade, introduzida pelo trabalho do próprio Von Hippel, seja o último terço do livro dedicado à discussão da psicologia evolucionária que suporta o sentimento humano de felicidade.

A psicologia evolucionária é uma abordagem teórica ao campo da psicologia que procura identificar e explicar os fenómenos psicológicos — da emoção e cognição — a partir de uma perspetiva darwinista, ou seja, sustentada em processos de seleção natural e sexual. Confesso-me como um profundo seguidor da abordagem pelo modo como tende a oferecer maior suporte científico à teorização em psicologia, seguindo em particular os trabalhos de investigadores como John Bowlby, Paul Ekman, Simon Baron-Cohen, Steven Pinker, Paul Bloom, Michael Tomasello ou Denis Dutton. Contudo, não deixo de ter um olhar crítico perante a abordagem, uma vez que as metodologias de demonstração das teorias são limitadas, não se podendo falar em evidência empírica na maior parte das teorizações. Por outro lado, a triangulação entre biologia, antropologia e psicologia, nomeadamente por via dos recentes desenvolvimentos das neurociências têm vindo a dar suporte a muito do que se debate na área.

Exposto o domínio e os seus problemas, o trabalho aqui apresentado por Von Hippel não está livre destes. Tanto que a maior parte dos meus conflitos com esta leitura se deveram às leituras feitas por Von Hippel a partir dos dados que temos. Ou seja, muito da psicologia evolucionária assenta numa recolha de evidências laterais e construção de uma interpretação das evidências com base na evolução, como tal, é fácil cair em interpretações que podem não ser as mais corretas, desde logo porque reducionistas. Ou seja, tendo um conjunto de dados empíricos sobre uma determinada atividade e reações humanas, a forma como interpreto as mesmas dependo do enquadramento teórico de que parto, e aqui o desconhecimento de determinados quadros teóricos pode ditar leituras menos relevantes.


Alguns Problemas 

Foi isto mesmo que aconteceu no capítulo dedicado à Inovação, intitulado “Homo Innovatio”. O autor usa um conjunto de dados e parte para a leitura que lhe parece mais correcta, mas que do meu ponto de vista é redutora da leitura daquilo que é a inovação humana.

“When innovation researchers ask representative samples of people whether they have modified any products at home or created anything new from scratch (such as tools, toys, sporting equipment, cars, or household equipment), about 5 percent report that they have done so in the last three years.* The percentage of innovators varies a bit by country, but never cracks 10 percent. For such an innovative species, one in ten or twenty seems awfully low. Yet, when I reflect on my own life, I can’t recall ever inventing anything. I have a few inventive friends, but I’d be surprised if 5 percent of them have ever invented anything either, let alone in the last three years.”

Não podemos contabilizar como inovação apenas criação físicas, apesar de ser isso que o regime de Patentes privilegia. Um ser humano que escreve um livro, uma canção ou pinta uma tela está num processo de inovação, não de consumo. O seu modo de abordar o mundo é expressivo, atuando para alterar a realidade que o rodeia, e isso é aquilo que importa do ponto de vista cognitivo. Não aquilo que podemos ou não considerar como patentes.

“Yet, across all these generations of travelers, no one thought to put wheels on suitcases until 1970, and they didn’t catch on until the modern version of a wheeled suitcase with a retractable handle appeared in 1987.* This failure to attach wheels to suitcases was all the more remarkable given that once people lugged their nonwheeled suitcases to the airport, they then paid cold, hard cash to a porter who plunked their nonwheeled suitcases on his cart and easily wheeled a whole family’s worth of baggage the last fifty yards to the ticket counter”

Depois, usa este exemplo das rodas nas malas que é muito fraco, já que não está a falar de inovação, mas de sucesso de uma inovação, que são duas coisas completamente diferentes. Existem registos de colocação de rodas em malas anteriores a 1970, mas estes são os registos que temos. Dos que não temos, devem existir muitos mais, já que é assim que funciona a criatividade e inovação, nada se constrói do zero, num momento divino de inspiração, mas tudo funciona como aglomerado de ideias que se vão elevando até chegar ao produto de sucesso.

Outro ponto fraco do livro é o modo como trabalha o género — os homens gostam de coisas, as mulheres de pessoas, os homens gostam de sistemas, as mulheres de relações. Vindo de alguém que trabalha Psicologia Social, é mau escrever isto em 2018. Mesmo frisando várias vezes que não é o modo correto de ler os géneros, mas que o faz porque dá jeito!!!! Facilita? Não, não facilita, porque se ajuda a passar a sua mensagem, acaba a contribuir para a manutenção dos estereótipos que marcam milhões de pessoas que não se reveem em nada disto.

É profundamente ridículo tentar catalogar gostos, preferências, desejos, sentires por género nos dias de hoje. Repare-se que não estou aqui a defender qualquer leitura feminista, porque desse lado também se cometem muitos destes erros. Quando as feministas qualificam todos os homens com rótulos de mansplaining, manspreading ou manterrupting estão a fazer o mesmo, a catalogar humanos em função de um mero sexo, quando esse sexo nada diz sobre a sua psicologia. Tudo isto acontece por causa de uma simples curva de Bell, na qual podemos identificar que 50%+1 de homens tende a fazer A, ou 50%+1 de mulheres, tende a fazer B. No meio de tudo isto, ficam os 49% de homens e de mulheres que nada têm que ver com a questão, e acaba sendo rotulados de anormais.


O contributo de Von Hippel: Seleção Natural e Felicidade

“this capacity to travel in time mentally and make complex plans for the future has given us an enormous selective advantage. Unfortunately, that advantage comes at a cost, given that the time we spend living in the future distracts us from the present. As a consequence, “people often fail to appreciate the pleasures (or demands) of the moment because they pay so little attention to the here and now.”

“Most meditation practices teach people to live in the moment. This is a laudable goal, but it’s incredibly difficult to achieve because it’s at odds with an evolved skill that has served us so well over the last million-plus years. We have a great deal of difficulty shutting down thoughts of the future unless the demands or pleasures of the moment are so substantial that they drag us back to the here and now. (..) My dogs, in contrast, show no signs of this inner struggle. They live in the moment because they are incapable of casting their minds forward. Every treat I give them is devoured with gusto, regardless of whether it means we just finished dinner or are off to the vet.”

Pergunta: Why Aren’t We Always Happy?

“As hard as it is to believe, lottery winners are usually no happier than they were before they won, and a fair few of them are a lot less happy. Not the day after they win—that’s a pretty good day—but by a year or two later, most people have adapted to their new normal, and their happiness has returned to where it was before they drew the winning ticket."

“The sad truth is that all of us have dreams, but even when our dreams come true, we rarely end up happier than we were before. New successes bring new challenges. The German folk saying Vorfreude ist die schönste Freude (“Anticipated joy is the greatest joy”) is much more accurate than Disney’s “happily ever after.”

 “Why did evolution play this dirty trick on us, giving us dreams of achievements that will provide lifelong happiness but then failing to deliver the emotional goods when we achieve our goals?"

A resposta de Von Hippel

"evolution doesn’t care if we’re happy, so long as we’re reproductively successful. Happiness is a tool that evolution uses to incentivize us to do what is in our genes’ best interest. If we were capable of experiencing lasting happiness, evolution would lose one of its best tools.”

 “Really happy people are rarely high achievers because they simply don’t need to be. As Ted Turner put it, “You’ll hardly ever find a super-achiever anywhere who isn’t motivated at least partially by a sense of insecurity (…) the earnings of the very happy folks on the far right look a lot like those of the unhappy ones. Some joy is clearly good for success in life, but too much happiness is a financial disaster. This is why evolution designed us to be reasonably happy, with occasional moments of giddiness that soon fade as we return to our individual baseline level of happiness. Numerous self-help professionals would have us believe that attaining maximal or permanent happiness should be our goal, but an evolutionary perspective clarifies that such a goal is neither achievable nor desirable.”


Estudos encontrados ao longo do livro

Motherhood and Protection

“Mothers were incapable of detecting which poo came from which baby, but they found the smell of the other babies’ poo more disgusting than that of their own baby. Even though mothers were unable to identify their baby’s poo, at an unconscious level their behavioral immune system pushed them away from the feces with a higher level of unfamiliar pathogens.”

“Experiments such as these point to the exquisite sensitivity of the behavioral immune system, and our evolved capacity to avoid germs that are most likely to make us sick. We see additional evidence for these processes in the geographic distribution of languages, religions, and ethnocentrism. As we move from the poles to the equator, the number of languages and religions per region increases, and people become more xenophobic. These effects may seem to be unrelated, but all three processes serve to keep groups apart. When you don’t speak the same language, when you don’t share a religion, and when you tend to dislike members of other groups, you’re much less likely to intermingle with them.”

Grandmothers and Menopause

“How did evolution create grandmothers? By preventing women from producing more children of their own while they still had plenty of life in them, evolution gave them the opportunity to focus on their grandchildren rather than their children.* This is why human females evolved menopause.”

Dopamine and Status

“With regard to status, research on monkeys demonstrates that when they rise to the top of the status hierarchy, there is an increase in the dopamine (evolution’s pleasure drug) sensitivity in their brains. As a result of this increased dopamine sensitivity, monkeys at the top of the heap no longer enjoy cocaine (a drug that hijacks the dopamine system). When offered cocaine versus salt water, these top monkeys show no preference between them. In contrast, monkeys at the bottom of the status hierarchy have low dopamine sensitivity and become avid coke users. Data such as these confirm the common wisdom that high status makes us happy and low status makes us sad.”

“With regard to money, once people get out of poverty, the relationship between wealth and happiness is not as strong as you might think. Much more important, if all of society rises in wealth at the same time, increases in wealth beyond poverty provide no increase in happiness.”

Real income (controlling for inflation) and life satisfaction in the United States, between 1947 and 2002

“These data suggest that my home cinema, granite countertops, and convertible don’t actually make me any happier unless I have them and you don’t. In other words, I want these things only to put myself above others. Moreover, whether I know it or not, the reason I want to rise to the top of the heap is because that gives me a better chance of getting the partner I really want. The TV, countertops, and car are just trivialities, but because I don’t know this, I spend my time coveting them, working to acquire them, and eventually becoming the disinterested owner of them.”

Risks and Skate

“we hired a beautiful research assistant and headed off to skateboard parks. In the first stage of the experiment, a male researcher approached a skateboarder and asked if he could film him making ten attempts at a trick that he was working on but hadn’t yet mastered. In the second stage of the experiment, the same skateboarder was either approached by the male experimenter or by the attractive female we had hired, who asked to film the same ten tricks. After the skateboarders completed their second round of tricks, we took a saliva sample to measure their testosterone. Just as we expected, testosterone went up in the presence of the female experimenter, and the higher the testosterone levels, the more risks the skateboarders took. As a consequence of their greater risk taking, they crashed more often but they successfully landed more tricks as well.”

“What can we infer about happiness from this conflict between survival and reproduction? The first lesson is that risk taking and other foolish things that young men do are not “pathologies,” signs of their disconnection from the modern world, or other labels often provided by social commentators. Rather, they are evolved strategies that made perfect sense for our ancestors and probably continue to make reproductive sense today.”

“The second lesson is that trying to prevent our sons, brothers, or friends from taking unnecessary risks is a bit like pissing into the wind. Removing the opportunity for young men to engage in competition and risk taking is a bad idea, and likely to lead to unpleasant blowback. Young men feel millions of years of evolutionary pressure, emanating from their testicles, pushing them toward risk and competition. For this reason, the best bet is not to eliminate risk entirely, but to replace truly dangerous risk and conflict with more benign opportunities for thrill seeking and competition. Sports in which you can’t get hurt at all are unlikely to fulfill such goals, but sports in which you won’t get hurt too badly are a great substitute.”

Happiness and Learning

“Our long period of development is consumed almost entirely by learning the means of survival used by our group -- As a consequence, evolution has ensured that learning is tightly linked to our motivational system; humans all over the world love to learn.”

“The motivational importance of curiosity is widely understood, but there are two important forms of learning (and therefore two important sources of life satisfaction) that people often fail to recognize: play and storytelling”

Happiness, Personality, and Development

As I suggest earlier in this chapter, there is more than one way to be a successful human, and hence more than one route to happiness.”

“Pitfalls of a Modern World”

“Universal adoration and fame are some of the most common dreams of people all over the world, but you need only reflect on the turbulent lives and repeated divorces of celebrities to realize how much happier you are being unknown.”


O livro está editado em Portugal. pela Vogais, como "O Salto Social. A nova ciência evolutiva sobre quem somos, de onde vimos e o que nos faz felizes".

abril 08, 2020

Lógica e emoção em Gödel

Kurt Gödel foi uma das mentes brilhantes da ciência do século XX, existindo quem o compare a Aristóteles, a Einstein ou Heisenberg, mas ao contrário destes, e apesar do seu inabalável contributo, nunca conseguiu alcançar o mesmo patamar de respeitabilidade pública. Rebecca Goldstein procura neste livro colmatar esse problema. Para o fazer, traça a história de vida de Gödel, aproveitando a sua veia romancista para nos envolver empaticamente com vários personagens históricos, e enquanto o faz dá conta do contexto científico com que nos conduz até ao âmago demonstrativo dos dois teoremas da incompletude de Gödel. Gostaria de dizer que é um livro acessível, porque foi para isso que Goldstein trabalhou, e admito que fez um trabalho notável, mas ainda assim não é facilmente acessível a todos, talvez por que tal não seja possível para algo que constitui em si mesmo a complexidade primordial da lógica. Contudo Goldstein consegue com este livro tornar clara a relevância dos teoremas e só por isso vale completamente a sua leitura.
O livro apela diretamente a todos os que estudam matemática e mais ainda aos que gostam da mesma, mas é um livro escrito a pensar em todos aqueles que gostam de ciência. Gödel encarna o académico brilhante e humilde que deveríamos todos almejar ser, o problema de Gödel foi ter levado esse modo ao extremo, muito por conta da sua personalidade, sobre a qual falarei a seguir. Para compreender o livro e compreender a relevância do trabalho desenvolvido por Gödel, diria que ter tido Matemática até ao 12º ano é suficiente e necessário. Ainda assim, quando entramos na discussão explícita da demonstração, requer algum foco e dedicação.

Em termos de personalidade, podemos dizer que Gödel enquanto um dos principais companheiros de passeio, no campus de Princeton, de Einstein, era o oposto deste. Gödel era fechado, abominava a crítica, não se dava com ninguém, e no final ninguém se dava com ele. Pelo excelente trabalho feito por Goldstein, percebe-se que isso aconteceu pelo extremismo assumido por Gödel face à lógica. Os seus colegas no final já só se referiam a ele como a Lógica, já que para ele tudo tinha de ser decidido dentro de um quadro demonstrável de razões. Gödel concebia toda a realidade como lógica, enquanto tal, tudo o que fazia tinha de ser determinado por lógica, ora isto levanta um problema grave que foi demonstrado por António Damásio em 1994. A lógica, ou racionalização, sem a componente de emoção, conduz à inação, pela simples razão de que se detém em considerações racionais levadas ao infinito. Em toda a sua vida Gödel não publicou mais 100 páginas, tendo deixado milhares por publicar, tudo porque não se sentia seguro, faltava-lhe a garantia lógica para prosseguir, ou melhor, faltava-lhe um sistema emocional mais robusto. É a emoção que dita a nossa sobrevivência, exatamente porque é capaz de curto-circuitar a razão. Porque frente a um carro que está prestes a atropelar-nos não permite que entremos no cálculo da melhor rota de fuga, simplesmente nos impele a saltar na direção possível.

Por outro lado, foi exatamente esta obsessão de Gödel que o conseguiu levar à demonstração dos Teoremas da Incompletude. A sua necessidade de compreender as razões que sustentavam a Matemática fez com que desenvolvesse um sistema demonstrativo da sua impossibilidade universal, ou seja, da impossibilidade da matemática preceder e suportar a lógica do universo.

Enunciado do 1º Teorema
"Em qualquer sistema formal adequado à teoria dos números existe uma fórmula indecidível — ou seja, uma fórmula que não pode ser provada e cuja negação também não pode." 
Enunciado do 2º Teorema de
"Um corolário do teorema é que a consistência de um sistema formal adequado à teoria dos números não pode ser provada dentro do sistema."
Estes enunciados, são apenas descritivos não são os teoremas, que usam todo um conjunto de símbolos que formalizam o conhecimento e demonstram efetivamente a impossibilidade. O que é interessante é o facto desta demonstração ter ramificações sobre toda a ciência, porque sobre todo conhecimento humano. Penrose utilizou-os para demonstrar que o pensamento humano não é mecanicista nem demonstrável pela simples lógica, algo que é bastante discutido por Goldstein, nomeadamente na relação com a IA. Contudo, faltou na discussão a variável emoção, parte cabal do sistema cognitivo humano, e que continua a marcar a diferença entre o orgânico e máquina, exatamente pelo que disse acima. Para a máquina tem de existir uma ordem concreta, suportada em regras e pressupostos, para o humano não. Por isso nós erramos e a máquina nunca erra. Mas também por isso, nós inventamos, criamos o nunca visto, e máquina não. Tudo isto tem vindo a tornar-se mais discutível agora que as máquinas têm acesso a bases de dados de informação de todo o planeta em modo dinâmico, contudo, em essência, é a espada emocional sobre a lógica que nos separa da máquina.

Deixo três excertos centrais do livro sobre tudo isto. Os textos são da versão inglesa, mas as páginas são da versão portuguesa da Gradiva:
“Gödel’s incompleteness theorems. Einstein’s relativity theories. Heisenberg’s uncertainty principle. The very names are tantalizingly suggestive, seeming to inject the softer human element into the hard sciences, seeming, even, to suggest that the human element prevails over those severely precise systems, mathematics and theoretical physics, smudging them over with our very own vagueness and subjectivity. The embrace of subjectivity over objectivity—of the “nothing-is-but-thinking-makes-it-so” or “man-is-the-measure-of-all-things” modes of reasoning—is a decided, even dominant, strain of thought in the twentieth-century’s intellectual and cultural life. The work of Gödel and Einstein—acknowledged by all as revolutionary and dubbed with those suggestive names—is commonly grouped, together with Heisenberg’s uncertainty principle, as among the most compelling reasons modern thought has given us to reject the “myth of objectivity.” This interpretation of the triadic grouping is itself part of the modern—or, more accurately, postmodern—mythology.” p.38
“But these mathematical intuitions that cannot be eliminated and cannot be formalized: what are they? How do they come to be available to the likes of us? We are once again thrown up against the mysterious nature of mathematical knowledge, against the mysterious nature of ourselves as knowers of mathematics. How do we come to have the knowledge that we do? How can we? Plato himself had argued that the very fact that our reasoning mind can come into contact with the eternal realm of abstraction suggests that there is something of the eternal in us: that the part of ourselves that can know mathematics is the part that will survive our bodily death. Spinoza was to argue along similar lines.
Few scientifically minded, post-Gödel thinkers would perhaps be ready to follow Plato and Spinoza into drawing conclusions of our immortality from our capacity for mathematical knowledge. After all, we are not only living with the truth of Gödel but also the truth of Darwin. Our minds are the products of the blind mechanism of evolution. Still, many scientifically minded, post-Gödel thinkers have testified to hearing, within the strange music of Gödel’s mathematical theorems, tidings about our essential human nature. They have argued from Gödel’s incompleteness theorems to conclusions about what we are; or rather, to be more precise, about what we are not. Gödel’s theorems tell us, according to this line of reasoning, what our minds simply could not be.
In particular, what our minds could not be, so goes the reasoning, are computers. The mathematical knowledge that we possess cannot be captured in a formal system. That is what Gödel’s first incompleteness theorem seems to tell us. But formal systems are precisely what captures the computing of computers, which is why they are able to figure things out without having any recourse to meanings. Computers run according to algorithms and we, it seems, do not, from which it straightforwardly follows that our minds are not computers.” p.216
“Gödel’s theorems are darkly mirrored in the predicament of psychopathology: Just as no proof of the consistency of a formal system can be accomplished within the system itself, so, too, no validation of our rationality—of our very sanity—can be accomplished using our rationality itself. How can a person, operating within a system of beliefs, including beliefs about beliefs, get outside that system to determine whether it is rational? If your entire system becomes infected with madness, including the very rules by which you reason, then how can you ever reason your way out of your madness?” p.223