A escrita muito direta, sem floreados nem simbolismos, mas elaborada e centrada no que está a acontecer, torna a leitura de "Cadernos da Água" (2022) próxima da experiência audiovisual. O mundo apresentado é distópico. Sofrem-se os efeitos das alterações climáticas que obrigam populações a deslocarem-se para zonas onde ainda existem recursos hídricos. O tom imprimido é particular, cruza a ação americana com a frieza escandinava, colocando-nos no lugar de portugueses refugiados fugidos de um país que já não existe. A particularidade da experiência estética criada só tem par em "Station Eleven" (2014) de Emily St. John Mandel.
Este é o 6º livro de João Reis, o 4º que leio dele — "A Noiva do Tradutor" (2015); "A Avó e a Neve Russa" (2017), "A Devastação do Silêncio" (2018). É um autor que não conseguimos distinguir pelas temáticas abordadas, mas que não podemos deixar de admirar pela particularidade da sua escrita, bastante singular no panorama nacional. Reis faz parecer tudo imensamente simples, mas é quando pegamos noutros autores nacionais que sentimos a enorme diferença, em particular, percebemos o quão difícil é chegar a esta simplicidade. Em Reis tudo parece natural, como se tudo ali existisse, com as palavras a recriarem mundos ficcionais nas nossas cabeças e o autor a convidar-nos a adentrar e a crer no que está a acontecer, tornando a leitura rápida e imparável.
Não esperem respostas. A distopia apresenta um cenário possível dos efeitos das alterações climáticas a partir do simples indício de falta de água na Península Ibérica. Apesar de terminado em 2020, a seca que o nosso país tem atravessado neste último ano torna toda a leitura ainda mais credível. Ainda assim, creio que as alterações climáticas serão provavelmente mais duras do que aquilo que Reis aqui aponta. Percebe-se que Reis não quis ilustrar um apocalipse, criar o horror, mas antes levantar a ponta do véu para nos deixar sentir o que pode estar por vir. O futuro apresentado é muito próximo do nosso atual, o que serve também para tornar tudo mais credível, e mais imediatamente sensível.
Sobre a questão de fundo, a água, tenho de dizer que é algo que me tem feito alguma confusão na discussão nos média. Ao contrário do petróleo, a água não é transformada noutro elemento, ou seja, não se consome. Tirando claro o excesso de população, que poderia ser um perigo se continuasse a crescer no planeta, no resto, a água faz parte do planeta. No dia em que os ciclos de troca de água entre a atmosfera o mar e a terra terminarem, termina o planeta. Agora, como bem ilustra o trabalho de Reis, as alterações climáticas podem alterar estes ciclos, como aconteceu ao longo de 2022, em que a Europa quase não viu chuva, tendo a mesma caído quase toda numa semana sobre o Paquistão. O que nos diz que vamos precisar de aprender a lidar com estes ciclos, e a trabalhar melhor a redistribuição dos recursos hídricos no nosso país. No entretanto, ficamos a aguardar a sequela já prometida por João Reis.
Bela recensão, obrigado.
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