Mostrar mensagens com a etiqueta teatro. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta teatro. Mostrar todas as mensagens

novembro 13, 2021

Teatro filmado romeno

"O Segredo da Felicidade" (2018), de Vlad Zamfirescu, é teatro filmado no seu melhor, ao nível de "Carnage" de Polanski ou "Who's Afraid of Virginia Woolf?" de Mike Nichols, não tanto na cinematografia, mas no guião que é soberbo. Dois amigos e a esposa de um deles, com a esposa do outro fora do quadro por se encontrar em casa a dormir. Todos convocados para discutir uma hipótese de swing após a traição de um dos pares. Começa tudo de forma muito leve, quase irrelevante, e vai crescendo, cada vez prendendo mais a nossa atenção até às distintas revelações que deixam de impactar os envolvidos para abalar tudo aquilo que pensávamos já ter compreendido. No final, ficamos ali a olhar para aquele magnífico balcão-pátio de um grande prédio de luxo, a pensar nos tais segredos da felicidade.


novembro 26, 2020

O conflito no drama

A peça "Oleanna", de David Mamet, foi escrita e encenada em 1992, mas quem não souber acreditaria facilmente se lhe dissessem que tinha sido escrita e encenada em 2018, no auge do movimento #MeToo e todas as discussões satélite à volta do poder, tradição, censura, homem branco, igualdade de género, politicamente correto e a enorme polarização política. Lemos Mamet e não queremos acreditar que as preocupações centrais em termos de autoridade mudaram muito pouco em 30 anos. O mundo mudou, mas o modo como olhamos para ele é que parece continuar igual, com o conflito longe de qualquer resolução.
Sinopse: "Um professor universitário recebe no seu gabinete uma aluna para apreciação de um trabalho. O diálogo inicial transforma-se num violento confronto de ideias sobre as finalidades da educação e do ensino, o lugar do indivíduo na sociedade, as relações entre os sexos e os limites da liberdade."
Mamet não sai em defesa de nenhum dos lados, aliás, ele usa o melhor que o teatro oferece, a dramatização do conflito humano, para nos colocar dentro de um ringue verbal, sem vencedor escolhido, obrigando-nos a mudar de campo amiúdas vezes ao longo da leitura. Quem é quem? Quem julga ser Quem? Não sabemos, e a peça acaba sendo um exercício brutal de retirada contínua do tapete que conforta as nossas certezas.

Se o conteúdo da peça se vier a tornar irrelevante, que duvido, a forma continuará a ser um dos mais brilhantes exercícios de escrita dramática.

Todas as resenhas no GoodReads

abril 10, 2020

Who's Afraid of Virginia Woolf?

Sendo uma peça de teatro (1962), foi como filme que o conheci há muitos muitos anos, mas mais do que isso, foi por meio deste filme (1966) que compreendi a importância da performance dramática e da direção de atores, e o quanto ambas eram fundamentais para que a arte cinematográfica fosse capaz de nos hipnotizar e transportar para outra realidade ao longo de duas horas. Obviamente o cinema importou do teatro o drama, e este pode por si apenas dar vida completa a um texto, mais ainda quando se tem ao seu serviço performances divinas como as de Elizabeth Taylor e Richard Burton. Mas não podemos esquecer que o cinema tem um realizador que põe em cena, que dirige os atores juntamente com as câmaras, e por via da composição, enquadramento e direção Mike Nichols acabaria tornando o texto de Edward Albee numa obra imemorial.
Mas a leitura do texto não é uma experiência perdida. Tenho referido a dificuldade de ler teatro, pela falta imensa que faz a dramatização, mas ler esta peça transportou-me até às tragédias gregas. Não sei se por me trazer continuamente à mente o filme, mas a verdade é que o vi há quase 30 anos, por isso tenho apenas impressões dele na memória. Contudo a leitura da peça consegue colocar-nos frente aos personagens, imaginá-los em movimento e sentir a sua verve, muito pela força do diálogo escrito por Albee. Podemos dizer que o texto colocado na boca dos personagens é duro, ríspido, direto, rápido e dito sempre no momento certo. Apesar de comédia, o seu tom negro transporta-o para a tragédia, com os quatro personagens a mais parecerem estar numa arena digladiando-se com palavras, vendo quem fere mais, mais rápido, quem chega ao final de pé.
O texto toca na essência de dois casais de académicos, pondo a nu não só as ilusões da vida em casal, mas também das ilusões da dignidade das profissões e dos seus legados. O twist final, um passe de mestre de Albee que tornaria a peça imemorável, é ele mesmo a cabal assunção de toda a ilusão, tornando a peça numa obra central do século XX.

Nota em estrelas no GoodReads.

setembro 29, 2019

Diálogo: A Arte da Ação Verbal

Robert McKee é uma das maiores autoridades do guionismo de Hollywood, sendo o seu livro “Story: Substance, Structure, Style and the Principles of Screenwriting” (1997) considerado uma espécie de bíblia para quem escreve para o meio audiovisual. “Dialogue: The Art of Verbal Action for Page, Stage, and Screen” (2016) é assim além da sua primeira publicação em 20 anos, um verdadeiro sucessor de “Story”, capaz de aprofundar toda a componente da escrita de diálogo. Entretanto McKee passou todos estes anos envolvido nos seus famosos workshops, aquilo que confessa mais gostar de fazer porque segundo ele“Life is absurd. But there is one meaningful thing, one inarguable thing, and that is that there is suffering. Fine writing helps alleviate that suffering – and anything that puts meaning and beauty into the world in the form of story, helps people to live with more peace and purpose and balance, is deeply worthwhile.” 



É interessante ver como as reações ao livro se dividem entre acusações de academismo e falta dele. McKee é um brilhante analista de histórias, nos mais variados meios, o que faz com que não raras vezes se exceda e entre em processos de sistematização de ideias, conceitos e argumentos que não são muito úteis a quem escreve. Contudo, para académicos como eu, são autênticas pepitas, porque provêm de um olhar único, que funciona como um microscópio de aumento das teias narrativas e sociais plasmadas nas obras. O facto de McKee ser mais artesão que académico, dá-lhe um acesso à arte do fazer absolutamente invejável. Neste segundo livro McKee dedica-se a desconstruir a arte do diálogo nas suas mais variadas estruturas, sistemas e lógicas, usando exemplos amplos e variados para expor as suas teorizações, que vão desde o teatro à televisão, passando pelo cinema. Os casos apresentados, e desmontados, são brilhantemente dissecados, como se despisse os filmes de toda a sua envolvência plástica e nos apresentasse os nós da narrativa completamente nus, dando conta daquilo que considera mais importante no diálogo — o subtexto — ou “the double dimension of dialogue—the outer aspect of what is said versus the inner truth of what is thought and felt.” .

Simultaneamente McKee não deixa de tecer comentários e justificativas sobre o efeito plástico do medium, nomeadamente sobre as diferenças nas capacidades de cada um dos media, o que torna o livro imensamente relevante para todos aqueles que trabalham o âmbito do transmedia.
O trabalho de McKee acaba sendo bastante académico, ainda que metodologicamente siga uma via pouco comum, já que como revela, o método seguido é o de apresentar ideias às suas audiências de criadores, com quem vai depurando e filtrando até que condigam com um sentir da maior parte dos criativos. Na verdade, e tendo em conta tratar-se de arte, o método é profundamente académico, e se serve quem procura fórmulas, ou modelos, para chegar ao maior número de pessoas, acaba afastando aqueles que andam à procura de autenticidade ou da subversão do status quo.
O livro apresenta-se em 4 partes, sendo a primeira de domínio mais académico, no qual é exposto toda a sua teorização sobre a arte do diálogo, e diga-se, a parte que mais me interessou. Depois temos três partes dedicadas a conselhos sobre problemas nos diálogos, sobre o tratamento do diálogo em função dos personagens, e por fim a desconstrução de várias cenas no seu design de diálogo. Vou deixar aqui uma síntese da primeira parte, e aconselho vivamente a leitura de uma entrevista para a Creative Screenwriting na qual ele dá conta de algumas das ideias aqui discutidas:


1 – DEFINIÇÃO do DIÁLOGO, por McKee

Este ponto começa por ser desde logo inovador, não porque McKee olha para todos os media narrativos, mas porque McKee resolve estender totalmente a relevância do Diálogo, e ao fazê-lo eu não podia estar mais de acordo, uma vez que segue completamente o sentido da Pragmática da Comunicação.
“Tradition defines dialogue as talk between characters. I believe, however, that an all-encompassing, in-depth study of dialogue begins by stepping back to the widest possible view of storytelling. From that angle, the first thing I notice is that character talk runs along three distinctly different tracks: said to others, said to oneself, and said to the reader or audience.
“I place these three modes of talk under the term “dialogue” for two reasons: First, no matter when, where, and to whom a character speaks, the writer must personalize the role with a unique, character-specific voice worded in the text. Second, whether mental or vocal, whether thought inside the mind or said out into the world, all speech is an outward execution of an inner action. All talk responds to a need, engages a purpose, and performs an action. No matter how seemingly vague and airy a speech may be, no character ever talks to anyone, even to himself, for no reason, to do nothing. Therefore, beneath every line of character talk, the writer must create a desire, intent, and action. That action then becomes the verbal tactic we call dialogue.”
“To say something is to do something, and for that reason, I have expanded my redefinition of dialogue to name any and all words said by a character to herself, to others, or to the reader/audience as an action taken to satisfy a need or desire. In all three cases, when a character speaks, she acts verbally as opposed to physically”
Para explanar melhor esta definição, McKee apresenta uma diferença entre Dramatização e Narrativização de diálogo, entre o diálogo realizado dentro da cena (dramatizado) e aquele exterior à cena — o monologo ou a fala para o leitor/espectador — (narrativizado). Para se compreender esta distinção, McKee faz o que sabe melhor fazer, pega num pequeno diálogo, e dá-o a ler nas 3 formas: "said to oneself", "said to others", "said to the reader". Deixo apenas primeiros parágrafos do exercício.
1) “Dreams run like streams.” Hoary proverbial wisdom, I know you well. And in reality most of what one dreams is not worth a second thought—loose fragments of experience, often the silliest and most indifferent fragments of those things consciousness has judged unworthy of preservation but which, even so, go on living a shadow life of their own in the attics and box-rooms of the mind. But there are other dreams.”
2) “Dreams run like streams.” A proverb I know you’ve heard. Don’t believe it. Most of what we dream isn’t worth a second thought. These fragments of experience are the silly, indifferent things our consciousness judges unworthy. Even so, in the attic of your mind they go on living a shadow life. That’s unhealthy. But some dreams are useful. ”
3) “Glas and Markel sit in a café. As dusk turns to night, they sip after-dinner brandies.
GLAS: Do you know the proverb “Dreams run like streams”?
MARKEL: Yes, my grandmother always said that, but in reality, most dreams are just fragments of the day, not worth keeping.
GLAS: Worthless as they are, they live shadow lives in the attic of the mind.
MARKEL: In your mind, Doctor, not mine.
GLAS: But don’t you think dreams give us insights?”

O Dialogo e o Medium
Ainda na definição, McKee dedica uma boa parte à discussão do efeito do media no uso do tipo de diálogo,
“All dialogue, dramatized and narratized, performs in the grand symphony of story, but from stage to screen to page, its instruments and arrangements vary considerably. For that reason, a writer’s choice of medium greatly influences the composition of dialogue—its quantities and qualities. The theatre, for example, is primarily an auditory medium. It prompts audience members to listen more intently than they watch. As a result, the stage favors voice over image” [assim, cabe ao som transportar a maior parte do diálogo, ou informação, 80/20]. Cinema reverses that. Film is primarily a visual medium. It prompts the audience to watch more intently than it listens. For that reason, screenplays favor image over voice. [Cabe a imagem a maior parte do diálogo: 80/20]. The aesthetics of television float between the theatre and cinema. Teleplays tend to balance voice and image, inviting us to look and listen more or less equally. [Imagem/som: 50/50]. Prose is a mental medium. Whereas stories performed onstage and onscreen strike the audience’s ears and eyes directly, literature takes an indirect path through the reader’s mind.” [Por isso não existe regra, tanto pode ser dramatizado como narrativizado.]

2 – AS 3 FUNÇÕES DO DIÁLOGO

“Dialogue, dramatized and narratized, performs three essential functions: exposition, characterization, action.” 

2.1. Exposition 
“Is a term of art that names the fictional facts of setting, history, and character that readers and audiences need to absorb at some point so they can follow the story and involve themselves in its outcome. A writer can embed exposition in the telling in only one of two ways: description or dialogue.”
“Onstage and onscreen, directors and their designers interpret the writer’s descriptions into every expressive element that isn’t dialogue: settings, costumes, lighting, props, sound effects, and the like. Comic book artists and graphic novelists illustrate their stories as they tell them. Prose authors compose literary descriptions that project word-images into the reader’s imagination.”
A exposição é ainda responsável por vários parâmetros da construção narrativa, vitais para a construção de cenas que garantam o total envolvimento do espectador/leitor: “pacing and timing”; “showing versus telling”; “narrative drive”; “exposition as ammunition”; “revelations”; “direct telling”; “forced exposition”. Destes todos, deixo uma das mais relevantes para compreender o que está a acontecer no processo de contar uma história:
“Narrative drive is a side effect of the mind’s engagement with story. Change and revelations incite the story-goer to wonder, “What’s going to happen next? What’s going to happen after that? How will this turn out?” As pieces of exposition slip out of dialogue and into the background awareness of the reader or audience member, her curiosity reaches ahead with both hands to grab fistfuls of the future to pull her through the telling. She learns what she needs to know when she needs to know it, but she’s never consciously aware of being told anything, because what she learns compels her to look ahead.”
2.2. Characterization
“The second function of dialogue is the creation and expression of a distinctive characterization for each character in the cast. Human nature can be usefully divided into two grand aspects: appearance (who the person seems to be) versus reality (who the person actually is).”

Deste modo o desenvolvimento de personagens obriga-nos a criar duas facetas: o verdadeiro personagem, e a sua caracterização. A primeira diz respeito aos momentos de tensão e escolha, momentos no qual percebemos que tipo de pessoa é, os valores que se levantam e falam por si, a sua dignidade ou ausência dela. Já para a caracterização McKee apresenta três parâmetros:
“1) To intrigue. The reader/audience knows that a character’s appearance is not her reality, that her characterization is a persona, a mask of personality suspended between the world and the true character behind it (..) Having hooked the reader/audience’s curiosity, the story becomes a series of surprising revelations that answer these questions.”
“2) To convince. A well-imagined, well-designed characterization assembles capacities (mental, physical) and behaviors (emotional, verbal) that encourage the reader/audience to believe in a fictional character as if she were factual.”
“3) To individualize. A well-imagined, well-researched characterization creates a unique combination of biology, upbringing, physicality, mentality, emotionality, education, experience, attitudes, values, tastes, and every possible nuance of cultural influence that has given the character her individuality (..) And the most important trait of all: talk. She speaks like no one we have ever met before.”
2.3. Action 
“Dialogue’s third essential function is to equip characters with the means for action. Stories contain three kinds of action: mental, physical, and verbal. (..) Mental Action: Words and images compose thoughts, but a thought does not become a mental action until it causes change within a character. (..)Physical Action: Physical action comes in two fundamental kinds: gestures and tasks. (..)Verbal Action: As novelist Elizabeth Bowen put it, “Dialogue is what characters do to each other.” (..) Therefore, before writing a line, ask these questions: What does my character want out of this situation? At this precise moment, what action would he take in an effort to reach that desire? What exact words would he use to carry out that action?”


3 – EXPRESSIVIDADE

O terceiro ponto do método de McKee apresenta-se na desconstrução da expressividade, que McKee faz em três frentes diferentes: conteúdo, forma e técnica.

3.1 Conteúdo
“As you compose dialogue, I think it’s useful to imagine character design as three concentric spheres, one inside the other—a self within a self within a self. This three-tiered complex fills dialogue with content of thought and feeling while shaping expression in gesture and word. The innermost sphere churns with the unsayable; the middle sphere restrains the unsaid; the outer sphere releases the said.”
Aqui entramos pelos reinos da interpretação narrativa adentro, com McKee a levar consigo todas as ferramentas da pragmática e semiótica para ajudar no suporte à construção por via da desconstrução e interpretação que cada leitor faz do que vai enfrentando e construindo mentalmente.

The Said: “The surface level of things said supports the more or less solid meanings that words, spoken or written, directly express with both denotations and connotations.
The Unsaid: “A second sphere, the unsaid, revolves within a character. From this inner space the self gazes out at the world. As thoughts and feelings form at this level, the self deliberately withholds them.”
The Unsayable: “Deepest yet, concealed beneath the unsaid, the sphere of the unsayable roils with subconscious drives and needs that incite a character’s choices and actions.”

Isto permite McKee chegar à essência do que tem para dizer e definer:

Text and Subtext
“Text means the surface of a work of art and its execution in its medium: paint on canvas, chords from a piano, steps by a dancer. In the art of story, text names the words on the page of a novel, or the outer life of character behavior in performance—what the reader imagines, what an audience sees and hears. In the creation of dialogue, text becomes the said, the words the characters actually speak.
Subtext names the inner substance of a work of art—the meanings and feelings that flow below the surface. In life, people “speak” to each other, as it were, from beneath their words. A silent language flows below conscious awareness. In story, subtextual levels enclose the hidden life of characters’ thoughts and feelings, desires and actions, both conscious and subconscious—the unsaid and unsayable.”
3.2 Forma
“The qualities and quantities of dialogue vary with the levels of conflict used in the storytelling (..) Conflict disrupts our lives from any one of four levels: the physical (time, space, and everything in it), the social (institutions and the individuals in them), the personal (relationships of intimacy—friends, family, lovers), and the private (conscious and subconscious thoughts and feelings). The difference between a complicated story and a complex story, between a story with minimum dialogue versus maximum dialogue, hinges on the layers of conflict the writer chooses to dramatize.”

3.2 Technique
“Figurative devices range from metaphor, simile, synecdoche, and metonymy to alliteration, assonance, oxymoron, personification, and beyond. In fact, the list of all linguistic tropes and ploys numbers in the hundreds. These turns of phrase not only enrich what’s said, but also send connotations of meaning resonating into the subtexts of the unsaid and unsayable as well.”
Neste ponto McKee aprofunda questões de paralinguagem, de design de informação — suspense, cumulativo, balanceado — economia (dizer o máximo com o mínimo), pausa e a necessidade do silencio

O livro continua com todo um trabalho de desconstrução e depuração de técnicas — com cenas de "The Sopranos", "The Great Gatsby", "Lost in Translation" ou ainda "O Museu da Inocência" de Pamuk—, através do que McKee partilha uma imensidade de conhecimento sobre a arte do diálogo mas também sobre a arte da narrativa e sua relevância para o ser humano. Para muitos o livro soará formulaico, para mim soa metódico, imensamente sistematizado algo que não é comum nas artes. Diria que McKee, ao usar esta abordagem também já no "Story" foi um dos grandes percursores daquilo que hoje qualificamos como Narrative Design.

Fica uma nota final, a versão audiobook é narrada pelo próprio McKee, o que adiciona toda uma outra camada de interesse à leitura via audio.

abril 20, 2019

A importância de “Antígona”

“Antígona” (-442) é a parte final de uma trilogia que se inicia com “Rei Édipo” (-427) a que se segue “Édipo em Colono” (-406), ou seja, a última parte, mas a primeira a ser escrita por Sófocles (-497 — -405). Assim, se a primeira parte ganhou repercussão no nosso imaginário contemporâneo deve-o não só à hábil estrutura narrativa, capaz de prender o leitor e agitar as suas emoções do início ao final, mas principalmente a Freud por ter inventado um complexo incestuoso, que nunca existiu, já que Édipo só descobre que tem uma relação com a própria mãe depois de com ela ter casado. “Édipo em Colono” funciona como episódio intermédio, contribuindo para aumentar o universo dramático, nomeadamente do seu espaço, como das personagens fundamentais, pondo em cena o fim de Édipo, estando Sófocles perto da sua própria morte, e dando corpo às duas percentagens centrais de “Antígona”, Antígona e Polinices.

Recorte de "Antigone donnant la sépulture à Polynice"(1825) de Sébastien Norblin [ver Galeria]

Se o “Rei Édipo” nos choca pelo conflito com a natureza, pelo incesto, Antígona agarra-nos pelo conflito entre o indivíduo e o coletivo. Não admira que Antígona tenha sido a primeira peça, e uma das primeiras peças de Sófocles, é muito mais liberal, centrada nos valores sonhadores da autodeterminação, enquanto Rei Édipo é quase uma aceitação tácita do determinismo que sepulta o livre-arbítrio.

Temos uma Antígona que questiona a lei, desafia o governador, o rei Creonte, aceitando a morte em troca da defesa dos seus princípios, o direito de enterrar o irmão. Podemos ler na vontade de Antígona apenas o cumprimento dos desejos dos deuses, e do seu irmão expresso em “Édipo em Colono”, de que se sepultem os mortos sob terra, mas isso é apenas um pretexto dramático. O que temos é, Antígona, uma mulher respeitada por toda a sociedade a questionar uma ordem do governador, da autoridade, provocando um conflito na sociedade, que por ter em tanta consideração Antígona, e por aquilo que pede não lhes parecer indigno, a coloca face a um dilema, aceitar ou não aceitar a vontade de Antígona. Este conflito é ainda mais ampliado com a entrada em cena de Hémon, filho de Creonte e noivo de Antígona. Habilmente, Sófocles não dá espaço à emocionalidade básica da historieta do amor cego, antes aproveita para captar do confronto pai-filho, a mesma problemática da auto-determinação do indivíduo, entrando aqui no território sagrado do “Honrarás Pai e Mãe”.

A peça questiona assim, sem rodeios, a autoridade daqueles que se dispõem a dispor das vidas dos outros, seu povo ou seus filhos. Deve um cidadão deixar de se afirmar, de se edificar, enquanto ser humano individual e livre, apenas para cumprir os desígnios de um líder, que o é temporariamente. E um filho? Deve ele submeter-se a todas as vontades de um pai, apenas porque dele nasceu? Com que direito podemos pôr e dispor das vidas dos nossos filhos (cf. “Uma Educação”, 2018)?

Refletindo agora, esta questão vai ao coração do Rei Édipo, dando a parecer que Sófocles quis aprofundar o dilema daquilo que somos e do poder que detemos para determinar o que somos. Poderemos, mesmo pelas supostas leis da natureza, anti-incesto, condenar Édipo? Quanto daquilo que somos depende de nós? dos outros? da natureza? Temos mesmo acesso a um livre-arbítrio?

Tendo-o ou não, devemos, não, acredito que temos a obrigação de nos edificar, de trabalhar para o que é justo, que não podendo ser escrito como lei, por nenhum rei ou governante, por nenhuma sociedade, nem por nenhum pai ou mãe, já que o que é justo é emanado da moral que se escreve momento a momento pela própria evolução da civilização, podendo apenas basear-se no princípio basilar que suporta todos os ditames filosóficos e religiosos desde sempre, sendo hoje reconhecida como Regra Dourada: “Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.”

dezembro 31, 2018

Medeia (431 a.c.)

Uma viagem de 2500 anos para encontrar um problema humano que continua igual a si mesmo, capaz ainda hoje das mesmas consequências trágicas. Antes de se iniciar o relato de Eurípides, Medeia terá traído o pai e morto o irmão para ajudar Jasão e os Argonautas, abandonando depois o seu país com Jasão, de quem viria a ter dois filhos. O relato começa com Medeia já na Grécia, um país estranho para ela, descobrindo que Jason decidiu abandoná-la para casar com a filha de Creonte, rei de Corinto. O que sucede depois só pode ser tragédia, mas porquê?

"Medeia e a Urna" (1873) de Anselm Feuerbach

De tanto que se poderia destacar nesta pequena peça de Eurípedes opto por me focar nesta questão porque ao longo dos anos me tenho debruçado invariavelmente sobre ela, dada a intensa emocionalidade que tende a gerar, sendo grandemente responsável por muito daquilo que conhecemos hoje como violência doméstica. Aliás, não é por acaso que nos meus 30 livros preferidos tenho “Os Dias do Abandono” (2002) de Elena Ferrante, o livro que me veio de imediato à mente assim que comecei a “ouvir a voz” de Medeia.

A meio da peça Jasão apresenta as suas razões para casar com a filha do rei, que como diz o Coro e Medeia, não passam de bem falar, sem substrato. Repare-se como é este o cerne: a razão para o abandono. Porque o casamento não é uma cerimónia, é um contrato, um contrato que requer uma razão para ser quebrado. O problema é que a razão precisa de satisfazer ambas as partes no mesmo momento, e isso só muito raramente acontece. Assim, quando não existe o encontro e a sincronia entre as partes para aceitar o fim, abandonamos o reino da razão e da lógica, e entramos pelo reino exclusivo da emoção adentro. Aí começam a surgir os grandes substantivos — traição, deslealdade, engano, impostura — que levam ao pior do humano: a vingança, a punição, a destruição.

setembro 02, 2018

"Édipo Rei" de Sófocles

Não vou fazer nenhuma análise em profundidade desta obra — "Édipo Rei" (-429) — pois para o tamanho do texto, nomeadamente o conflito principal em causa, já foi tudo tão amplamente dissecado que será impossível dizer algo de novo. Por isso expressarei apenas breves notas sobre a minha experiência de leitura.

Há muito tempo que tinha intenção de iniciar a leitura dos textos dramáticos da antiga Grécia, mas tal como aconteceu com Shakespeare, fui sempre protelando, porque as peças teatrais escritas não são propriamente o meu forte. Tenho dificuldade em aceitar aceder a uma obra que no estado escrito é apenas parte de um todo. Contudo, tanto quando li Shakespeare como agora com Sófocles, fui surpreendido pelos textos, pela sua capacidade de me demover. Sei bem que falo de peças não apenas de grande qualidade mas capazes de ultrapassar o teste de séculos e milénios.

Assim e se Édipo era para mim um personagem amplamente conhecido, pelo modo como invadiu o imaginário ocidental, não sei se por graça de Sófocles ou das tontices de Freud, a peça acabou por me surpreender exatamente no modo como se destaca da descoberta do conflito principal. Quando iniciei a leitura senti-me algo desmotivado por ver tanta discussão — sobre o filho que mata o pai e casa com a mãe — tentasse eu aceder à obra onde quer que fosse, em que edição fosse. No entanto Sófocles vai muito para além da trama, ela está lá, ela tudo faz mover, e de certo modo confere a Aristoteles razão quando este afirma que é a trama mais importante que os personagens, mas é Sófocles que acaba a demonstrar o contrário. Ou seja, se o conflito está lá, se o enredo empurra os personagens para uma espécie de precipício dramático, continuam a ser os personagens quem decide saltar ou não. Sófocles centra-se nesse ponto, em buscar o modo como reagir a algo que conhecíamos de antemão, e executa de forma trágica, como não podia deixar de ser numa tragédia.

Assim, digo que se me incomodou toda a dependência dos deuses e dos adivinhos, não deixou de me impactar a decisão final de Édipo pensada para ter efeito tanto nesta vida como no além. É um clímax digno da catarse de Aristoteles, e que explica bem o receio que Platão tinha de ver a República manipulada pelas artes.

 
"The blind Oedipus commending his children to the Gods", 1784, de Bénigne Gagneraux

Uma nota final para a questão do incesto. Vivemos uma época de grande liberação sexual, o que tem vindo a abrir espaço para a defesa do incesto entre adultos (cf. "Impunidade" HG Cancela). Em defesa destas visões muitas vezes enunciam-se os nossos antepassados gregos e romanos pela sua liberdade que teria sido, mais tarde, castrada pela igreja. Contudo, do que se pode ler nestes textos, é que se existia maior liberdade sexual ela estava muito longe de uma anarquia moral.

agosto 12, 2017

All That Fall (1956)

Cheguei até “All That Fall” através de Elena Ferrante, que se socorre desta peça no segundo volume da saga “A Amiga Genial” para lançar uma discussão existencial entre Lenu, Lila e Nino. Ferrante fixa a conversa em redor de um dos múltiplos pontos discutidos na peça, e apesar de ser algo fugaz é provavelmente uma das partes mais relevantes da peça, já que se liga diretamente ao modo como Beckett desejava que a peça fosse experienciada.


“All That Fall” foi criada como audio drama, uma peça dramática para rádio. Vários foram os criadores que procuraram Beckett para realizar adaptações para palco, entre os quais Ingmar Bergman e Laurence Olivier, mas sempre, ou quase sempre, recusadas por Beckett. Dizia ele:
“Even the reduced visual dimension it will receive from the simplest and most static of readings (..) will be destructive of whatever quality it may have and which depends on the whole thing's coming out of the dark." (fonte)
Ou seja, “All That Fall” baseia a criação e comunicação da experiência na forma do medium. Um dos personagens é cego, daí que toda a peça seja construída para o sentido da audição por meio dos diálogos, música e efeitos sonoros. Cabe ao recetor recriar mentalmente os cenários, espaços e cores. E aqui chego ao destaque realizado por Ferrante, e que me parece ser aquele que verdadeiramente justifica a obstinação de Beckett quanto à não adaptação para palco.
“Mr. Rooney: (..) No, I cannot be said to be well. But I am no worse. Indeed, I am better than I was. The loss of my sight was a great fillip. If I could go deaf and dumb I think I might pant on to be a hundred”, excerto de “All that Fall” de Beckett
“Dan Rooney, she said, is blind but he’s not bitter about it, because he believes that life is better without sight, and in fact he wonders whether, if one became deaf and mute, life would not be still more life, life without anything but life.” excerto de “The Story of a New Name” de Elena Ferrante
O velho e eterno dilema dos sentidos, tão discutido por Sócrates e Platão, sobre o modo como estes deturpam a realidade que nos chega, impossibilitando-nos de aceder à pura verdade. A realidade não é possível através do modo sensível, dizia Platão, tendo por isso defendido a erradicação das artes da República. A elaboração de Ferrante é distinta, já que procura um enaltecer da desistência existencialista da realidade perceptiva, ou seja, uma fuga às dores e obstáculos que a vida nos vai colocando na frente. Já Beckett pelo contrário está mais preocupado em encontrar distintas possibilidades de aceder ao belo, servindo este diálogo num extremar dessa busca.

A peça tem sido bastante trabalhada em ambiente escolar dada a sua imensa expressividade, nomeadamente simbólica. Deixo aqui uma ligação que vale a pena explorar para quem pretenda trabalhar a peça nesses ambientes. A peça pode ser ouvida no YouTube, embora o som não esteja com a melhor qualidade, e por isso pode ser também lida em português online.

agosto 07, 2017

La casa de Bernarda Alba (1936)

Federico García Lorca foi assassinado no início da guerra civil espanhola, em 1936, que viria a colocar no poder o ditador Franco. Fuzilado por razões estritamente políticas mas insuficientemente justificáveis — era maçon, socialista e homossexual —  o seu corpo nunca seria encontrado, criando toda uma aura de mistério que decorre até hoje. Lorca tinha apenas 38 anos mas fazia já parte da galeria de artistas espanhóis de reconhecido valor do início do século XX, nomeadamente pela sua poesia, daí que a sua morte poucos dias apenas após terminada a escrita de “La casa de Bernarda Alba” tenha servido para ampliar o seu reconhecimento e o deste texto em particular.


“La casa de Bernarda Alba” não fala de Lorca, nem lhe serviu de manifesto político, ainda que adquira um tom panfletário contra o conservadorismo da Espanha rural e profunda, pondo a nu a posição da mulher na sociedade, nomeadamente o cinto de regras que a condicionava e domesticava, e que colocava as aparências acima do sentimento. A história contada é bastante simples e curta, e em parte adaptada de um caso real conhecido de Lorca: uma mãe viúva controla cinco filhas em idades casadouras, impondo o celibato e a hierarquia familiar com mão de ferro. É uma história que traz pouco de novo à paisagem narrativa do século XXI, onde histórias destas pululam por todo o lado. No entanto, se lida dentro do contexto histórico próprio ganha todo um conjunto de outras dimensões que dão força ao texto, ainda assim se o texto merece continuar a ser lido, é menos pela sua história e mais pelo seu estilo.

A primeira impressão do texto surge ao fim de poucas páginas e é bastante forte, com as personagens a edificarem-se do papel e a criarem a sensação de que quase lhes conseguimos tocar. Isto acontece pela força dos diálogos e do ritmo, que são absolutamente perfeitos. À medida que vamos lendo, vamos compreendendo e sentindo as diferentes personagens pelo simples modo como falam, por outro lado o ritmo imprimido pela troca de falas, muito curtas, entre as personagens é de tal ordem que nos transporta para o interior da cena, fazendo esquecer que de uma cena se trata. Lorca parece não dar conta do espaço nem do visual, contudo basta-lhe o que cada personagem diz para nos fazer ver os lugares, os costumes, os gestos e os trejeitos. É drama puro, é a capacidade de encenar realidade e dá-la a sentir encarnando-a nos agentes de cena.
"Mujer 1: Los pobres sienten también sus penas.
Bernarda: Pero las olvidan delante de un plato de garbanzos.
Muchacha 1: (Con timidez) Comer es necesario para vivir.
Bernarda: A tu edad no se habla delante de las personas mayores.
Mujer 1: Niña, cállate.
Bernarda: No he dejado que nadie me dé lecciones. Sentarse. (Se sientan. Pausa)
(Fuerte) Magdalena, no llores. Si quieres llorar te metes debajo de la cama. ¿Me has
oído?"
Todo o texto é uma tensão contínua e progressiva, seguindo as melhores lógicas da tragédia grega na busca por uma catarse plena, com a particularidade estilística de se conseguir pela vivacidade, fluidez e naturalismo dos diálogos. A crítica fala de uma "poetización del lenguaje cotidiano”, e isso pode ver-se no modo como sentimos emergir do texto o intelectual e o popular num conflito constante. É impossível ficar indiferente à sua leitura que recomendo em espanhol para poder sentir o drama mais de perto, ainda que claramente eu precise de o experimentar um dia num palco.

agosto 24, 2016

"Rei Lear" (1605)

À terceira peça de Shakespeare, depois de "Hamlet" (1602) e "Macbeth" (1606), padrões começam a emergir e as minha ideias sobre a sua obra começam a ganhar consistência, das quais extraio duas grandes conclusões: uma sobre as qualidades dramáticas, e outra sobre as insuficiências do texto.

"King Lear and the Fool in the Storm" (1851) de William Dyce 

Shakespeare é considerado um dos maiores arautos das letras, sendo provavelmente o autor mais estudado nas Faculdades de Letras de todo o mundo. Uma das principais razões para esta adoração prende-se com a profundidade da análise psicológica realizada por Shakespeare sobre os seus personagens, ou seja a profundeza a que leva a dramatização das suas histórias. À distância de mais de 400 anos impressiona tanta clarividência, tanta mestria na desconstrução da natureza humana e sua remontagem enquanto histórias capazes de seduzir qualquer ser humano. A forma como o fez, na escrita, foi à data inovadora, já que Shakespeare não se coibia de criar novos termos para se expressar, mas seria suficiente? Ou seja, será suficiente ler Shakespeare para compreender Shakespeare?

Esta pergunta leva-me à minha segunda constatação sobre Shakespeare, da insuficiência do texto. Ou seja, à leitura da sua terceira peça, e concordando com as qualidades enquadradas acima, não posso deixar de questionar o modo como o texto falha, ou melhor, é insuficiente no garante da expressividade subjacente ao mesmo, funcionando mais como esboço, mero registo de ato cénico, e não obra final, completa. Não digo que a peça que lemos é guião, até porque lhe falta toda moldura descritiva de cenário e palco, mas pouco se destaca desse formato. Neste sentido, falta ao texto não apenas a capacidade para situar espacialmente o ambiente, mas mais importante do que isso, faltam duas componentes essenciais ao drama: a direção de atores e a performance.

Aliás, não raras vezes as resenhas feitas aos textos de Shakespeare incluem análises às diferentes encenações vistas do mesmo, o que reforça o que tento aqui estabelecer, de que quando apenas de frente ao texto, perdemos parte significativa da ideia expressiva do seu autor. É verdade que não podemos mais aceder à ideia total do autor, a encenação e sua performance são artes efémeras não passíveis de registo.

Por outro lado, também é verdade que podemos, enquanto leitores, dar vida à encenação nos bastidores do nosso consciente, embora isso não impeça a distância e fragilidade do texto, desde logo porque não foi com essa ideia que o texto foi criado, e este é o meu ponto fulcral. Ao contrário de Cervantes, Shakespeare não estava a tentar conversar com o leitor, mas antes a tentar impressionar o espectador.  O objetivo das suas linhas assentam na maquinação de cenas vivas — visuais, sonoras e atores —, é isso que podemos tentar ver, antecipar ao ler, mas ao fazê-lo damos connosco no isolamento da relação com o texto, ausentes de performers e público.

"Lear and Cordelia in Prison" (1779) de William Blake

Dito isto, quero dizer que “Rei Lear”, tal como “Hamlet” e “Macbeth”, impressiona, pelo modo como nos envolve, nos instiga a seguir a história, como nos aproxima e distancia dos diferentes personagens. Não me parece que se ganhe, entrando em atos de pura interpretação simbólica, como os realizados por alguns académicos, incluindo Freud. O texto é claro e fala da chegada a uma idade em que todo o ser humano se questiona sobre as suas faculdades, focando-se sobre os efeitos de legado e sucessão, algo que desde tempos imemoriais tem provocado guerras atrás de guerras, e ainda hoje é capaz de provocar as maiores cisões familiares, desde as que muito têm às que nada têm, denotando mais uma vez a centralidade dos textos de Shakespeare que o tem mantido sempre atual.