Mostrar mensagens com a etiqueta modernismo. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta modernismo. Mostrar todas as mensagens

fevereiro 01, 2019

Mann, Adorno e Schoenberg: holocausto e modernismo

"Doutor Fausto" (1947) pode ser lido como romance, e foi assim que o li, mas requer todo um enquadramento que deveria preceder qualquer edição do mesmo, para que não se torne em algo completamente incompreensível. Ainda que as obras se devam valer per se, obras com a densidade de "Doutor Fausto" requerem contexto, não apenas sobre o autor, mas especialmente sobre a sua génese. Sem isso, corremos o risco de nos colocar na posição de Italo Calvino aquando da sua leitura: "Eu passo as tardes aqui deitado nas pedras, de barriga ao sol, a ler Thomas Mann, que escreve muito bem sobre muitas coisas que são completamente incompreensíveis para mim” (1950).


Mann tinha 72 anos, tendo iniciado a sua carreira 50 anos antes, com a publicação de uma obra que para muitos escritores seria o derradeiro pináculo do virtuosismo de escrita, "Os Buddenbrook" (1901) (é a esta sua primeira obra que o Nobel faz referência, e não à "A Montanha Mágica" (1924), como esperaríamos). 50 anos depois, sempre a escrever livros, crónicas, cartas, peças, manifestos e discursos políticos, não transformariam o virtuosismo dessa escrita,  mas transformariam completamente o seu intelecto, a sua capacidade para ler e descrever as entrelinhas do real. "A Montanha Mágica" tinha sido um demonstrativo disto mesmo, um partir da descrição das relações humanas dos seus personagens para a discussão dos motivos filosóficos subjacentes. "Fausto" vai muito para lá da "Montanha", já que deixa para trás completamente o foco dos elementos base do romance, os personagens e suas intrigas, para se entregar totalmente à discussão de conceitos e fundamentos teóricos de suporte à constituição da realidade.

Para compreender "Doutor Fausto", não basta enquadrar Mann como exilado na Califórnia pelo nazismo, e toda a destruição humana de um povo que grassava na Europa Central. É preciso situar nesse lugar de exílio duas outras pessoas, alemães também exilados, Theodor Adorno, crítico e filósofo de estética, e Arnold Schoenberg, compositor e teórico musical. Os três homens representam, nas suas áreas, pináculos da arte e cultura germânica, o que de certo modo pode explicar a sua relação, pois se se aproximaram no exílio, logo acabariam por se separar, desavindos os três. E no entanto, na exata mesma altura, em 1947, produziram os três, obras maiores das suas carreiras:

Thomas Mann (1875), "Doutor Fausto" (1947)
Theodor Adorno (1903), "Dialética do Iluminismo" (1947) (co-escrito com Max Horkheimer)
Arnold Schoenberg (1874), "Sobrevivente de Varsóvia" (1947)

Se destaco aqui estas três obras não é por terem apenas sido criadas por artistas alemães no exílio americano, e no mesmo ano, ou ainda porque as três obras são respostas à emergência, impacto e efeitos do Nacional Socialismo de Adolf Hitler na Europa, mas também porque as três estão ligadas na sua criação, relação dialógica estabelecida entre os três criadores, antes e depois da publicação das obras. E por isso para compreender qualquer uma destas obras em toda a sua extensão, é necessário compreender o que subjaz a cada uma delas individualmente.

"Doutor Fausto" apresenta-nos um personagem, Adrian Leverkühn, como um prodígio à nascença, sempre na frente dos seus pares e professores, que acabaria por desembocar tarde na música, e que por isso não poderia tornar-se um virtuoso do instrumento, mas tornar-se-ia num virtuoso da composição e por isso mesmo ansioso por inovar e transcender o status quo musical. Mann leva Adrian a conhecer o Diabo e a estabelecer o pacto faustiano, a partir do que então Adrian acaba a produzir a sua grande inovação musical (a que é dedicado todo o capítulo 22), na forma do sistema atonal ou dodecafonismo (invenção real de Schoenberg). Esta síntese é o núcleo de todo o livro, e ao mesmo tempo o que une Mann, Adorno e Schoenberg, e também o que os separará.

Para Mann, Adrian, personagem decalcado de Nietszche, é o representante do super homem: puro, inteligente e perfeito. Para quem os demais existem apenas para o seguir. Os seus ideais estão acima das necessidades e prazeres mundanos, interessa-lhe apenas atingir o zénite da perfeição, da eleição supra-humana. O mal estaria na Natureza que tudo corrói com a sua organicidade, incerteza, e imperfeição. Cabe ao Homem desenhar, delinear e construir a perfeição. Mann dá assim corpo ao mundo professado pelo Nacional Socialismo de Hitler.

Adorno, vinha trabalhando ideias relacionando o Iluminismo e a catástrofe alemã, tendo uma primeira versão de "Dialética do Iluminismo" surgido em 1944. Para Adorno (e Max Horkheimer com quem co-escreve a obra), a intervenção do Estado, tanto na forma do comunismo que grassava na URSS, como na forma do nacional socialismo que abraçava a Alemanha, ditava o fim Iluminista, apesar de paradoxalmente defenderem uma racionalização da produção artística, como se vê em Adrian. Segundo Adorno, a modernidade com toda a sua racionalidade e  avanços científicos, não tinha sido capaz de libertar a sociedade, antes estava a fazer o seu contrário, daí o ataque à razão, por ter chegado ao estado de irracionalidade. O problema apresentava-se pela imposição do modelo de massas dessas ideologias, que levavam ao desaparecimento da individualidade e a liberdade humanas. Como Mann diz em "Doutor Fausto", “a liberdade é apenas outro termo para designar a subjetividade”, ou seja, é a partir da subjectividade que se pode elevar a inovação e transcendência artística e estética. Para Adorno, a produção cultural massificada pelo estado, base do seu conceito "indústrias culturais", não ofereceria "a revolução social" professada por Marx, mas antes o totalitarismo, capaz de pela homogeneização cultural adormecer a individuação e tornar as massas passivas. (Diga-se em abono da realidade de hoje, que o capitalismo não se diferencia muito destes modelos culturais, podendo nós ver essa mesma homogeneização a grassar nas playlists das rádios, nas tabelas de livros mais vendidos e nos filmes mais vistos, todos de Hollywood. A grande diferença é que a liberdade permitida pelo capitalismo abre espaço a nichos e franjas, acabando por paradoxalmente serem estas as responsáveis pelos avanços na estética da cultura dita de massas).

Assim, e se Mann e Adorno parecem sintonizar-se na crítica, o terceiro elemento da equação, Arnold Schoenberg, parece ter surgido nas mãos destes como ovelha a levar ao altar do sacrifício. Repare-se que Mann, ao seguir esta linha, apresenta o dodecafonismo, a invenção da vida de Schoenberg, não apenas como fruto de um pacto com o Diabo, mas como a encarnação do ideal Nazi. Nem Mann nem Adorno eram entusiastas do modernismo que para eles era apenas um sinal da racionalização na busca de uma suposta perfeição contra a imperfeição oferecida pela natureza.

Para entrar dentro da discussão e não apenas compreender mas sentir, já que de arte se trata, é necessário parar e voltar à produção artística do modernismo. Colocar como música de fundo, "Erwartung" (1909) de Arnold Schoenberg, o exemplo maior das suas composições atonais, fugindo ao sistema tonal, o modo mais harmónico e natural como ouvimos a música. Enquanto ouvimos, podemos pousar o nosso olhar sobre "Les demoiselles d'Avignon" (1907) de Picasso, em que o primeiro exemplar do cubismo, transfigura o modo como vemos e concebemos a representação tridimensional do real. E por fim, abrir "Ulisses" (1924), no seu capítulo final, e seguir o fluxo de consciência de James Joyce que foge a todo e qualquer modelo narrativo.


"Erwartung" (1909) de Arnold Schoenberg, Audio e Partitura

"Les demoiselles d'Avignon" (1907) de Picasso
"(...) I love flowers Id love to have the whole place swimming in roses God of heaven theres nothing like nature the wild mountains then the sea and the waves rushing then the beautiful country with the fields of oats and wheat and all kinds of things and all the fine cattle going about that would do your heart good to see rivers and lakes and flowers all sorts of shapes and smells and colours springing up even out of the ditches primroses and violets nature it is as for them saying theres no God I wouldnt give a snap of my two fingers for all their learning why dont they go and create something I often asked him atheists or whatever they call themselves go and wash the cobbles off themselves first then they go howling for the priest and they dying and why why because theyre afraid of hell on account of their bad conscience ah yes I know them well who was the first person in the universe before there was anybody that made it all who ah that they dont know neither do I so there you are they might as well try to stop the sun from rising tomorrow the sun shines for you he said the day we were lying among the rhododendrons on Howth head in the grey tweed suit and his straw hat the day I got him to propose to me yes first I gave him the bit of seedcake out of my mouth and it was leapyear like now yes 16 years ago my God after that long kiss I near lost my breath yes he said I was a flower of the mountain yes so we are flowers all a womans body yes that was one true thing he said in his life and the sun shines for you today yes that was why I liked him because I saw he understood or felt what a woman is and I knew I could always get round him and I gave him all the pleasure I could leading him on till he asked me to say yes and I wouldnt answer first only looked out over the sea and the sky I was thinking of so many things he didnt know of Mulvey and Mr Stanhope and Hester and father and old captain Groves and the sailors playing all birds fly and I say stoop and washing up dishes they called it on the pier and the sentry in front of the governors house with the thing round his white helmet poor devil half roasted and the Spanish girls laughing in their shawls and their tall combs and the auctions in the morning the Greeks and the jews and the Arabs and the devil knows who else from all the ends of Europe and Duke street and the fowl market all clucking outside Larby Sharons and the poor donkeys slipping half asleep and the vague fellows in the cloaks asleep in the shade on the steps and the big wheels of the carts of the bulls and the old castle thousands of years old yes and those handsome Moors all in white and turbans like kings asking you to sit down in their little bit of a shop and Ronda with the old windows of the posadas 2 glancing eyes a lattice hid for her lover to kiss the iron and the wineshops half open at night and the castanets and the night we missed the boat at Algeciras the watchman going about serene with his lamp and O that awful deepdown torrent O and the sea the sea crimson sometimes like fire and the glorious sunsets and the figtrees in the Alameda gardens yes and all the queer little streets and the pink and blue and yellow houses and the rosegardens and the jessamine and geraniums and cactuses and Gibraltar as a girl where I was a Flower of the mountain yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes."
Excerto final do Monólogo de Molly Bloom, in "Ulysses" (1924), James Joyce

Podemos questionar porque Mann atacou a música e não as letras, o seu domínio artístico. Aliás, Mann não era músico, daí que todas as discussões sobre composição musical tenham sido completamente trabalhadas pelo próprio Adorno no livro. Mas a meio de "Doutor Fausto", Mann explica que a literatura era a arte dos franceses, sendo a música a verdadeira arte de tradição alemã, evocando-se continuamente os seus grandes representantes Bach e Beethoven. Temos assim o classicismo, o belo rítmico e tonal, contra o modernismo, niilista e atonal. Mann vê neste modernismo, tal qual professado por Adorno, todos os traços que definiriam a emergência do barbarismo na Alemanha. O racionalismo do humano voltando-se contra si próprio.

O primeiro problema surge pelo facto de Mann ter utilizado a invenção dos doze-tons de Arnold Schoenberg, como fundamento do seu personagem, usando de toda a retórica de Adorno para a explicitar aos comuns leitores, sem nunca, em parte alguma do texto admitir que a invenção pertencia a Schoenberg (problema colmatado mais tarde com uma nota no final do livro). Mas vai mais longe, já que Schoenberg era ele próprio judeu, e exilado na Califórnia, onde convivia com Mann e Adorno. Schoenberg, talvez por ser judeu e ter sentido na pele a força do anti-semitismo, tentou por meio da sua influência defender a separação e criação do Estado-judeu. Schoenberg temia o Holocausto, bastante antes deste ter acontecido. Contudo Mann recusou-se a aceitar tal, para Mann isso seria a aceitação dos princípios do fascismo, e daí a sua desavinda com Schoenberg.

"A Survivor from Warsaw, Op. 46" (1947) de Arnold Schoenberg

Mas talvez o maior questionamento de toda a obra, não só de Mann mas também de Adorno, e que começa com Schoenberg, mas se estende a todo o modernismo, sejam os fundamentos das suas interpretações. Olhar para o modernismo como mera racionalidade da forma, como objeto formal incapaz de produção de sentido é de um reducionismo extremo. Se podemos dizer que "Les demoiselles d'Avignon" são mais forma, poderemos dizer o mesmo de "Guernica"? E se podemos atacar o formalismo da atonalidade de Schoenberg, o que podemos dizer do dodecafónico "Survivor from Warsaw" de Schoenberg? No fundo, Mann deixou-se seduzir por uma excelente narrativa criada por Adorno, que não era mais do que uma interpretação, uma das muitas teorias explicativas da arte e realidade, e no caso concreto do Holocausto não têm faltado grandes teorias sobre o sucedido.

Quanto à experiência de leitura de "Doutor Fausto", não posso dizer que se compare com o trabalho apresentado em "Os BuddenBrook" nem em "A Montanha Mágica". A escrita continua magnificente, o tema como visto acima é poderoso e altamente instigante, mas Mann falha na construção de um romance. O que temos é um livro de não-ficção disfarçado de romance, Mann fala num trabalho de "montagem" em que foi cosendo "dados factuais, históricos, pessoais e literários" [1], que acaba por fazer dos personagens do romance meros peões ao serviço de tudo aquilo de que se quer verdadeiramente falar. É uma leitura que se alonga, porque não se percebe para onde nos quer levar, criando por vezes enfado, perdendo amiúde a atenção do leitor, mantendo no entanto a chama acesa por graça da elevação e beleza da escrita assim como pelo mundo de ideias que envolvem o romance.



Referências

1 - "Mephistopheles in Hollywood: Adorno, Mann, and Schoenberg" January 2004, James Schmidt

2 - Ursula Mahlendorf (1978) "Aesthetics, Psychology and Politics in Thomas Mann's "Doctor Faustus",  Mosaic: An Interdisciplinary Critical Journal, Vol. 11, No. 4, pp. 1-18

3 - "What Was Theodor Adorno Doing in Thomas Mann’s Garden? — A Hollywood Story",
Posted on July 9, 2013

4 - "Books of the Times", de Orville Prescott, New York Times, October 29, 1948,

5 - "The Devil as Advocate in the Last Novels of Thomas Mann and Dostoevsky" Adrian Del Caro, Orbis Litterarum 1988, 43, 129-152

6 - Adorno, T. W., with Max Horkheimer (1947) Dialectic of Enlightenment. Trans. Edmund Jephcott. Stanford: Stanford University Press

7 - Artigos na Wikipedia: Dialectic_of_Enlightenment, A_Survivor_from_Warsaw e Arnold_Schoenberg.

dezembro 25, 2016

"Ulisses", clímax do modernismo

Da primeira vez, há cerca de 20 anos, cheguei à página 50, da segunda, no ano passado, à 322, agora fui até ao fim (748). Serve isto apenas para traçar o caminho por mim seguido, mas de algum modo pode servir de indicador da potencial dificuldade que a obra representa a quem nela desejar aventurar-se.

Primeira edição, editada em França em 1922

“Ulisses” (1922) não requer grande contextualização, qualquer pessoa que goste de literatura já ouviu falar, e sabe o quão elevada é a sua estima no meio. Surgiu num período de grande ebulição artística, o modernismo, responsável pela criação de uma brecha no universo clássico da arte que abriria todo um novo mundo de conceitos, abordagens e perspectivas sobre a arte que a libertariam das suas amarras, permitindo aos artistas dar total liberdade à sua audácia. Surgindo deste caldo, “Ulisses” não se limitaria a subverter e inovar, iria transforma-se na obra definidora de todo o modernismo literário.

Mas antes de falar de “Ulisses” quero falar de Joyce. Considero que aquilo que foi feito nesta obra não está ao alcance de um simples desejo. São necessárias algumas qualidades cognitivas, que requerem alguma base biológica, mas acima de tudo enorme trabalho, dedicação e diria mesmo, obsessão:
“A memória de Joyce para palavras das suas próprias composições e para aquelas de todos os escritores que ele admirava era prodigiosa. Ele sabia de cor páginas completas de Flaubert, Newman, de Quincey, E. Quinet, A. J. Balfour e muitos outros (..) Tínhamos estado a falar de Lycidas de Milton, e eu queria citar algumas linhas de que gostava no poema. A minha memória cedeu, mas Joyce recitou todo o poema, do início ao fim, e continuou ainda com L’Allegro.” Frank Budgen, in James Joyce and the making of 'Ulysses’, 1934 
“incapaz de ler o capítulo do Finnegans Wake que iria gravar em 1929 nos estúdios de C. K. Ogden, ele [Joyce] decidiu recitar todo o texto de memória (..) Mas a história de que ele teria sido capaz de recitar para uma visita no hospital (quando se recuperava justamente de mais uma cirurgia oftalmológica) toda a página do livro que ela lia enquanto esperava já começa a apontar para o domínio do virtuosismo.” Caetano Galindo, in Sim, Eu Digo Sim — Uma Visita ao Ulysses de James Joyce, 2016
Ou seja, Joyce teria capacidades prodigiosas de memória, o que lhe serviu, e muito, na composição de “Ulisses”. A complexidade da fragmentação do enredo apresentado é desde logo uma demonstração impressionante dessa capacidade, uma vez que só uma memória muito exercitada conseguiria manter tantas pontas soltas, atadas e coerentes.

Mas se Joyce apresentava uma aparente sobredotação no campo da memória, as suas capacidades linguísticas não eram menos impressionantes. Existem vários trabalhos que tentam determinar o número de línguas em que era fluente, o seu obituário no New York Times aponta para 17, incluindo variações antigas e modernas do Grego e Árabe. Mesmo que pareçam demais, é fácil encontrar menções a mais de uma dezena como mínimo. Se a memória era vital para manter o enredo de “Ulisses” lógico, estas capacidades linguísticas foram fundamentais para construir uma percepção tão fina dos modos e estilos narrativos.

Voltando a “Ulisses”, devemos começar por compreender que estamos perante um texto composto de 18 capítulos, cada um deles escrito num estilo literário completamente distinto e único. Podemos mesmo dizer que qualquer um dos capítulos poderia ser autonomizado, dadas as suas estilísticas de escrita e narrativa. Cada capítulo pode ser um livro. Aliás, para muitos joyceanos, a leitura de “Ulisses” faz-se melhor lendo cada capítulo de forma independente, na ordem e tempo que a cada um aprouver. E no entanto, “Ulisses” é um texto profundamente coeso e coerente.

Ou seja, deste preâmbulo podemos desde já intuir que “Ulisses” não é apenas mais um livro do cânone literário, é um marco fundamental da arte escrita. Nas próximas linhas tentarei dar conta do que o torna especial e ao mesmo tempo dos problemas que essa singularidade levanta.

1 - Êxtase Artístico
O uso de diferentes estilos narrativos — no discurso e forma escrita — é só por si monumental, mas a sua racionalidade, o fusionar de forma e conteúdo, eleva todo o trabalho a um nível metaliterário. O resultado é um artefacto que à primeira vista parece incoerente, fundado no caos estilístico, mas que depois de compreendido, se torna profundamente íntegro enquanto corolário da mensagem narrada. Ou seja, Joyce não quer apenas contar uma história, Joyce quer plasmar essa história na forma escrita, quer que o texto seja parte e não mero veículo. O estilo não pode ser apenas estilo, o estilo é também conteúdo, e expressa em sintonia com aquilo que se quer dizer.

O exemplo mais marcante dessa estilística de "Ulisses" é o monólogo interior, ou fluxo de consciência (stream of consciousness). Joyce é comumente citado como o pai da técnica, apesar de se poderem encontrar vários exemplos precedentes do seu uso, e do próprio Joyce citar sempre Édouard Dujardin como o seu mentor. No entanto, "Ulisses" é responsável por tornar a técnica operacional nas suas diferentes formulações, e dá-la a conhecer à restante comunidade de escritores, que nos anos seguintes lhe dariam um uso intenso (ex. Italo Svevo, Virginia Woolf, William Faulkner). Mas não podemos, nem devemos, reduzir "Ulisses" ao monólogo interior, existem vários capítulos que usam variações da técnica, mas existem múltiplas outras técnicas em uso, desde a escrita jornalística, ao teatro ou narrativa clássica.

Toda esta variação estilística é, de certo modo, potenciado pelo virtuosismo do domínio linguístico de Joyce, mas quando analisado o conteúdo em detalhe, e percebemos que apesar de toda subversão, o texto fica muito longe dos experimentos surrealistas da época, ou seja, nada do que lemos em “Ulisses” é fruto do acaso, coincidência ou inexplicável. Tudo o que se discute tem uma base real, que vai ao pormenor geográfico, assim como tudo o que acontece tem uma causa e um efeito. Do mesmo modo, o texto contém em si mesmo todas as explicações, ainda que de forma não-linear e ultra-minimal. Temos, então, aquilo que podemos apelidar de virtuosismo de memória, ou seja, uma capacidade para: mentalmente ver o todo, não apenas na sua forma macro, mas em todo o seu detalhe.

Assim, a jornada caótica de Joyce, ao contrário da épica de Homero — que nos falava de reis valentes, proezas sobre-humanas, de humanos quase-deuses — procura dar conta da realidade experienciada pelo viver humano — a desordem e suas incertezas, as fragilidades e a insignificância de cada um de nós. Como dizia Dedalus no fecho do primeiro livro de Joyce:
“Sê bem-vinda, ó, vida! Vou, pela milionésima vez, ao encontro da realidade da experiência, para moldar na forja da minha alma a consciência incriada da minha raça.” in “Retrato do Artista quando Jovem” (1916) de James Joyce
Algo a que Joyce responderia no livro seguinte, este “Ulisses”, repescando a personagem de Dedalus para o perscrutar, como explicaria depois em entrevista:
“Em Ulisses gravei simultaneamente, aquilo que um homem diz, vê, pensa, e aquilo que esse ver, pensar e dizer faz, àquilo que os freudianos chamam de subconsciente.” James Joyce em entrevista, 1922
O resultado deste labor de Joyce é muito bem sintetizado nas palavras de Zadie Smith, que mais do que gostar de Joyce, diz respeitar a sua obra:
“quanto mais nos aproximamos da realidade da experiência mais bizarra esta DEVE parecer na página e soar na boca, porque a nossa experiência real não vem empacotada em estruturas de três atos. Para mim, Joyce é o derradeiro realista porque ele procura transmitir como a experiência verdadeiramente se sente. E tendo percebido o seu caráter tão idiossincrático viu-se obrigado a inventar toda uma nova linguagem para a descrever.” Zadie Smith em entrevista 
Estas condições fazem com que “Ulisses” se apresente diante de nós num texto profundamente experimental, de grande inovação artística. Mas talvez, ainda mais impressionante, para mim, foi o facto de tudo ser apresentado num modo notavelmente amadurecido, como se para Joyce toda esta forma de contar histórias sempre tivesse existido.

2 - Problemas desse Êxtase
Apesar de reconhecer o brilhantismo do trabalho apresentado por Joyce, e apesar de ter, ao fim de três tentativas, chegado ao final da sua leitura, continuo a manter várias reservas. Existe um misto de sensações que o livro despoleta, desde logo porque temos muitos livros dentre de um único, e aquilo que nos dá prazer num, já não surge noutro, assim como aquilo que menos gostamos, também acaba por desaparecer. "Ulisses" como qualquer obra experimentalista não poderia nunca ser perfeita, e por isso, não minorando em nada tudo aquilo que representa, quero deixar um conjunto de apontamentos sobre aquilo que menos gosto, ou considero mais problemático.

A monumentalidade. A densidade do experimento, nomeadamente o número de estilos, que obrigam o leitor a um esforço apenas ao alcance de um estudo literário aprofundado de nível universitário. Alvo de inúmeras críticas, que questionam até que ponto o propósito não passou por tornar-se difícil e inacessível apenas por mero exibicionismo.

O conceptualismo. Muitos dos estilos usados trabalham num registo de ultra-minimalismo, nomeadamente os monólogos interiores mais extremistas, e assim apesar do texto conter em si mesmo todas as explicações, estas não são passíveis de serem descodificadas sem o acesso a explicações e dados exteriores à obra. Daí que Joyce se tenha visto obrigado a criar esquemas de ajuda à leitura, tendo um dos grandes amigos de Joyce, Frank Budgen, que consigo passou os anos de escrita de “Ulysses”, sido responsável pelo maior manancial de informação de suporte à descodificação da mesma. A isto junta-se claro a necessidade de o leitor possuir um conhecimento bastante alargado do cânone literário, que fazendo as delícias dos académicos complica a vida ao leitor médio.

A fragmentação. Que Joyce usa por vezes de forma extrema, obrigando a reter muita e muita informação, ao longo de centenas de páginas até ser explicada ou confirmada. Desta forma, Joyce espera que de algum modo os leitores apresentem uma capacidade de memória próxima da sua, e assim consigam edificar o mundo de “Ulisses” mentalmente, reconstruindo para sentir. Esta não-linearidade intensa questiona inevitavelmente a narratividade da obra, a ponto de podermos dizer que em certos momentos, temos mais jogo do que narrativa. O leitor tem de jogar com as peças da obra para delas obter sentido, não se pode quedar estático a aguardar que o sentido lhe seja entregue no final de cada ato.

O humor britânico. O constante gozo com tudo e todos que coloca tudo em dúvida, rasteirando ainda mais a pouca verdade que o leitor vai descortinando. Se torna a obra menos pesada por não se focar na tragédia, torna-a menos acessível, já que juntamente com os problemas acima identificados afasta ainda mais o leitor de conseguir dar sentido ao que vai lendo.

O grotesco. Na ânsia por revelar a experiência humana mais pura, numa clara fuga ao classicismo — o belo — Joyce dá-nos a sentir um universo algo dantesco. Por um lado temos o choque constante entre a religião e o sexo que explica muita de celeuma e problemas com a publicação original, mas o que mais nos arrasta é a ausência de traços atrativos nos seus personagens, todos eles são ingenuidade cómica carregada dos mais elementares defeitos humanos.

3 - Experiência de Leitura
Joyce criou uma obra inigualável, marcou a arte, e ficará para sempre como referência literária. Contudo, ao testar os limites da arte literária, testava também os limites cognitivos dos seus leitores. O modelo clássico de narrativa — os tais três atos — que utilizamos não foi inventado por alguém que se lembrou de que seria a melhor forma de contar uma história. É antes fruto de um processo evolucionário que foi melhorando ao longo de milénios, na transmissão de informação de geração para geração. A narrativa clássica é fundamental para que o processo de transferência entre humanos ocorra de forma eficiente. Ora o que Joyce faz aqui é destronar este modelo, criando toda uma nova linguagem literária, baseada na percepção do modo como pensamos, do como nos tornamos conscientes do mundo.

É uma busca lógica, e que temos de lhe agradecer. “Ulisses” é um portento experimentalista no teste dos limites da compreensão humana da realidade, no modo como podemos olhar para dentro de nós e tentar compreender como compreendemos o mundo. Contudo ao fazê-lo Joyce ignora totalmente um segundo aspeto, vital da arte, e que é a comunicação. Ou seja, não basta olhar para dentro de si e tentar construir uma forma que se assemelhe ao seu interior, teria sido importante que sobre tudo isso, Joyce tivesse ainda processado tudo por meio de uma segunda camada, refletindo sobre o modo como poderia comunicar todo esse “mundo” percepcionado aos outros, a quem o lê. De outro modo, acaba a falar sozinho, ou neste caso, para académicos.

4 - Modos de Ler
Se dúvidas houvesse quanto à validade dos guias de leitura de “Ulisses”, seria o próprio Joyce, que pouco depois da primeira publicação, criaria dois esquemas explicativos de “Ulisses” para dar a amigos próximos (Stuart Gilbert e Carlo Linati) e assim os ajudar a compreender de que era feito o que liam. Os guias, estes esquemas de Joyce assim como os múltiplos livros entretanto escritos, servem na redução da complexidade, orientam o leitor alicerçando a leitura. De certa forma, os guias fazem aquilo que Joyce deveria ter feito na descrição do seu mundo interior, criam uma série de degraus intermédios que permitem aceder aos degraus mais íngremes de “Ulisses”.

Ainda assim, devemos dizer que “Ulisses” não tem uma forma única de ser lido. Cada leitor deve procurar a melhor forma de o fazer para si, e procurar as ajudas que melhor sirvam os seus propósitos. Deve saber de antemão que não é possível compreender muito do que está em “Ulisses” sem ajudas externas, o que não invalida a possibilidade de retirar imenso prazer da sua leitura sem as mesmas desde que não sinta a obsessão por compreender tudo aquilo que lê.

Partindo dos esquemas de Joyce, é preciso saber que as atuais edições de "Ulisses" tendem a replicar a edição original sem identificação de capítulos. No passado, a edição Livros do Brasil, identificava e numerava os capítulos seguindo os esquemas, apresentando em notas de rodapé as restantes informações fornecidas por Joyce. Mas, tanto a nova tradução de Jorge Vaz Carvalho para Relógio D’Água como a de Caetano Galindo para Companhia das Letras, seguem a primeira edição, sem qualquer menção a capítulos.

Tradução de Jorge Vaz Carvalho de 2013 na Relógio D'Água

Quanto aos guias de interpretação, a escolha é enorme, desde guias detalhados a biografias de Joyce. Uma simples pesquisa por guias de "Ulisses" retorna rapidamente centenas de opções nas mais diversas línguas. Optei por utilizar apenas um livro guia, em vez de andar a saltitar entre vários.  “Sim, Eu digo Sim” (2016) foi escrito pelo tradutor de "Ulisses" no Brasil, com a particularidade de ser dos guias mais recentes disponíveis. Recomendo vivamente porque faz da leitura uma travessia não apenas menos árdua mas também bastante mais prazeirosa.

"Sim, Eu Digo Sim" (2016) de Caetano Galindo

Por outro lado, se preferirem algo menos elaborado, ou de mais rápida consulta, a web apresenta-se hoje como um manancial de ajuda inestimável, desde a Wikipedia a dezenas ou mesmo centenas de páginas de professores universitários, e fãs de Joyce, que procuram ajudar, explicar e desmistificar o universo de Joyce. Aliás, ler hoje Joyce, é uma experiência com certeza muito diferente de quem o leu na sua primeira edição. Assim, as duas páginas da Wikipedia (em inglês, já que as páginas portuguesas apresentam-se resumidas) dedicadas a James Joyce e a “Ulysses” devem servir desde logo como ponto de partida. Acrescentaria, os sumários do professor John Rickard, especialista em Joyce, que oferece numa página web completamente despretensiosa, um dos guias mais reduzidos, mas também mais úteis que encontrei. Rickard apresenta a divisão do livro nos capítulos seguindo Joyce, identificando os atributos dos mesmos, ao que junta, pequenos sumários de cada capítulo e ainda ligações dos mesmos a brevíssimas sínteses da “Odisseia”.

"Odisseia" (VII a.c.) de Homero

Se os guias são relevantes, é verdadeiramente fundamental a existência de um lastro de leituras prévias, algo que um guia não pode oferecer, ainda que possa dar pistas. Joyce cita quase todo o cânone literário que o precede, daí que ter lido uma boa parte desse, ajudará imenso. No entanto, como se percebe do parágrafo anterior, a leitura de “Odisseia” é um quesito obrigatório. Ler “Ulisses” sem ter lido “Odisseia” é um pouco como mergulhar num lago à noite. Não se vê o fundo, e o medo assola. Aconteceu-me em 2015, daí ter desistido a meio do mergulho. Depois de ter lido a “Odisseia” (análise), “Ulisses” ganhou toda uma quantidade de focos de luz, que permitiram guiar o meu mergulho e tocar no fundo do lago. Para além da “Odisseia” considero também relevante a leitura de “Retrato do Artista quando Jovem” (análise), o primeiro livro de Joyce, no qual podemos encontrar um dos personagens principais de “Ulisses”, Stephen Dedalus. Relevante é ainda Shakespeare, com particular destaque para “Hamlet” (análise) que é amplamente discutido em “Ulisses”.

Dois livros que não li mas considero que deveria ter lido antes, “Dublinenses” e “A Divina Comédia”. O primeiro representa um livro de contos de Joyce, no qual muitas das personagens secundárias de “Ulisses” são apresentadas e definidas, tal como a própria cidade de Dublin, palco total de “Ulisses”. Quanto a Dante, é sem dúvida central em muitas das descrições de Joyce, nomeadamente no modo como trabalha algum do grotesco, mas mais ainda na luta teológica que trespassa grande parte do texto.

"Ulysses" (1967) de Joseph Strick

"Bloom" (2003) de Sean Walsh

Por fim, servindo aqueles mais visuais, aqueles que apresentam maior dificuldade em visualizar textos escritos e requerem pistas visuais para edificar os universos ficcionais. Diga-se que Joyce não é muito amigo destes. Talvez o facto de ter grandes problemas de visão tenha contribuído para que os livros de Joyce sejam muito pouco visuais. Por outro lado, o facto de Joyce se deter quase todo o tempo dentro da cabeça dos seus personagens, não ajuda nesse trabalho de visualização, que é algo muito dependente de externalidades. Assim para estes, existem dois filmes — “Ulysses” (1967) e “Bloom” (2003). Tendo visto ambos, nenhum é muito fácil de encontrar, mas também nenhum é muito bom, contudo poderão ajudar na criação de âncoras mentais de suporte à edificação do universo de “Ulisses” e assim facilitar também a leitura.

5 - O meu pequeno guia
Ao longo da minha leitura fui escrevinhado bastante sobre o que fui lendo, partes dessas escritas estão vertidas ao longo deste texto, outras foram sendo agilizadas como guia de leitura, para me orientar e solidificar algumas das ideias que fui construindo sobre o que ia lendo. Deste modo, resolvi editar um pouco essas notas, e deixá-las aqui para servir a quem o desejar.

Síntese narrativa: Dois homens encontram-se em Dublin. Stephen Dedalus, um jovem professor, armado em intelectual, e Leopold Bloom, um vendedor de publicidade casado com Molly Bloom, a mulher que passa a vida a traí-lo. Toda a história é passada num único dia, 16 de junho 1904 (conhecido hoje como Bloomsday, e o dia em que Joyce conheceu a sua esposa), sendo que a grande maioria do que se discute acontece no interior das mentes destes três personagens.

Estrutura: Segue estritamente as divisões em quadros da “Odisseia”, pondo em cena metáforas dos seus múltiplos episódios, desde as Sereias e Ciclopes, a Circe, Hades, e Nausicaa.

Personagens: Stephen Dedalus (o "filho" Telémaco), Leopold Bloom (o pai Ulisses) e Molly Bloom (a mulher Penélope)

Capítulos: as divisões de Joyce, com brevíssimas sínteses.

Parte I - A Telemaquia
01. Telémaco, A Torre, 8:00, Narrativa (jovem)
Introdução de Stephen Dedalus e seus compinchas.

02. Nestor, A Escola, 10:00, História Catequismo (pessoal)
Dedalus na escola, dá uma aula aos seus pequenos alunos.

03. Proteu, Beira-mar, 11:00, Monólogo (masculino)
Dedalus filosofa em monólogo interior, ou fluxo de consciência, à beira-mar.

Parte II - As Viagens de Ulysses
04. Calipso, A Casa, 08:00, Narrativa (madura)
Introdução de Leopold Bloom e Molly Bloom

05. Lotus Eaters, O Banho, 10:00, Narcissismo
Discute-se do efeito hipnótico da religião.

06. Hades, O Cemitério, 11:00, Incubismo
Discussão em redor da Morte

07. Éolo, O Jornal, 12:00, Entimema
Discussão na redação de jornal, “visto” a partir da escrita jornalística.

08. Lestrigões, O Almoço, 13:00, Peristáltico
Trocadilhos com comida.

09. Cila & Charybdis  A Biblioteca, 14:00, Dialética
Análise de Hamlet, pelos críticos e académicos.

10. Nas rochas, As Estradas, 15:00, Labirinto
Sincronia de histórias com as personagens secundárias passeando por Dublin.

11. Sereias, Sala Concerto, 16:00, Fuga per canonem
Escrito na forma musicada, em que o ritmo funciona como canto hipnótico das sereias.

12. Ciclopes, A Taverna, 17:00, Gigantismo
Narrador desconhecido vai descrevendo a Irlanda e os irlandeses de um modo épico.

13. Nausicaa, As Rochas, 20:00, Tumescência
A escrita segue o estilo do romance do séc. XIX, em direção ao êxtase masturbatório de Bloom.

14. Gado do Sol, O Hospital, 22:00, Desenvolvimento Embriónico
Dedalus e Bloom encontram-se no Hospital. O capítulo é escrito na forma de gestação, iniciando-se com as potenciais primeiras frases e progride cronologicamente através da evolução da língua inglesa. Para mim, o mais impressionante de todos os capítulos.

15. Circe, O Bordel, 00:00, Alucinação
Total colagem a “Odisseia”, e aos dotes de Circe para a feitiçaria, maldições, sonhos e visões, tolhidos por muito desejo sexual e vingança. Um capítulo completamente alucinatório.

Parte III - Nostos (O regresso)
16. Eumeu, O Abrigo, 01:00, Narrativa (antiga)
Estamos na madrugada do dia seguinte, imensamente cansados, e o estilo adotado pelo texto espelha esse cansaço, a ponto de tornar-se no capítulo mais aborrecido de todo o livro.

17. Itaca, A casa, 02:00, Catequismo (impessoal)
Escrito na forma Pergunta-Resposta tipo livro de catequese, com tom de objetividade que nos distancia da emocionalidade dos personagens. Responde a muitas interrogações que se foram levantando ao longo do livro.

18. Penélope, A Cama, 03:00, Monólogo (feminino)
Um dos capítulos emblemáticos de Ulisses, conhecido também como Mollylóquio, por se tratar de um longo monólogo interior de Molly, escrito em fluxo de consciência, sem vírgulas, pontos finais, ou qualquer outra forma de pontuação. Em termos sensoriais é contrário ao capítulo anterior, com a emoção bruta a contrapor à racionalidade.