Os argumentos dos Estado Europeus para a manutenção dos Jogos de Azar — Euromilhões, Raspadinhas, etc. — defendem que são a melhor forma encontrada para manter vivos dezenas de projetos sociais e culturais. Sem estas, centenas de projetos relevantes cairiam, e seria necessário encontrar alternativas no Estado para os manter. Assim, em termos puramente abstratos, as Raspadinhas são vistas pelos Estados como Impostos Voluntários. As pessoas só "pagam" se quiserem, e desse modo cria-se um instrumento de geração de receitas adicionais que não é contabilizado enquanto tal, e que é, dizem ou querem fazer acreditar, igual para todos. Só há um senão, é que a ideia de Voluntário e Equitativo não tem sustentação.
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maio 20, 2021
fevereiro 22, 2020
"The Magus" de John Fowles
"The Magus" (1965) é um romance de género, encaixando perfeitamente no domínio dos thrillers psicológicos, ainda que escrito nos anos 1960 e por isso claramente rodeado de tiques culturais da época, o que por vezes faz com que se movimente por ambientes mais próprios ao drama psicológico. O livro é por vezes catalogado como dirigido a um público adolescente, contudo tal não é sustentado, apesar de apresentar um universo de aventuras e muitas vezes pouco refletido, isso terá mais que ver com o facto de ser a primeira obra escrita pelo autor do que com a sua intenção de comunicar diretamente para esse público. Dito isto, é um livro que se lê muito bem, desde logo porque John Fowles é um mestre na arte de contar histórias, conseguindo levar-nos a virar páginas sem darmos por isso. Quanto ao conteúdo, àquilo que Fowles teria para dizer, é algo mais complicado, mas que procurarei elucidar nos parágrafos seguintes.
Cheguei a este livro por meio de pesquisas por livros que fazem uso de condições de jogo no desenho da narrativa. A partir daí, os resultados das resenhas que li davam conta de um livro de grande interesse, capaz de surpreender e apresentar grandes respostas, um livro que torce a mente do leitor e o deixa a refletir. Por outro lado, conhecia o autor pela sua obra mais famosa “O Colecionador”, que ainda não li. Confesso, que logo nas primeiras páginas fiquei completamente agarrado pelo estilo de escrita. Muito direta, clara e simultaneamente misteriosa. Fowles escreve de uma forma aparentemente simples, parecendo que está a relatar a maior banalidade, contudo ao fazê-lo vai omitindo imenso sobre o que se está a passar, e são essas omissões que agarram a nossa imaginação, que nos prendem ali, para tentar a partir das linhas e páginas subsequentes descortinar totalmente o que está a acontecer. Contudo, ao fim de 1/3 comecei a sentir algum cansaço, apesar da escrita me manter ali, o motivo daquele universo parecia não mexer para lado nenhum, mas mantive-me porque das resenhas que tinha lido, era relatado isto mesmo, e fortemente aconselhado a continuar a leitura até ao final, o que acabei fazendo, apesar da extensão do livro.
Depois de terminar, dei por mim a questionar-me sobre o que tinha acabado de ler. Tudo o que foi sendo apresentado, foi sucessivamente questionado pelo texto e reapresentado sob outras perspetivas e possibilidades. Confesso que é difícil, e mesmo chato continuar a escrever sem tornar o enredo um pouco mais claro, além de que tal acaba por apenas contribuir para o modo misterioso como escreve o autor, e assim incitar a que se vá ler. Por isso ter acontecido comigo, vou tentar ser um pouco mais claro, sem contudo revelar essências da história.
Assim, contextualizando, os acontecimentos centrais dão-se numa ilha grega, quando o nosso protagonista, britânico solteiro e formado em Oxford, vai trabalhar para um colégio tipo inglês nessa ilha. Nicholas Urfe, o nosso jovem professor, encontra alguns concidadãos a viver na ilha, trava amizade com eles, a partir do que vão surgir um conjunto de eventos esotéricos que envolvem pessoas que aparecem e desaparecem, hipnotismos, seduções imersas no luxo, mas tudo isso vai sendo simultaneamente envolvido em grandes doses de racionalização e argumentação e até alguma ciência. Ou seja, Fowles cria um universo perfeitamente paradoxal, no qual pode exercer o seu total controlo para manipular o leitor, e levá-lo a acreditar em coisas diferentes, no virar de cada novo capítulo. Daí que o autor tenha tido como nome inicial para o livro, "Godgame". Ao longo do livro, somos continuamente postos a prova, desconfiamos de tudo, não sabemos a razão de nada, e chegado ao final do livro continuamos sem nada saber.
Posso dizer que ainda investi algum tempo a tentar dar conta da grande ideia ou mensagem que Fowles tinha para passar, mas rapidamente desisti, pois percebi que era uma miragem. Fowles escreveu este livro como experimento de escrita, tanto que não o publicou imediatamente, só depois de publicar um primeiro livro de contos. O livro decalca muito de perto a vida de Fowles, dando conta da dificuldade do autor em se desprender do seu mundo, tendo usado a escrita como modeladora de experiências, o que acaba a confundir-se com o próprio livro, e provavelmente sem se aperceber, acaba por tornar o livro algo distinto. Ou seja, no livro temos um grupo de pessoas que geram experiências e colocam as pessoas à prova, neste caso, Fowles cria o livro para colocar o leitor à prova. Desta forma, o livro torna-se relevante no meio literário não pelo que tem para dizer, mas antes pelo modo como simula no processo de leitura, exatamente a experiência que vai descrevendo. Por isso não admira que o livro surja por vezes citado como meta-ficção, apesar dessa poder apenas ser realizada na imaginação do leitor.
Em suma, é uma leitura prazeirosa, mas não posso dizer que surpreenda, ou seja capaz de elevar a experiência a níveis de espanto. Sim, mantem-nos às escuras e cria em nós uma vontade de chegar “à verdade”, mas ao mesmo tempo denota em excesso as manias dos anos 1960, dos esoterismos e psicanálise aos transcendentalismos. Por isso mesmo acaba denotando um certo pendor adolescente, pouco interessado em produzir um cenário mais sólido e ligado à realidade. Contudo, esta seria sempre a abordagem de Fowles nos seus romances, como ele diria nas entrevistas, já que ele não acreditava na ficção como algo indicado ao relato de ideias sérias. Aliás, ele diria mesmo sobre este livro em concreto: "It must remain a novel of adolescence, written by a retarded adolescent" (1977). Apesar disso, disse também algo que me deixou a refletir, nomeadamente sobre o seu percurso enquanto escritor:
Capa da primeira edição que dá conta dos cenários esotéricos criados por Fowles
Cheguei a este livro por meio de pesquisas por livros que fazem uso de condições de jogo no desenho da narrativa. A partir daí, os resultados das resenhas que li davam conta de um livro de grande interesse, capaz de surpreender e apresentar grandes respostas, um livro que torce a mente do leitor e o deixa a refletir. Por outro lado, conhecia o autor pela sua obra mais famosa “O Colecionador”, que ainda não li. Confesso, que logo nas primeiras páginas fiquei completamente agarrado pelo estilo de escrita. Muito direta, clara e simultaneamente misteriosa. Fowles escreve de uma forma aparentemente simples, parecendo que está a relatar a maior banalidade, contudo ao fazê-lo vai omitindo imenso sobre o que se está a passar, e são essas omissões que agarram a nossa imaginação, que nos prendem ali, para tentar a partir das linhas e páginas subsequentes descortinar totalmente o que está a acontecer. Contudo, ao fim de 1/3 comecei a sentir algum cansaço, apesar da escrita me manter ali, o motivo daquele universo parecia não mexer para lado nenhum, mas mantive-me porque das resenhas que tinha lido, era relatado isto mesmo, e fortemente aconselhado a continuar a leitura até ao final, o que acabei fazendo, apesar da extensão do livro.
Depois de terminar, dei por mim a questionar-me sobre o que tinha acabado de ler. Tudo o que foi sendo apresentado, foi sucessivamente questionado pelo texto e reapresentado sob outras perspetivas e possibilidades. Confesso que é difícil, e mesmo chato continuar a escrever sem tornar o enredo um pouco mais claro, além de que tal acaba por apenas contribuir para o modo misterioso como escreve o autor, e assim incitar a que se vá ler. Por isso ter acontecido comigo, vou tentar ser um pouco mais claro, sem contudo revelar essências da história.
Assim, contextualizando, os acontecimentos centrais dão-se numa ilha grega, quando o nosso protagonista, britânico solteiro e formado em Oxford, vai trabalhar para um colégio tipo inglês nessa ilha. Nicholas Urfe, o nosso jovem professor, encontra alguns concidadãos a viver na ilha, trava amizade com eles, a partir do que vão surgir um conjunto de eventos esotéricos que envolvem pessoas que aparecem e desaparecem, hipnotismos, seduções imersas no luxo, mas tudo isso vai sendo simultaneamente envolvido em grandes doses de racionalização e argumentação e até alguma ciência. Ou seja, Fowles cria um universo perfeitamente paradoxal, no qual pode exercer o seu total controlo para manipular o leitor, e levá-lo a acreditar em coisas diferentes, no virar de cada novo capítulo. Daí que o autor tenha tido como nome inicial para o livro, "Godgame". Ao longo do livro, somos continuamente postos a prova, desconfiamos de tudo, não sabemos a razão de nada, e chegado ao final do livro continuamos sem nada saber.
Posso dizer que ainda investi algum tempo a tentar dar conta da grande ideia ou mensagem que Fowles tinha para passar, mas rapidamente desisti, pois percebi que era uma miragem. Fowles escreveu este livro como experimento de escrita, tanto que não o publicou imediatamente, só depois de publicar um primeiro livro de contos. O livro decalca muito de perto a vida de Fowles, dando conta da dificuldade do autor em se desprender do seu mundo, tendo usado a escrita como modeladora de experiências, o que acaba a confundir-se com o próprio livro, e provavelmente sem se aperceber, acaba por tornar o livro algo distinto. Ou seja, no livro temos um grupo de pessoas que geram experiências e colocam as pessoas à prova, neste caso, Fowles cria o livro para colocar o leitor à prova. Desta forma, o livro torna-se relevante no meio literário não pelo que tem para dizer, mas antes pelo modo como simula no processo de leitura, exatamente a experiência que vai descrevendo. Por isso não admira que o livro surja por vezes citado como meta-ficção, apesar dessa poder apenas ser realizada na imaginação do leitor.
Em suma, é uma leitura prazeirosa, mas não posso dizer que surpreenda, ou seja capaz de elevar a experiência a níveis de espanto. Sim, mantem-nos às escuras e cria em nós uma vontade de chegar “à verdade”, mas ao mesmo tempo denota em excesso as manias dos anos 1960, dos esoterismos e psicanálise aos transcendentalismos. Por isso mesmo acaba denotando um certo pendor adolescente, pouco interessado em produzir um cenário mais sólido e ligado à realidade. Contudo, esta seria sempre a abordagem de Fowles nos seus romances, como ele diria nas entrevistas, já que ele não acreditava na ficção como algo indicado ao relato de ideias sérias. Aliás, ele diria mesmo sobre este livro em concreto: "It must remain a novel of adolescence, written by a retarded adolescent" (1977). Apesar disso, disse também algo que me deixou a refletir, nomeadamente sobre o seu percurso enquanto escritor:
“No one in my family had any literary interests or skills at all. I seemed to come from nowhere. I didn't really have a happy childhood. What bored me about my mother was her lack of taste. My father's great fault was that he hated France from his experiences in the war, at Ypres. And he liked Germany. We had a geographical falling out. I deviated at the wrong branch of European culture. When I was a young boy my parents were always laughing at "the fellow who couldn't draw" - Picasso. Their crassness horrified me.” (1977)
março 22, 2018
Livro, 'Wonderland' (2016)
"Wonderland" segue a fórmula criada por Steven Johnson nos seus livros anteriores, nomeadamente os mais recentes, dedicados ao historiar da ciência e criatividade — "The Invention of Air" (2008), "Where Good Ideas Come From" (2010) ou "How We Got to Now" (2014). Se retira o encanto de se ser surpreendido, não deixa de funcionar bem, as competências de Johnson enquanto contador de histórias são de grande excelência, ao que se acrescenta a quantidade de investigação e trabalho que coloca na feitura de cada livro que nos permite retirar muito da sua leitura. Neste novo livro Johnson deteve-se à volta de uma componente da atividade humana — o brincar — que continua a ser olhada como menor, procurando compreender o que nos conduz para essa atividade a partir de uma análise substancialmente rica sobre eventos imensamente relevantes da nossa história que não teriam acontecido sem a nossa vontade, desejo ou necessidade de brincar.
Para abrir o livro Johnson apresenta a sua primeira grande história na qual demonstra a relevância do livro "The Book of Knowledge of Ingenious Mechanical Devices" escrito em 1206, e que serviu muitos anos depois na criação de tecnologias de suporte aos motores de combustão e barragens, e que não passava de um livro descritivo de brinquedos e sistemas de diversão para elite de Bagdade. A partir daqui, Johnson apresenta seis capítulos, cada um dedicado a uma área distinta — moda, música, paladar, ilusões, jogos, e espaços públicos — nos quais vai usar a mesma técnica de repescar eventos da nossa história para demonstrar o impacto e a relevância do brincar e do entretenimento na evolução e progresso da nossa civilização.
Os tópicos e os eventos vão-se sucedendo, funcionando como pequenas aulas de história bem ilustradas que nos surpreendem e agarram o interesse do início ao fim. Desde o surgimento da cor púrpura, rara e apenas acessível à elite; ao surgimento e particularidade do cultivo da baunilha (necessitava de uma região particular onde cresciam um grupo particular de abelhas) ao impacto do algodão na moda e na criação das rotas de escravos; às especiarias que Vasco da Gama trouxe para adoçar o paladar da elite europeia, criando um tempo em que o seu peso valia mais do que o mesmo em ouro; passando pelo surgimento dos mercados aos centros comerciais; dos parques temáticos aos grandes parques naturais; das tavernas aos bares; dos teclados de música aos teclados dos nossos computadores; do Panorama ao Imax; do surgimento dos jogos com bolas de borracha na América do Sul à indústria mundial de borracha; e ainda do primeiro videojogo ao IBM Watson, ou ainda sobre o impacto do café nas nossas vidas:
A edição em capa dura é muito boa, com bastantes ilustrações e papel de excelente qualidade.
Páginas do livro "The Book of Knowledge of Ingenious Mechanical Devices" de 1206. Mais info.
Os tópicos e os eventos vão-se sucedendo, funcionando como pequenas aulas de história bem ilustradas que nos surpreendem e agarram o interesse do início ao fim. Desde o surgimento da cor púrpura, rara e apenas acessível à elite; ao surgimento e particularidade do cultivo da baunilha (necessitava de uma região particular onde cresciam um grupo particular de abelhas) ao impacto do algodão na moda e na criação das rotas de escravos; às especiarias que Vasco da Gama trouxe para adoçar o paladar da elite europeia, criando um tempo em que o seu peso valia mais do que o mesmo em ouro; passando pelo surgimento dos mercados aos centros comerciais; dos parques temáticos aos grandes parques naturais; das tavernas aos bares; dos teclados de música aos teclados dos nossos computadores; do Panorama ao Imax; do surgimento dos jogos com bolas de borracha na América do Sul à indústria mundial de borracha; e ainda do primeiro videojogo ao IBM Watson, ou ainda sobre o impacto do café nas nossas vidas:
“Caffeine likely played some role in the great expansion of intellectual and industrial activity that Europe witnessed in the eighteenth century, at the exact moment that coffee and tea became staples of the European diet, particularly in England and France. (The Europeans effectively swapped out a depressant — the default daytime beverage of alcohol — for a stimulant en masse, with predictable results.) Certainly caffeine was a crucial ingredient in easing the workforce of the first industrial towns into the regimented schedules of factory time.” (p.248)Os exemplos são fortes e servem bem a causa de Johnson, o que não invalida que possamos levantar algumas questões. Nomeadamente porque aquilo que Johnson faz é pegar em casos específicos e conduzi-los para a teorização que pretende demonstrar. Cada um destes casos serviria outras justificações, já que são todos dotados de grande multivariância nas suas variáveis dependentes. nesse sentido, talvez o mais interessante surja mesmo no final do livro, quando Johnson se apresta a explicar porque partiu para todo este levantamento, porque diga-se não era preciso um livro inteiro para o fazer, um artigo científico daria conta do que ele pretendia dizer, e que era:
“The surge of dopamine that accompanies a novel event sends out a kind of internal alarm in your mind that says: Pay attention. Something interesting is happening here. Bone flutes, coffee, pepper, the Panorama, calico, Babbage’s dancer, dice games, the Bon Marché—beneath all the surface differences between these objects, one common characteristic unites them all: they were surprising when they first appeared. We were drawn to them compulsively because they offered novel experiences, tastes, textures, sounds. Illusions took our visual predictions about the spatial arrangement of objects in the world and confounded those expectations in startling ways. Spices offered exotic new flavors that our tongues had never experienced before. One of the defining characteristics of games—as opposed to, say, narrative—is precisely the fact that they turn out differently every time we play them; games are novelty machines. That’s what makes them fun (and sometimes addictive). All these forms of escape and amusement provided a “novelty bonus” to the brains that first experienced them.” (p.282)Não colocando em dúvida esta conclusão, aliás defendendo-a de certo modo no meu trabalho à volta do brincar e jogar, tenho de dizer que o método seguido é muito pouco científico, e que existem outras abordagens que podiam servir melhor o objetivo. Por exemplo Dutton em "The Art Instinct" (2009) traça objetivos muito próximos, no caso aplicados à arte, mas fá-lo partindo da seleção sexual de Darwin construindo toda uma lógica dedutiva capaz de sustentar as suas conclusões. E repare-se que a interrogação de Johnson não é assim tão diferente, no sentido em que tanto a arte como o brincar adulto, não oferecem nada de útil ao ser-humano, ou seja são praticamente injustificáveis do ponto de vista evolucionário. E Johnson até apresenta uma explicação plausível — a necessidade assenta na curiosidade humana, na nossa infinita sede de novo — o problema é que Johnson limita-se a atribuir isso à produção de dopamina no nosso cérebro. Ora isso não chega, porque desde logo o facto da dopamina ser descarregada em cada um destes momentos só pode acontecer por razões evolucionárias. Ou seja, algo ocorreu que conduziu a que aqueles de nós que brincavam e sentiam prazer com isso (tinham descargas de dopamina) foram mais bem sucedidos que os outros que não o faziam. E se isso é fácil de ver nos dias de hoje num mundo industrializado a alta velocidade, que retribui mais e melhor aqueles que são mais criativos, nem sempre assim terá sido nas eras passadas. Ou talvez não, teremos nós sempre recompensado melhor quem era mais imaginativo e criativo?
março 12, 2017
Switch, mais uma revolução Nintendo
2017 viu nascer não apenas uma nova consola, mas o renascer da esperança nas consolas de videojogos. Com a evolução tecnológica — aumento de processamento, sistemas cloud e novas plataformas (telemóveis, tábletes, Steam, etc.) — as consolas pareciam estar condenadas ao definhamento. Muito se escreveu sobre o seu fim, sobre a sua irrelevância. Contudo o lançamento da Nintendo Switch pôs um ponto nesta discussão, ainda que possa ser temporário, ao tornar-se na consola que mais rapidamente vendeu em mais de 30 anos. Como é que as previsões falharam tanto?
Interessa-me menos explicar o que falhou nas previsões, já que as previsões apenas existem para gáudio mediático e financeiro. As previsões tecnológicas ou outras, como nos demonstrou a astrologia, estão condenadas às regras do acaso e coincidência. Daí que conduzir as nossas expetativas na certeza de previsões seja pouco saudável e nada recomendável. Interessa-me mais perceber o que desencadeou todo este interesse nesta consola especificamente, e acima de tudo, tentar compreender o que ela representa para o meio expressivo dos videojogos. Faço-o enquanto investigador que estuda o meio, mas faço-o também enquanto mero consumidor, já que em 30 anos de historial nunca tinha comprado uma consola em pré-venda.
Começando pelo lado do consumidor. Comprei a Nintendo Switch influenciado por apenas um elemento comercial, o primeiro trailer “First Look at Nintendo Switch”. Assim que o vi, em Outubro 2016, fiquei apaixonado, e tomei a decisão de a adquirir. Pouco mais li sobre a mesma até a adquirir. Contribuíram para essa decisão vários fatores: 1) não tinha adquirido a Wii U, e com isso tinha perdido a oportunidade de jogar alguns jogos da Nintendo, vi assim na Switch a oportunidade de recuperar alguns desses jogos; 2) a saída de um novo Zelda, e o desejo de voltar ao fantástico universo de "Skyward Sword" (2011), agora num mundo completamente aberto; 3) e por último o potencial de jogabilidade demonstrado pelo trailer. Este último ponto foi decisivo porque se ligava ao meu trabalho de forma mais concreta, acabando por ser o gatilho fundamental para a compra.
A Nintendo Switch revelou-se distinta do que vi no trailer. Primeiro porque ainda falta um claro investimento em jogos que rentabilizem todo o seu potencial, muito daquele que surge no trailer, falo em concreto da jogabilidade social, assimétrica e física. Temos uma clara evolução face à Wii, porque é claramente mais social. Os dois comandos pedem de imediato dois jogadores, e com isso a construção de toda uma relação social muito mais intensa (que consegui observar diretamente cá em casa). A Wii apesar de ter esta mesma capacidade, continuava ainda muito agarrada à ideia do jogador individual, com o ecrã a marcar o centro de toda a experiência. O videojogo “1-2-Switch” abre todo um leque de experiências de jogo até aqui deixadas por explorar pelas consolas, nomeadamente todas as que secundarizam o ecrã e colocam os jogadores fisicamente no centro da ação.
Insisto no campo social, por contrapeso à Realidade Virtual, que tomou conta do mundo dos videojogos nos últimos dois anos. Os jogos, antes de serem digitais, foram sempre sociais. Os jogos só se tornaram individualizantes com a presença das máquinas, porque estas passaram a simular a existência de um outro, permitindo a gratificação de jogo a solo. O ato de jogar não é relevante sem a componente social. Podemos até jogar sozinhos algumas bolas ao cesto, mas a gratificação é efémera se não pudermos competir, ou pelo menos demonstrar as nossas competências a quem nos dê feedback. Neste sentido, a Nintendo Switch poderia chamar-se Nintendo Social, porque é um dos seus maiores atributos, porque recolocou a essência do jogo no centro da atividade, e finalmente porque o fez remando contra toda a maré individualizante da Realidade Virtual.
Mas talvez não tivesse escrito estas linhas, se não tivesse encontrado outro fator que me marcou ainda mais na experiência desta consola, por ter superado completamente aquilo que o trailer apresentava, falo da portabilidade. Muito honestamente, do trailer não tinha compreendido que a consola era essencialmente portátil, e que a componente de sala era apenas um modo de carregamento e ligação à televisão, por isso a surpresa foi ainda maior. Ou seja, a consola no seu modo portátil está completa, na presença de todo o seu poder de processamento, apenas com um ecrã menor. Por outro lado, o processo de conexão e desconexão da televisão é imediato, automático e completo. Passar de um jogo na televisão da sala para o sofá do escritório, demora apenas o tempo de levantar de um sofá e sentar no outro. Isto não é impressionante, isto muda tudo.
Podemos dizer que a Nintendo Switch superou todas as previsões sobre o futuro das consolas porque pegou nelas e simplesmente revolucionou o conceito de consola de sala. Percebe-se também a partir do design da Switch o porquê da Nintendo ter começado a investir em jogos móveis para telemóveis e tábletes. Porque a essência do design da Switch diz-nos que as consolas como caixas grandes, fixas e inamovíveis no centro da sala terminaram mesmo. Afinal os futurólogos acertaram em parte nas suas previsões. A evolução tecnológica permitiu miniaturizar de tal modo as capacidades de processamento, que tudo aquilo que precisamos para jogar os nossos videojogos pode estar contido num simples táblete, e em breve num simples telemóvel. Mas! Se assim é, porque é que ainda precisamos de uma consola, porque precisamos de uma Switch quando temos tantos modelos de tábletes?
A Nintendo podia ter lançado apenas um táblete, mas isso nunca seria uma consola. Uma consola é um sistema de jogo dedicado. Pode até fazer tudo o que faz um táblete, mas tem de oferecer mais, e a Switch oferece. Da portabilidade entre televisão e táblete, à essência do ato de jogar que assenta numa dupla de comandos como interface entre o mundo digital e o mundo físico. Tudo isto pode tornar-se rapidamente num standard copiado por várias empresas para uso com diferentes sistemas móveis. E mesmo o leque de jogos pode rapidamente ser ultrapassado pelos milhares de criadores independentes que desenvolvem para Android ou iOS. Mas no final do dia, o que conta é quem chegou primeiro, ou melhor, quem teve a visão, quem deu liberdade à criatividade e arriscou, e isso é aquilo que a Nintendo ainda nunca parou de fazer, por isso se mantém no mercado, e enquanto assim for continuaremos a ter sempre consolas.
Declaração de interesses: A consola e os videojogos aqui discutidos foram adquiridos pelos meus próprios meios. Não tenho qualquer relação comercial com as marcas envolvidas.
Interessa-me menos explicar o que falhou nas previsões, já que as previsões apenas existem para gáudio mediático e financeiro. As previsões tecnológicas ou outras, como nos demonstrou a astrologia, estão condenadas às regras do acaso e coincidência. Daí que conduzir as nossas expetativas na certeza de previsões seja pouco saudável e nada recomendável. Interessa-me mais perceber o que desencadeou todo este interesse nesta consola especificamente, e acima de tudo, tentar compreender o que ela representa para o meio expressivo dos videojogos. Faço-o enquanto investigador que estuda o meio, mas faço-o também enquanto mero consumidor, já que em 30 anos de historial nunca tinha comprado uma consola em pré-venda.
Começando pelo lado do consumidor. Comprei a Nintendo Switch influenciado por apenas um elemento comercial, o primeiro trailer “First Look at Nintendo Switch”. Assim que o vi, em Outubro 2016, fiquei apaixonado, e tomei a decisão de a adquirir. Pouco mais li sobre a mesma até a adquirir. Contribuíram para essa decisão vários fatores: 1) não tinha adquirido a Wii U, e com isso tinha perdido a oportunidade de jogar alguns jogos da Nintendo, vi assim na Switch a oportunidade de recuperar alguns desses jogos; 2) a saída de um novo Zelda, e o desejo de voltar ao fantástico universo de "Skyward Sword" (2011), agora num mundo completamente aberto; 3) e por último o potencial de jogabilidade demonstrado pelo trailer. Este último ponto foi decisivo porque se ligava ao meu trabalho de forma mais concreta, acabando por ser o gatilho fundamental para a compra.
A Nintendo Switch revelou-se distinta do que vi no trailer. Primeiro porque ainda falta um claro investimento em jogos que rentabilizem todo o seu potencial, muito daquele que surge no trailer, falo em concreto da jogabilidade social, assimétrica e física. Temos uma clara evolução face à Wii, porque é claramente mais social. Os dois comandos pedem de imediato dois jogadores, e com isso a construção de toda uma relação social muito mais intensa (que consegui observar diretamente cá em casa). A Wii apesar de ter esta mesma capacidade, continuava ainda muito agarrada à ideia do jogador individual, com o ecrã a marcar o centro de toda a experiência. O videojogo “1-2-Switch” abre todo um leque de experiências de jogo até aqui deixadas por explorar pelas consolas, nomeadamente todas as que secundarizam o ecrã e colocam os jogadores fisicamente no centro da ação.
Mas talvez não tivesse escrito estas linhas, se não tivesse encontrado outro fator que me marcou ainda mais na experiência desta consola, por ter superado completamente aquilo que o trailer apresentava, falo da portabilidade. Muito honestamente, do trailer não tinha compreendido que a consola era essencialmente portátil, e que a componente de sala era apenas um modo de carregamento e ligação à televisão, por isso a surpresa foi ainda maior. Ou seja, a consola no seu modo portátil está completa, na presença de todo o seu poder de processamento, apenas com um ecrã menor. Por outro lado, o processo de conexão e desconexão da televisão é imediato, automático e completo. Passar de um jogo na televisão da sala para o sofá do escritório, demora apenas o tempo de levantar de um sofá e sentar no outro. Isto não é impressionante, isto muda tudo.
Podemos dizer que a Nintendo Switch superou todas as previsões sobre o futuro das consolas porque pegou nelas e simplesmente revolucionou o conceito de consola de sala. Percebe-se também a partir do design da Switch o porquê da Nintendo ter começado a investir em jogos móveis para telemóveis e tábletes. Porque a essência do design da Switch diz-nos que as consolas como caixas grandes, fixas e inamovíveis no centro da sala terminaram mesmo. Afinal os futurólogos acertaram em parte nas suas previsões. A evolução tecnológica permitiu miniaturizar de tal modo as capacidades de processamento, que tudo aquilo que precisamos para jogar os nossos videojogos pode estar contido num simples táblete, e em breve num simples telemóvel. Mas! Se assim é, porque é que ainda precisamos de uma consola, porque precisamos de uma Switch quando temos tantos modelos de tábletes?
A Nintendo podia ter lançado apenas um táblete, mas isso nunca seria uma consola. Uma consola é um sistema de jogo dedicado. Pode até fazer tudo o que faz um táblete, mas tem de oferecer mais, e a Switch oferece. Da portabilidade entre televisão e táblete, à essência do ato de jogar que assenta numa dupla de comandos como interface entre o mundo digital e o mundo físico. Tudo isto pode tornar-se rapidamente num standard copiado por várias empresas para uso com diferentes sistemas móveis. E mesmo o leque de jogos pode rapidamente ser ultrapassado pelos milhares de criadores independentes que desenvolvem para Android ou iOS. Mas no final do dia, o que conta é quem chegou primeiro, ou melhor, quem teve a visão, quem deu liberdade à criatividade e arriscou, e isso é aquilo que a Nintendo ainda nunca parou de fazer, por isso se mantém no mercado, e enquanto assim for continuaremos a ter sempre consolas.
Declaração de interesses: A consola e os videojogos aqui discutidos foram adquiridos pelos meus próprios meios. Não tenho qualquer relação comercial com as marcas envolvidas.
setembro 18, 2016
Brincar criativo
Há uns meses o Mário Caeiro convidou-me para escrever um texto para a edição de 2016 do projeto VICENTE, que se dedica este ano ao lúdico e criativo. Em resposta, escrevi o texto "Arte, Brincar Criativo" que entretanto foi publicado no catálogo do projeto. Lembrei-me hoje de de aqui trazer a referência por ter reparado na coincidência de Ian Bogost ir publicar no fim do mês, o seu mais recente livro, dedicado exatamente a "Play Anything: The Pleasure of Limits, the Uses of Boredom, and the Secret of Games".
"O ato de brincar, tanto humano como nas restantes espécies, surge de modo quase automático sem imposição externa nem objetiva. O brincar inicia-se nas primeiras horas de vida, pela exploração do espaço fora da barriga da mãe, e assente sobretudo nos primeiros anos, na exploração, não apenas do mundo exterior, mas acima de tudo na exploração das capacidades dos sentidos para sentirem esse exterior." (p.90)O texto foi escrito em português, e entretanto traduzido para inglês pelos editores. O livro inclui ainda textos de Herlander Elias, José Moura, Pedro Teixeira da Mota, Mário Caeiro, Nelson Guerreiro, Pedro Picoito, Rui Matoso, João R. Ferreira. Ficam os links para poder aceder ao texto:
Zagalo, N., (2016), “Arte, Brincar Criativo”, in Vicente’16 - O Jogo da Glória, org. Mário Caeiro, Mercador do Tempo Lda, pp. 89-91, ISBN: 978-989-8277-48-0
Zagalo, N., (2016), “Art, Creative Play”, in Vicente’16 - The Game of Glory, org. Mario Caeiro, Mercador do Tempo Lda, pp. 91-93, ISBN: 978-989-8277-48-0
março 20, 2013
"The Cave", inteligente mas pouco emocional
The Cave (2013) é um jogo de design inteligente que apela muito mais à componente intelectual do que à emocional. Passamos a maior parte do tempo a resolver puzzles e enigmas e demasiado pouco tempo a apreciar os aspectos sociais e psicológicos dos nossos personagens.
The Cave é um jogo de género, encaixa no modelo de aventura gráfica, no qual todos os objetos têm um propósito, e em que a combinação de um ou mais objetos nos pode conduzir à satisfação final. Mas perde neste campo por ter pouco para oferecer como história. Temos bastantes personagens (7), podendo jogar com apenas três de cada vez, mas ficamos a saber muito pouco sobre eles, apesar de colecionarmos itens ao longo do jogo que dizem respeito exatamente às suas narrativas. Faltou claramente uma capacidade para interligar todos os elementos e dar vida dramática e emocional aos seus propósitos. A caverna é aqui o narrador e quem conduz, de forma muito pouco ortodoxa diga-se, mas em linha completa com o espírito de Ron Gilbert e Tim Schaffer e os seus jogos anteriores. Aliás é este condimento de uma caverna sem escrúpulos morais que serve para atenuar o nosso sentimento de vazio emocional.
Em termos de design, o jogo é brilhante, no sentido em que temos sete personagens, e podem funcionar todas com todas num sentido de interdependência e colaboratividade. Ao longo do jogo dei por mim imensas vezes a questionar-me sobre a quantidade de interligações intrincadas que existem entre cada uma e que permitem que o jogo funcione. O que só por si deverá ter sido a maior dor de cabeça do desenvolvimento de todo o jogo. Aliás muito provavelmente à custa de desenvolver algo assim complexo para um pequeno jogo, terá acabado por se ficar por isso mesmo, por um virtuosismo de design, deixando a experiência de jogo um pouco ao abandono. Como só podemos jogar com 3 personagens de cada vez, passar por todos os níveis implica realizar o jogo mais do que uma vez, já que alguns dos níveis estão reservados a alguns dos personagens. A razão para isso está no facto de cada um estar dotado de determinadas capacidades, e que só essas permitem atravessar determinados níveis. Fica aqui o mapa de todos os níveis.
Finalmente a arte de todo o jogo é adorável, e em certa medida acaba por em conjunto com o design compensar a nossa experiência. Os personagens são belíssimos, individualizados e autênticos, e os cenários fazem-nos desejar por mais e mais. Apesar do esforço de resolução de cada puzzle, a atmosfera estética criada mantén-nos interessados pelo que se deverá suceder a seguir e até ao final. Cada área é mais detalhada e trabalhada que a anterior. Por outro lado a atmosfera pesada própria de uma caverna entra constantemente em choque com o humor amoral da própria caverna o que contribui para a nossa gratificação e imersividade. Não sendo um jogo de excelência, apresenta enormes atributos técnicos.
Declaração de interesses: Joguei uma cópia deste videojogo adquirida pelos meus próprios meios. Não tenho qualquer relação comercial com os autores e editores.
The Cave é um jogo de género, encaixa no modelo de aventura gráfica, no qual todos os objetos têm um propósito, e em que a combinação de um ou mais objetos nos pode conduzir à satisfação final. Mas perde neste campo por ter pouco para oferecer como história. Temos bastantes personagens (7), podendo jogar com apenas três de cada vez, mas ficamos a saber muito pouco sobre eles, apesar de colecionarmos itens ao longo do jogo que dizem respeito exatamente às suas narrativas. Faltou claramente uma capacidade para interligar todos os elementos e dar vida dramática e emocional aos seus propósitos. A caverna é aqui o narrador e quem conduz, de forma muito pouco ortodoxa diga-se, mas em linha completa com o espírito de Ron Gilbert e Tim Schaffer e os seus jogos anteriores. Aliás é este condimento de uma caverna sem escrúpulos morais que serve para atenuar o nosso sentimento de vazio emocional.
Em termos de design, o jogo é brilhante, no sentido em que temos sete personagens, e podem funcionar todas com todas num sentido de interdependência e colaboratividade. Ao longo do jogo dei por mim imensas vezes a questionar-me sobre a quantidade de interligações intrincadas que existem entre cada uma e que permitem que o jogo funcione. O que só por si deverá ter sido a maior dor de cabeça do desenvolvimento de todo o jogo. Aliás muito provavelmente à custa de desenvolver algo assim complexo para um pequeno jogo, terá acabado por se ficar por isso mesmo, por um virtuosismo de design, deixando a experiência de jogo um pouco ao abandono. Como só podemos jogar com 3 personagens de cada vez, passar por todos os níveis implica realizar o jogo mais do que uma vez, já que alguns dos níveis estão reservados a alguns dos personagens. A razão para isso está no facto de cada um estar dotado de determinadas capacidades, e que só essas permitem atravessar determinados níveis. Fica aqui o mapa de todos os níveis.
Mapa dos níveis de The Cave (2013). A laranja estão os níveis que podem ser visitados apenas se na posse de cada um dos 7 personagens. (Imagem de Games Radar)
Finalmente a arte de todo o jogo é adorável, e em certa medida acaba por em conjunto com o design compensar a nossa experiência. Os personagens são belíssimos, individualizados e autênticos, e os cenários fazem-nos desejar por mais e mais. Apesar do esforço de resolução de cada puzzle, a atmosfera estética criada mantén-nos interessados pelo que se deverá suceder a seguir e até ao final. Cada área é mais detalhada e trabalhada que a anterior. Por outro lado a atmosfera pesada própria de uma caverna entra constantemente em choque com o humor amoral da própria caverna o que contribui para a nossa gratificação e imersividade. Não sendo um jogo de excelência, apresenta enormes atributos técnicos.
Declaração de interesses: Joguei uma cópia deste videojogo adquirida pelos meus próprios meios. Não tenho qualquer relação comercial com os autores e editores.
janeiro 05, 2013
geometria em movimento
That Will Be The Day (2012) é uma colaboração audio/visual entre o compositor Aldo Arechar e o motion grapher Matthew DiVito. A música é retirada do novo EP, "I", de Arechar que podem ouvir completo no Bandcamp. Se quiserem mais sigam para o álbum Water, também de 2012 e também completo online.
Mas se a música é sublime, considero o visual ainda mais. Já aqui falei do trabalho de Matthew DiVito quando este fez um jogo visualmente brilhante, Of Species (2011), para o Ludum Dare 24 que nomeei mesmo como um dos melhores jogos de 2012. Entretanto DiVito tem sido muito reconhecido online pelo seu trabalho fantástico com gifs animados.
Aliás este meu texto surge com duas novidades de DiVito, porque depois de realizar este vídeo em Novembro passado, voltou a entrar no LudumDare 25 em Dezembro. Como resultado temos agora The White Rabbit (2012), mais uma obra visualmente brilhante. Desta vez já não em Flash, mas em Unity, com movimentação 3d, com pedaços de narrativa, sem qualquer gameplay, mas capaz de gerar em nós momentos de profunda contemplação. O jogo é curto como já era Of Species, mas tendo em conta a qualidade visual produzida em 48 horas, era díficil pedir mais.
O filme que podem ver aqui abaixo obedece à mesma lógica visual de ambos os jogos - Of Species e The White Rabbit. O filme envolve-nos num mundo geométrico que poderia facilmente atirar-nos para o vazio, austero e árido, mas que DiVito contrapõem muitíssimo bem com luz muito quente, extremamente radiante, e brilhos estelares que nos emocionam. Temos aqui uma imagem de marca no trabalho de DiVito que pode ser vista tanto nos jogos, como nos filmes, como nos gif animados. Esta sua necessidade de iluminar com intensidade mas de forma difusa, fazendo brilhar objectos que nos atraem, aquecendo o ambiente com tons pastéis e luzes com temperaturas quentes, em busca da criação de novos espaços acolhedores, é sublime.
Mas se a música é sublime, considero o visual ainda mais. Já aqui falei do trabalho de Matthew DiVito quando este fez um jogo visualmente brilhante, Of Species (2011), para o Ludum Dare 24 que nomeei mesmo como um dos melhores jogos de 2012. Entretanto DiVito tem sido muito reconhecido online pelo seu trabalho fantástico com gifs animados.
White Xmas (2012) gif animado de Matthew DiVito
Aliás este meu texto surge com duas novidades de DiVito, porque depois de realizar este vídeo em Novembro passado, voltou a entrar no LudumDare 25 em Dezembro. Como resultado temos agora The White Rabbit (2012), mais uma obra visualmente brilhante. Desta vez já não em Flash, mas em Unity, com movimentação 3d, com pedaços de narrativa, sem qualquer gameplay, mas capaz de gerar em nós momentos de profunda contemplação. O jogo é curto como já era Of Species, mas tendo em conta a qualidade visual produzida em 48 horas, era díficil pedir mais.
The White Rabbit, (2012), Matthew DiVito, Ludum Dare 25 [Play]
O filme que podem ver aqui abaixo obedece à mesma lógica visual de ambos os jogos - Of Species e The White Rabbit. O filme envolve-nos num mundo geométrico que poderia facilmente atirar-nos para o vazio, austero e árido, mas que DiVito contrapõem muitíssimo bem com luz muito quente, extremamente radiante, e brilhos estelares que nos emocionam. Temos aqui uma imagem de marca no trabalho de DiVito que pode ser vista tanto nos jogos, como nos filmes, como nos gif animados. Esta sua necessidade de iluminar com intensidade mas de forma difusa, fazendo brilhar objectos que nos atraem, aquecendo o ambiente com tons pastéis e luzes com temperaturas quentes, em busca da criação de novos espaços acolhedores, é sublime.
That Will Be The Day (2012) de Matthew DiVito e Aldo Arechar
agosto 05, 2012
preenchendo o vazio
Fog and Thunder (2012) é mais um jogo, flash free-to-play, de aventura gráfica em que deambulamos por entre espaços em busca de objectos, elementos e pontos de saída, o chamado dungeon crawler. À partida nada de especial, nada de novo, contudo é um jogo muito interessante pelas mecânicas criadas e que nos permitem percorrer os espaços, assim como pela sua estética.
Começando pela estética que é brilhante, os espaços são desenhados com base em matrizes de simples quadrados com variantes de cores bem seleccionadas na complementaridade e adjacência. Mas o toque que faz todo o ambiente brilhar é o facto destes simples quadrados conterem todos um ligeiro movimento que acaba por construir uma ideia de espaço feito com post-its. Os espaços do labirinto parecem assim pairar sobre um universo imaginário. Em certa medida e seguindo o objectivo do jogo delineado pelo autor [*] o espaço flutuante sugere a fragilidade dos nossos seres, dos nossos sonhos, e o jogo é apenas uma forma de preencher os vazios dessas nossas fragilidades.
[Via Jay is Games e Edge Online]
“You are on a quest to find something to fill the dark void inside”*
Começando pela estética que é brilhante, os espaços são desenhados com base em matrizes de simples quadrados com variantes de cores bem seleccionadas na complementaridade e adjacência. Mas o toque que faz todo o ambiente brilhar é o facto destes simples quadrados conterem todos um ligeiro movimento que acaba por construir uma ideia de espaço feito com post-its. Os espaços do labirinto parecem assim pairar sobre um universo imaginário. Em certa medida e seguindo o objectivo do jogo delineado pelo autor [*] o espaço flutuante sugere a fragilidade dos nossos seres, dos nossos sonhos, e o jogo é apenas uma forma de preencher os vazios dessas nossas fragilidades.
No campo das mecânicas é uma delícia ver um pequeno personagem tão delicado, não armado, obrigado a fazer uso da combinação de acções para conseguir atingir os seus objectivos. Para podermos passar através das várias bombas que nos observam e nos perseguem e das caveiras que nos atingem com raios, temos apenas três objectos sobre os quais podemos agir: o sonar, a luz e o chão. No caso do sonar limita-se a afastar temporariamente as bombas, o apagar da luz permite-nos navegar em modo stealth com a dificuldade de não conseguirmos ver tudo o que procuramos, e finalmente o chão permite-nos criar um quadrado seguro onde nos podemos refugiar. Para poder evoluir no jogo será preciso dominar e usar as três possibilidades de forma conjunta.
Julgo que o jogo está bem conseguido em termos de graus de dificuldade, embora sugerisse a criação de diferentes perfis de dificuldade, para poder cativar mais facilmente as pessoas a entrar no jogo. Podem jogar no site do criador ou no Kongregate.
[Via Jay is Games e Edge Online]
junho 01, 2012
Pacotes de Jogos Indie #5
Foi ontem anunciado o 5º Humble Indie Bundles. Já aqui tinha falado do quão fantástico tinha sido o 4º pacote, pois o 5º parece superar todos os anteriores. Mas o que são os pacotes Humble Bundle? São pacotes de jogos independentes, vendidos e distribuídos online, por um preço que é determinado pelo jogador que compra. Para além disso os jogos são sempre multi-plataforma (Win, Mac e Linux) e livres de DRM. Uma vez comprados, ficamos com acesso a download vitalício do jogo.
Neste 5º pacote são-nos oferecidos apenas 5 jogos mas todos, sem excepção, de grande excelência, obrigatórios, e vencedores de vários prémios. Dois deles já os discuti aqui no VI, Limbo (2010) e Bastion (2011), os outros três são - Amnesia, Psychonauts e Sword & Sworcery EP. A acrescentar a tudo isto, e que acaba por valorizar o pacote mesmo para quem já tem os jogos, é que as bandas sonoras estão também incluídas.
Atenção que a oferta deste pack que pode ser adquirido por menos de 10 dólares está apenas disponível até ao dia 14 de Junho 2012.
Neste 5º pacote são-nos oferecidos apenas 5 jogos mas todos, sem excepção, de grande excelência, obrigatórios, e vencedores de vários prémios. Dois deles já os discuti aqui no VI, Limbo (2010) e Bastion (2011), os outros três são - Amnesia, Psychonauts e Sword & Sworcery EP. A acrescentar a tudo isto, e que acaba por valorizar o pacote mesmo para quem já tem os jogos, é que as bandas sonoras estão também incluídas.
Atenção que a oferta deste pack que pode ser adquirido por menos de 10 dólares está apenas disponível até ao dia 14 de Junho 2012.
Amnesia: The Dark Descent (2010) de Frictional Games
Bastion (2011) de Supergiant Games
Sword & Sworcery EP (2011) de Superbrothers
Limbo (2010) Playdead
Psychonauts (2005) de Tim Schafer
abril 29, 2012
violência doméstica em videojogo, The Kite
The Kite é um simples jogo point-n-click, com um tema de fundo inquietante, a violência doméstica. The Kite foi criado pelo Anate Studio que é uma equipa indie constituída por Tanya Medvid na arte gráfica e Anatoliy Koval na programação. Para a implementação do jogo escolheram o engine Wintermute Engine Development Kit, gratuito e dedicado ao desenvolvimento de point-n-click.
O jogo vem da Ucrânia um país assolado por imensos problemas criados pela rápida destruição do sistema social após o desmembramento da URSS. Quase metade da população da Ucrânia já sofreu algum tipo de abuso doméstico, na sua maioria são as mulheres e as crianças quem mais sofre com este problema.
O jogo vem da Ucrânia um país assolado por imensos problemas criados pela rápida destruição do sistema social após o desmembramento da URSS. Quase metade da população da Ucrânia já sofreu algum tipo de abuso doméstico, na sua maioria são as mulheres e as crianças quem mais sofre com este problema.
O jogo faz uso do tradicional sistema de procura de itens e consequente resolução de puzzles. O nível de dificuldade é médio, contribuindo para extender um pouco mais experiência do jogo que se situa entre os 20 a 30 minutos. O forte do jogo passa pela narrativa, e é esta que mantém a nossa motivação desperta. Queremos saber o que vai acontecer àquela mulher e àquele menino, e por isso não conseguimos parar de jogar.
Visualmente não é nenhuma obra de arte, apresenta vários problemas nomeadamente no campo do character design e sua animação. Contudo em termos de ambiente a arte é bastante eficiente, sendo capaz de gerar a atmosfera necessária ao tipo de narrativa em desenvolvimento. O point-n-click não é distrativo, tudo está bem pensado e interligado, o que torna toda a experiência mais interessante e permite a nossa entrada no universo narrativo.
The Kite trabalha elementos pouco comuns no mundo dos jogos, o melodrama, o trágico, e o dramático, e é isso que tanto me agrada neste. O jogo é gratuito.
dezembro 22, 2011
Oíche Mhaith (2011), um murro no estômago
Oíche Mhaith (2011) é um forte murro no estômago, para mim um dos mais fortes que levei num videojogo. Ao início não percebemos, somos levados pela menina, mas a pouco e pouco vamos entendendo o que se passa naquela casa, as emoções começam a subir, a meio do jogo o coração já está fortemente acelerado e os níveis de ansiedade são bem elevados, o mal-estar, a melancolia, a ansiedade apoderam-se de nós.
A forma como Terry Cavanagh e Stephen Lavelle desenharam a experiência e escreveram a narrativa é soberba, no sentido em que através de formas tão simples, ainda que com níveis de interactividade algo reduzida, conseguem levar-nos a estados emocionais raros neste media. Não é de todo fácil estimular este tipo de emocionalidade num jogador, e só por isso esta obra merece que nos detenhamos contemplativamente sobre ela muito após o termino do jogo. Mais ainda ao som da belíssima composição musical do próprio Lavelle.
Oíche Mhaith é uma expressão do gaélico irlandês que quer dizer, "Boa Noite". Em termos narrativos e sem querer levantar demasiado sobre a mensagem podemos dizer que Oíche Mhaith é o equivalente de Precious (2009) no mundo dos videojogos, ainda que seja um jogo muito curto.
Os criadores desta pérola foram Terry Cavanagh sobejamente conhecido na cena indie pelos jogos - Don’t Look Back (2009), VVVVVV (2010), e At a Distance (2011), e Stephen Lavelle que é um dos designers indie mais prolíficos de sempre, na página do próprio podem jogar os seus mais de 150 jogos criados. Lavelle tem vindo a colaborar com outros criadores, de entre os quais destaco aqui também a colaboração com Hayden Scott-Baron na criação do excelente Piroutte (2011). Um jogo que a Apple obrigou a que fosse resubmetido à App Store, mudando a categoria de jogo para livro, algo que por si só daria para um artigo completo.
A forma como Terry Cavanagh e Stephen Lavelle desenharam a experiência e escreveram a narrativa é soberba, no sentido em que através de formas tão simples, ainda que com níveis de interactividade algo reduzida, conseguem levar-nos a estados emocionais raros neste media. Não é de todo fácil estimular este tipo de emocionalidade num jogador, e só por isso esta obra merece que nos detenhamos contemplativamente sobre ela muito após o termino do jogo. Mais ainda ao som da belíssima composição musical do próprio Lavelle.
Oíche Mhaith é uma expressão do gaélico irlandês que quer dizer, "Boa Noite". Em termos narrativos e sem querer levantar demasiado sobre a mensagem podemos dizer que Oíche Mhaith é o equivalente de Precious (2009) no mundo dos videojogos, ainda que seja um jogo muito curto.
Precious (2009) de Lee Daniels
dezembro 12, 2011
Bastion (2011), no Chrome
Bastion (2011) um dos mais fortes candidatos a jogo do ano está desde há dois dias disponível para jogar no Browser. Depois de ter sido lançado para a XBox Live, é um dos melhores exemplos a fazer uso do novo sistema da Google, o Native Client.
Assim são duas excelentes surpresas, e enquanto jogo Bastion, não sei com qual mais me admiro se com o quão espantoso é a arte de Bastion, ou se ter tudo isto a correr num browser independentemente da máquina. É que Bastion saiu para a Xbox e depois disso saiu no Steam mas apenas para PC, e andava um pouco triste com o facto de ainda não ter podido experimentar esta pequena jóia. Por isso agora percebem porque fiquei tão contente com esta inovação da Google.
Para além da SuperGiant Games, criadora de Bastion, já aderiram ao Native Client a Square Enix, a Bungie e a Unity Technologies. Ainda há uns dois meses a Unity se juntava ao Flash, e o UDK prometia também exportar para Flash. Agora a Google parece querer mais. É todo um mundo novo, e será uma questão de tempo até termos o sonho da Google concretizado, a substituição do OS pelo Browser.
Bastion é uma verdadeira jóia em três domínios concretos: arte visual, storytelling e música. Os três elementos combinados criam uma experiência de excelência rara num videojogo. E por isso mesmo é que será muito provavelmente o jogo do ano. Um jogo vindo de um pequeno estúdio independente, com um pequeno personagem, a fazer lembrar um outro grande jogo independente Braid (2008).
A narração dinâmica é muito boa, não é a primeira vez que vejo, mas aqui está muito bem conseguida, tanto na voz escolhida como no modo como usa as nossas acções em tempo real, para assim criar ainda mais envolvimento. Depois no campo da arte visual, é uma delícia, estamos constantemente a ser surpreendidos por zonas carregadas de detalhe e cor, arriscaria dizer que Bastion sofre de excesso, e talvez por isso o classificaria como, manga barroca. A música vai no mesmo sentido, diria que sinto um pouco do sabor dos épicos dos anos 80, muito ritmada, concede à narração toda uma outra densidade e dá vida à aventura. Não se deixem levar pelo trailer, joguem, o que eu descrevo aqui acima só é possível experienciar jogando.
Assim são duas excelentes surpresas, e enquanto jogo Bastion, não sei com qual mais me admiro se com o quão espantoso é a arte de Bastion, ou se ter tudo isto a correr num browser independentemente da máquina. É que Bastion saiu para a Xbox e depois disso saiu no Steam mas apenas para PC, e andava um pouco triste com o facto de ainda não ter podido experimentar esta pequena jóia. Por isso agora percebem porque fiquei tão contente com esta inovação da Google.
Para além da SuperGiant Games, criadora de Bastion, já aderiram ao Native Client a Square Enix, a Bungie e a Unity Technologies. Ainda há uns dois meses a Unity se juntava ao Flash, e o UDK prometia também exportar para Flash. Agora a Google parece querer mais. É todo um mundo novo, e será uma questão de tempo até termos o sonho da Google concretizado, a substituição do OS pelo Browser.
A narração dinâmica é muito boa, não é a primeira vez que vejo, mas aqui está muito bem conseguida, tanto na voz escolhida como no modo como usa as nossas acções em tempo real, para assim criar ainda mais envolvimento. Depois no campo da arte visual, é uma delícia, estamos constantemente a ser surpreendidos por zonas carregadas de detalhe e cor, arriscaria dizer que Bastion sofre de excesso, e talvez por isso o classificaria como, manga barroca. A música vai no mesmo sentido, diria que sinto um pouco do sabor dos épicos dos anos 80, muito ritmada, concede à narração toda uma outra densidade e dá vida à aventura. Não se deixem levar pelo trailer, joguem, o que eu descrevo aqui acima só é possível experienciar jogando.
dezembro 05, 2011
Privates (2010), um BAFTA para o jogo proibido pela Microsoft
Estive agora a jogar Privates (2010) e adorei, um jogo simples, com um 3d que faz uso de mecânicas de plataformas 2d, muito divertido. Fiquei mesmo surpreendido com o seu valor educacional, porque enquanto jogamos e comandamos um grupo de soldados com um preservativo na cabeça, através dos vários orifícios do corpo humano, uma voz cómica explica-nos o que temos de fazer. Informação detalhada sobre cada assunto é dada, e nós somos levados a reter essa mesma informação para poder continuar a jogar (vejam o trailer no final do texto).
Pode parecer algo menor mas a concorrência era de peso, com trabalhos de documentário com a qualidade da BBC Learning, com jogos de estímulo à aprendizagem de música, ou ainda o reconhecido projeto do Jamie Oliver para as escolas britânicas. Podem ver detalhes de cada um dos nomeados, e o anúncio do prémio com uma entrevista a Dan Marshall imediatamente a seguir no site dos BAFTA.
Privates é um jogo educacional do princípio ao fim, encomendado e totalmente suportado pelo Channel 4 e baseado nos currículos nacionais britânicos de Educação Sexual. Aborda temas como o sexo seguro, o uso de preservativos, as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez não planeada entre outros temas. Por tudo isto é que se torna tão ridícula a decisão da Microsoft, tendo o prémio BAFTA apenas servido para pôr um ponto final em toda esta arrogância de quem distribui os conteúdos desta forma puritana e conservadora.
O mais preocupante é que isto não é um exclusivo da Microsoft, mas é a mesma política seguida pela Apple, pela Sony, pela Nintendo, pela Facebook, etc. Aliás sobre isto mesmo falei há uns meses na Eurogamer a propósito da "Expressão nos Videojogos. A autocensura e a higienização dos discursos". Todos estes impérios financeiros preocupam-se apenas com uma coisa, evitar assuntos complexos que possam pôr em causa o seu bom-nome, por forma a garantir o máximo retorno possível. À conta disso vimos assistindo a décadas de um total ascetismo ideológico, uma tentativa de purificação da vivência das comunidades consumidoras através de um compromisso de impossibilidade de discussão. Não se fala de sexo, não se fala de política, não se fala de religião, não se fala de nada que traga à discussão a condição humana. Nada que possa gerar desacordos entre mentes livres, porque isso pode colocar em perigo a receita final.
E se dúvidas houvesse quanto à honestidade de quem fez o jogo, basta jogar, porque o jogo é grátis. Sim, está disponivel para download gratuitamente online, podendo ser jogado em qualquer PC com uma boa placa gráfica.
“a funky little game about tiny little condom-hatted marines going right up peoples’ rude areas [vagina, rectum, balls, penis], and shooting all the nasty chompy things that tend to live there…”Este é o jogo que a Microsoft proibiu, no ano passado, de fazer parte da Xbox Live, por ser sexualmente explícito. Mas é também o jogo que no passado dia 27 Novembro ganhou o BAFTA Learning-Secondary, na cerimónia dos prémios BAFTA para conteúdos dirigidos a crianças, a British Academy Children's Awards.
Pode parecer algo menor mas a concorrência era de peso, com trabalhos de documentário com a qualidade da BBC Learning, com jogos de estímulo à aprendizagem de música, ou ainda o reconhecido projeto do Jamie Oliver para as escolas britânicas. Podem ver detalhes de cada um dos nomeados, e o anúncio do prémio com uma entrevista a Dan Marshall imediatamente a seguir no site dos BAFTA.
Privates é um jogo educacional do princípio ao fim, encomendado e totalmente suportado pelo Channel 4 e baseado nos currículos nacionais britânicos de Educação Sexual. Aborda temas como o sexo seguro, o uso de preservativos, as doenças sexualmente transmissíveis, a gravidez não planeada entre outros temas. Por tudo isto é que se torna tão ridícula a decisão da Microsoft, tendo o prémio BAFTA apenas servido para pôr um ponto final em toda esta arrogância de quem distribui os conteúdos desta forma puritana e conservadora.
O mais preocupante é que isto não é um exclusivo da Microsoft, mas é a mesma política seguida pela Apple, pela Sony, pela Nintendo, pela Facebook, etc. Aliás sobre isto mesmo falei há uns meses na Eurogamer a propósito da "Expressão nos Videojogos. A autocensura e a higienização dos discursos". Todos estes impérios financeiros preocupam-se apenas com uma coisa, evitar assuntos complexos que possam pôr em causa o seu bom-nome, por forma a garantir o máximo retorno possível. À conta disso vimos assistindo a décadas de um total ascetismo ideológico, uma tentativa de purificação da vivência das comunidades consumidoras através de um compromisso de impossibilidade de discussão. Não se fala de sexo, não se fala de política, não se fala de religião, não se fala de nada que traga à discussão a condição humana. Nada que possa gerar desacordos entre mentes livres, porque isso pode colocar em perigo a receita final.
E se dúvidas houvesse quanto à honestidade de quem fez o jogo, basta jogar, porque o jogo é grátis. Sim, está disponivel para download gratuitamente online, podendo ser jogado em qualquer PC com uma boa placa gráfica.
novembro 26, 2011
Trauma (2010), um jogo com história interativa
Trauma (2010) de Krystian Majewski, é um jogo. Enfatizo isto porque a reacção normal é dizer que é mais do que um jogo, que é também mais do que uma narrativa interactiva. Pois na verdade é tudo isso, é uma experiência interactiva. É uma experiência que entrosa muitíssimo bem a componente de jogo com a componente de história, e por isso cria nas pessoas esta sensação estranha de que não é um jogo nem é um filme, mas parece ambos.
Narrativa
Não tem sido fácil a geração de narrativas interactivas que nos cativem, assim como não tem sido fácil a inclusão de mecânicas de jogo no seio de narrativas.
Deste modo o simples facto de termos aqui uma experiência narrativa perfeitamente equilibrada, ainda que concentrada, mas com bastante força para nos emocionar é já de si um sucesso.
Isto é conseguido, em parte, graças ao facto de a narrativa acontecer na cabeça de alguém que atravessa um "trauma", facilita a criação do enredo não-linear, e da atmosfera que nem sempre precisa de fazer sentido.
Gameplay
Totalmente em sintonia com a narrativa e a técnica fotográfica escolhida para a representação, oferece objectivos de curto prazo, médio prazo, e fechamentos que se abrem à exploração em diferentes variantes.
Nos objectivos de pequeno prazo temos as polaroids que vão incentivando a nossa busca geográfica do espaço de jogo. Nos de médio prazo, os fechamentos de cada uma das quatro áreas ou sonhos. Estes fechamentos servem-nos doses mais elevadas de recompensa uma vez que cada um destes abre-nos novos espaços geográficos de exploração interactiva e por fim a recompensa narrativa em forma de pequeno filme. Todos estes objectivos nos conduzem ao final do jogo, que apesar de ter vários fechamentos possíveis, atribui um sentido à mensagem narrativa e a toda a nossa interatividade com o jogo.
Técnica
A técnica é um dos elementos centrais no sucesso deste artefacto. A mestria conseguida por Krystian Majewski na condução estética da obra foi totalmente ganha. Em primeiro lugar destacar três componentes muito fortes - Vozes, Música e Fotografia - que dão corpo a toda a experiência. Não posso dizer que são o elemento central do jogo, mas sem a qualidade e escolhas aqui apresentadas, dificilmente este objeto teria chegado até onde chegou em termos de narrativa e gameplay. A música e efeitos sonoros, finalistas do IGF 2010, foram criados por Martin Straka.
Para finalizar referir que apesar de se ter optado por uma interacção point-and-click, o que aqui temos está tão bem trabalhado que ultrapassa totalmente todas as deficiências que são reconhecidas a este modelo de interação gráfica. Nunca somos deixados frente a um ecrã estático sem qualquer reacção à nossa acção. Assim como o que temos de fazer não passa, de todo, por perscrutar apenas todos os cantos de cada imagem em busca de feedback para clicar, mas antes passear pelo espaço de jogo em busca da zona onde estará o objecto de que "precisamos". A salientar ainda que o jogo foi concebido totalmente em Flash, apesar de trazer algumas componentes em 3d.
Atualização 27.11.2011: Para mais informações sobre os custos de produção, o modo de distribuição, entre outras coisas vejam a entrevista com Krystian Majewski realizada pelo TPG.
"TRAUMA tells a story of a young woman, who survives a car accident. Recovering at the hospital, she experiences dreams that shed light on different aspects of her identity - such as the way she deals with the loss of her parents."Trauma percorreu vários festivais em 2010, tendo sido finalista do CADE 2010, do EIGA 2010, e ainda finalista no IGF 2010 nas categoria - Grande Prémio, Excelência em Arte Visual e ainda Excelência em Audio. Entretanto em Agosto de 2011, Krystian Majewski resolveu colocar o jogo online gratuitamente. Deixo aqui uma pequena análise a partir de três dimensões: narrativa, gameplay e técnica.
Narrativa
Não tem sido fácil a geração de narrativas interactivas que nos cativem, assim como não tem sido fácil a inclusão de mecânicas de jogo no seio de narrativas.
Deste modo o simples facto de termos aqui uma experiência narrativa perfeitamente equilibrada, ainda que concentrada, mas com bastante força para nos emocionar é já de si um sucesso.
Isto é conseguido, em parte, graças ao facto de a narrativa acontecer na cabeça de alguém que atravessa um "trauma", facilita a criação do enredo não-linear, e da atmosfera que nem sempre precisa de fazer sentido.
Gameplay
Totalmente em sintonia com a narrativa e a técnica fotográfica escolhida para a representação, oferece objectivos de curto prazo, médio prazo, e fechamentos que se abrem à exploração em diferentes variantes.
Nos objectivos de pequeno prazo temos as polaroids que vão incentivando a nossa busca geográfica do espaço de jogo. Nos de médio prazo, os fechamentos de cada uma das quatro áreas ou sonhos. Estes fechamentos servem-nos doses mais elevadas de recompensa uma vez que cada um destes abre-nos novos espaços geográficos de exploração interactiva e por fim a recompensa narrativa em forma de pequeno filme. Todos estes objectivos nos conduzem ao final do jogo, que apesar de ter vários fechamentos possíveis, atribui um sentido à mensagem narrativa e a toda a nossa interatividade com o jogo.
Técnica
A técnica é um dos elementos centrais no sucesso deste artefacto. A mestria conseguida por Krystian Majewski na condução estética da obra foi totalmente ganha. Em primeiro lugar destacar três componentes muito fortes - Vozes, Música e Fotografia - que dão corpo a toda a experiência. Não posso dizer que são o elemento central do jogo, mas sem a qualidade e escolhas aqui apresentadas, dificilmente este objeto teria chegado até onde chegou em termos de narrativa e gameplay. A música e efeitos sonoros, finalistas do IGF 2010, foram criados por Martin Straka.
Para finalizar referir que apesar de se ter optado por uma interacção point-and-click, o que aqui temos está tão bem trabalhado que ultrapassa totalmente todas as deficiências que são reconhecidas a este modelo de interação gráfica. Nunca somos deixados frente a um ecrã estático sem qualquer reacção à nossa acção. Assim como o que temos de fazer não passa, de todo, por perscrutar apenas todos os cantos de cada imagem em busca de feedback para clicar, mas antes passear pelo espaço de jogo em busca da zona onde estará o objecto de que "precisamos". A salientar ainda que o jogo foi concebido totalmente em Flash, apesar de trazer algumas componentes em 3d.
Combined with the unconventional story, it is aimed to be a compact and deep game for a literate and mature audience.
Atualização 27.11.2011: Para mais informações sobre os custos de produção, o modo de distribuição, entre outras coisas vejam a entrevista com Krystian Majewski realizada pelo TPG.
novembro 25, 2011
Entrevista com o designer de Freeway Fury 2 (2011)
Vasco Freitas acaba de lançar online o seu último jogo free-to-play, criado em Flash. Freeway Fury 2 (2011) é uma versão melhorada do primeiro jogo lançado em 2010 e foi desenvolvido pelo Vasco no game design e programação, conjuntamente com o Frederico Martins na arte 3d, o David Sequeira nos comics e design visual de informação, e o Francisco Furtado nos efeitos de som e música.
Entretanto trago aqui uma entrevista realizada com o Vasco a propósito de FF2, sobre as melhorias, a evolução, as tecnologias e os aspetos financeiros do mercado de free-to-play.
1 - Quais as razões e objectivos para fazer uma parte 2 de Freeway Fury? Procuravas melhorar, estender ou antes rentabilizar a experiência criada na parte 1?
Depois de lançar a primeira versão, senti que havia muito por onde melhorar e estender, e muita vontade dos jogadores em ver uma sequela. Era também um jogo que eu pessoalmente tinha vontade de fazer, senão nunca o teria feito. A ideia foi melhorar o jogo todo, mas talvez se possa dizer que a diferença maior foi a inclusão de mais elementos de gameplay.
2 - Em termos de impacto do primeiro jogo, aproximadamente em quantos portais de jogos foi distribuído o jogo? Qual o total de plays/views obtido? E prémios arrecadados?
Infelizmente, não incluí no jogo uma forma de recolher estatísticas, por isso há muitos valores que não sei ao certo. Se contarmos com portais pequenos, apareceu em várias centenas; e que eu saiba esteve em todos os portais principais. Como a Crazy Monkey Games foi o patrocinador, imagino que tenha tido o maior número de plays, e entre os portais mais conhecidos talvez a Kongregate.
O total de views (o número de vezes que o jogo foi carregado) vai em cerca de 35 milhões, e continua a ter mais de um milhão por mês. O jogo ganhou um prémio de 2º melhor jogo da semana na Newgrounds (através dos ratings do jogadores), e esteve na "front page" da mesma. Esteve também na front page da Kongregate, e foi utilizado para promover o jogo Driver: San Francisco num concurso na Kongregate. Apareceu também no conhecido blog de jogos Kotaku.
3 - Ainda no caso do primeiro, tiveste muito feedback dos jogadores? Via portais ou contactavam-te directamente? O que diziam estes?
Sim, tive bastante feedback através de comentários que escreviam nos portais. Alguns jogadores também me contactaram directamente. Os comentários foram quase todos extremamente positivos, transmitindo muito entusiasmo pelo jogo. Frequentemente comentavam sobre algo que lhes aconteceu no jogo que acharam "brutal" ou hilariante. As vozes do "locutor" (feitas pelo Francisco Furtado) foram frequentemente mencionadas. Deram-me também críticas muito construtivas que foram valiosas para melhorar o jogo na sequela. Pedidos para fazer uma sequela foram também muito frequentes.
4 - Em tua opinião qual o factor que mais contribuiu para o sucesso de Freeway Fury?
Regra geral, acho que para qualquer jogo ter sucesso tem de conjugar bem vários factores; é complicado nomear um factor que tenha sobressaído entre eles. De qualquer forma, se tivesse de escolher um diria talvez a forma como o jogador se sente constantemente surpreendido, tanto por algo que acontece no jogo em si, como algo que o jogador consegue provocar. Ver o personagem cair no asfalto pela primeira vez provoca sempre um riso. Depois o jogador fica curioso para saber o que acontece se fizer "isto" ou "aquilo"; eu tentei fazer o jogo de forma a incentivar e recompensar jogadores por serem curiosos e correrem riscos. Se calhar já estou a falar de outros factores... :)
5 - Sobre a tecnologia, os teus jogos têm sido todos desenvolvidos em Flash (AS 3.0), porquê? Qual a vantagem face a sistemas como o XNA, o Torque, o Unity ou outros?
Isto não foi algo sobre o qual me debrucei durante muito tempo, a considerar todos os prós e contras. Comecei a desenvolver jogos Flash em AS 3.0 porque já tinha criado um jogo, o G-Switch (2010) em C++, e eu queria que mais pessoas o jogassem. Pareceu-me que a melhor forma de fazer isso seria fazer o jogo em Flash, já que assim qualquer pessoa com um browser podia facilmente jogá-lo. E essa é a grande vantagem do Flash.
Outro factor importante foi a facilidade de fazer jogos em AS 3.0 com uma framework chamada Flixel, que tinha saído há pouco tempo na altura. Não tenho muita paciência para aprender outras linguagens ou paradigmas de programação, por isso tenho tendência a escolher algo fácil de utilizar, mas que funcione bem e seja flexível. O Unity parece-me bastante interessante, já que possui um excelente editor em 3D, e permite desenvolver para várias plataformas. Se um dia decidir fazer jogos 3D provavelmente experimento o Unity. Também me parece interessante o Corona SDK devido à facilidade em fazer jogos para iPhone e Android, e o Stencyl que é uma ferramenta nova baseada em Flixel e faz jogos Flash, mas também terá suporte para iOS e Android.
6 - O que te parece toda esta discussão à volta da morte do Flash, e da elevação do HTML a reposta para todas as necessidades online?
Não me preocupo muito com isso, já que se o Flash desaparecer há-de aparecer uma alternativa. De qualquer forma, a ideia do HTML 5 parece-me excelente em teoria, mas ainda tem muito que amadurecer (tanto o HTML em si como ferramentas relacionadas) para que seja tão viável como o Flash. Acho que o Flash ainda tem bastante para dar.
7 - Em termos financeiros o primeiro jogo deu lucro, tendo em conta o tempo pessoal de todos os envolvidos investido?
Sim, sem dúvida que deu um bom lucro, cerca de 30€ por hora de trabalho (embora possa variar dependendo do acordo feito com cada colaborador). Mas é importante referir que, apenas uma percentagem muito pequena dos jogos Flash chega a estes valores. Um jogo pode até ser relativamente bom, mas se não for um verdadeiro "hit", algo que realmente apanhe o interesse dos jogadores, pode nem chegar a 10% deste lucro.
8 - No primeiro jogo tiveste o suporte da CrazyMonkeyGames.com, desta vez temos a notDoppler. Que tipo de suporte estamos a falar, financeiro, distribuição ou outro?
É principalmente suporte financeiro. Basicamente vendo-lhes uma licença na altura de lançar o jogo, que eles pagam à partida, e em troca ponho os logotipos e links deles no jogo. É também possível fazerem-se acordos chamados "performance deals", em que o valor que o patrocinador paga é dependente de quantos views o jogo tem, ou se tem destaque especial nalgum site. Também há outras fontes de rendimento, como incluir um sistema de anúncios que aparecem no princípio do jogo, ou vender licenças "secundárias" de versões especiais do jogo que só aparecem num determinado site.
9 - O que é aquela "marca" que aparece agora no início de Freeway Fury 2, "Serius Games"?
A Serius Games foi uma "marca" que criei recentemente para identificar os jogos feitos por mim e pela minha equipa. É também uma tentativa de rentabilizar mais os jogos, através do site da Serius Games, que terá os nossos jogos e anúncios no site. É desta forma que os patrocinadores também lucram com a compra de licenças.
10 - Como é que vês a carreira de um game designer que trabalha neste campo? É possível viver apenas da criação de jogos que são Free to Play online, ou isto é deve ser encarado como um hobby
Viver apenas da criação de jogos grátis online depende inteiramente da capacidade do designer em criar jogos que cativam os jogadores. Acho que fazer jogos Flash grátis, como hobby, é uma excelente forma de se começar. É de baixo risco, pode-se fazer um jogo simples em relativamente pouco tempo, e depois dependendo do feedback e sucesso do jogo o designer pode decidir se quer continuar ou não.
Se ele deve dedicar-se integralmente a este tipo de jogo, depende completamente dos seus objectivos pessoais. Devido ao ciclo de desenvolvimento mais curto, jogos Flash são uma forma excelente de se experimentar ideias novas e criativas, e de ter muita exposição. Se for esse o objectivo, faz todo o sentido investir apenas neste tipo de jogo. Se o objectivo for outro, como trabalhar em equipas maiores, projectos maiores, ou rentabilizar mais, jogos grátis podem na mesma ser uma boa forma de aprendizagem. Jogos maiores diferem na quantidade de elementos que os compõem, e consequentemente na maior dificuldade de os organizar e gerir, mas as bases de game design mantêm-se. Ou, se o objectivo for rentabilizar o máximo, o melhor seria fazer jogos para iPhone, que parece-me ser a plataforma mais rentável do momento. Mas o que realmente interessa é começar por algum lado!
Entretanto trago aqui uma entrevista realizada com o Vasco a propósito de FF2, sobre as melhorias, a evolução, as tecnologias e os aspetos financeiros do mercado de free-to-play.
1 - Quais as razões e objectivos para fazer uma parte 2 de Freeway Fury? Procuravas melhorar, estender ou antes rentabilizar a experiência criada na parte 1?
Depois de lançar a primeira versão, senti que havia muito por onde melhorar e estender, e muita vontade dos jogadores em ver uma sequela. Era também um jogo que eu pessoalmente tinha vontade de fazer, senão nunca o teria feito. A ideia foi melhorar o jogo todo, mas talvez se possa dizer que a diferença maior foi a inclusão de mais elementos de gameplay.
2 - Em termos de impacto do primeiro jogo, aproximadamente em quantos portais de jogos foi distribuído o jogo? Qual o total de plays/views obtido? E prémios arrecadados?
Infelizmente, não incluí no jogo uma forma de recolher estatísticas, por isso há muitos valores que não sei ao certo. Se contarmos com portais pequenos, apareceu em várias centenas; e que eu saiba esteve em todos os portais principais. Como a Crazy Monkey Games foi o patrocinador, imagino que tenha tido o maior número de plays, e entre os portais mais conhecidos talvez a Kongregate.
O total de views (o número de vezes que o jogo foi carregado) vai em cerca de 35 milhões, e continua a ter mais de um milhão por mês. O jogo ganhou um prémio de 2º melhor jogo da semana na Newgrounds (através dos ratings do jogadores), e esteve na "front page" da mesma. Esteve também na front page da Kongregate, e foi utilizado para promover o jogo Driver: San Francisco num concurso na Kongregate. Apareceu também no conhecido blog de jogos Kotaku.
3 - Ainda no caso do primeiro, tiveste muito feedback dos jogadores? Via portais ou contactavam-te directamente? O que diziam estes?
Sim, tive bastante feedback através de comentários que escreviam nos portais. Alguns jogadores também me contactaram directamente. Os comentários foram quase todos extremamente positivos, transmitindo muito entusiasmo pelo jogo. Frequentemente comentavam sobre algo que lhes aconteceu no jogo que acharam "brutal" ou hilariante. As vozes do "locutor" (feitas pelo Francisco Furtado) foram frequentemente mencionadas. Deram-me também críticas muito construtivas que foram valiosas para melhorar o jogo na sequela. Pedidos para fazer uma sequela foram também muito frequentes.
4 - Em tua opinião qual o factor que mais contribuiu para o sucesso de Freeway Fury?
Regra geral, acho que para qualquer jogo ter sucesso tem de conjugar bem vários factores; é complicado nomear um factor que tenha sobressaído entre eles. De qualquer forma, se tivesse de escolher um diria talvez a forma como o jogador se sente constantemente surpreendido, tanto por algo que acontece no jogo em si, como algo que o jogador consegue provocar. Ver o personagem cair no asfalto pela primeira vez provoca sempre um riso. Depois o jogador fica curioso para saber o que acontece se fizer "isto" ou "aquilo"; eu tentei fazer o jogo de forma a incentivar e recompensar jogadores por serem curiosos e correrem riscos. Se calhar já estou a falar de outros factores... :)
5 - Sobre a tecnologia, os teus jogos têm sido todos desenvolvidos em Flash (AS 3.0), porquê? Qual a vantagem face a sistemas como o XNA, o Torque, o Unity ou outros?
Isto não foi algo sobre o qual me debrucei durante muito tempo, a considerar todos os prós e contras. Comecei a desenvolver jogos Flash em AS 3.0 porque já tinha criado um jogo, o G-Switch (2010) em C++, e eu queria que mais pessoas o jogassem. Pareceu-me que a melhor forma de fazer isso seria fazer o jogo em Flash, já que assim qualquer pessoa com um browser podia facilmente jogá-lo. E essa é a grande vantagem do Flash.
Outro factor importante foi a facilidade de fazer jogos em AS 3.0 com uma framework chamada Flixel, que tinha saído há pouco tempo na altura. Não tenho muita paciência para aprender outras linguagens ou paradigmas de programação, por isso tenho tendência a escolher algo fácil de utilizar, mas que funcione bem e seja flexível. O Unity parece-me bastante interessante, já que possui um excelente editor em 3D, e permite desenvolver para várias plataformas. Se um dia decidir fazer jogos 3D provavelmente experimento o Unity. Também me parece interessante o Corona SDK devido à facilidade em fazer jogos para iPhone e Android, e o Stencyl que é uma ferramenta nova baseada em Flixel e faz jogos Flash, mas também terá suporte para iOS e Android.
6 - O que te parece toda esta discussão à volta da morte do Flash, e da elevação do HTML a reposta para todas as necessidades online?
Não me preocupo muito com isso, já que se o Flash desaparecer há-de aparecer uma alternativa. De qualquer forma, a ideia do HTML 5 parece-me excelente em teoria, mas ainda tem muito que amadurecer (tanto o HTML em si como ferramentas relacionadas) para que seja tão viável como o Flash. Acho que o Flash ainda tem bastante para dar.
7 - Em termos financeiros o primeiro jogo deu lucro, tendo em conta o tempo pessoal de todos os envolvidos investido?
Sim, sem dúvida que deu um bom lucro, cerca de 30€ por hora de trabalho (embora possa variar dependendo do acordo feito com cada colaborador). Mas é importante referir que, apenas uma percentagem muito pequena dos jogos Flash chega a estes valores. Um jogo pode até ser relativamente bom, mas se não for um verdadeiro "hit", algo que realmente apanhe o interesse dos jogadores, pode nem chegar a 10% deste lucro.
8 - No primeiro jogo tiveste o suporte da CrazyMonkeyGames.com, desta vez temos a notDoppler. Que tipo de suporte estamos a falar, financeiro, distribuição ou outro?
É principalmente suporte financeiro. Basicamente vendo-lhes uma licença na altura de lançar o jogo, que eles pagam à partida, e em troca ponho os logotipos e links deles no jogo. É também possível fazerem-se acordos chamados "performance deals", em que o valor que o patrocinador paga é dependente de quantos views o jogo tem, ou se tem destaque especial nalgum site. Também há outras fontes de rendimento, como incluir um sistema de anúncios que aparecem no princípio do jogo, ou vender licenças "secundárias" de versões especiais do jogo que só aparecem num determinado site.
9 - O que é aquela "marca" que aparece agora no início de Freeway Fury 2, "Serius Games"?
A Serius Games foi uma "marca" que criei recentemente para identificar os jogos feitos por mim e pela minha equipa. É também uma tentativa de rentabilizar mais os jogos, através do site da Serius Games, que terá os nossos jogos e anúncios no site. É desta forma que os patrocinadores também lucram com a compra de licenças.
10 - Como é que vês a carreira de um game designer que trabalha neste campo? É possível viver apenas da criação de jogos que são Free to Play online, ou isto é deve ser encarado como um hobby
Viver apenas da criação de jogos grátis online depende inteiramente da capacidade do designer em criar jogos que cativam os jogadores. Acho que fazer jogos Flash grátis, como hobby, é uma excelente forma de se começar. É de baixo risco, pode-se fazer um jogo simples em relativamente pouco tempo, e depois dependendo do feedback e sucesso do jogo o designer pode decidir se quer continuar ou não.
Se ele deve dedicar-se integralmente a este tipo de jogo, depende completamente dos seus objectivos pessoais. Devido ao ciclo de desenvolvimento mais curto, jogos Flash são uma forma excelente de se experimentar ideias novas e criativas, e de ter muita exposição. Se for esse o objectivo, faz todo o sentido investir apenas neste tipo de jogo. Se o objectivo for outro, como trabalhar em equipas maiores, projectos maiores, ou rentabilizar mais, jogos grátis podem na mesma ser uma boa forma de aprendizagem. Jogos maiores diferem na quantidade de elementos que os compõem, e consequentemente na maior dificuldade de os organizar e gerir, mas as bases de game design mantêm-se. Ou, se o objectivo for rentabilizar o máximo, o melhor seria fazer jogos para iPhone, que parece-me ser a plataforma mais rentável do momento. Mas o que realmente interessa é começar por algum lado!
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