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julho 23, 2022

The Staircase (2022)

Não sabia que era baseada num caso real, menos ainda que tinha sido feito um documentário enquanto os julgamentos duraram sobre o caso. Vi a série como se tratasse de ficção e não realidade. Vi as voltas e reviravoltas como um guião que tenta construir uma nova forma de narrar os eventos. No final percebi que tudo era real, mas dada toda a incapacidade para se determinar a verdade, na série e fora dela, tudo ficou comigo como uma grande história, montada e preparada para nos questionar. 


O trabalho técnico é soberbo, do guião à cinematografia, passando pelos múltiplos atores de relevo — Colin Firth, Toni Collette, Sophie Turner, Odessa Young, Juliette Binoche, Parker Posey. 

 O 3º episódio foi o ponto alto, um verdadeiro filme, pelo modo como discute a verdade e ficção e depois conduz o espectador entre passado e presente, sem informar nem confundir, brilhante. O resto da série não segue ao mesmo nível, ainda assim bastante boa, apesar de me ficar, agora que sei que é baseada em realidade, algum sentimento estranho de voyeurismo.

julho 02, 2022

“Ethos” (2020), a jóia turca do Netflix

“Ethos” (2020) é uma série dramática turca e uma das jóias escondidas do Netflix. Partindo da telenovela turca faz o caminho inverso da nossa “Pôr do Sol” (2021), optando por usar os tropos não para gozo, mas para os maximizar em qualidade técnica e estética. No final, temos cinema sublime, com a câmara a contar a história e não as bocas dos atores, algo pouco visto em séries, mas não só, toda a composição visual dos cenários e guarda-roupa junto com atores de excelência deslumbrando-nos cena atrás de cena. A estrutura narrativa é também um prazer tremendo, seguindo uma lógica em rede (tipo “Magnólia” (1999)) muito bem desenhada capaz de nos surpreender e recompensar ao longo dos 8 episódios. Mas o que mais me marcou foi sem dúvida o tema do choque de classes e de valores, os cidadãos turcos seculares versus os cidadãos agarrados aos costumes da religião, e o modo como as crenças e os preconceitos corroem a identidade das mulheres, mas não só elas, e tudo com muito Jung à mistura.

junho 20, 2022

"Kalifat" (2020) apresenta a radicalização jovem

"Kalifat" (2020) é uma série Netflix sueca de ficção sobre o Estado Islâmico, ou Daesh, em particular sobre o modo como as redes de radicalização atuam na Europa, conseguindo atrair e convencer jovens, entre os 13 e os 17 anos, a embarcar para a Síria. A série foi criada por jornalistas com base em fontes escritas variadas, mas completamente revista por especialistas em terrorismo. O resultado é uma obra de grande intensidade dramática, pelo modo como expõe as pressões e jogos mentais a que as pessoas podem ser sujeitas e como tal afeta não só as suas competências racionais, mas em particular as relações familiares e parentais. É não menos impressionante o contraste entre a sociedade sueca e a do estado islâmico, e como tudo aquilo que parece impossível se pode tornar na única coisa que importa, tudo em nome de um ideal de fantasia.

junho 07, 2021

Dark (2017)

"Dark" é uma série co-criada por Baran bo Odar e Jantje Frieseé e bastante interessante pela forma como consegue rentabilizar alguns clichés narrativos — as viagens no tempo e o rapto de crianças —, complexificando a trama por via de múltiplas linhas temporais de vários personagens que nos envolvem e conduzem ao desejo ardente de solucionar o puzzle narrativo. São 10 episódios, a primeira temporada, mas quase parece uma mini-série, tal a velocidade imprimida e a quantidade de eventos que vão sendo apresentados. A tornar tudo mais interessante ainda é o facto de ser uma série alemã que nos oferece um vislumbre de uma cultura próxima mas distinta daquela a que nos vamos habituando, criada pelos media americanos, ainda que nesse aspeto existem algum reparos a fazer.


novembro 02, 2017

"Stranger Things 2" e os Media nos 80

“Stranger Things 2” não difere muito da primeira temporada no que toca ao conceito, diferenciando-se no entanto bastante a nível técnico, desde a escrita à cinematografia.  Nota-se um cuidado tremendo, tudo foi muito pensado e analisado, cada detalhe que vemos, ouvimos ou percepcionamos foi lá colocado com um objetivo muito concreto, o que garante a toda a série uma coerência impressionante, e explica em parte o seu sucesso.

A televisão como centro da cultura dos anos 1980

Este caráter técnico muito cuidado acaba por contrastar com o tema de fundo da série, os anos 1980, um tempo em que muito do que se fazia estava longe da perfeição. Mas o trabalho de realização não se limita a repescar ou a prestar homenagens a obras dessa época, toda a estrutura narrativa assenta numa mescla de padrões decalcadas dessas obras. As estruturas mais evidentes surgem desde logo pelo uso do grupo de crianças que partem à aventura ("ET", 1982; "The Goonies", 1985; "Explorers", 1985) a que se junta o padrão do grande mal que veio do desconhecido ("The Evil Dead", (1981) "The Thing", 1982; "Aliens", 1986). Neste caso a série é mais arrojada que por exemplo o filme “Super 8” (2011), pois não se constrange no uso do horror.

Um dos múltiplos postais de promoção da série que citam diretamente filmes de horror, no caso "Aliens" (1986), ao que junta a data prevista de saída, junto ao Halloween.

Os anos 1980 não são os primeiros a ter direito a este tipo de adaptações, no entanto são os que têm ostentado mais sucesso. Por exemplo Netflix produziu uma outra série, “The Get Down”, dedicada aos anos 1970, tendo recorrido ao respeitado cineasta Baz Luhrmann, mas que não passou do episódio 11, apesar de um resultado audiovisual excepcional. Contudo o público alvo dos anos 1970 é muito mais escasso, desde logo porque nessa década a televisão e o cinema ainda não tinham assumido o controlo total da cultura, o que fez com que muitos dos que viveram essa época não tenham acedido a veículos de massificação de cultura. É verdade que existem alguns resquícios dessa identidade massificada nos anos 1970 mas mais no campo musical. Aliás, talvez não seja por acaso que “The Get Down” se baseie na música, no "disco sound".

Série “The Get Down” (2016-2017) da Netflix

Neste sentido, podemos dizer que muito do que alavanca a recuperação da cultura dos anos 1980 se deve ao facto de termos, hoje, as gerações que viveram nessa época a sua adolescência, em lugares centrais de poder, desde as empresas às universidades, passando por tudo o que é comunicação social e produção cultural, mas aquilo que os torna verdadeiramente particulares é o facto de pela primeira vez termos tidos obras de massificação global da cultura, que chegaram a quase todas as geografias e de forma muito rápida, por meio da Televisão. Se olharmos à evolução dos media e à produção cultural que os alimentava, existem pelo menos dois elementos centrais: por um lado, o aumento da relevância da televisão na cena pública, que faz com que aumente a necessidade de maior produção de produtos audiovisuais, em que se inclui a necessidade da música começar a surgir com telediscos; e por outro lado, sendo a televisão hegemónica, e ainda sem o espartilhamento em canais segmentados, os mesmos ideais, valores e identidades vão ser repassados para todos de forma igual. Podemos dizer que os anos 1980 funcionaram como a ponta de um funil, que fez convergir toda a diversidade cultural que vinha de trás. E repare-se como tudo isto vai começar a desaparecer a partir do meio da década dos anos 1990, quando a internet surge e começa a tomar conta dos interesses das gerações que estão nessa altura a crescer.

A semelhança com "Close Encounters of the Third Kind" (1977)

Isto acaba por conduzir “Stranger Things 2” a um paradoxo em termos de media, porque se a maioria da cultura que suporta os anos 1980 na série provém diretamente do cinema (The Exorcist, 1973; Jaws 1975; Close Encounters of the Third Kind, 1977; Halloween, 1978; The Warriors, 1979; Escape from New York, 1981; Poltergeist, 1982; The Thing, 1982; E.T. the Extra-Terrestrial, 1982; Gremlins, 1984; Ghostbusters, 1984; Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984; Karate Kid, 1984; The Goonies, 1985; The Terminator, 1984; The Breakfast Club, 1985; Stand by Me, 1986, ver muitas outras referências e ainda mais), isso só se explica porque a geração que recorda estes filmes, não se recorda de os ter visto nas salas de cinema, mas na televisão. Do mesmo modo, se a série é supostamente uma série de televisão, o media que a suporta é a Web (Netflix), e muitos dos que hoje a veem não usam a televisão para a sua visualização. No fundo temos um produto de televisão que homenageia o legado cultural da televisão, não tendo esta estado na base da produção, nem antes nem depois. Isto está relacionado com o afunilamento cultural do parágrafo anterior, mas merecia todo um estudo per se.

Voltando à série em si, é impossível não falar do modo como exerce a sua atração sobre os espetadores. Já percebemos que o tema são os anos 1980, o cinema, a música e a televisão dessa época. Já percebemos que existe um público muito alargado de pessoas que se identificam com essa época e essa cultura, e que garante à partida o sucesso da série. Este público está hoje na meia-idade, e como disse acima algum dele até bem posicionado na sociedade, mas isso não o impede de se questionar sobre o que conseguiu e não conseguiu, de voltar às dúvidas existenciais que pensava terem desaparecido com o final da adolescência. Para muitos, esta série é o antidepressivo perfeito, já que os leva de volta à idade da inocência, antes do conhecimento dos problemas, das responsabilidades, dos empregos, casa e filhos. De certa forma podemos dizer que a pré-adolescência e adolescência representa para uma parte significativa de pessoas, o eldorado desta vida, o tempo em que a imaginação era tudo, e a criatividade era ilimitada, mesmo que os adultos e professores teimassem em dizer que não. Depois de adultos, mesmo com algumas pergaminhos na parede e sem falta de meios no bolso, tudo parece mais vedado e artilhado à nossa volta. Pode-se fazer muito mais, ir de férias, adquirir a consola ou televisão que se quiser, comer a doçura que nos apetecer, quantas vezes no apetecer, mas a liberdade de que se dispunha, de que o mundo estava a nossa mercê desapareceu, sendo que o que verdadeiramente aconteceu foi a nossa transformação, ganhámos consciência dos limites que a sociedade nos impõe e por isso dos nossos próprios limites. “Stranger Things 2” abre uma janela, ainda que temporária, para esse mundo sem limites.

Por outro lado, e apesar da série ser recomendada para adultos, os seus principais intérpretes são um grupo de crianças, pré-adolescentes, que servem de padrão narrativo em analogia aos filmes dessa época, e acabam por trazer para a frente do ecrã pais e filhos, mas nesta segunda temporada parece existir algo mais. Os pré-adolescentes em cena, não estão apenas a fazer o papel de crianças nos anos 1980, gerando identificação com as crianças de hoje, estão ainda a gerar identificação direta entre os espectadores agora adultos e as suas nostalgias de criança. Existem dois momentos em que isto é muito evidente: a abrir a temporada, no salão de jogos, e a fechar a temporada no baile de finalistas. Em ambos os casos, os miúdos não teriam idade para ali estar, contudo se ali aparecem, é acima de tudo para manipular as memórias que vamos revisitando por meio dos estímulos que as referências cinematográficas vão gerando.

No fundo, “Stranger Things 2” é um cocktail de estímulos desenhado para nos impactar emocionalmente, para nos agarrar através daquilo que mais prezamos nas nossas vidas, as memórias das nossas experiências. Sendo estas memórias um reflexo do que fizemos, mas mais do que isso, daquilo que somos ou daquilo em que nos tornámos. Porque é nestas memórias que as nossas emoções mais profundas se baseiam para nos ajudar a reagir, é aí que estão gravadas as nossas decisões morais, sobre o que correu bem e correu mal, e por isso quando ativadas reagem fortemente. Neste sentido, não admira que tantos e tantos espectadores se digam profundamente afetados emocionalmente pela série.

março 19, 2017

“Breaking Bad - O Filme”

5 anos em exibição, de 2008 a 2013, resultaram em 5 temporadas, 62 episódios, 48 horas contínuas de filme. Em 2017 podemos finalmente ter acesso a toda a saga de “Breaking Bad” por meio de um filme que totaliza apenas duas horas e sete minutos. Se se pode dizer que a experiência é igual? Não, é totalmente impossível, mas permitiu-me conhecer a história completa depois de ter desistido no 3ª episódio.




Dois franceses, Gaylor Morestin (designer gráfico) e Lucas Stoll (realizador), resolveram dedicar grande parte do seu tempo livre, ao longo de dois anos, para criar um filme completo a partir das 48 horas de série, que conseguisse conter a nata da narrativa e da experiência de “Breaking Bad”. É um trabalho insano, pelas múltiplas linhas narrativas presentes na série e a multiplicidade de personagens, pelas temporadas filmadas com diferentes realizadores, pela variação de recursos de produção, do guarda-roupa e da maquilhagem. Mas também porque trata-se de recriar algo a partir do que existe apenas, sem hipótese de filmar o que quer que seja para dar conta de aspetos menos claros.

No final das duas horas posso dizer que compreendi a razão do sucesso da série, compreendi o que a tornou tão relevante, consegui gizar os traços gerais dos personagens e conflitos, mas tenho perfeita noção que passei ao lado de muito daquilo que gera a verdadeira experiência de “Breaking Bad”. O filme cria a sensação de estarmos a ver detrás de alguém, captando apenas partes do que vai acontecendo, dando sentindo ao todo, mas percebendo que nos falta contexto, que cada conflito aparece e desaparece sem chegarmos a compreender a essência do seu desenvolvimento.

“Breaking Bad - O Filme” é uma obra interessante para quem viu a série e quer agora rever os momentos altos, pode servir a quem como eu nunca viu, mas saiba que tem de se comprometer em aceitar que ver o filme não é o mesmo que ver a série. Que a experiência que vai viver, não é aquela que foi pensada por quem criou a série. A experiência está adulterada, funciona, mas não oferece o pleno. Serve para conhecer a história, para compreender o fenómeno e apaziguar as ânsias de quem não quer dedicar 48 horas a conhecer o universo da série.

Para ver o filme precisam de procurar no submundo da web, já que a Sony fez o favor de mandar retirar o trabalho do Vimeo e do YouTube, apesar de catalogado como Fair Use. Por antecipar isso mesmo, fiz download do mesmo no dia em que saiu, contudo deixo um link para quem não se importar de ver online.

fevereiro 11, 2017

Anime: "Erased" (2016)

Tenho seguido muito pouco a anime dos últimos anos, apesar de sempre me ter chamado a atenção pela forma adulta como são tratados os temas, ao contrário da maior parte das séries de animação ocidentais. “Erased” veio muito recomendada pelo seu storytelling, e apresentava a mais valia de trabalhar um dos meus temas preferidos, as viagens no tempo. São 12 episódios de 20m cada, que valem todo o tempo investido.



A narrativa de “Erased” foi desenhada segundo a tradicional estrutura de mistério. A personagem principal entra em choque com uma tragédia sucedida na sua vida, e acaba por sofrer aquilo, que a série designa por efeito de “revival”, que o faz regressar no tempo. Não percebendo porque regressou, iniciam-se as interrogações, com várias camadas narrativas a surgirem, enquanto nós procuramos respostas. Pelo meio, a viagem no tempo perde relevância para se focar completamente nos personagens, e talvez essa tenha sido a aposta mais acertada da série.
"The town where he alone is not there."
A caracterização é conseguida por meio de um leque de dramas que convidam a um cada vez maior aprofundamento de cada personagem. Temos desde relações professor-aluno, a rapto de crianças, maus-tratos familiares, e assassinos em série que dão vida e dinâmica a um enredo que se vai dirigindo para dois grandes motivos: o isolamento social e a amizade. Uma série que poderia ser apenas um entretém, brincar com a narrativa para nos manter grudados no ecrã, mas que é mais do que isso, procura ser mais, tratando problemas contemporâneos, assumindo posicionamentos e questionando-os.


Tudo isto é envolvido por uma belíssima plástica, tanto visual como sonora. Os ambientes são profundamente atmosféricos, o que permite densificar a história. É todo um trabalho de cor, arquitectura e música, que nos transporta para o espaço e nos faz esquecer a nossa realidade. Em termos de animação não temos nada de excepcional, é uma série de televisão, e por isso recorre aos artifícios típicos da anime para poupar frames, mas a ilustração, montagem e música acabam compensando.


Claro que nem tudo é brilhante, mas não podemos esquecer que se trata apenas de uma pequena anime. Para além de nunca se perceber como surge a capacidade de viajar no tempo, o maior problema surge no arco narrativo de Kayo que assume um papel demasiado forte, desequilibrando o desenho narrativo geral, roubando protagonismo ao arco principal de Fujinuma. Assim, terminado o arco de Kayo a série parece esvair-se de propósito para continuar, acabando por passar a ideia de que deveria terminar ali. Contudo, para os espectadores que mantêm o interesse vivo, são recompensados pouco mais à frente, quando tudo se resume, o equilíbrio se repõe, e o todo ganha um sentido não só mais coeso mas também mais intenso. Podemos dizer que a série merecia mais, é verdade, mas se colocarmos a fasquia da exigência no nível correto, saberemos apreciar e aproveitar o melhor que esta tem para nos oferecer.

dezembro 22, 2016

"The OA", manipulados pela Netflix

Acabei de ver o 8º episódio de "The OA", diga-se que já depois de muito me ter forçado para continuar a ver depois do 4º ou 5º episódios. Não quis falar sem ter terminado a série, quis dar o benefício da dúvida, acreditando de certa forma que poderia haver algum tipo de redenção. E a verdade é que isso foi a única coisa que a série conseguiu fazer bem, lançar na dúvida constante, todos os caminhos apontados foram continuamente revogados para logo a seguir voltar a ser reafirmados. No final, sente-se um vazio, um nada, uma total perda de tempo. Sinto-me totalmente defraudado pela Netflix.





The OA é uma série baseada na premissa básica do thriller, prolongar a revelação de informação crucial para a compreensão de um argumento até ao último minuto. O ser-humano não consegue viver sem fechamento, sem dar sentido aos padrões que o rodeiam, precisa de chaves para explicar o real que se lhe apresenta na frente. Neste sentido, e como na maioria das obras do género, os personagens são básicos, meras marionetas que empurram o enredo e guiam o caminho ao recetor. Poderíamos perguntar quem é Prairie? quem é Homer? quem é a Renata? quem é o Alfonso? quem é etc? Porque nenhum dos persongens verdadeiramente interessa. Existindo ou não, são irrelevantes, podiam facilmente ser substituídos por quaisquer outros.

Mas sobre estes, os personagens, diga-se que não eram apenas vazios, eram totalmente inconsistentes, desprovidos de forma e sentido moral. Se gostaria de louvar Brit Marling por um trabalho criativo fantástico, já que é não só atriz principal, mas também produtora executiva e guionista, não o consigo fazer pela escrita . Que pais adotivos são aqueles, que filha adotiva é aquela, que raptor é aquele, que cidade é aquela, que polícia é aquela. Nada, é tudo tão superficial, tão sem fundo, sem sabor, sem nada.

No fundo o que conta é apenas a premissa, para onde nos leva. Este tipo de obras têm um problema de base que é arrastar as pessoas e mantê-las enredadas sem lhes dar a conhecer se vale a pena o investimento que realizam em tal. O esquema utilizado é profundamente manipulativo, não tendo em si qualquer outro objetivo além de garantir a atenção cognitiva dos recetores. E é por isso que deve ser usado com alguma parcimónia, garantir o interesse sim, mas ir informando na sua progressão ao que vem, de outra forma resulta em manipulação pela manipulação.

E é isso que "The OA" é, um mero exercício de manipulação das audiências. Uma temporada inteira, 8 episódios, horas e horas, e nada acontece. Somos totalmente manipulados. As vezes em que a série parece indicar ao que vem — as experiências de quase morte e o new ageism, ou as experiências científicas, ou  ainda a imaginação baseada na ficção — logo a seguir destrona tudo, questiona tudo, deixando-nos de novo sem nada.

É certo que me arrepiei quando comecei a ver o ridículo das experiências de quase morte surgir, mas inteligentemente foram atirando tudo isso para debaixo do tapete, camuflando com outras possibilidades. Diga-se que já não se aguenta a moda recente de usar a Mecânica Quântica como nova força do esoterismo. Mas no final, nem uma coisa nem outra, nada.

Obrigado Netflix, mas foi a primeira e a última vez que me convenceram a ver uma série antes de ler sobre a mesma. Mantiveram a série em total segredo, lançando a mesma em simultâneo em todo os países, sem dar tempo para que se pudesse discutir a mesma, escrever sobre a mesma. Funcionou, mas só funciona uma vez.

outubro 23, 2016

A não-linearidade de género

“The Affair” é uma simples série de televisão, mas podia facilmente ser uma grande obra literária, tal é o trabalho de escalpelização psicológica dos personagens, assim como a estrutura não-linear que serve a apresentação. Sendo um produto audiovisual a escrita não chega e aqui podemos dizer que o conjunto de atores foi não só bem escolhido como consegue obter mais ainda de algo já imensamente bom. Estas palavras resumem a minha experiência do primeiro episódio, sendo que a série segue já para 3ª temporada.

Ilustração de Zohar Lazar

Cartaz para a segunda temporada

A história parece seguir o cliché do homem de meia-idade que se questiona sobre o pico da sua vida, o enfrentamento do declínio, enterrado numa relação de décadas com 4 filhos, e que vê novas oportunidades nas mulheres com que se cruza. Contudo, e apesar do cliché, é tudo desde logo escrito de forma tão detalhada, de modo tão íntimo-realista, que o nosso interesse se desperta, seduzido pelas personagens.

Se fosse só isto, a série seria interessante, mas quando na segunda parte passamos a rever alguns dos momentos já passados pelos olhos de uma potencial amante deste homem, tudo muda. Revemos, reavaliamos e reestimamos tudo o que foi dito, tudo o que por nós foi imaginado e projetado sobre aquele homem. A  escrita sobe a patamares novos, mostra e reamostra o real, dando conta das teias de complexidades, mas acima de tudo dando conta do quanto cada um de nós fabrica o seu próprio mundo, demonstrando que o real é muito mais do que aquilo que pretendemos que seja, que não se termina em algo que podemos simplesmente encerrar num igual para todos.

Esta abordagem não-linear, de reapresentação do real em função dos olhos de quem vê não é nova, é até considerada tipicamente borgeana, podendo também, pelo lado do cinema, ser apelidada de rashomoniana. É também uma abordagem muito cara ao mundo das histórias interativas, nomeadamente pelo modo como permite a personalização dos conteúdos em função das diferenças patentes em cada recetor. Contudo, e falo apenas deste primeiro episódio, o seu uso não é aqui meramente estilístico, e mesmo sentindo alguma rigidez pela estereotipagem, serve um desígnio específico da história, o posicionamento de género e sua intensificação dramática. Ou seja, o mundo que o homem em declínio e aberto a um novo mundo vê, é distinto do mundo que uma mulher à beira do precipício vê. Não temos caminhos diferentes, nem temos gostos ou interesses diferentes, mas temos pequenas ações que obrigam o recetor a trabalhar, nomeadamente no desmontar de preconceitos já estabelecidos, obrigando ao questionamento não apenas do que viu, mas mais importante, do que sentiu em cada perspectiva e que entrechoca agora dentro de si…

novembro 18, 2013

Racionalizar o formato das séries TV

Ontem comecei a ver Breaking Bad (2008-2013). Vi os três primeiros episódios. Gostei, o conceito é muito bom, o ator principal é excelente, a narrativa mantém-nos sempre interessados. Mas no final decidi não continuar a ver a série. A razão não se prende com esta série, em particular, mas antes com o formato das séries de TV. No fundo, é a razão única pela qual não vejo séries de televisão, a sua duração e o confronto com o tempo que nos falta. Vi algumas temporadas de X-Files, 24, de Six Feet Under, de Sopranos, e vi apenas alguns episódios das mais recentes Dexter, RomeLost, The Walking Dead, ou Game of Thrones. Não vi muita coisa que na atualidade muitos dos meus colegas seguem e admiram, e por isso procurei perceber melhor porque não o faço.


Vejamos, Breaking Bad tem 5 temporadas, 62 episódios, o que pede um investimento da nossa parte equivalente a 60 horas. O que é possível fazer com 60 horas em termos de consumo de media?

  • Ler 3 livros (~20h)
  • Jogar 4 videojogos (~15h) 
  • Ver 30 filmes (~2h)
  • Ler 45 livros BD (~1h30m)
  • Jogar 60 videojogos indie (~1h)
  • Ver 200 curtas (~15m)

Não me parece que seja um problema de quem cria as séries, mas um problema do próprio meio de Televisão. A série está desenhada para ser consumida ao longo de meses/anos. Ou seja, a série precisa de entreter o espectador, precisa de o manter interessado, e quanto mais tempo o conseguir fazer melhor. Como os episódios são semanais, e as temporadas anuais, a redundância é obrigatória e extensa.

Em termos imediatos, a série exige apenas 1 hora, o problema acontece quando juntamos tudo num pacote de DVDs. Ou quando olhamos para trás e nos damos conta que estivemos 60 horas sentados no sofá a sintonizados nos detalhes de um personagem e das suas atividades diárias. Será isto mau? Não sei responder. Posso apenas responder por mim, o que sinto e como sinto.

Cada vez que acaba um episódio de uma série boa, sinto que o guionista o faz de modo a manipular as minhas emoções e a conduzir as minhas expectativas, para que eu não deixe de ver o próximo episódio. Quando olho para os episódios que faltam, sinto uma ansiedade enorme, ainda tenho mais 5, 10 ou 15 horas pela frente, só naquela temporada. Se quiser chegar ao final, tenho de multiplicar isso pelas várias temporadas.

Mas o pior acontece quando a ansiedade toma conta de mim, e faz passar pela minha mente as inúmeras outras coisas que poderia estar a ver, ler ou jogar. Por muito boa que a série seja, começa a perder-me, a arrastar-se. Ao fim de alguns episódios, parece que estou encalhado naquele universo narrativo, e não terei forma de lhe escapar durante muito tempo ainda.

Talvez tudo isto não passe um problema de excesso de racionalização. Talvez. Mas também é verdade que sinto que o retorno de uma temporada completa é pouco maior que aquilo que um ou dois episódios conseguem oferecer. Da soma de todos aqueles episódios e horas acaba por resultar demasiada redundância e uma muito baixa diversidade narrativa em termos temáticos e estéticos.


Actualização 19.11.2013

O debate que se seguiu a este texto no facebook foi interessante e ajudou-me a ver perspectivas diferentes sobre este assunto. Nomeadamente a aceitar melhor o formato, e o que cada um consegue retirar dele se souber gerir a relação da melhor forma. Ou seja, se estiver mais concentrado sobre o episódio que vê semanalmente, do que em ver toda uma temporada, ou uma série completa. Apesar disso deixo mais algumas reflexões que realizei depois disso.

Concluo de toda esta análise, que não gosto de "ganchos narrativos", já não gostava em criança, quando comecei a ler Marvels. Ficar ali colado na expectativa, um mês para saber como continuava a história. Tinha um lado que me agarrava, mas por outro percebia, já nessa altura, que estava a ser manipulado, e não achava grande graça, obrigarem-me a comprar todas as séries Marvel, para poder seguir o fio da narrativa. Aliás para quem jogou The Last of Us (2013) pode encontrar esta mesma crítica dita por Ellie, quando acaba de ler um comic e encontra o célebre "To Be Continued", a sua reação expressa tudo aquilo que sinto! Por isso mesmo aqui há uns anos quando voltei aos comics, acabei desistindo da Marvel. Hoje só leio séries curtas, e quando elas se começam a estender, termino, raramente vou além da 2ª ou 3ª série.

E assim não é por acaso que também não gosto de sequelas no cinema ou nos videojogos. É um claro aproveitamento do espectador, na esmagadora maioria das vezes. Os executivos de Hollywood descobriram a pólvora desse poder do seriado e do gancho, com as sequelas, e por isso muita inovação tem sido evitada pelo cinema ao longo dos últimos 10 anos de modo a controlar os riscos financeiros.

junho 14, 2012

Poemas audiovisuais: "OF SOULS + WATER"

A série web OF SOULS + WATER é produzida pela New Belgium Brewing Co. e criada pela Forget Motion Pictures. Consiste em 5 curtas lançadas gratuitamente na web mensalmente, tendo o primeiro episódio surgido em Abril deste ano, sendo que o último será lançado em Agosto.


O objectivo da série é apresentar cinco histórias tocantes, focando-se sobre cinco personagens com os quais cada um de nós se possa identificar, e possamos aprender um pouco mais sobre a humanidade à nossa volta.


O primeiro episódio foi dedicado ao Nómada, o segundo à Mãe, o deste mês será dedicado ao Transformador, o de Julho ao Guerreiro e o último em agosto será dedicado ao Idoso.


Do que pudemos ver dos dois primeiros episódios, são curtas de pura excelência, poemas audiovisuais. Uma fotografia arrebatadora, com textos inspiradores. Curtos filmes, que como eles próprios dizem sofrem de alguma efemeridade, mas que podem estimular em nós momentos de grande inspiração. Gostei particularmente do segundo episódio, da imagem, mas também muito do texto.

Episode I - THE NOMAD
His deep curiosity leads him to the far arctic north, to the streets of inner-city DC, and to the majestic waterfalls of the Pacific Northwest. But what is he seeking?



Episode II - THE MOTHER
Do our mothers still have dreams, hopes and journeys to make? Shot in the Utah Desert.



Dentro deste espírito de mini-séries sobre a natureza, vejam também as curtas da Hazardous Journeys Society.

março 01, 2012

Curtas de aventura e exploração

Foi publicada esta semana pela Hazardous Journeys Society uma trilogia de curtas que nos fala do espírito de Aventura, da Jornada, e da atitude do Explorador. Esta sociedade apesar de ter conotações com entidades religiosas americanas, parece querer apresentar-se nestes filmes como de espírito e mentalidade abertaa, não contaminando os filmes com fundamentalismos ou exageros. A intenção dos filmes parece-me estar talhada para a organização de Expedições, o que está de acordo com alguma informação que se pode encontrar no site de expedições anteriores por eles organizadas.


As três curtas apresentam duas coisas enormemente a favor em termos estéticos: as paisagens fabulosas, e a excelência da fotografia. Por outro lado a música serve na perfeição estes dois elementos e ajuda a transportar-nos para novos territórios, cria em nós o sentimento do explorador, o desejo de aventura, por partir e sentir todas as emoções a esta associadas. O pior aparece do lado dos actores e da sua direcção, assim como na componente narrativa que parece nunca querer assumir-se deixando o lugar de destaque à atmosfera criada. Como alguém dizia num comentário aos filmes, depois de ver estas curtas é impossível não pensar em pegar na nossa DSLR e partir a aventura para filmar.



Os filmes são apresentados sem uma ordem, contudo aconselho que sejam vistos da seguinte forma: Risk, Dominion, e Manhood.