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maio 18, 2019

O que fazer da Curiosidade?

"Curiosity" permitiu-me conhecer melhor Alberto Manguel, e se numa primeira fase do livro criou em mim enorme admiração pela sua pessoa, à medida que fui avançando na leitura essa admiração foi-se desvanecendo. No final, a maior conclusão que tiro não tem nada de novo, ler muito não chega, ler muito é essencial, mas é preciso aprender a fazer algo com esse muito que se lê. Manguel leu toda a sua vida, é um dos maiores connaisseurs internacionais do cânone literário, mas na hora de criar obra não vai além da compilação daquilo que os outros fizeram. E talvez o maior problema desta obra tenha sido o ter acreditado que podia ir além, que podia criar um género de escrita novo, sair do seu domínio de Editor.


Em "Curiosity" Manguel recorre a uma mescla entre memórias da sua vida e as obras do cânone ocidental que faz desfilar na nossa frente por meio dos eventos da "Divina Comédia" (1320) de Dante. Posso dizer que nas primeiras 100 páginas funciona brilhantemente. Manguel sintetiza imensas visões literárias ao longo dos últimos 2500 anos sobre o que é a curiosidade e a sua importância para a nossa espécie. Contudo depois perde o foco, mesmo utilizando Dante e Virgilio para o guiar no resto da jornada, dedica as restantes 300 páginas a simplesmente vaguear pela literatura mundial, pescando ideias soltas aqui e ali, sem qualquer objeto ou motivo.

Manguel é dono de uma impressionante biblioteca com mais de 30 000 volumes, que tem transportado consigo ao longo da sua vida pelos vários países em que viveu — Israel, Argentina, Canada e França.

No final fica uma enorme sensação de tempo perdido. Claramente é interessante avaliar o que foi dito na literatura sobre um tema, mas é preciso dar sentido a tudo isso, e é aí que Manguel falha. Mais ainda porque Manguel nunca sai da sua área de conforto, a literatura. Dedica-se a discutir temas complexos como a linguagem ou consciência, a partir de obras com milhares de anos e textos literários, atirando borda fora todo o conhecimento humano produzindo ao longo dos últimos 100 anos pela psicologia, linguística e neurociências. No final passa a ideia que a ciência é um objeto estranho para Manguel, e que para si tudo pode ser compreendido por meio da literatura e alguns filósofos e religiosos.

Não posso deixar de apontar o dedo a mim próprio que me aproximei da obra com o intuito de aprender algo específico sobre curiosidade, já Manguel estava apenas interessado em compilar textos em redor da construção de outros textos. Mesmo as suas memórias são meras introduções a cada capítulo, muitíssimo curtas, e sem conexão abrangente com o que se vai discutir depois nas passagens literárias. Por sua vez, as passagens literárias acabam contaminadas por Dante, o que no início resulta interessante, mas rapidamente se torna cansativo por nada acrescentar. Percebe-se que Manguel utiliza a Divina Comédia apenas como estrutura, seguindo talvez o caminho de Joyce colado à Odisseia, mas totalmente incapaz de se apropriar da Comédia, como Joyce se apropriou e soube criar uma Odisseia para Bloom. Aqui não temos qualquer rito de passagem de Manguel, nem sequer da curiosidade, não partimos de lado algum, e menos ainda chegamos a qualquer lugar, como acontece com Dante na sua viagem através dos 3 estágios do além. Temos apenas um conjunto de capítulos que podem resultar interessantes soltos, pelo enorme conhecimento de Manguel, mas completamente incapazes de saciar a curiosidade que o livro prometia discutir e apresentar.

Manguel lembra-me Leonardo Da Vinci, ambos imensamente curiosos, mas apenas focados na busca por mais e mais, não conseguindo nunca parar para refletir, para analisar sobre aonde tudo o que já sabem os pode conduzir. Apenas parece interessar-lhes a novidade constante, sempre insatisfeitos, sempre necessitados de mais, do diferente, para acrescentar peças novas ao que já sabem.

Por fim, se tiverem encontrado, ou procurado, este livro de Manguel para saber mais sobre a curiosidade humana, aconselho antes a leitura de "Curious: The Desire to Know and Why Your Future Depends On It" (2014) de Ian Leslie.