Não tivesse Iris Chang cometido suicídio em 2004, provavelmente não teria lido o seu livro “The Rape of Nanking” (1997). Chang foi fortemente atacada pelo Japão na forma da sua desacreditação, mas não parece ter sido esse o único motivo do seu fim. Quando morreu estava a trabalhar o tema da “Marcha da Morte de Bataan”, mais um crime de guerra japonês pouco conhecido. A leitura de “The Rape of Nanking” foi uma das minhas mais violentas experiências de leitura de sempre, por duas vezes senti o vómito subir-me à garganta. No final do livro, percebe-se que muitos dos que sobreviveram àquele inferno pereceram precocemente pouco depois. Isto fez-me sentir que talvez a nossa capacidade cognitivo-emocional não esteja preparada para tamanha dissonância. Levar uma vida normal de empatia humana enquanto se convive interiormente com horrores deste calibre.
O livro de Chang é reconhecido como um documento literário de valor internacional sem o qual as vítimas do Massacre de Nanquim teriam sido apagadas da história. O reconhecimento desta sua obra foi plasmado na forma de uma estátua de bronze colocada no “Salão Memorial das Vítimas do Massacre de Nanquim pelos Invasores Japoneses” em Nanquim em 2005.
Chang recuperou não apenas a história das vítimas, mas também daqueles que tudo fizeram para salvar os sobreviventes assim como para salvar documentação que atesta a veracidade dos factos — diários, testemunhos, fotografias e filmes. As histórias de John Rabe e de Minnie Vautrin mereciam o mesmo tratamento dado a Oskar Schindler e Aristides de Sousa Mendes, contudo, como diz Chang, o não reconhecimento total por parte do Japão até hoje das atrocidades cometidas, ao contrário da redenção procurada pela Alemanha, continua a limitar tudo e todos os que se aproximam do assunto, mesmo passados mais de 80 anos sobre os eventos.
"Em Novembro de 1937, após a sua bem sucedida invasão de Xangai, os japoneses lançaram um ataque maciço contra a recém-criada capital da República da China. Quando a cidade caiu a 13 de Dezembro de 1937, os soldados japoneses iniciaram uma orgia de crueldade que raramente, se é que alguma vez, se igualou na história mundial. Dezenas de milhares de jovens foram reunidos e levados para as zonas exteriores da cidade, onde foram ceifados por metralhadoras, usados para a prática da baioneta, ou encharcados com gasolina e queimados vivos. Durante meses as ruas da cidade foram amontoadas com cadáveres e cheiravam ao fedor da carne humana em decomposição. Anos mais tarde, peritos do Tribunal Militar Internacional do Extremo Oriente (IMTFE) estimaram que mais de 260.000 não combatentes morreram às mãos de soldados japoneses em Nanquim no final de 1937 e início de 1938, embora alguns peritos tenham colocado o número em bem mais de 350.000." excerto de The Rape of Nanking
Este livro, por muito violento que seja, para mim só comparável com outros dois filmes sobre a segunda-guerra, “Come and See” (1985) do bielorruso Elem Klimov e "Son of Saul" (2015) do húngaro László Nemes, é uma breve exposição do que aconteceu em 1937-1938 que ajuda a colocar numa perspetiva completamente distinta aquilo que viria a acontecer em 1945 em Nagasaki e Hiroxima como tão impressivamente foi também reportado por John Hersey em "Hiroshima" (1946). Mas é também um documento que ajuda a compreender o quão auto-centrados vivemos, reconhecendo apenas a história daqueles que nos são próximos, dando muito pouca importância a tudo aquilo que é distante de nós.
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