"Projections" (2021) é um livro de memórias de um psiquiatra americano que desenvolve investigação no domínio da engenharia neuronal. Karl Deisseroth foi um dos primeiros cientistas, no início dos anos 2000, a demonstrar a possibilidade de ativar/desativar neurónios por via da luz, um processo que entretanto ficou conhecido como optogenética. Por este meio é possível reajustar o funcionamento de grupos de neurónios que se encontrem a funcionar incorretamente, conseguindo provocar alterações comportamentais ao nível da procriação, memórias, adicção ou alimentação, sendo vista como uma das técnicas mais revolucionárias das neurociências. Ao longo do livro, Deisseroth fala do desespero e frustração sentidos na sua atividade clínica como as principais forças motrizes para o seu envolvimento com a bioengenharia que o conduziriam ao desenvolvimento da optogenética. Em 2021, Deisseroth foi premiado com o Lasker Award, o chamado nobel americano da medicina pelo seu contributo para a optogenética.
O livro de Deisseroth assume o registo tradicional dos livros escritos por médicos relatando as suas experiências e pacientes mais esotéricos — Paul Kalanithi, Atul Gawande, Oliver Sacks, Nuno Lobo Antunes — , funcionando muito bem, ainda que por vezes se exceda nalguns floreados formais desnecessários. Mas o livro torna-se mais interessante porque não se trata de uma mera viagem pelo reino da psiquiatria, mas antes de uma viagem de descoberta à necessidade destas novas técnicas de intervenção clínica. Deisseroth não entra em detalhe excessivamente científico, mas acompanha as descrições com casos e doenças mentais concretas — esquizoafetividade, mania, anorexia, suicídio, demência, entre outros — para facilitar a divulgação científica, conseguindo dar-nos a compreender o modo como funciona a técnica e o seu enorme potencial para o futuro.
Uma das coisas que mais me impressionou na técnica da optogenética é que esta parece conseguir chegar ao nível da valência emocional, ou seja, perceber quando a experiência é boa/positiva ou má/negativa para o paciente. Tendo em conta o facto de ser algo completamente subjetivo e que até agora nenhuma outra tecnologia permitiu aceder, dá conta do enorme potencial desta abordagem no domínio da cognição e emoção humanas.
Sem comentários:
Enviar um comentário