janeiro 16, 2022

O Triunfo do Cristianismo. Como uma Religião Proibida Mudou o Mundo

Não é um tema que me tenha atraído nos últimos anos, contudo a leitura de "Heaven and Hell" (2020) de Bart Ehrman despertou-me o interesse, diga-se também que combinado com o meu crescente interesse pelos clássicos. Neste livro, "O Triunfo do Cristianismo" (2017), Ehrman situa a análise da afirmação do cristianismo entre o século I e o século V, levando-nos pela mão, permitindo que aprendamos imenso, fazendo da leitura uma experiência imensamente compensadora. Apesar da complexidade das questões, Ehrman partindo do trabalho de muitos outros académicos e seu, apresenta uma teorização credível sobre o modo como o cristianismo suplantou não só o judaísmo, mas em particular o paganismo, e como se afirmou e tornou na religião de facto de  todo um império.

Na Roma Antiga existiam deuses para tudo, e cada um rezava aos que mais lhe convinham. A sociedade era politeísta e vivia bem na tolerância dos deuses de cada um. A assunção do cristianismo a religião de uma nação, império, que ocupava mais de metade da Europa e do Médio-Oriente, iria conferir poder, como nunca antes, a um conjunto muito concreto e delimitado de ideias. O cristianismo passaria de 30 pessoas no ano 30, para 30 milhões em pouco mais de 300 anos. Por volta do ano 500 a grande maioria de todo o império, 60 milhões, seria cristã. Por isso Ehrman diz, e temos de concordar, que foi "a maior transformação cultural que o nosso mundo alguma vez viu", porque:

"O cristianismo não só tomou conta do Império, como alterou radicalmente a vida dos que nele viviam. Abriu a porta a políticas e instituições públicas para cuidar dos pobres, dos fracos, dos doentes, e dos proscritos como membros merecedores da sociedade. Foi uma revolução que afectou práticas governamentais, legislação, arte, literatura, música, filosofia, e - a um nível ainda mais fundamental - a própria compreensão de milhares de milhões de pessoas sobre o que significa ser humano".

Ehrman diz que o cristianismo surgiu como solução apetecida pelos pagãos que se sentiam rechaçados pelo judaísmo e suas regras identitárias e práticas restritas. Porque, tal como o judaísmo, o cristianismo oferecia um deus único, mas mais importante, oferecia uma chave para explicar a vida, indo mesmo além do judaísmo, oferecendo uma chave para explicar o além-vida (ver o livro "Heaven and Hell" do mesmo autor). 

Ehrman inicia a explicação do processo de afirmação com Constantino, o criador de Constantinopla e responsável por descriminalizar o cristianismo no século IV, mas acaba por ir atrás e colocar a ênfase em Paulo, século I. Porque Paulo daria início a um processo que até então nenhum outro movimento de ideias tinha pensado seguir, o missionarismo, o pregar da palavra, a persuasão e conversão dos outros. E isto fazia ainda mais sentido porque ao contrário do paganismo o cristianismo era exclusivo, não se podia ser cristão e adorar outros deuses. Por outro lado, como explica Ehrman, o cristianismo por se ter baseado na mitologia judia, trazia consigo um longo lastro teológico de suporte que lhe permitiria apresentar todo um cenário muito mais persuasivo do que o paganismo que era meramente sustentado em práticas.

Não deixa de ser impressionante pensar como uma religião, nascida de um punhado de pessoas, perseguidas por todos, viria, passados 300 anos, a conseguir infiltrar-se na governação de estados completos, e reinar sobre quase toda a Europa por mais 1000 anos. Foi preciso esperar pelo Renascimento, século XV, para ver a criatividade finalmente emancipar-se do imaginário religioso. Mas seria preciso chegar ainda o Iluminismo, século XVIII, para que se pudesse voltar a pensar o estado como separado da Igreja. 


Nota GoodReads: 4 em 5

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