maio 22, 2021

"Walden Two" de B. F. Skinner

B. F. Skinner foi professor de psicologia, recipiente de múltiplos prémios e distinções pelo seu trabalho, tendo ficado na história como um dos maiores defensores da abordagem behaviorista da psicologia na qual proporia o chamado "behaviorismo radical", uma proposta que vê os indivíduos como sistemas de comportamentos — respostas do humano a estímulos do ambiente —, em que tudo aquilo que sentimos é apenas reflexo da forma como nos comportamos. Deste modo Skinner acreditava que moldando o ambiente poderíamos moldar os indivíduos, acreditava na possibilidade da "engenharia do comportamento" por via da "engenharia cultural". O livro "Walden II" (1948) é um romance que segue o método socrático (investigação filosófica por meio do diálogo) e serve a apresentação destas engenharias com base numa comunidade utópica. Não é um grande romance, mas é uma excelente apresentação das ideias do autor, o que faz deste uma excelente leitura para quem se interesse pelo tema. 

Sobre a minha experiência de leitura, tenho de dizer que me ri bastante ao longo de todo livro. Não porque Skinner introduza qualquer variante cómica no discurso, mas pela enorme ingenuidade das ideias apresentadas. Por várias vezes parei pensando no quanto evoluímos em 70 anos, e no que era possível acreditar nos anos 40 do século passado. Se bem que no final, quando fui pesquisar um pouco mais, percebi que Skinner ficou parado nessa época já que num prefácio de 1976 continuava a defender as mesmas ideias. Eu não vou perder tempo a tentar rebater nada do que ele pensava, porque já muitos o fizeram antes, mas quero deixar a referência a um texto de Chomsky, "The Case Against B.F. Skinner" em que ele fala não de "Walden II", mas de um  livro de Skinner, com ideias muito próximas das aqui defendidas, "Beyond Freedom and Dignity" (1971), destruindo completamente não apenas as ideias, mas toda a credibilidade científica de Skinner.

"Skinner (...) speculations are devoid of scientific content and do not even hint at general outlines of a possible science of human behavior. Furthermore, Skinner imposes certain arbitrary limitations on scientific research which virtually guarantee continued failure (...) As to its social implications, Skinner’s science of human behavior, being quite vacuous, is as congenial to the libertarian as to the fascist." Chomsky, 1971

Na verdade, a comunidade utópica apresentada por Skinner no livro não se distingue muito das comunidades anarco-comunistas, pelo menos à superfície, podendo evocar aqui a minha leitura recente de "Os Despojados" de Ursula LeGuin como algo bastante próximo. Contudo, quando analisada em maior profundidade, tenho de concordar com Chomsky, porque Skinner não chega perto anarquismo, mas vai direto ao fascismo.

A ideia de Skinner é tão simplista que dói ler, ou no meu caso, provoca muito riso. Para ele, o simples condicionamento operante, em que o comportamento é reforçado positivamente ou punido, seria suficiente para moldar toda a uma sociedade e levar as pessoas a viverem felizes para todo o sempre. Mas como responde Chomsky: "At the moment we have virtually no scientific evidence and not even the germs of an interesting hypothesis about how human behavior is determined". Mas isso não impede Skinner de avançar com as suas propostas e dizer que todo o problema reside num mau design da sociedade, e  com a tecnologia correta, que ele diz já possuir, todos os problemas seriam resolvidos. Não me interessando adentrar mais sobre o assunto, quero apenas repescar uma ideia que já me tinha ficado de "Os Despojados", relacionada com o conservadorismo, a imutabilidade social, que fica aqui bem patente ao defender-se que o conhecimento da História é totalmente irrelevante:

“The past and the future are both irrelevant. We don’t act because of a future, nor because we know there’s going to be one (...) We don’t teach history (...) Any single historical event is too complex to be adequately known by anyone. It transcends all the intellectual capacities of men (...) I don’t care how well historical facts can be known from afar. Is it important to know them at all? I submit that history never even comes close to repeating itself. Even if we had reliable information about the past, we couldn’t find a case similar enough to justify inferences about the present or immediate future. We can make no real use of history as a current guide (...) Nothing confuses our evaluation of the present more than a sense of history (...) What we give our young people in Walden Two is a grasp of the current forces which a culture must deal with (...) simply the Now! The present is the thing. It’s the only thing we can deal with...

Confesso que ao chegar a esta parte não me ri, não ri porque aqui Skinner já tinha entrado na transcendência, não do mero fascismo mas do religioso. A proposta "do agora" é a mesma proposta de Eckhart Tolle, um conhecido manipulador, com milhares de seguidores em todo o mundo, dotado de boa oratória e que centra o seu discurso de alívio espiritual na ideia do viver a vida momento a momento. Como se o "agora", o renegar de passado e futuro, pudesse oferecer-nos qualquer realização pessoal. É verdade que a estratégia do momento no momento pode ser apaziguadora, mas não passa de uma alavanca para evitar a vida e de efeito muito efémero.


Dito tudo isto, e voltando ao romance, tenho de dizer que Skinner me surpreendeu positivamente. Como disse, não é um grande romance no seu sentido convencional, mas servindo o propósito da comunicação de ciência, funciona de forma belíssima. Naturalmente não será capaz de manter a atenção do leitor regular, sendo potencialmente bastante chato, mas quem tiver no interesse no tema em discussão vai sentir-se em casa.

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