"The Scientific Outlook" foi publicado em 1931 e está hoje um pouco datado. Apesar de ter sido reeditado em 1949, com pequenas alterações pelo autor no domínio histórico, permanecem problemas científicos como o otimismo para com o behaviorismo, a fazer lembrar "Walden Two" (1948) de Skinner, e a psicanálise de Freud, assim como apresenta dúvidas quanto ao darwinismo. Mas mais importante do que essas falhas, explicáveis pela época, é todo o trabalho especulativo realizado ao redor da sociedade científica do futuro, pelo modo como abre caminho a todo uma forma de olhar a realidade que nos obriga a questionar o lugar da ciência.
Russell dividiu o livro em três partes. Na primeira, dá conta da história e filosofia da ciência, com partes que fazem lembrar o livro que escreveria em 1945, "História da Filosofia Ocidental"; na segunda, fala da sua aplicabilidade imediata, nomeadamente da tecnologia, mas acima de tudo como energia, marcando a invenção da eletricidade como a origem do novo mundo de base científica; e na terceira apresenta o futuro de uma sociedade científica, enquanto profunda distopia. No prefácio, David Papineau sintetiza os traços gerais dessa distopia:
"All aspects of life will come to be controlled within totalitarian states. Forms of democracy may be retained, but real power will pass to a small group of scientific experts. The economy, along with education, reproduction, and entertainment, will be centrally regulated, with the help of scientific propaganda techniques. Most of the population will be sterilized, and propagation restricted to a small selected group. Sexual relations among the sterilized will become unrestricted. Children will be educated either to be governors or workers, with especial care taken to ensure that the governors learn to value the State over any personal attachments."
Recordando que o livro foi publicado em 1931, um ano antes de "Admirável Mundo Novo" (1932), escrito por Huxley em apenas 4 meses, e quase vinte anos antes de "Mil Novecentos e Oitenta quatro" (1949), ficamos a pensar que Huxley e Orwell trouxeram pouco de novo, e que foram profundamente influenciados por Russell. Aliás, isso é tanto mais assim que em 1932, Russell contactou o seu editor perguntando se não deveriam processar Huxley pelo "aparente plágio", tendo optado por não prosseguir com o processo. Mas em 1949, aquando da reedição, Russel escreveria o seguinte:
"The material of the last few chapters may seem now more familiar than at the time of the first edition, since it has been popularized in two widely read books, Huxley's Brave New World and Burnham's Managerial Revolution. I do not suggest that my book had any influence on either of these, but the parallels are interesting, and will, I hope, persuade the reader that my fears are more than an individual phantasy."
Comparando as 3 obras, e apesar de ser admirador de ambas as ficções, com particular destaque para Orwell, já que o trabalho de Huxley me parece limitado dramaticamente assim como no alcance da proposta, tenho de dizer que Russell me surpreendeu totalmente, ainda antes de perceber que tinha escrito isto antes de Huxley, tendo conseguido deixar-me nauseado.
Para este efeito, da experiência da leitura, contribui o facto de ter ficado na dúvida se aquilo que Russell estava a descrever era algo em que acreditava, e pior ainda, algo que via como desejável. Russell termina a segunda parte falando de tudo aquilo de bom que a ciência nos trouxe, do enorme conforto criado para o humano no século XX. Depois, inicia a terceira parte como se estivesse num processo de continuidade, sem qualquer aviso do que vai fazer. Tendo em conta a persona pouco ortodoxa que foi, nomeadamente muito frontal nos seus ataques aos dogmas religiosos, tabus morais e conservadorismo, a dúvida sobre a sua crença no que está a dizer é total. Só no final, Russell deixa bem claro que o fundamento da secção era expor a nú o problema de um estado governado exclusivamente pela ciência, sem atenção à ética.
É preciso dizer que apesar de ser um livro sobre ciência, para amantes de ciência, no final fica-se com um trago bastante amargo. A ciência é fundamental para o nosso desenvolvimento, mas tendo em conta a complexidade de que o humano é feito, a ciência só não chega. Russell admite a incapacidade da ciência para nos ajudar a compreender completamente a realidade humana. Por outro lado, a ciência é uma força motriz orientada à conquista do futuro, procurando formas de conseguir sempre mais, alegadamente otimizando para o melhor, mas isso facilmente nos pode conduzir a estados governados em modos totalitaristas. Diz Russell no capítulo final:
"The impulse towards scientific construction is admirable when it does not thwart any of the major impulses that give value to human life (...) There is, I think, a real danger lest the world should become subject to a tyranny of this sort (...) The love of knowledge to which the growth of science is due is itself the product of a twofold impulse. We may seek knowledge of an object because we love the object or because we wish to have power over it. The former impulse leads to the kind of knowledge that is contemplative, the latter to the kind that is practical. In the development of science the power impulse has increasingly prevailed over the love impulse. The power impulse is embodied in industrialism and in governmental technique."
É no entanto muito interessante ver como apesar deste aviso enorme de Russell, o prefaciador assim como várias análise críticas tanto ao livro como algumas caricaturas políticas que se vão fazendo contra o populismo, tendam a olhar para a ciência como neutral e a solução-mãe para todos os problemas sociais.
Por outro lado, não deixa de ser profundamente estimulante ver como Russell cataloga a diferença entre o conhecimento fundamental e o aplicado, nomeadamente sobre os seus impactos. Porque se a Universidade tem sido apresentada como o lugar do "amor ao conhecimento", na verdade todas as pressões a que está sujeita querem dela apenas o Poder que a Ciência lhes pode garantir.
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