maio 28, 2022

"Rebecca" (1938) de Daphne Du Maurier

"Rebecca" (1938) é um livro imensamente apreciado, inicialmente mais pelo público, mas hoje também por alguma crítica. Já o tinha tentado ler, mas não tinha gostado da escrita. O filme homónimo de Hitchcock também não me tinha deixado qualquer marca particular. Mas voltei agora a insistir, em mais uma tentativa para tentar compreender o que gera tanto interesse. Gostei da leitura, nomeadamente a partir do meio, onde o enredo nos agarra e não conseguimos parar de ler, mas no final soube-me apenas a mais uma história de crime.

(Esta edição é de um tempo em que ainda traduzíamos os nomes dos personagens)

A escrita de Du Maurier deixa bastante a desejar, o livro está totalmente focado no enredo, ou seja, na descoberta de quem fez o quê a quem e porquê, mas como a autora tenta injetar alguma psicologia no processo, somos amiúde surpreendidos com divagações interiores da protagonista que em vez de ajudarem a definir melhor a sua personagem, se dedicam a especular alternativas do rumo dos acontecimentos. Ora, o monólogo interior na literatura não serve para descrever ações, para isso temos meios muito melhores, desde logo a narração, mas melhor ainda a dramatização. Se uma personagem reflete, e o autor nos dá acesso a essa reflexão, é bom que se aproveite para dar a conhecer que tipo de pessoa é, aquilo em que acredita, aquilo que está disposta a fazer, aquilo que foi o seu passado e a define como pessoa. Assim, chegamos ao final não apenas sem saber o nome da protagonista, mas também sem saber quem ela era, ou porque faz o que faz. Podemos mesmo dizer que ela não passa de um peão, uma espécie de autómato que nos permite ver através dos seus olhos, que colocada dentro da ação cria a sensação de estarmos lá, mas não tendo a ação qualquer impacto particular sobre esta, a nossa presença não vai além do voyeur.

Em relação à estrutura, é também desesperante ter de aguardar até metade do livro para que algo aconteça. Até ali, somos apenas brindados com factos incompletos que nos vão atiçando a curiosidade e nos obrigam a manter a ler para descobrir o que se passa ali. Mas efetivamente, algo só acontece, ou só nos é revelado a meio do livro, o que é um claro exagero em termos de demanda da paciência do leitor. A autora usa todos os artifícios possíveis para protelar o desvelar de acontecimento, nomeadamente o colocar da protagonista a imaginar continuas ações alternativas ou possibilidades de acontecimentos, para assim nos manter na dúvida e agarrados. 

Apesar de todos estes problemas, a segunda parte redime totalmente o livro, já que Du Maurier acede a entregar informação, e à medida que o vai fazendo vai tecendo novas camadas de interrogações que nos começam a colocar verdadeiramente dentro da ação. Por outro lado, as descrições das várias personagens, desde a casa às empregadas, e claro a própria Rebecca, têm o efeito desejado de nos perturbar, nos colocar em modo suspense, expectantes sobre o que representam e o que poderá ainda vir dali. Nesse sentido, acaba por ser uma leitura rápida e prazerosa. 

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