"When We Cease to Understand the World" (2020) começa como um normal livro de divulgação de ciência — química, física e matemática —, mas imensamente estimulante, apresentando muitos factos excêntricos e pouco conhecidos. À medida que se avança vamos sentindo que o descritivo do mundo científico se vai deixando contaminar pelo narrativo da ficção criada pelo autor como modo de intensificação daquilo que parece querer dizer-nos. Depois, no epílogo, somos brindados com uma pequena história que de tão realista, ainda que mantendo a excentricidade, se lê como metáfora de tudo o que foi apresentado antes, deixando-nos com uma forte ideia filosófica sobre o sentido da espécie. Labatut agradece no final a vários autores, de entre os quais W. G. Sebald, mas não seria preciso, esta é uma obra totalmente sebaldiana, pelo modo como fusiona ficção com não-ficção.
O livro parece à primeira vista dividir-se em 4 contos, mas não o são. Cada capítulo foca-se numa personagem das ciências —— o químico Fritz Haber; o astrofísico Karl Schwarzschild; o matemático Alexander Grothendieck; e os físicos Erwin Schrödinger e Werner Heisenberg — que nos falam daquilo que AC Grayling definiu como "Fronteiras do Conhecimento" (2021). Labatut aproveita a existência dessas fronteiras, entre o conhecido e o desconhecido, para ficcionar sobre a relação entre o mundo visível, o real, e a nossa espécie nas suas capacidades para investigar, aferir, chegar a conhecer. Dá conta do muito positivo que a ciência nos deu (quase extinção da fome), mas foca-se em particular no modo como a ciência também nos trouxe o negativo, não apenas para este planeta (o nuclear e o clima), mas para nós, humanos que estudamos e tentamos compreender nem que isso nos leve ao limite (o quântico e o holocausto, assim como a insanidade).
Não é um livro de respostas, nem sequer de grandes questões, é um livro de descrições, comparações e contrastes que podem ser apenas coincidências, ou podem conter mais do que isso. O seu maior feito é mesmo a experiência que cria em nós capaz de nos levar a refletir sobre um conjunto de factos, ideias e conceitos que nos conduzem ao questionamento sobre nós mesmos enquanto todo. Se o título em inglês vai direto à grande questão do que significará o conhecimento humano — Quando Deixamos de Entender o Mundo —, mas não oferecendo mais do que isso, o título original — Um Terrível Verdor —é bastante mais subtil, servindo-se da analogia do florir do limoeiro, apresentado no epílogo como golpe final e verdadeiro murro no estômago.
O livro esteve na shortlist do Booker 2021 deste ano, e no entanto antes mesmo de chegar a inglês já tinha sido traduzido para português pela Elsinore. Se isto seria suficiente para enaltecer a editora, mais ainda o deve ser quando verificamos que a nossa tradução segue o original em espanhol da Anagrama, enquanto a tradução inglesa realiza cortes, como por exemplo o ocultar o facto de Hermann Göring pintar as unhas enquanto consumia uma variante da heroína.
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