É um livro que só faz sentido ler depois de se ter lido a Odisseia. A leitura está constantemente a levar-nos de volta à nossa experiência da Odisseia, com as diferentes interpretações que vão sendo apresentadas, não só alargando o nosso conhecimento, mas também densificando as nossas memórias dessa leitura, algo que contribuirá para que a viagem de Ulisses se sedimente ainda mais em nós. Não posso dizer que Mendelsohn se alargue muito, para quem tiver dedicado um pouco a leituras adicionais à Odisseia, a Homero, e aos gregos, não encontrará nada de muito novo, ainda assim o modo como tudo vai sendo apresentado, é não só imensamente agradável como enriquecedor da experiência do texto original.
Mendelsohn e o pai na viagem ao Mediterrâneo
A vista do Bard College, dando conta de um lugar propício ao estudo da Odisseia.
Voltando ao início, se já tinha esta ideia quando li a Odisseia, agora fiquei completamente certo disso, a Odisseia não é um épico, é um romance. Procurei depois sobre isto, e encontrei pelo menos dois autores que desconstruíram este argumento (ver abaixo referências), demonstrando como a Odisseia apresenta todos os ingredientes base daquilo que viriam a ser os romances pós D. Quixote. A saber:
. O amor maior pela mulher do que pelas deusas.
. O amor da mulher que tece e destece uma camisola, esperando 20 anos.
. O naufrágio e a perda de tudo.
. A origem da cicatriz, a gestão da emoção e drama.
. A educação de Telémaco.
. A moral, a compaixão, o amor, as emoções, as traições, o casamento, os filhos, os pais e mães, os deuses, os servos.
. Constelação de personagens que sustentam a moral de Ulisses.
Excerto do paper "The "Odyssey" as Romance" de John Dean
A Odisseia é a matriz de tudo o que foi escrito desde então, e por isso ou é tão brilhante que não a conseguimos até hoje suplantar, ou então, o modo como foi feita, o facto de ter sido testada previamente durante séculos como história oral, fez com que adquirisse traços daquilo que faz de nós seres humanos — sociais, afetivos e cognoscentes — tornando-se mais num modo como pensamos e exortamos o mundo, deixando de ser mero artefacto escrito.
Referências
Hubert McDermott (1989), Novel and Romance: The Odyssey to Tom Jones, Palgrave Macmillan UK
John Dean, (1976), "The "Odyssey" as Romance", in College Literature, Vol. 3, No. 3, The Homeric Epic, pp. 228-236
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