janeiro 04, 2022

História Íntima da Humanidade

Confesso que parti para este livro cheio de expectativas. O que procurava era a vida vivida por pessoas reais e comuns. Em termos históricos, estou um pouco cansado de ler sobre imperadores, reis, filósofos, artistas ou heróis de guerra. Queria saber mais sobre o modo como viveram as pessoas comuns ao longo do tempo, e como se têm alterado as vivências. Sei que isto não é um modo de historiar muito convencional porque naturalmente existe menos material sobre as pessoas comuns do que sobre os que a História decidiu imortalizar, mas é algo que se vai fazendo em obras como "A History of Private Life" (1987) assim como em muitos outro livros sobre a "everyday life". Contudo, não foi nada disso que encontrei em "História Íntima da Humanidade" (1994) de Theodore Zeldin.

Nas abordagens históricas, reconhecidas como tal, o caminho tende a ser o do estudo e análise em profundidade de registos históricos escritos, nomeadamente autobiografias, memórias, correspondência, documentos legais, artigos de jornais, discursos, etc. Ora Zeldin não faz nada disso. Zeldin entrevista cerca de 30 pessoas, seleciona meia-dúzia de excertos do que cada uma diz para criar uma introdução em cada capítulo (25) e depois disserta sobre aquilo que lhe parece que elas disseram, relacionando-o com o passado histórico que lhe apraz. Se isto parece problemático, mais ainda se torna quando analisamos as pessoas entrevistadas.

A esmagadora maioria das pessoas são: Mulheres, Francesas, Brancas e com Estudos superiores ou familiares com estudos superiores. Como é que um recorte destes podem responder pela História Íntima da Humanidade? Ou como diz a sinopse:

"Esta célebre investigação das emoções e relações humanas explica como as pessoas do presente e do passado têm escapado à solidão, ao medo, à falta de sentido da vida; como encontram novas paixões e aventuras e como podem evitar serem prisioneiras das suas memórias e erros."

Este recorte nem sobre a História Íntima das Mulheres Francesas estaria bem, pois a maioria das mulheres francesas no início dos anos 1990 não tinha qualquer relação com a universidade. Não admira que as entrevistadas tendam a proferir discursos existenciais com alguma profundidade. Poderia dizer-se que por isso se fala de intimidade, mas então não se fala de humanidade, fala-se de um grupo de pessoas muito selecto e nada representativo da diversidade humana.

Ultrapassado o problema do recorte, o livro ainda não se resolve. As vinhetas ensaísticas apresentadas em cada capítulo, após a introdução de cada pessoa, dizem muito pouco, apesar de falarem de coisas grandiosas. Ou seja, fala de tudo e de nada. Não existe uma estrutura, não existe uma lógica, existe um seguir a corrente do dia, do que vem à mente em função do que cada uma diz. Salva-se o facto de Zeldin escrever muito bem, e apresentar algumas histórias de vida de mulheres interessantes, mas mesmo isso acaba por saturar por via da repetição antes mesmo de chegar a meio do livro. Uma enorme deceção.

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