Tivesse eu lido este livro há alguns anos, teria ficado chocado com o que aqui se escreve sobre a vasta destruição dos pagãos pelos cristãos. Contudo, nada disto pode ser apresentado desta forma leve, desde logo porque a destruição apresentada ocorreu ao longo de séculos, sendo aqui apresentada como uma sucessão narrativa de causas e efeitos imediatos, o que retira alguma credibilidade ao relato. Os clássicos têm dois mil anos, as evidências que temos do que aconteceu são fragmentos de fragmentos. Não podemos a partir dos mesmos, pegar em momentos avulso no tempo, escolhidos pela sua intensidade, e criar um fio condutor que explica tudo com uma única dimensão ou causalidade. Claro que num pequeno livro, tal como num documentário, sobre assuntos complexos, não se pode entrar pelo detalhe dos múltiplos pontos-de-vista, arriscando a fragmentar o discurso, perdendo o foco e a atenção do leitor/espectador. Mas a simplificação do complexo, por mais ressalvas de imparcialidade que se façam, tende demasiadas vezes a criar viéses marcados pelo que se escolhe apresentar e não apresentar.
Dito isto, sabemos que o cristianismo destruiu muito, e também não temos dúvidas sobre o facto de ter sido um dos grandes causadores das trevas da Idade Média, por mais que os colegas dos Estudos Medievais dourem essa era. O que é impressionante é toda essa destruição ter sido feita em nome de uma religião sem a necessidade de qualquer imperador ou rei a ditar ordens e a consagrar financiamento e esforços para levar a cabo todo esse trabalho de substituição cultural. A autora não explica porquê, mas se lerem Bart Ehrman, vão perceber como tal foi possível. O cristianismo surgiu com uma particularidade diferente de todas as outras religiões, o da conversão religiosa realizada por meio de um espírito missionarista. Deste modo, a visão do pregar da palavra de Paulo foi propagada a todos, que se sentiram na obrigação de continuar a propagar, criando um movimento coletivo nunca antes visto. De resto, a conversão de uma sociedade politeísta numa sociedade monoteísta, só poderia acontecer por meio de muito violência e destruição, e é essa a parte da história que Nixey conta neste livro.
Dito tudo isto, não deixa de ser imensamente doloroso atentar no rasto de destruição que ainda hoje é bem vísivel nos artefactos que sobreviveram aos tempos, assim como em toda a opressão criada em nome de algo que pregava exatamente todo o seu contrário. Mas da análise histórica da nossa civilização, este não foi caso único, antes parece fazer parte da condição humana que se resume a uma constante necessidade de se sobrepor aos mais fracos, de eliminar o que vem de trás, e recriar novas ordens a partir da destruição das antigas. Atente-se na história de Palmira, que ainda recentemente foi palco de destruição massiva.
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