janeiro 07, 2023

Como Não Fazer Nada

Jenny Odell é uma artista e professora de design digital na Universidade de Stanford, e o seu livro "How to Do Nothing: Resisting the Attention Economy" de 2019 tornou-se um best-seller nos EUA, ou como se diz na gíria da internet, tornou-se viral. A razão prende-se essencialmente com o argumento que discute: como lidar com um mundo em alta-rodagem em que somos continuamente monitorizados e se espera que atinjamos mais e mais resultados. A discussão realiza-se num plano próximo, em que todos aqueles que trabalham no mundo dos serviços e usam redes sociais no seu dia-a-dia facilmente se reconhecerão, mas enriquece essa discussão com teorização da psicologia e fenomenologia, assim como com a sua própria experiência. Odell nasceu em Cupertino na California, a pequena cidade que alberga a sede "espacial" da Apple, considerada um dos corações de Silicon Valley, tendo crescido no meio da tecnologia procurou conciliar a mesma com os seus estudos em artes.

janeiro 01, 2023

“Jeanne Dielman, 23 quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (1975)

Se de nada mais valesse, o cânone que a revista britânica Sight & Sound* vem criando e revendo desde 1952, já serviu para demonstrar o quão enviesada pode ser a nossa visão de um mundo quando nos é apresentada por um grupo de pessoas pouco, ou nada, diverso. Foram necessárias sete décadas para que um filme criado por uma mulher chegasse ao Top 10, e tal foi apenas conseguido porque se alargou tremendamente o leque de críticos ouvidos (de 63 em 1952 para 1639 em 2022), mas acima de tudo porque se diversificou o seu género. 

A metáfora em Lobo Antunes

Não é bem uma novela, é mais um poema em prosa sobre as memórias de um ex-combatente da Guerra Colonial Portuguesa, um militar médico português enviado para Angola. Neste perfil encaixa o próprio autor, António Lobo Antunes, que tendo terminado a licenciatura em medicina (a especialização em psiquiatra só viria depois) foi destacado para guerra colonial em Angola, entre 1971 e 1973. Neste sentido, podemos dizer que se trata de uma obra autobiográfica, carregada de emocionalidade, transposta na forma de uma escrita profundamente poética.

dezembro 31, 2022

Cyberpunk 2077 (PS5, p1.6)

Há já algum tempo que não sentia tanta satisfação ao chegar ao final de uma história. Tudo perfeito, talvez perfeito demais, num sentido convencional em que se estimulam os sentimentos por via dos valores da família, dos amigos e claro do casal romântico. Ainda assim, no meio de uma distopia pós-apocalíptica tecnológica, o cyberpunk, soube muito bem reencontrar as dimensões do humano como prevalentes. Em "Cyberpunk 2077", a máxima de Pawel Sasko, diretor do Design de Missões, “story goes first with everything” é uma realidade. Podemos navegar o mundo, podemos explorar todas as funções da nossa personagem, das tecnologias, das armas, dos carros, podemos envolver-nos numa miríade de confusões e pequenas missões, mas a história está sempre lá, o nosso personagem está perfeitamente delineado e impacta e é impactado pelo que acontece ao longo da nossa experiência. Não é um RPG tradicional, mas também não é mero Ação-Aventura, é um verdadeiro Immersive Sim, capaz de morfosear RPG, FPS, Stealth, Racing, Cartas, Plataformas e muito Survival, tudo oferecido num mundo aberto deslumbrante. 



dezembro 30, 2022

Máquinas de contar histórias

"Story Machines: How Computers Have Become Creative Writers" foi publicado em julho 2022, mas os seus autores, Mike Sharples e Rafael Perez, académicos na área da aprendizagem e criatividade IA, dizem-nos que o livro começou a ser preparado em 2001, por isso não se espere aqui um tratado sobre o enorme potencial aberto pelos sistemas GPT, que apesar de serem abordados representam apenas uma pequena parte da discussão.

dezembro 26, 2022

A Mente e a Lua

Daniel Bergner realiza serviço público com este livro, “The Mind and the Moon” (2022), ao dar conta do modo como a medicina lida com a doença mental no século XXI. Bergner começa por relatar o horror de um passado não muito distante, dos primeiros hospícios às lobotomias de Egas Moniz, evidenciando que se muito mudou, mudou mais ainda com a secundarização de Freud e a atribuição total de primazia ao poder da química para alterar a biologia. Podemos pensar que tudo foi sendo feito em nome da evidência científica, os problemas começam quando essa não é tão evidente como a indústria farmaceutica quer fazer crer. Os problemas acontecem quando a evidência funciona apenas para uma parte da população, enquanto na outra não vai além de placebo. Os problemas acontecem quando parecendo que funciona acaba por ditar uma qualidade de vida pior do que aquela que existia na sua ausência. Senti por vezes algum receio em continuar a leitura por, em partes, o discurso roçar a teoria da conspiração. Mas, o facto de Bergner ter vários livros publicados, escrever para algumas revistas de referência internacional, e acima de tudo estar a dar conta, em parte, de memórias vividas ao lado de um irmão que passou os últimos 40 anos a lutar com a doença, faz com que nos disponhamos a continuar a ler. Bergner questiona tudo e todos sobre os tratamentos, quase exclusivamente assentes no químico, que oferecemos à doença mental, terminando apenas com uma certeza, a de que continuamos a saber muito pouco sobre o funcionamento da mente.

dezembro 25, 2022

Média Artificiais (artificial media)

2022 ficará na história como o ano em que a Inteligência Artificial foi reconhecida pelas suas capacidades criativas. 

No dia 30 de novembro a OpenAI colocou na rede, em acesso gratuito, um assistente de IA, o ChatGPT, que em apenas 5 dias conseguiu mais de um milhão de utilizadores, alimentados pela curiosidade de contactar com as suas capacidades extraordinárias de conversação. No meio dos muitos defeitos que lhe fomos encontrando —erros factuais, invenção de dados, excesso de confiança, ou falta de “voz” —, todos tivemos de reconhecer que nunca tínhamos visto nada igual. É possível entrar em diálogo com o assistente, conversar sobre a mais ampla gama de assuntos e gerar momentos de profunda partilha empática construída a partir da autoilusão com base na naturalidade, eloquência e compreensão discursiva do assistente.

Mas não foi apenas a conversação que foi tomada de assalto. Meses antes, a 12 de julho, tinha sido divulgado um outro assistente, o Midjourney, depois, a 22 de agosto, era também divulgado o Stable Diffusion da Ludwig Maximilian University de Munich, e ainda a 28 de setembro, a OpenAI disponibilizava a todos o Dall-E 2. Estes três assistentes de IA partilham as mesmas competências de desenho de imagens, com a particularidade de apresentarem resultados originais, simultaneamente muito humanos, como se tivessem sido criados por seres humanos. 

dezembro 24, 2022

A Torre dos Segredos (2022)

O título original — "A History of Water" — não faz muito sentido, porque não explicando do que trata, também não aproxima o leitor do sentimento geral da obra. Ainda que se possa dizer que a obra se foca em dois viajantes da era dourada das descobertas marítimas portuguesas: Luís de Camões (1524 - 1580) e Damião de Góis (1502-1574). Mas o sentimento é claramente melhor captado pelo título português — "A Torre dos Segredos" —, que não só evoca o relato das particularidades das vidas desses dois viajantes, mas denota também a presença central da Torre do Tombo, a torre onde desde 1378 a história de Portugal foi sendo escrita.

dezembro 21, 2022

Leituras recomendadas

Depois dos melhores livros publicados de 2022, deixo os 12 melhores de outros anos, 6 de não-ficção, e 6 de ficção. Leram-se bons livros, ainda assim não sinto que tenha sido um ano em cheio, na segunda metade do ano estive demasiado sobrecarregado e foi difícil aproveitar da melhor forma algumas obras. Do que li, as 6 de ficção são obras que me marcaram, e que não esquecerei. Já as de não ficção, abriram-me novos horizontes de conhecimento, seja na história, design ou psicologia.

Ficção

1. Shuggie Bain (2020) de Douglas Stuart (Análise

2. De Noite Todo o Sangue É Negro (2018) de David Diop (Análise)

3. O Clã do Urso das Cavernas (1980) de Jean M. Auel (Análise)

4. Na Terra Somos Brevemente Magníficos (2019) de Ocean Vuong (Análise)

5. A Oeste Nada de Novo (1928) de Erich Maria Remarque (Análise)

6. Aristóteles e Alexandre (2009) de Annabel Lyon (Análise)


Não Ficção

1. Make it New: A History of Silicon Valley Design (2015) de Barry M. Katz (Análise)

2. Syllabus: Notes from an Accidental Professor (2014) de Barry Lynda (Análise)

3. Projections: A Story of Human Emotions (2021) de Karl Deisseroth (Análise)

4. The Rape of Nanking (1997) de Iris Chang (Análise)

5. An Internet in Your Head (2021) de Daniel Graham (Análise)

6. A Brief History of Equality (2021) de Thomas Piketty (Análise)