junho 18, 2020

"A Plague Tale: Innocence” (2019)

O videojogo "A Plague Tale: Innocence” alicerça-se, segundo os criadores, em “The Last of Us” e “Brothers: A Tale of Two Sons”, o que é notório no campo da narrativa, contudo em termos do design diria que se aproxima mais de algo como "The Order: 1886". O estúdio francês, Asobo, soube aproveitar as origens da cidade natal, Bordéus, para trazer para o centro da narrativa a Peste Negra e a Inquisição criando um cenário propício à produção de conflito e interesse dramático. Já a jogabilidade carece de coerência e síntese, ainda que se crie progressão ao longo do jogo, as mecânicas variam e mudam. Como exemplo, basta ver como em plena batalha final nos é oferecido acesso, pela primeira vez, ao verbo "correr" sem qualquer racional de suporte. Ainda assim, a arte e narrativa redimem a experiência.
Sendo a história o melhor de todo o jogo, junta-se-lhe arte de grande nível, tanto visual como sonora, menos na animação. A modelação e os modelos base usados são de grande detalhe e refinamento, sendo depois imensamente bem trabalhados na ilustração, tanto cor e luz, tudo envolvido em música de câmara barroca que acaba fazendo-nos sentir completamente imersos naquele mundo. Aliás, se os dois irmãos conseguem expressões dignas do nosso interesse, preocupação e compaixão, a praga de ratos consegue plenamente o nosso horror e tensão. Estes últimos são imensamente bem suportados pelos efeitos sonoros, e por isso não raras vezes damos por nós a recear que aquele mundo de ratazanas salte para fora do ecrã para o meio da nossa sala às escuras. A época da idade média resulta imensamente bem nas tonalidades castanhas escolhidas que lhe oferecem um caráter de autenticidade e de um tempo em que a madeira predominava na feitura dos espaços humanos. 
Se a animação funciona menos bem deve-o em parte à rigidez da interação que tolda também a jogabilidade, algo que dificilmente podemos separar. Ou seja, nem sempre os comandos nos obedecem totalmente, nem sempre os objetos se movem como esperados, nem sempre os personagens reagem como pretendido. Mistura-se a animação e o design numa tentativa de controlo da tensão da experiência mas que acaba a sugerir problemas de mau desenvolvimento. 

Se a IA, de forma geral, funciona bem, tanto no controlo dos personagens acompanhantes como dos inimigos, nestes últimos as capacidades perceptivas aumentam progressivamente sem qualquer razão, a não ser a de criar a sensação de progressão de dificuldade. Se no início podemos fazer stealth seguindo apenas pelas sombras, no final basta estar em linha com os soldados, não interessa a distância nem a luz, para sermos detectados, como se os soldados se tivessem tornado super-soldados. Isto acaba por elevar, em excesso, a dificuldade o que vai criando frustração porque contra as lógicas anteriores. Mas essa frustração não se fica pelo design, já que este acaba por produzir uma necessidade de repetição excessiva, seguindo lógicas de resolução por mera tentativa-e-erro, desligando-nos completamente do núcleo narrativo que está a ser contado nesses momentos.

O jogo salva-se pelo excelente trabalho realizado no design de narrativa, nomeadamente de personagens, com os dois irmãos a fundirem-se muito bem, tal como em “Brothers: A Tale of Two Sons”, indo mesmo além e aproximando-se por vezes da profundidade conseguida em "The Last of Us". O irmão mais novo, Hugo, não é mero acompanhante, nem Amicia é mera protectora deste. Existe uma verdadeira relação de irmãos com um arco-dramático completamente delineado que começa na fragilidade de lidar com mundo real, próprio de crianças da nobreza, e evolui para o amadurecimento e autonomização de ambos os irmãos. Não se pode dizer que é uma história com grandes ideias para comunicar, mas é uma história perfeitamente delineada, assente no valor universal da inocência, totalmente coerente e capaz de sustentar o nosso interesse ao longo de todo o jogo. Tanto assim é que os escusados bosses finais, repetitivamente difíceis, só são ultrapassados por nós porque desejamos veemente ver aqueles irmãos chegarem ao fim das suas jornadas.

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